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06/02/2013

Seis vantagens da aplicação das nossas indulgências às almas do Purgatório.

Nota: o blog já está em preparação para a Quaresma de 2013 e oferece aos leitores este extraordinário texto de Pe. Faber sobre as almas do Purgatório. Quaresma é tempo de pensarmos em nossos pecados e nos Novíssimos.

Tudo por Jesus, Pe. W.F. Faber,
trad. portuguesa,
H. Garnier, Livreiro-Editor, s.d.
 
Há pessoas que aplicam às almas do purgatório todas as indulgências que lucram; outras pelo contrário, guardam-nas todas para si mesmas, e ninguém tem o direito, certamente, de condenar este modo de proceder. Pois quem ousaria contestar a quem quer que fosse uma liberdade que a Igreja lhe concede? Graças a Deus, não tenho semelhante pretensão. Sem embargo, vou expor livremente o meu modo de sentir a este respeito. Contudo, cingir-me-ei estritamente ao que dizem sobre esta matéria os teólogos e os autores espirituais.

A graça é um benefício tão grande, que devemos procurar aumentá-la por todos os meios possíveis; e não há caminho mais curto para chegar a este fim, que converter a satisfação em mérito: é o que faremos ganhando indulgências para as almas do purgatório. Esta devoção acumular-nos-á grandes tesouros espirituais, e ao mesmo tempo que será agradável a Deus tiraremos dela uma imensa utilidade para nós mesmos. Examinemos alguns dos frutos que produz esta devoção, o que nos tornará mais generosos para essas filhas de Deus, essas esposas do Espirito Santo, que nós favoreceremos com nossas orações e boas obras, sem receio de que o fruto destas seja perdido para nós. Realmente, tira-se um grande proveito não reservando nenhuma parte das próprias obras de satisfação, das indulgências que se ganham, mas oferecendo-as por inteiro pelas santas esposas do nosso amadíssimo Redentor, que gemem entre os mais cruéis sofrimentos.

11/05/2012

Purgatório: Segunda visão - O desejo das almas por purificação – Parte I



Pe. Faber

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A segunda visão do Purgatório não nega nenhuma das características da visão anterior, mas quase as coloca fora do campo de visão, por meio de outras considerações que ela torna mais proeminentes à nossa vista. A alma adentra o Purgatório com os olhos fascinados e com seu espírito docemente tranquilizado com a face de Jesus, seu primeiro vislumbre da Sagrada Humanidade, no Julgamento Particular que tem de sofrer. Esta visão a acompanha, e adorna os terrores díspares de sua prisão qual uma permanente chuva prateada de raios de lua que parece provir dos olhos amorosos de nosso Salvador. No mar de fogo, ela parece se agarrar fortemente a essa imagem. No momento em que, sob Seu olhar, ela percebe sua própria inadequação ao Céu, ela dirige seu voo voluntário ao Purgatório, como uma pomba ao seu próprio ninho nas sombras da floresta. Ela não necessita de anjos para levá-la até lá, pois quem a leva é seu próprio louvor à pureza de Deus.

É o que se encontra belamente descrito numa revelação de Santa Gertrude, relatada por Blosius. A santa viu em espírito a alma de uma religiosa que passou a vida no exercício das mais elevadas virtudes. Ela estava perante Nosso Senhor revestida de ornamentos de caridade, mas não ousava levantar os olhos para olhá-Lo. Conservava-os baixos como se envergonhasse por estar em Sua presença, e mostrava por alguns gestos seu desejo de estar longe d’Ele. Gertrude, surpresa com a cena, ousou perguntá-Lo: “Misericordioso Deus! Por que não recebes esta alma nos braços de Vossa infinita caridade? O que são os estranhos gestos de retraimento que percebo nela?” Então, Nosso Senhor estendeu amorosamente seu braço direito, como para aproximar d’Ele a alma; mas ela, com profunda humildade e grande modéstia, se afastou d’Ele. A santa, perdida em surpresa ainda maior, perguntou a razão de ela fugir das carícias de um Esposo tão digno de ser amado; e a religiosa respondeu: “Porque ainda não estou perfeitamente limpa dos rastros que meus pecados deixaram; e mesmo que Ele me concedesse, neste estado, passe livre para o Céu, eu não aceitaria; pois por mais resplandecente que eu pareça a seus olhos, sei que eu ainda não sou uma esposa digna para meu Senhor.”


A beleza das pobres almas

Neste momento, a alma tem um terno amor por Deus. Aos olhos dos que partilham desta visão, estas almas se revestem da maior beleza. Como não ser bela uma amada esposa de Deus? A alma está sendo punida, é verdade; mas está também em inquebrantável união com Deus. “Ela não tem a mínima lembrança”, afirma decididamente Santa Catarina de Genova, “a mínima lembrança de seus pecados passados, ou da terra.” Sua doce prisão, seu santo sepulcro, é o cumprimento da adorável vontade de seu Pai celestial, e lá ela passa o período de sua purificação com o mais perfeito contentamento e o mais inefável amor. Como não é perturbada por nenhuma visão de si mesma ou do pecado, assim também não é acometida por nenhuma gota de temor, ou por uma dúvida sequer de sua própria e imperturbável segurança. Ela é impecável; e houve um tempo na terra que este estado de impecabilidade pareceria conter em si todo o Céu. Ela não pode cometer sequer uma mínima imperfeição. Não pode sentir o menor movimento de impaciência. Não pode fazer nada que, no mais mínimo grau, seja desagradável a Deus. Ela ama Deus acima de qualquer coisa e O ama com o mais puro e desinteressado amor. É constantemente consolada pelos anjos, e não pode senão regozijar-se com a assegurada confiança em sua própria salvação. Pelo contrário, suas agonias mais amargas são acompanhadas por uma profunda e imperturbável paz, que a linguagem deste mundo não tem palavras para descrever.


O anseio por Deus das almas sofredoras


Há revelações que falam de algumas almas que estão no Purgatório, mas não sentem seu fogo. Languescem pacientemente longe de Deus, e isto lhes é castigo suficiente. Há também revelações que contam acerca de grande número de almas que não possuem uma prisão local, mas sofrem sua purificação no ar, ou ao lado de seus túmulos, ou perto de altares onde está o Santíssimo Sacramento, ou em cômodos daqueles que rezam por elas, ou contemplando cenas de vaidades e frivolidades por elas anteriormente vividas. Se o sofrimento silencioso suportado graciosa e docemente é uma coisa tão venerável na terra, o que não deve ser essa região da Igreja? Comparado com a terra, suas provações, dúvidas e riscos instigantes e depressivos, quão mais belo – quão mais desejável – não é aquele reino silente, calmo e paciente sobre o qual reina a Rainha Maria, que tem Miguel como perpétuo embaixador de sua misericórdia?

O espírito desta visão é o amor, um desejo extremo de que Deus não seja ofendido, um anseio pelos interesses de Jesus. Seu tom é aquele que marca o primeiro voo voluntário da alma em direção àquela herança de sofrimento. Ela toma o partido de Deus contra si mesma, e o faz até o fim. Essa visão do Purgatório se funda na adoração da pureza e santidade de Deus. Olha para as coisas sob o ponto de vista de Deus e mescla seus interesses aos d’Ele. É esta a visão que podemos esperar de São Francisco de Sales e da amorosa Santa Catarina de Genova. E é o desamparo, e não a desventura, das almas detidas que move aqueles que partilham desta visão de compaixão e devoção; mas é a glória de Deus e os interesses de Jesus que, acima de tudo, os influenciam.

27/04/2012

Purgatório: Primeira visão - Purgatório é similar ao Inferno


Pe. Faber

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A primeira visão é corporificada nos aterradores sermões dos quaresmali[1] italianos e naquelas pinturas populares que se vê em casas à beira das estradas, que tanto enfastiam os viajantes ingleses. Elas não cansam de representar o Purgatório como um inferno que não é eterno. Violência, confusão, gemidos e horrores pairam sobre suas descrições. Insistem, com justeza, na terrível pena dos sentidos, que misteriosamente acomete a alma. O fogo é o mesmo fogo do Inferno, criado com o único e expresso fim de torturar. Nosso fogo terreno assemelha-se, em comparação, a um fogo pintado. Além disso, há um horror especial e indefinível que recaí sobre a alma desencarnada ao se tornar presa dessa agonia material. O sentimento de aprisionamento, íntimo e intolerável, e a escuridão intensamente palpável são características adicionais ao horror da cena, que nos prepara para aquela vizinhança do Inferno, expressão usada por muitos santos para descrever o Purgatório. Os anjos aparecem como ativos executores da terrível justiça de Deus. Alguns afirmaram até que os demônios têm permissão de tocar e atormentar as esposas de Cristo naqueles fogos ardentes.

