Nota:
O senhor Gilbert Keith Chesterton está muito ocupado no momento e não pode
conceder uma entrevista ao blog pessoalmente. Vali-me da prestimosa ajuda da
senhora Francis, esposa do eminente escritor inglês, que passou-lhe as
perguntas. Ele telegrafou diretamente ao responsável pelo blog com suas respostas
luminosas. Agradeço de público o auxílio da senhora Francis pela já conhecida
atenção com todos que, por um motivo ou outro, procuram orientações do gênio
inglês. Lembro-me com carinho e saudade dos deliciosos chás por ela preparados
em outras oportunidades em que me encontrei com o casal em sua residência. Vamos
à entrevista.
Blog
do Angueth – Penso que para começar, devo perguntar-lhe se o
senhor considera o espiritismo uma farsa, uma fraude.
Chesterton –
Não, em absoluto. Minha posição é de uma forte objeção ao espiritismo, não
porque ele seja fraudulento, mas porque ele é genuíno.
Blog
do Angueth – Senhor
Chesterton, não sei se o senhor sabe, mas o espiritismo é muito popular no
Brasil. Aqui a situação é, talvez, um pouco diferente, pois há um sincretismo
do espiritismo, digamos, inglês, com os cultos africanos. Um famoso escritor
brasileiro, Lima Barreto, muito ligado, por sua origem, aos extratos mais
pobres da sociedade, fez, recentemente uma observação, sobre a qual gostaria de
colher suas observações. Diz nosso escritor: “O padre, para o grosso do povo,
não se comunica no mal com a divindade; mas o médium, o feiticeiro, o macumbeiro,
se não a recebem em seus transes, recebem, entretanto, almas e espíritos que,
por já não serem mais da terra, estão mais perto de Deus e participam um pouco
da sua eterna e imensa sabedoria.”
Chesterton –
A marca especial do mundo moderno não é que ele seja cético, mas que ele é
dogmático sem saber. Ele diz, escarnecendo dos antigos devotos, que eles
acreditavam sem saber porque acreditavam.
Mas os modernos acreditam sem saber no
que acreditam – e sem nem mesmo saber que eles realmente acreditam. Eles
sempre têm um dogma inconsciente; e um dogma inconsciente é a definição de um
preconceito. Os espíritas agem segundo um dogma, que não podem declarar dogmaticamente
e, portanto, somente o assumem dogmaticamente. O que o espírita assume é praticamente
o seguinte: não somente a existência de espíritos, mas a inexistência de
espíritos maus. Em termos populares, os espíritas são otimistas em relação ao
mundo espiritual. A objeção real ao espiritismo é quase idêntica à sua
afirmação. A objeção é que ele coloca um homem sobre o controle de forças
espirituais, ou que ele o coloca em contato com o desconhecido. Ele supõe a
rendição espiritual do médium, o que é dúbio, mesmo que a influência seja boa,
e chocante, se ela for má. Ora, não é certamente auto-evidente, por tudo que
sabemos, que ela não possa ser má.
Blog
do Angueth – Sabemos que na Inglaterra o grande apóstolo do
espiritismo é Sir Arthur Conan Doyle, o grande criador de Sherlock Holmes. Sua
influência é extraordinária na popularização do espiritismo. Sabemos também que
ele faz uma distinção entre um espiritismo superior, o que ele professa, e um
inferior, aquele dos fenômenos materiais mais grosseiros que acontecem em sessões
espíritas: mesas e objetos se movendo. Sendo o senhor um grande admirador de
histórias de detetives, tendo mesmo escrito as extraordinárias aventuras do Pe.
Brown, o que o senhor tem a dizer-nos sobre Sir Doyle.