Então, a essas terríveis penas de sentido se ajunta a apavorante pena de dano. A beleza de Deus permanece o mesmo objeto imensamente desejável com sempre foi. Mas a alma muda. Tudo que na vida e no mundo dos sentidos entorpecia seus desejos de Deus não existe mais, de modo que ela O procura com uma impetuosidade que nenhuma imaginação pode em absoluto conceber. Seu excessivo e ardente amor torna-se a medida de sua dor intolerável. O que o amor pode fazer mesmo aqui na terra pode ser compreendido pelo exemplo de Pe. João Batista Sanchez, que dizia que seguramente morreria de miséria se ao acordar tivesse certeza de que não morreria naquele dia. A esses horrores podemos adicionar muitos mais, que representam o Purgatório como um inferno que apenas não dura para sempre.

O santo temor de ofender a Deus

O espírito dessa visão é um santo temor de ofender a Deus, um desejo por austeridades corporais, uma grande consideração para com as indulgências, um extremo horror do pecado e um tremor habitual ante a consideração do julgamento de Deus. Os que viveram sob penitências incomuns, e em Ordens religiosas severas, sempre foram impregnados dessa visão; e parece terem sido confirmados, nos mínimos detalhes, pelas conclusões dos teólogos escolásticos, como pode ser visto de imediato ao se consultar Berlarmino, que, em cada seção de seu tratado sobre o Purgatório, compara as revelações dos santos com as consequências da teologia. É notável também que quando o Beato Henrique de Suso, por meio de crescente familiaridade e amor a Deus, começou a considerar leves, comparativamente, as dores do Purgatório, Nosso Senhor o alertou que isso muito O desagradava. Pois, como considerar leve um castigo que Deus preparou para o pecado? Muitos teólogos dizem que não só a menor pena do Purgatório é maior do que a maior pena na terra, mas maior do que todas as penas terrenas juntas.

Esta é uma visão verdadeira do Purgatório, mas não uma visão completa. Mesmo assim, não é uma visão que possa ser considerada grosseira ou grotesca. É a visão de muitos santos e servos de Deus, e predomina nas celebrações do Dia de Finados em diversos países católicos.




[1] Pregadores da época da quaresma. (N. do T.)

16/03/2012

Purgatório: Devoção às Almas no Purgatório – Parte II

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Santa Teresa de Ávila

Quanto esta devoção é aceitável ao Deus Todo Poderoso, e o quando Ele consente em parecer, por assim dizer, impaciente pela libertação das almas, e ainda assim deixar a coisa ao sabor de nossa caridade, nos é ensinado pela incontestável autoridade de Santa Teresa. No seu livro, As Fundações, ela nos conta que de D. Bernardino di Mendoza lha deu uma casa, com jardim e vinha para servir de convento em Valhadolid. Dois meses depois disso, e antes de ocorre a fundação do convento, ele caiu subitamente doente e perdeu a fala, de modo que ele não pode se confessar, embora tenha dado muitos sinais de contrição. Ele “morreu,” diz Santa Teresa, “dentre em pouco, em lugar distante daquele que me encontrava. Disse-me o Senhor que a sua salvação estivera muito arriscada e que tinha usado de misericórdia com ele por causa do obséquio feito a Sua Mãe dando aquela casa para o mosteiro de Sua Ordem, mas que não sairia do Purgatório enquanto não se celebrasse a primeira Missa nesse convento. De tal maneira tinha presente as graves penas desta alma que, apesar do grande desejo que tinha de fundar em Toledo, deixei isso por então e dei-me toda a pressa que pude para ir fundar em Valhadolid conforme pudesse. Estando um dia em oração em Medina del Campo, disse-me o Senhor que me apressasse porque aquela alma estava padecendo muito. Meti mãos à obra e, embora sem grandes preparativos, entrei em Valhadolid no dia de São Lourenço.”

Ela então continua a relatar que, quando recebeu a Comunhão na primeira Missa celebrada na casa, a alma de seu benfeitor lhe apareceu com toda a glória, e depois entrou no Céu. Ela não esperava por isso, pois observa: “Embora tivesse havido alusão à primeira missa, eu fiquei pensando que seria aquela em que se pusesse o Santíssimo Sacramento.”

20/02/2012

Purgatório: Devoção às Almas no Purgatório – Parte I

Pe. Frederick William Faber

Nota: Na mensagem de Natal do ano passado, traduzi um texto introdutório ao livro Purgatório, de Pe. Frederick William Faber, da Congregação do Oratório de Londres. Começo agora a traduzir o livro, pouco a pouco, e a publicá-lo no blog. Espero que surja alguma editora católica com interesse em publicá-lo. Se não surgir, continuo a tradução até o fim e depois coloco o pdf do livro para download. É um livro extraordinário desse ilustre desconhecido do público brasileiro. Mais um católico inglês do século XIX de quem, como Chesterton, quase nenhum brasileiro ouviu falar. A propósito, Chesterton conhecia as obras de Pe. Faber e as cita, em seus escritos, principalmente os maravilhosos hinos devocionais que o padre oratoriano compunha.

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Embora estejamos misericordiosamente isentos de descer ao Inferno para buscar e promover os interesses de Jesus, coisa muito diferente ocorre com o Purgatório.

Se o Céu e a terra estão repletos da glória de Deus, assim também se passa com aquele lugar muito melancólico e interessante, onde os prisioneiros da esperança são impedidos, pela amorosa justiça de seu Salvador, de desfrutarem da Visão Beatífica; e se podemos fomentar os interesses de Jesus na terra e no Céu, podemos quase ousar dizer que somos capazes de fazer ainda mais no Purgatório. E o que estou tentando mostrar neste tratado é como você pode auxiliar Deus pela oração e práticas de devoção, qualquer que seja sua ocupação e missão; e todas estas práticas se aplicam especialmente ao Purgatório. Pois apesar de alguns teólogos afirmarem que embora as Santas Almas não ofereçam nenhum obstáculo, o efeito da oração por elas não é infalível, não obstante ser muito mais certo do que o efeito da oração pela conversão dos pecadores ainda sobre a terra, que é tão frequentemente frustrado pela sua perversidade e más disposições. De qualquer forma, o que desejo mostrar é isto: que cada um de nós – sem aspirar nada acima de nossa graça, sem austeridades para as quais não temos coragem, sem dons sobrenaturais que não alegamos – podemos, por meio de um sentimento amoroso e práticas de saudável devoção católica, fazer grandes coisas, coisas tão grandes que parecem inacreditáveis, para a glória de Deus, pelos interesses de Jesus e pelo bem das almas. 

Rezar pelos pecadores ou pelas Santas Almas?

05/02/2012

Como evitar o Purgatório, segundo Pe. Schouppe, S.J.

1. Devoção à Bem Aventurada Virgem Maria, e o uso de, e fidelidade ao, seu escapulário.
2. Caridade para com os vivos e os mortos.
3. Mortificação e obediência.
4. Recepção fervorosa dos Sacramentos, especialmente ao se aproximar da morte.
5. Confiança na misericórdia divina.
6. Finalmente, uma santa aceitação da morte em união com a morte de Jesus na cruz.

Estes meios são suficientemente poderosos para nos preservar do Purgatório, mas devemos fazer uso deles. Contudo, para empregá-los seriamente e com perseverança, uma condição é necessária: formar uma firme resolução de pagar pelos nossos pecados neste mundo, ao invés de no outro. Esta resolução deve ser baseada na fé, que nos ensina como é fácil a satisfação de nossos pecados nesta vida e como é terrível o Purgatório. “Põe-te depressa de acordo com teu adversário,” diz Jesus Cristo, “enquanto ainda estás a caminho com ele, a fim de que o adversário não te entregue ao juiz, e o juiz ao guarda, e sejas metido na prisão. Em verdade te digo: Não sairás de lá, enquanto na pagares até o último ceitil” (Mat 5:25-26).

Reconciliar-se com seu adversário no caminho, significa, na boca de Nosso Senhor, aplacar a Justiça Divina, e pagar nossos pecados durante a vida, antes de chegar àquele imutável fim, àquela eternidade onde qualquer penitência é impossível, e onde devemos nos submeter aos rigores da Justiça. Não é muito sábio este conselho de Nosso Senhor?

Podemos aparecer diante do tribunal divino carregado de um enorme débito, que poderíamos tão facilmente ter pagado por meio de algumas penitências, e que agora deveremos pagar por anos de tormento? “Aquele que se purifica de suas faltas na vida presente,” diz Santa Catarina de Genova, “satisfaz com um centavo uma dívida de mil ducados; e aquele que aguarda até a outra vida para se livrar de suas dívidas, consente em pagar mil ducados pelo que poderia antes ter saldado com um centavo.” Devemos, portanto, começar com uma resolução firme e eficaz de pagar nosso débito neste mundo; esta é a pedra fundamental. Uma vez lançada esta pedra, devemos empregar os meios enumerados acima.

In Purgatory: explained by the lives and legends of the saints, Pe. R.X. Schouppe, S.J., Tan Books, 1986.