Chesterton –
O sucesso literário merecido de Sir Arthur Conan Doyle o faz, de fato, o grande
apóstolo do espiritismo. Explico minha discordância de suas ideias. Ele
concorda com os protestos contra os truques grotescos e mesmo degradantes das
sessões espíritas. Ele diz que mesas e cadeiras dançantes pertencem ao “plano
inferior”; que este não é seu interesse principal; que ele deseja aproximar-se
do espiritismo reverentemente, de considera-lo uma religião que pode nos
fornecer respostas aos grandes mistérios da vida e da morte. Penso que essa
distinção é muito valiosa quando completamente invertida. Uma cadeira ou mesa
que voa parece-me uma coisa genuinamente interessante. Tomemos, por exemplo,
qualquer mente racional de cem anos atrás, digamos aquela de Voltaire ou Gibbon,
que teria considerado uma mesa voadora não tanto meramente sobrenatural, mas
simplesmente impossível. Se é possível, algo sempre considerado uma lei da
natureza é quebrado. O materialismo, com todas as suas leis mecânicas da natureza
está acabado. Em resumo, uma mesa dançante não pode ser considerada um
incidente comum; e se ela ocorre (como parece ocorrer), é um incidente muito importante.
Sou completamente incapaz de ver que uma mesa dançante, ou uma religião numa
mesa dançante, seja mais convincente do que uma religião de uma mesa mais
repousante e possivelmente mais útil. As coisas que reverencio, no céu e na
terra, são certas virtudes ou valores; e uma mesa não indica que ela possua essas
virtudes simplesmente por levantar suas pernas. A isto o espírita responderá
que ele não me pede para reverenciar a mesa, mas as revelações que vêm da mesa.
E, ignorante como sou de tais revelações, sei o suficiente delas para não reverenciá-las,
ou mesmo respeitá-las.
Blog
do Angueth – Sei que há duas objeções que são colocadas às suas
posições sobre o espiritismo. A primeira é que o senhor admitidamente nunca participou
de uma sessão espírita e, portanto, não tem autoridade de emitir opiniões a
respeito. Esta é, inclusive, a posição do próprio Sir Arthur Conan Doyle. A segunda
objeção, derivada a primeira, é a de que o senhor ignora o valor da comunicação
entre este mundo e o outro. Como o senhor responderia a essas duas objeções?
Chesterton –
Quanto à primeira objeção, é verdade que nunca participei de uma sessão
espírita, mas há muitas coisas que não presenciei, sobre as quais não tenho a
mais mínima intenção de parar de falar. Recuso-me de parar de falar sobre o
Cerco de Tróia. Recuso-me a ficar mudo em relação à Revolução Francesa. Não me
silenciarei sobre o assassinato de Júlio César. Se ninguém tem o direito de
julgar o espiritismo exceto um homem que já participou de uma sessão espírita,
os resultados, logicamente falando, são muito sérios: quase pareceria que
ninguém tivesse nenhum direito de julgar o cristianismo se não participasse se
sua primeira reunião em Pentecostes. O que seria temerário. Considero-me capaz
de formar minha opinião sobre o espiritismo sem ter visto espíritos, da mesma
forma que formo minha opinião sobre a Guerra Japonesa sem tê-la visto, ou minha
opinião sobre os milionários americanos sem (graças a Deus) ter visto um
milionário americano. Bem-aventurados aqueles que não viram e acreditaram: uma
passagem que alguns têm considerado uma profecia do moderno jornalismo. Respondo
à segunda objeção, dizendo que eu não ignoro o valor da comunicação entre este
mundo e o outro. Digo apenas que um princípio diferente liga a investigação
nesse campo espiritual, em relação à investigação de qualquer outro campo. Se
um homem põe uma isca no anzol para pegar um peixe, o peixe virá, mesmo se ele
declara não acreditar em peixes. Se um homem faz uma arapuca para passarinhos,
passarinhos serão pegos, mesmo se ele considera supersticioso acreditar em passarinhos.
Mas um homem não pode colocar iscas para almas. Um homem não pode construir
arapucas para capturar deuses. Todos a escolas de sábios sempre concordaram que
essa última captura depende, de algum modo, da fé de quem captura. Então, a coisa
se resume a isto: se você não tem fé nos espíritos, seu apelo é em vão; se você
tem, você precisa disto? Se você não acredita, você não pode apelar. Se você
acredita, você não apelará.
Obs: Para quem desejar ler outras entrevistas de Chesterton, favor acessar o marcador BLOG ENTREVISTA CHESTERTON