01/02/2012

Como evitar o Inferno, segundo Pe. de Ségur

1. Comece e termine o dia com uma oração, rezada com muita devoção e cordialidade. Junte às orações uma leitura atenta de uma ou duas páginas do Evangelho ou de bons livros devocionais que enriqueçam o espírito.
2. Tome o excelente hábito de fazer o sinal da Cruz todas as vezes que você sair e entrar em casa. Esta prática muito simples é santificante.
3. Tente, se os deveres lhe permitirem, ir à missa todas as manhãs, bem cedo, para receber a cada dia a benção por excelência.
4. Preste igualmente todos os dias, com um coração de filho, à Bem Aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus e Mãe dos cristãos, alguma homenagem de piedade, amor e veneração. O amor da Santa Virgem, junto com o amor do Santíssimo Sacramento, é um penhor quase infalível de salvação.
5. Tenha o hábito – e jamais deixe-o – de se confessar e de comungar com freqüência.
6. Ainda proponho, neste pequeno regulamento para a vida, perceber e combater incessantemente dois ou três defeitos, observados ou que virão a ser observados em você. É evidentemente pelas suas fraquezas que, num momento ou noutro, o inimigo tentará atacar de surpresa.
7. Por fim, evite, como se evita o fogo, freqüentar lugares e más leituras.

In Inferno, Mosenhor De Ségur, Editora Ecclesiae, trad. e notas Diego Chiuso, 2011.

18/01/2012

É útil recomendar-se às orações das almas do Purgatório?

Santo Afonso Maria de Ligório diz o seguinte sobre esta questão.

“Alguns dizem que as almas do Purgatório não podem rezar por nós. São levados pela autoridade de Santo Tomás que afirma estarem aquelas almas em estado de expiação, e, por isso, inferiores a nós. Não se acham em condições de rezar por nós, mas, pelo contrário, necessitam de nossas orações.

“Mas muitos outros doutores, como Belarmino, Sílvio, Cardeal Gotti e outros afirmam, como muita probabilidade, que se deve crer piamente que Deus manifesta-lhes nossas orações, a fim de que aquelas santas almas rezem por nós, como nós rezamos por elas. Assim se estabelecerá entre nós e elas este belíssimo intercâmbio de caridade. Não obsta, como dizem Sílvio e Gotti, o que diz o Angélico, isto é, que as almas padecentes não se acham em estado de rezar. Uma coisa é não estar em estado de rezar e outra é não poder rezar. É verdade que aquelas almas santas não se acham em estado de orar. Como diz Santo Tomás, estando no lugar de expiação, elas são inferiores a nós e por isso necessitam das nossas orações. Contudo, em tal estado, bem podem rezar, porque estão na amizade de Deus. Se um pai, apesar de seu grande amor ao seu filho, conserva-o encarcerado por alguma falta cometida, o filho, em todo o caso, não está em condições de pedir alguma coisa para si mesmo. Entretanto, por que não poderá pedir pelos outros? Por que não poderá esperar ser atendido no que pede, conhecendo o afeto que lhe tem o pai? Sendo assim, as almas do Purgatório, muito mais amadas de Deus e confirmadas em graça, podem rezar por nós. Mas não é costume da Igreja invocá-las e implorar sua intercessão, porque segundo a providência ordinária, elas não têm conhecimento de nossas súplicas. Todavia, acredita-se piamente, como dissemos, que o Senhor lhes faz conhecer as nossas preces e, então, cheias de caridade não deixam de pedir por nós. Santa Catarina de Bolonha, quando desejava alcançar alguma graça, recorria às almas do purgatório e era imediatamente atendida. Até dizia que muitas graças, que não havia obtido pela intercessão dos santos, conseguia invocando as almas do Purgatório” (A Oração, Editora Santuário, 2010)

Vários são os relatos de santos que recorriam às santas almas e obtinham, por meio delas, graças. Abaixo segue o relato de William Freyssen, editor católico alemão do século XVII. Ele se dirige, em carta, ao Pe. James Mumford, da Companhia de Jesus, que o teria enviado, para a publicação, um livro sobre o Purgatório.

“Escrevo, padre, para informá-lo de duas curas milagrosas: de meu filho e de minha esposa. Durante as férias, quando minha editora estava fechada, comecei a ler o livro “Misericórdia para com as Almas do Purgatório”, que o senhor me enviou para publicação. Ainda o estava lendo quando soube que meu filho mais novo, de quatro anos de idade, começou a apresentar sintomas de uma séria doença. O mal progrediu rapidamente, o médico perdeu as esperanças e já se pensava sobre as preparações para seu sepultamento. Ocorreu-me que eu podia salvá-lo se fizesse uma promessa em favor das almas do Purgatório.

“Dirigi-me à igreja logo pela manhã, e supliquei fervorosamente a Deus por piedade, prometendo distribuir de graça cem cópias de seu livro entre os padres e religiosos, para lembrá-los do zelo com que eles deviam se interessar pela Igreja Padecente, e para lembrá-los das práticas que são mais adequadas para tal tarefa.

“Reconheço que estava repleto de esperança. Logo que cheguei a casa, encontrei meu filho melhor. Ele pedia comida, embora por muitos dias ele fosse incapaz de ingerir uma gota de líquido que fosse. No dia seguinte, sua cura estava completa; ele se levantou, começou a andar, e comeu com o apetite de antes da doença. Cheio de gratidão, meu desejo mais urgente foi cumprir a promessa. Fui ao Colégio da Companhia de Jesus e supliquei aos padres que aceitassem as cem cópias, ficassem com quantas desejassem e distribuíssem o resto a outras comunidades e padres de seu conhecimento, para que as almas sofredoras, minhas beneméritas, pudessem ser confortadas por novos sufrágios.

“Três semanas depois, outro acidente, não menos sério, me aconteceu. Minha esposa, ao entrar em casa, foi tomada de uma violenta tremedeira em seus membros, que causou seu desmaio. Logo depois, ela perdeu o apetite e a fala. Todos os remédios e procedimentos foram tentados, mas em vão. O mal só aumentava, e todas as esperanças pareciam perdidas. Seu confessor, vendo-a reduzida àquele estado, tentou me consolar de todas as formas, exortando-me a me resignar à vontade de Deus. Quanto a mim, depois da proteção que experimentei das boas almas do Purgatório, não pude me entregar ao desespero. Retornei à mesma igreja, prostrei-me diante do Santíssimo Sacramento, e renovei a súplica com todo o fervor de que era capaz: ‘Ó meu Deus’, exclamei, ‘Vossa misericórdia não conhece limite! Em nome de Vossa Infinita Bondade, não permita que a restauração da saúde de meu filho seja expiada pela morte de minha esposa!’ Então, fiz a promessa de distribuir duzentas cópias de seu livro para obter copioso alívio para as almas sofredoras. Ao mesmo tempo, supliquei às almas que tinham sido anteriormente liberadas do Purgatório, que unissem suas orações à daquelas ainda retidas. Depois dessa oração, voltei para casa, e vi meus empregados correrem em minha direção. Eles me disseram que minha querida esposa estava consideravelmente melhor, que o delírio tinha terminado e que sua fala tinha sido recuperada. Corri para o quarto e descobri que tudo era verdade. Eu a ajudei a se alimentar, o que ela fez com gosto. Pouco tempo depois, ela estava tão completamente curada que me acompanhou à igreja para agradecer a Deus por toda Sua misericórdia.

“Sua Reverendíssima esteja certo de que o que afirmo é a verdade. Rogo-vos para que me ajude a agradecer a Nosso Senhor por este milagre duplo.” (Purgatory: explained by the lives and legends of the saints, Pe.F.X. Schouppe, S.J., Tan Books, 1986)

19/12/2011

Mensagem de Natal: um pensamento acerca do Inferno

Pe. Frederick William Faber

 Este ano a mensagem de Natal do blog versa sobre o Inferno. O que tem a ver o Inferno com o menino-Deus que nasceu no estábulo em Belém? O blogueiro não está sendo muito lúgubre tentando manchar toda a alegria da estação com este pensamento tão antiquado? Veja que até, diria um hipotético leitor não muito conformado com este post, até um bispo da Igreja – este sim, um homem moderno – tem negado a existência de tal desprazeroso lugar. Bem, Jesus nasceu, Deus se encarnou, para nos salvar justamente do Inferno. Quem nega a existência do Inferno, nega – além das muitas afirmações de Jesus sobre tal lugar – a obra da Redenção. Se não há Inferno, não há justiça divina, não há Deus. O Inferno afirma a existência de Deus, de Seu Filho e da Redenção. Podemos dizer que como parte da Criação, o Inferno canta as glórias de Deus.

Pe. Faber, e com ele todos os santos e teólogos da Igreja, afirma, no texto que se segue, que o pensamento acerca da realidade do Inferno é uma das mais potentes armas contra os ataques do demônio que, segundo São Pedro, anda por aí a rugir. Não custa lembrar que Nosso Senhor é o nosso caminho para o Céu, ou seja, para um lugar que está infinitamente, na ordem da graça, longe do Inferno. Bem, a história de nossa Redenção começa exatamente num estábulo de Belém.

Que todos tenham um santo Natal, mais próximo de Jesus, mais longe do Inferno.



É incrível quão querida a glória de Deus se torna para aqueles que continuamente a procuram. A busca já lhes dá novos sentidos pelos quais podem encontrá-la, ao passo que o amor diariamente crescente aguça perpetuamente seu discernimento. “A terra está plena de Vossa glória”. Que alegria para um coração ardente de amor! Não basta que o Céu transborde e que a terra se encha com a bem-aventurada inundação de Sua glória. Nós de bom grado desejaríamos que não houvesse rincão na criação que não fosse repleto dela. Contudo, há um lugar onde esta glória parece frustrada, um lugar do qual não se eleva nenhuma planta da oração, nenhuma alegria da adoração, nenhum abençoado agradecimento, nenhuma aspiração do desejo. É a casa daqueles que foram julgados e foram condenados, e que por isso perderam Deus para sempre.

Ali está a graça que não deu fruto, ou cujos frutos apodreceram na árvore. Ali estão os Sacramentos que foram em vão. Ali a Cruz fracassou e os propósitos amorosos de Deus sofreram uma resistência bem sucedida e foram completamente vencidos. Ainda assim, é de fé que Deus colhe imensa glória dessa inexprimível escuridão, pois a alma perdida é um louvor involuntário à justiça de Deus, tanto quanto a alma convertida é um louvor ao Seu amor. Tampouco os interesses de Jesus são inexistentes ali; pois as dores, tão indescritíveis como são – ah! o mais breve pensamento delas é intolerável – são menores do que o mérito do pecado, menores do que a justeza da medida de punição, e assim o são por causa d’Ele. O Precioso Sangue, em certo sentido, se faz presente até mesmo ali.

Tampouco aquele lugar horrível deixa de ter os mais abençoados resultados para a salvação de muitas almas, por meio do santo e salutar temor que alimenta nelas e da necessária correção das frouxas e distorcidas noções acerca de Deus por elas mantidas. Quando Nosso Senhor mostrou à Irmã Francisca do Santíssimo Sacramento, uma carmelita espanhola, a perda de uma alma, e diversas vezes numa visão a compeliu a positivamente considerar as diferentes torturas daquele lugar, Ele a repreendeu por chorar: “Francisca! Por que choras?” Ela caiu prostrada aos Seus sagrados pés e disse: “Senhor! Pela danação daquela alma, e o modo em que ela se perdeu.” Ele disse condescendente: “Filha! Ela escolheu se perder; Eu lhe proporcionei muitos auxílios da graça para ela se salvar, mas ela não aproveitou. Agrada-me vossa compaixão, mas prefiro que ames Minha justiça.” Outra vez, quando ela foi compelida a fixar seu olhar sobre aquelas dores, os Anjos lhe disseram: “Ó Francisca, esforce-se sempre pelo santo temor de Deus!” Quem pode duvidar que milhares e dezenas de milhares que estão, neste momento, desfrutando as delícias no Céu, lá não estariam se não houvesse o Inferno. Ele é, infelizmente, uma repreensão aos corações insensíveis dos homens, mas afinal, a Cruz de Cristo não tem tido melhor auxílio na terra que o insuportável fogo do Inferno.

Verdadeiramente é bom para nosso próprio bem que pensemos algumas vezes sobre aquele lugar horrível. Tal como a bela França se estende além do Canal,[1] tal como o sol brilha sobre brancos muros, frescas pontes, brilhantes jardins, palácios de muitos andares em sua belíssima capital, tal como milhares de homens e mulheres lá vivem vidas reais, cumprindo diferentes destinos, assim também há um lugar como o Inferno, todo cheio de vida neste exato momento, com numerosas almas sofrendo incontáveis agonias e inumeráveis gradações de desespero. Exceto a dos bem-aventurados no Céu, nenhuma vida é tão intensa e consciente quanto aquela de milhões de almas arruinadas. Não é impossível que rumemos para lá. Não é impossível que já tenhamos mandado alguém para lá. Quando andamos pelas ruas, vemos, não raro, aqueles que habitarão lá para sempre. Há alguns lá agora que não estavam lá uma hora atrás. Há alguns agora nos verdes campos, ou nas movimentadas cidades, em confortáveis camas, ou em ensolaradas praias, que na próxima hora, talvez, terão ido para lá. Esta é uma verdade extremamente real.

Mas, e se houver ainda mais verdades sobre isso? E se tiver havido um dia em que nós teríamos ido para lá se tivéssemos morrido? E se neste momento, lá estiverem meninos e meninas que pecaram muito menos que nós, ou ainda, que pecaram talvez uma só vez, enquanto nós temos pecado milhares de vezes? Ó, mas devemos nos humilhar ainda mais. Quanto tempo perseveraríamos no serviço de Deus se tivéssemos certeza que o Inferno não existia? Teríamos deixado nossos pecados, se não fosse pelo Inferno?[2]
 
Ó, que coisa boa é estar sobre esta boa terra, cercados por toda esta vida promissora, embora tenhamos realmente, por nossas próprias mãos e olhos, palavra, pensamento e diligente malícia, logrado o direito a esse infortúnio eterno. Ah! Tal como a névoa que surge do mar estéril – onde o milho não cresce e as videiras não dão frutos – que forma as nuvens que vão se desfazer em chuvas sobre vales e colinas, assim também daqueles amplos mares de fogo e maldição a Compaixão Divina surge como uma nuvem para derramar torrentes de graças sobre as almas dos homens que ainda vivem.

Que ninguém se afaste da visão do Inferno para que, pouco a pouco e por muito pouco, uma opinião positiva de si mesmo não cresça dentro de sua alma e o mande, por fim, para aquele sombrio exílio. Com efeito, é bom, muito bom, pensar sobre o Inferno, e nesta maravilha que é não estarmos lá neste exato momento. Não, não se assuste: o que você vê é, na verdade, a luz branca do sol que ilumina a terra. Nada tema: aquele som é o vento que agita os ramos das árvores. Seus olhos não o enganam: aqueles são os telhados das casas da cidade que estão dormindo envoltos na neblina, compondo um calmo cenário. Tudo está ainda bem. Estamos aqui e estamos livres; mas devíamos estar lá, e ser escravos!

Aqueles que servem a Jesus por amor não esquecem tais coisas. Não, eles delas se lembram tão mais frequentemente quanto mais O amam.


[1] Pe. Faber morava na Inglaterra. (N. do T.)
[2] Este é exatamente o fundamento da ação demoníaca para nos convencer da inexistência do Inferno. (N. do T.)

12/05/2010

A Carta do Além

Impressionante relato de uma alma condenada ao Inferno
Imprimatur do original alemão;
Brief aus dem Jenseits: Treves, 9/11/1953. N. 4/53.
Aprovação Eclesiástica deste opúsculo:
Taubaté - S. Paulo - 2/11/1955.
Theol. Bernhardin Krempel, C.P.
À Guisa de Prefácio
Com os homens, Deus se comunica por muitos modos. Além de ser a própria Sagrada Escritura a Carta Magna de Deus aos homens, escrita e transmitida por homens autorizados, narra ela muitas comunicações divinas feitas por visões, inclusive sonhos. Deus continua a prevenir, ainda, por sonhos. É que sonhos não são sempre meros sonhos sem base.
A Carta do Além transcrita abaixo conta a história da condenação eterna de uma jovem. À primeira vista parece uma história bastante romanceada. Bem consideradas, porém, as circunstâncias, chega-se à conclusão de que ela não deixa de ter o seu fundo histórico, como base do seu sentido moral e do seu alcance transcendental.
A carta em apreço foi encontrada tal qual entre os papéis de uma freira falecida, amiga da jovem condenada. Relata a freira os acontecimentos da existência da companheira como fatos históricos sabidos e verificados, e sua sorte eterna comunicada em sonho. A Cúria diocesana de Treves (Alemanha) autorizou sua publicação como sumamente instrutiva.
A Carta do Além apareceu primeiramente em livro de revelações e profecias, juntamente com outras narrações. Foi o R. Pe. Bernhardin Krempel C. P., doutor em teologia, quem a publicou em separado e quem lhe emprestou mais autoridade, provando-lhe, nas Anotações, a absoluta concordância com a doutrina da Igreja Católica sobre o assunto.
No Apêndice seguem alguns esclarecimentos complementares sobre o Inferno. O primeiro ponto assinala dois trabalhos literários que por caminhos diferentes chegam à mesma conclusão que o Inferno deve existir e que de fato existe. Nos seguintes pontos expõe-se sumariamente quais são os que trilham o caminho do Inferno e quais os meios que temos à mão para nos salvar do maior perigo da vida, de cair no Inferno.
Informações preliminares
Entre os papéis deixados por uma jovem que morreu num convento como freira, foi encontrado o seguinte depoimento:
"Tinha eu uma amiga. Quer dizer, éramos mutuamente achegadas como companheiras e vizinhas de trabalho no mesmo escritório M.
Quando mais tarde Âni se casou, nunca mais a vi. Desde que nos conhecêramos, reinava entre nós, no fundo, mais amabilidade que amizade.
Por isso eu sentia dela pouca falta, quando, após seu casamento, ela foi morar no bairro elegante das vilas, bem longe do meu casebre.
Quando no outono de 1937 passei minhas férias no lago Garda, minha mãe escreveu-me, em meados de setembro: "Imagine, Âni N. morreu. Num desastre de automóvel perdeu a vida. Ontem foi enterrada no cemitério do Mato".
Essa notícia espantou-me. Sabia eu que Âni nunca fora propriamente religiosa. Estava ela preparada, quando Deus a chamou de repente?
Na outra manhã assisti na capela da casa do pensionato das irmãs, onde eu morava, à santa missa em sua intenção. Rezava fervorosamente por seu descanso eterno e nessa mesma intenção ofereci também a Santa Comunhão.
Mas o dia todo eu sentia certo mal estar, que foi aumentando mais ainda pela tarde.
Dormia inquieta. Acordei de repente, ouvindo como se sacudida a porta do quarto. Liguei a luz. O relógio, no criado mudo, marcava meia noite e dez minutos. Nada, porém, eu podia ver. Nenhum barulho havia na casa. Apenas as ondas do lago Garda batiam, quebrando-se monotonamente, no muro do jardim do pensionato. De vento, nada eu ouvia.
Tinha eu, todavia, a impressão de que ao acordar eu tivesse percebido, além das batidas na porta, um ruído como que de vento, parecido ao do meu chefe de escritório, quando mal humorado me atirava uma carta amolante sobre a escrivaninha.
Refleti um momento, se devia levantar-me.
Ah! Tudo não passa de cisma, disse-me resoluta. Não é senão produto de minha fantasia sobressaltada pela notícia da morte.
Virei-me, rezei alguns Pai-Nossos pelas almas, e adormeci de novo.
* * *
Sonhei então que me levantava de manhã às 6 horas, indo à capela da casa. Quando abri a porta do quarto, dei com o pé num maço de folhas de carta. Levantá-las, reconhecer a escrita de Âni e dar um grito, foi coisa de um segundo.
Tremendo, segurei as folhas nas mãos. Confesso que fiquei tão apavorada, que nem podia proferir o Pai-Nosso. Fiquei presa de uma quase sufocação. Nada melhor que fugir dali e ir-me para o ar livre. Arranjei malmente os cabelos, pus a carta na bolsa e saí à pressa de casa.
Fora, subi o caminho que seguiu tortuoso para cima, por entre oliveiras, loureiros e quintas de vilas, e para além da mundialmente célebre estrada "Gardesana".
A manhã despontava radiante. Nos outros dias eu parava a cada cem passos, encantada pela magnífica vista que me ofereciam o lago e a magnificamente bela ilha Garda. O suavíssimo azul da água refrescava-me; e como uma criança olha admirada para o avô, assim eu olhava sempre admirada de novo o cinzento monte Baldo que se ergue na margem oposta do lago, crescendo de 64 m acima do nível do mar até 2.200 m de altura.
Hoje eu não tinha olhos para tudo isso. Depois de caminhado um quarto de hora, deixei-me cair maquinalmente sobre um banco encostado em dois ciprestes, onde, no dia anterior, eu tinha lido prazerosamente "A donzela Teresa". Pela primeira vez eu via nos ciprestes símbolos da morte, coisa que neles nunca reparava no Sul, onde tão freqüentemente se encontram.
Peguei a carta. Faltava-lhe a assinatura. Sem a mínima dúvida era a escrita de Âni. Nem mesmo faltavam nela a grande "S"-voluta, nem o "T" francês, a que se havia acostumado no escritório para irritar o Sr. G.
O estilo não era o dela. Pelo menos não falava como de costume. Sabia ela tão amavelmente conversar e rir com seus olhos azuis e seu gracioso nariz.
Somente quando discutíamos assuntos religiosos é que ela se tornava mordaz e caía no rude tom da carta. (Eu própria entrei agora na excitada cadência da mesma).
Eis aí
A CARTA DO ALÉM DE ANI, V.,
Palavra por palavra, tal qual a li no sonho:
"Clara! Não rezes por mim. Sou condenada. Se te comunico isso e se a respeito de algumas circunstâncias da minha condenação te dou pormenorizadas informações, não creias que eu o faça por amizade. Aqui não amamos a ninguém mais. Faço-o, como "Parcela daquele Poder que sempre quer o Mal e sempre produz o Bem".
Em verdade, eu queria também ver-te aqui, onde eu para sempre vim parar. [S. Tomas de Aquino, Summa Theológica (S. Th.) Supplementum (Suppl.) q. 98, a. 4: "Os réprobos querem que todos os bons sejam condenados". ]
Não estranhes esta minha intenção. Aqui pensamos todos da mesma forma. A nossa vontade está petrificada no mal - no que vós chamais "mal". Mesmo quando fazemos algo de "bem", como eu agora, descerrando- te os olhos sobre o Inferno, não o fazemos com boa intenção.[S. Th. Suppl. q. 98, a. 1: "Neles o autodeterminado querer é sempre de todo perverso".]
Lembra-te ainda:
Fez 4 anos que nos conhecemos, em M. Tinhas 23 anos e já trabalhavas no escritório havia meio ano, quando lá entrei.
Tiravas-me bastante vezes de embaraços; davas-me a mim, principalmente, freqüentes bons avisos. Mas que é que se chama "bom"!
Eu louvava, então tua "caridade". Ridículo... Tuas ajudas provinham de pura ostentação, como, aliás, eu já suspeitava.
Nós aqui não reconhecemos bem algum em ninguém!
Conheceste minha mocidade. Cumpre preencher, aqui, certas lacunas.
* * *
Conforme o plano de meus pais, eu não devia nunca haver existido. Aconteceu-lhes um descuido, a desgraça da minha concepção.
Minhas duas irmãs já tinham 15 e 14 anos, quando eu vim à luz.
Oxalá nunca eu tivesse nascido! Oxalá pudesse eu agora aniquilar-me, fugir a esses tormentos! Não há volúpia comparável à de acabar minha existência, como se reduz a cinzas um vestido, sem mesmo deixar vestígios.[S. Th. Suppl. q. 98, a. 3, r. ib. ad 3: "Enquanto a inexistência liberta de uma vida de terríveis castigos, seria ela para os condenados um bem maior do que sua miserável existência... Assim desejam a não existência."] Mas é preciso que eu exista; é preciso que eu seja tal como eu me tenho feito: com a falha total da finalidade da minha existência.
Quando meus pais, ainda solteiros, mudaram-se da roça para a cidade, perderam o contato com a Igreja.
Assim era melhor.
Mantinham relações com pessoas desligadas da religião. Conheceram-se num aile e viram-se "obrigados" a casar meio ano depois.
No ato do casamento pegaram neles só algumas gotas de água benta, suficientes apenas para atrair mamãe à missa domingueira raríssimas vezes por ano.
Nunca ela me ensinava a rezar direito. Esgotava-se nos cuidados de cada dia, ainda que a nossa situação não fosse ruim.
Semelhantes palavras como rezar, missa, água benta, igreja, só escrevo com íntima repugnância, com incomparável nojo. Detesto profundamente os freqüentadores de igreja, assim como todos os homens e coisas em geral.
Tudo se nos torna tormento. Cada conhecimento recebido ao falecer, cada lembrança da vida e do que sabemos, se transforma numa flama incandescente. [S. Th. Suppl. q. 98, a. 7, r.: "Nada há nos réprobos, que não lhes seja matéria e causa de tristeza... Assim dirigindo sua atenção sobre coisas conhecidas". ]
E todas essas lembranças nos mostram aquele medonho lado que fora uma graça que desprezamos. Como isso atormenta! Não comemos, não dormimos, nem andamos com as pernas. Espiritualmente acorrentados, nós réprobos, fitamos estarrecidos a nossa vida falhada, uivando e rangendo os dentes, atormentados e cheios de ódio.
Ouves tu? Bebemos aqui ódio como água. Odiamo-nos mutuamente.[ S. Th. Suppl. q. 98, a. 4, r.: "Nos réprobos domina um ódio total".]
Mais do que tudo, odiamos a Deus. Procuro tornar-te isso compreensível.
Os bem-aventurados no Céu devem amá-Lo. Porque O vêem desveladamente em Sua arrebatadora beleza. Isso torna-os indescritivelmente felizes. Sabemos isso e é esse conhecimento que nos torna furiosos.[S. Th. Suppl. q. 98, a. 9, r.: "Ante o dia do juízo universal sabem os réprobos que os bem aventurados se encontram numa inefável glória."]
Os homens, na terra, que conhecem Deus pela criação e revelação podem amá-Lo; não são forçados a fazê-lo.
O crente - furiosa eu te digo aqui - que contempla, meditando, cristo estendido na cruz, O amará.
Mas a alma de quem Deus se acerca, fulminante, como vingador e justiceiro, como Quem foi repelido, essa O odeia, como nós O odiamos.[S. Th. Suppl. q. 98, a. 8, ad 1, ib. ad 5, r.: "Os réprobos só enxergam em Deus o castigador e impedidor (do mal, que desejam ainda fazer). Mas como só O enxergam no castigo, efeito da sua justiça, odeiam-nO".] Odeia-O com toda a força de sua má vontade. Odeia-O eternamente. Em virtude da deliberada resolução de ficar afastada de Deus, com que terminou a vida terrena. E essa perversa vontade, não podemos revogá-la mais, nem jamais quereremos revogá-la.
Compreendes tu agora por que o Inferno há de ser eterno? Porque a nossa obstinação nunca derrete, nunca termina.
Forçada acrescento que Deus é propriamente ainda misericordioso para conosco. Disse "forçada". A razão é esta: ainda que voluntariamente escreva esta carta, não me é possível mentir, como eu bem queria. Assento no papel muitas informações contrariamente à minha vontade. Também a corrente de injúrias que queria despejar, tenho de reengolí-la.
Deus era misericordioso para conosco pelo que não deixou a nossa vontade produzir e efetivar na Terra todo o mal que desejávamos fazer. Se Ele nos tivesse deixado a esmo, teríamos aumentado muito a nossa culpa e castigo. Deixou-nos morrer prematuramente - como a mim - ou introduziu circunstâncias atenuantes.
Agora Ele se nos torna misericordioso por que não nos obriga a nos aproximar Dele, porém a ficarmos neste lugar distante do Inferno, diminuindo-nos o tormento.[S. Th. I, q. 21, a. ad. 1.: "Na condenação dos réprobos aparece a misericórdia de Deus... , no que os castiga menos do que merecem". - Em outro lugar nota o santo doutor da Igreja, que isso é o caso sobretudo com os que neste Mundo eram misericordiosos para com os outros (S. Th. Suppl. q. 99, a. 5, ad 1.)]
Cada passo mais perto de Deus dar-me-ia maior sofrimento do que a ti um passo mais perto de uma fogueira.
Ficaste espantada um dia quando te contei, em passeio, o que meu pai me dissera alguns dias antes da minha primeira comunhão: "Cuida, Anita, que ganhes bonito vestido; o mais não passa de burla".
Quase me teria mesmo envergonhado do teu espanto. Agora rio-me disso. O mais bem feito, em toda essa burla, era permitir-se a comunhão apenas aos 12 anos. Eu já estava, então, assaz possuída do prazer do mundo, que postergava facilmente tudo quanto era religião, e não levei a comunhão a sério.
O novo costume de deixar as crianças receberem a comunhão aos 7 anos põe-nos furiosos. Envidamos todos os meios para burlar isso, fazendo crer que para comungar cumpre haver compreensão. É preciso que as crianças já tenham cometido antes alguns pecados mortais. O "branco" Deus será menos prejudicial, então, do que recebido quando a fé, a esperança e o amor, frutos do batismo - escarro sobre tudo isso - ainda estão vivos no coração da criança.
Lembras-te que já sustentei esse mesmo ponto de vista na Terra?
Torno a meu pai. Ele brigava muito com minha mãe. Raras vezes te frisei isso: tinha vergonha. Ah! que é vergonha? Coisa ridícula! A nós tudo nos é indiferente.
Meus pais não dormiam mais no mesmo quarto.. Eu dormia com minha mãe, papai no quarto ao nosso lado, aonde podia voltar a qualquer hora da noite. Ele bebia muito e gastou a nossa fortuna. Minhas irmãs estavam empregadas e precisavam do seu próprio dinheiro, como diziam. Mamãe começou a trabalhar. No último ano de sua amargurada vida, papai batia em mamãe muitas vezes, quando não lhe queria dar dinheiro. Para mim ele era sempre bonzinho. Um dia, contei-te isso e ficastes escandalizada sobre o meu capricho - e de que não te escandalizastes em mim? - um dia, pois, devolveu duas vezes sapatos novos, porque a forma dos saltos não me era bastante moderna.[Os assinalados traços sobre o pai de Âni e as ocorrências subsequentes são fatos.]
Na noite em que uma apoplexia vitimou meu pai mortalmente, aconteceu algo que nunca te confiei, por temer desagradável interpretação de tua parte. Hoje, porém, deves sabê0lo. Esse fato é memorável, porque foi pela primeira vez que o meu atual espírito carrasco se acercou de mim.
Eu dormia no quarto de minha mãe. Suas respirações regulares denotavam seu profundo sono.
De repente ouvi chamar meu nome. Uma voz desconhecida murmurou: "Que acontecerá, se teu pai morrer?"
Eu não amava mais meu pai, desde que ele começara a maltratar minha mãe. Já não amava propriamente ninguém: só me prendia a alguns que eram bons para mim. - Amor sem intuito natural existe quase só nas almas que vivem em estado de graça. Nele eu não vivia.
Respondia assim ao misterioso interlocutor: "Com certeza ele não morre".
Após breve intervalo, ouvi a mesma bem compreendida pergunta sem me incomodar de saber, de onde provinha.
"Qual o que! Ele não está morrendo" escapou-me casmurra.
Pela terceira vez fui interrogada: "Que acontecerá se teu pai morrer?"
De relance me surgiu no espírito como meu pai freqüentes vezes voltava para casa meio bêbado, ralhando e brigando com mamãe e quanto ele nos envergonhava perante os vizinhos e conhecidos!
Gritei, então embirrada: "Pois não, é quanto merece! Que morra!"
Depois, ficou tudo quedo.
Na manhã seguinte, quando mamãe foi para arrumar o quarto de papai, encontrou a porta fechada. Ao meio dia abriram-na à força. Papai encontrava-se meio vestido em cima da cama - morto, um cadáver. Ao procurar cerveja na adega, deve se ter resfriado. Desde muito, estava adoentado. - (Será que Deus fez depender da vontade de uma criança, a quem o homem demonstrava bondade, o conceder-lhe mais tempo e ocasião para se converter?)
* * *
Marta K. e tu me fizestes ingressar na associação das moças. Nunca te escondi que achava as instruções das duas diretoras, duas senhoras X., assaz vigaristas. Achava os jogos bastante divertidos. Conforme sabes, cheguei, em breve, a sustentar nele papel preponderante. Isso era o que me lisonjeava. Também as excursões me agradavam. Deixei-me até levar algumas vezes a confessar-me e comungar. Propriamente não tinha nada para confessar. Pensamentos e sentimentos comigo não entravam em conta. Para coisas piores eu não estava madura ainda.
Admoestaste- me um dia: "Âni, se não rezares mais, perder-te-ás" . Eu rezava realmente muito pouco; e também só contrariada, de má vontade.
Tinhas tu, sem dúvida, razão. Todos os que no Inferno ardem, não rezaram, ou não rezaram bastante. A oração é o primeiro passo para Deus. Sempre decisivo. Mormente a oração para aquela que é a mãe do Cristo, cujo nome não nos é lícito pronunciar. A devoção a Ela arranca ao demônio inúmeras almas, que os pecados lhe teriam infalivelmente atirado às mãos.
Furiosa, continuo - por ser forçada: rezar é o mais fácil que se pode fazer na Terra. Justamente a essa facilidade Deus ligou a salvação.
A quem reza coma assiduidade, Deus dá, paulatinamente, tanta luz e fortalece-o tanto que o mais afogado bode de pecador se pode definitivamente levantar pela oração, ainda que esteja submerso na lama até ao pescoço.
Nos últimos anos da vida eu deveras não rezava mais e assim me privava das graças, sem as quais ninguém se pode salvar.
Aqui não recebemos mais graça alguma. Mesmo que a recebêssemos, com escárnio a rejeitaríamos. Todas as vacilações da existência terrestre acabaram no além.
* * *
Na vida terrena pode o homem passar do estado de pecado para o estado de graça. Da graça pode cair no pecado. Freqüentes vezes caí por fraqueza; raramente por maldade. Com a morte, terminou essa inconstância do sim e do não, caindo e levantando-se. Pela morte, cada um entra no estado final, fixo e inalterável.
À medida que avança a idade, tornam-se menores os saltos. É verdade que, até à morte, a gente se pode converter a Deus ou virar-Lhe as costas. No morrer se decide o homem, entretanto, com as últimas tremuras da vontade, maquinalmente, tal como se acostumara na vida.
Bom ou mau hábito tornou-se uma segunda natureza. Esta o arrasta no derradeiro momento. Assim também arrastou à mim. Anos inteiros eu vivera afastada de Deus. Consequentemente, decidi-me no último chamamento da graça, contra Deus. Não que o haver pecado muitas vezes me fosse uma fatalidade, mas porque eu não me queria mais levantar.
Repetidas vezes me admoestaste a assistir à pregação e a ler livros devotos. Eu escusava-me regularmente com a falta de tempo. Havia eu de aumentar ainda mais a minha incerteza íntima?
Cumpre-me, aliás, afirmar: Quando cheguei a esse ponto crítico, pouco antes da minha saída da associação das moças, ter-me-ia sido muito difícil enveredar por outro caminho. Sentia-me insegura e infeliz. Diante da minha conversão, levantou-se um paredão.. Deves tê-lo desapercebido. Tu o tinhas imaginado tão fácil, quando uma vez me disseste: "Faça, pois, uma boa confissão, Âni, e tudo ficará bem".
Eu suspeitava que assim fosse. Mas o mundo, o demônio e a carne já me seguravam nas suas garras.
Na atuação do demônio eu não acreditava nunca. Agora atesto que, a pessoas como eu então era, o demônio influencia poderosamente. [A influência dos maus espíritos encerra-se nos apelidos "demônio" ou "diabo". Como comprovação da sua existência, bastam dois textos da S. Escritura: "Irmãos, sede sóbrios e vigiai! Vosso inimigo, o demônio, anda por aí como um leão rugindo e procurando a quem puder devorar". (1 Petr. 5, 8). O rugir nãos e refere ao que satanás faz muito alarme com as suas tentações, porém à avidez com que ele nos procura perder. - S. Paulo escreve aos Efésios (*, 12): "Ponde a armadura de Deus, para que possais resistir às astúcias do demônio. Nossa luta não é contra carne e sangue (homens), porém contra os poderes dos tenebrosos dominadores deste Mundo e contra os maus espíritos dos ares."]
Só muitas orações alheias e as minhas próprias, juntamente com sacrifícios e sofrimentos, teriam conseguido arrancar-me dele.
E isso deveras só paulatinamente. Poucos possessos. O demônio não pode tirar o livre arbítrio àqueles que se entregam à sua influência. Contudo, como castigo de sua apostasia quase total de Deus, Este permite que o "Mau" neles se aninhe.
Odeio também o demônio. Todavia gosto dele, porque ele procura perder-vos: ele e seus auxiliares, os anjos caídos com ele desde os princípios do tempo. Há miríades. Vagueiam pela terra inúmeros como enxames de moscas, sem que sejam suspeitados. [S. Th. Suppl. q. 98, a. 6, ad 2: "Não é tarefa dos homens condenados, perderem e tentarem outros, porém dos demônios."]
A nós, homens réprobos, não nos incumbem de vos tentar; isso cabe aos espíritos caídos.
Aumentam, sim, ainda mais os seus tormentos toda vez que arrastam uma alma humana ao Inferno. Mas de que não é capaz o ódio![S. Th, q. 98, a. 4, ad 3: "O crescente número dos réprobos aumenta ainda os sofrimentos de todos. Mas são de tal modo cheios de ódio e inveja, que antes querem sofrer mais com muitos, do que menos sozinhos.."]
Ainda que eu andasse por veredas tortuosas, Deus me procurava. Eu preparava o caminho à graça, por serviços de caridade natural, que por inclinação de minha índole, não raras vezes prestava.
Às vezes atraía-me Deus para uma Igreja. Lá eu sentia certa nostalgia. Quando cuidava da minha mãe doente, apesar do meu trabalho no escritório durante o dia, e sacrificava- me realmente um tanto, atuavam sobre mim poderosamente essas atrações de Deus.
Uma vez - foi na capela do hospital, aonde me levaste no tempo livre de meio dia - fiquei tão impressionada, que me encontrei a um passo apenas da minha conversão. Eu chorava.
Em seguida, porém, vinha o prazer do mundo derramar-se, como uma torrente, por sobre a graça. Os espinhos aforaram o trigo. Com a explicação de que religião é sentimentalismo conforme sempre se dizia no escritório, lancei também essa graça, como outras, debaixo da mesa.
Repreendestes- me um dia que, em vez de genuflexão, fiz numa igreja uma ligeira inclinação da cabeça. Tomastes isso como preguiça e não parecias suspeitar de que, já então, não acreditava mais na presença de Cristo no Sacramento. Agora creio nela, porém só naturalmente, como se acredita em tempestade, cujos sinais e efeitos se percebem.
Nesse ínterim, havia-me arranjado, eu própria, uma religião. Agradou-me a opinião generalizada no escritório, de que, após a morte, a alma voltaria para este Mundo em outro ser e passaria por outros e mais outros seres, numa sucessão sem fim.
Com isso liquidei o angustiante problema do além e imaginava tê-lo tornado inofensivo.
Por que não me lembraste a parábola do gozador rico e do pobre Lázaro, em que o narrador, Cristo, imediatamente após a morte, mandou um para o Inferno, o outro para o Paraíso? Mas o que terias conseguido? Nada mais do que com tuas demais palavras beatas.
Aos poucos eu própria arranjei um deus: bem privilegiado para se chamar deus; a mim bastante longe para não me obrigar a relações com ele; assas confuso, para se transformar, à vontade e sem mudar de religião, num deus panteístico ou até tornar-me orgulhosa deísta.
Esse "deus" não tinha um céu para me galhardear nem inferno para ame amedrontar-me. Deixei-o em paz. Nisso consistia a minha adoração a ele.
No que se ama, acredita-se facilmente. No curso dos anos tinha-me eu assaz persuadido da minha religião. Vivia-se bem com ela, sem que ela me incomodasse.
Só uma coisa lhe teria quebrado a nuca: uma dor profunda, prolongada. Mas este sofrimento não veio. Compreende agora: "A quem Deus ama, Ele castiga!"
Era um dia de estio, em julho, quando a associação das moças organizava uma excursão para A. Gostava eu sim das excursões. Mas não das beatarias anexas!
Outra imagem, diferente da de Nossa Senhora das Graças de A., estava, desde pouco, no altar do meu coração. O grã-fino Max N. do armazém ao lado. Pouco antes conversáramos divertidamente algumas vezes. Convidara-me, nessa ocasião, para fazermos uma excursão naquele mesmo domingo. A outra com que costumava andar, estava no hospital.
Reparara, sim, que eu tinha deitado um olhar sobre ele. Mas eu não pensava ainda em casar-me com ele. Era afortunado, porém amável demais para com muitas e quaisquer mocinhas; até então eu queria um homem que me pertencesse exclusivamente, como única mulher.. Certa distância sempre me era própria. [Isso era verdade. Com toda a sua indiferença religiosa Âni tinha algo de nobre em seu ser. Espanto-me de que também pessoas "honestas" possam cair no Inferno, se são assaz desonestas para fugirem do encontro com Deus]
Nessa excursão, Max cumulou-me de todas as amabilidades. Conversações de beatas é que não tivemos, como vocês.
No outro dia, no escritório, repreendestes- me porque não vos acompanhei até A. Contei-te os meus divertimentos domingueiros.
Tua primeira pergunta era: "Estivestes na missa?" Louca! Como podia assistir à missa, desde que combinamos a saída para 6 horas! Lembras-te, ainda, que juntei excitada: "O bom deus não é tão mesquinho como os vossos padrecos?" Agora, cumpre-me confessar-te que, apesar de sua infinita bondade, Deus toma tudo mais a sério do que os padres.
Após esse primeiro passeio com Max, assisti mais uma só vez à vossa reunião. Na solenidade de Natal. Certas coisas me atraíam. Mas interiormente, já estava apartada de vocês.
Cinemas, bailes, excursões, seguiam-se. Brigávamos às vezes, Max e eu, mas eu sabia prendê-lo sempre a mim.
Mui desagradável me foi a rival que, de volta do hospital, se comportava furiosamente. Propriamente a meu favor. Minha calma distinta causou grande impressão a Max e obrigou-lhe, afinal, a decisão de me preferir.
Eu sabia denegri-la, rebaixá-la. Falando com calma: por fora, realidades objetivas; por dentro, atirando peçonha. Semelhante sentimentos e insinuações conduzem rapidamente ao Inferno. São diabólicos, no verdadeiro sentido da palavra.
Por que te conto isso? Para constar como fiquei definitivamente livre de Deus.
Para esse afastamento não foi preciso que eu chegasse com Max muitas vezes às últimas familiaridades. Compreendi que me rebaixaria aos seus olhos, se me deixasse esvaziar antes do tempo. Por isso me retinha, vedava.
Realmente estava eu sempre pronta para tudo que achava útil. Cumpria-me conquistar Max. Para isso nada achava caro de mais. Amamo-nos aos poucos, pois que ambos possuíamos valiosas qualidades que podíamos apreciar mutuamente. Fui talentosa e tornei-me hábil e conversadora. Cheguei, assim, a prender Max nas mãos, segura de que o possuía sozinha, pelo menos nos últimos meses antes do casamento.
Nisso consistia minha apostasia de Deus, em fazer de uma criatura o meu deus. Em coisa alguma pode isso realizar-se tão plenamente como entre pessoas de diferentes sexo, se o amor se afoga na matéria. Isso torna-se seu encanto, seu aguilhão e seu veneno. A "adoração" que eu me prestava em Max, tornou-se-me uma religião vivida..
* * *
Era no tempo quando, no escritório, tão virulentamente eu caia em cima das corridas à igreja, dos padrecos, do murmurejar de rosário e das demais bugigangas.
Emprenhastes- te, mais ou menos inteligentemente, em proteger tudo isso; aparentemente sem suspeitares de que para mim, em última análise, não se tratava dessas coisas, mas propriamente de ponto de apoio contra minha consciência que eu estava procurando - dele eu precisava ainda - para justificar racionalmente a minha apostasia.
No fundo eu vivia revoltada contra Deus. Tu não percebias isso. Sempre me consideravas ainda católica. Como tal, queria eu também ser chamada; até mesmo pagava a contribuição para a igreja. Certa "ressalva" não me podia fazer mal, pensava eu.
Por mais certas que às vezes fossem tuas respostas, de mim ressaltavam, porque tu não devias ter razão. Em face dessas nossas relações entrecortadas a dor da nossa separação era pequena, quando meu casamento nos distanciou.
Antes do meu casamento, confessei-me e comunguei mais essa vez. Era uma formalidade. Meu homem pensava como eu. De resto, por que não haveríamos de satisfazê-la? Cumprimo-la como qualquer outra formalidade.
Vós o chamais "indigno". Após aquela "indigna" comunhão eu tinha mais sossego de consciência. Era essa a última.
Nossa vida matrimonial decorria, em geral, em boa harmonia. Em quase todos os pontos tínhamos a mesma opinião. Também nisso: não nos queríamos impor o encargo de filhos. No fundo, meu marido desejava ter um - naturalmente não mais. Eu soube arrancar-lhe, finalmente, essa idéia. Eu gostava mais de vestidos e mobílias finas, de tertúlias de chá, de passeios de automóvel e de semelhantes divertimentos.
Era um ano de prazeres terrenos entre o casamento e minha repentina morte.
Cada domingo passeávamos de automóvel ou visitávamos parentes de meu esposo. (De minha mãe eu me envergonhava então). Esses nadavam bem como nós, na superfície da existência.
Interiormente, porém, nunca me sentia deveras feliz. Algo roía-me sempre na alma. Eu desejava que pela morte, a qual sem dúvida havia de demorar muito tempo ainda, tudo acabasse.
Mas é como em criança eu ouvira uma vez falar, em sermão, que deus recompensa já neste Mundo o bem que alguém pratica. Se não pode recompensá-lo no outro mundo, fá-lo na Terra.
Sem o esperar, recebi uma herança (da tia Lote). Meu marido teve a sorte de ver o seu salário consideravelmente aumentado. Assim pude instalar mimosamente a nossa casa nova.
* * *
Minha religião estava às últimas, como um vislumbre do ocaso no firmamento longínquo. Os bares e cafés da cidade e os restaurantes por onde passávamos nas viagens, não nos aproximaram de Deus.
Todos os que lá freqüentavam, vivam como nós: de fora para dentro, não de dentro para fora.
Visitando uma célebre catedral, nas viagens de férias, procurávamos deleitar-nos com o valor artístico das obras primas. O sopro religioso que irradiavam, mormente as da Idade Média, eu sabia neutralizá-lo, escandalizando- me em qualquer circunstâncias da visita. Assim, a um irmão leigo que nos conduzia, eu criticava o estar um tanto sujo e desajeitado; criticava o comércio de piedosos monges que fabricavam e vendiam licor; criticava as eternas badaladas dos sinos chamando para igrejas, onde se trata apenas de dinheiro.
Assim eu conseguia afastar de mim a graça, cada vez que me batia à porta.
Mormente deixava meu mau humor derramar-se livremente sobre tudo que tratava de antigas representações do Inferno em livros, cemitérios e outros lugares, onde se viam os demônios fritarem as almas em fogo vermelho ou amarelo, e seus sócios, de cauda comprida, trazerem-lhes mais e mais vítimas.
Clara, o Inferno pode ser mal desenhado, porém nunca ser exagerado.
Sobretudo escarnecia eu sempre da foto do Inferno. Lembras-te como numa conversa sobre isso eu te meti um fósforo aceso debaixo do nariz burlando: "É assim que cheira!"
Tu apagaste tão logo a chama. Aqui ninguém a extingue. Digo-te mais: o fogo de que fala a Bíblia, não significa tormento de consciência. Fogo significa fogo. Cumpre entendê-lo em sentido real, quando Aquele declarou: "Afastai-vos de mim, vós, malditos, ide para o fogo eterno". Literalmente!
Como pode o espírito ser tocado pelo fogo material? Perguntas.
Como então pode, na Terra, tua alma sofrer, segurando teu dedo na chama?
Tua alma também não se queima, mas que dor tem de aturar o homem todo!
Semelhantemente estamos nós aqui presos ao fogo em nosso ser em nossas faculdades. Nossa alma fica privada do seu vôo natural; não podemos pensar nem querer o que queremos.[S. Th. Suppl. q. 70, a. 3, r.: "O fogo do Inferno atormenta o espírito pelo que o impede de executar o que quer; não pode atuar onde quer e quanto quer."]
Não procures esclarecer o mistério contrário às leis da natureza material: o fogo do Inferno queima sem consumir.
O nosso maior tormento consiste em que sabemos exatamente que nunca veremos Deus.
Quanto pode torturar o que na terra nos era indiferente! Enquanto a faca está em cima da mesa, deixa-te fria. Vês-lhe o fio, porém não o sentes. Mas entra a faca na carne e gritarás de dor.
Agora sentimos a perda de Deus; antes só a vimos.["A separação de Deus é um tormento tão grande como Deus" (Frase atribuída a S. Agostinho. Cf. Houdry, Biblioteca concionatorum - Veneza, 1786, vol. 2, sob Infernus, § 4, p. 427)]
Todas as almas não sofrem igualmente. Quanto mais frívolo, maldoso e decidido alguém foi no pecar, tanto mais lhe pesa a perda de Deus, e tanto mais torturado se sente pela criatura abusada.
Os católicos condenados sofrem mais do que os de outra crença, porque receberam e desaproveitaram, em geral, mais luzes e mais graças.
Quem sabia mais, sofre mais do que aquele que menos conhecimentos tinha.
Quem pecou por maldade sofre mais do que aquele que caiu por fraqueza.
Mas nenhum sofre mais do que mereceu. Oxalá isso não fosse verdade, para que eu tivesse motivo para odiar!
Tu me disseste um dia: ninguém cai no Inferno sem que o saiba. Foi isso revelado a uma santa. Ria eu disso, no entanto me entrincheirava atrás desta reflexão: nesse caso me ficaria suficiente tempo para me converter - assim eu pensava no íntimo.
O enunciado calha. Antes do meu fim repentino, de certo não conhecia o Inferno tal qual é. Nenhum ente humano o conhece. Mas eu estava exatamente inteirada disso: Se tu morreres, entrarás na eternidade como revoltada contra Deus. Suportarás as conseqüências. .
Conforme declarei já, não voltei atrás, mas perseverei na mesma direção, arrastada pelo costume, com que os homens agem tanto mais calculada e regularmente, quanto mais velhos ficam.
* * *
Minha morte ocorreu do seguinte modo:
Há uma semana - falo de acordo com a vossa contagem, porque calculada pelas dores, eu poderia já estar ardendo no Inferno havia dez anos - faz pois uma semana que meu marido e eu fizemos, num domingo, uma excursão, que foi a última para mim.
Radiante despontara o dia. Eu sentia-me bem, como raras vezes. Perpassou-me, porém, um sinistro pressentimento. .
Inesperadamente, na viagem de volta, meu marido que vinha guiando o carro, e eu ficamos ofuscados pela luz de um automóvel que vinha em sentido contrário e com grande velocidade. Meu marido perdeu a direção.
Jesus! Estremeci. Não como oração, mas como grito. Sentia uma dor esmagadora por compressão - uma bagatela em comparação com o tormento atual. Perdi então os sentidos.
Estranho! Naquele manhã mesma, nascera-me inexplicavelmente a idéia: poderias, enfim, mais uma vez ir à missa. Soava-me como súplica. Claro e decidido cortou meu "Não" o fio da idéia.. Com isso devo acabar definitivamente. Tomo sobre mim todas as conseqüências. Agora as suporto.
* * *
O que aconteceu após a minha morte, tu conheces. A sorte de meu marido, de minha mãe, do meu cadáver e enterro, tudo te é conhecido até nos pormenores, como sei por uma intuição natural que todos nós temos.
Do mais que acontece no Mundo, só temos um conhecimento confuso. Mas o que nos tocava de perto conhecemos. Assim conheço também teu paradeiro.[" As almas de falecidos não têm seguro conhecimento de pormenores, porém apenas um enuviado conhecimento geral da natureza material". (S. Th. Suppl. q. 98, a. 3).]
* * *
Acordei das trevas no momento da minha morte.. Vi-me de repente envolvida de luz ofuscante. Era no mesmo lugar onde estava o meu cadáver. Aconteceu como em teatro, quando de repente apagam as luzes, a cortina é ruidosamente removida e aparece a cena tragicamente iluminada: a cena de minha vida.
Como num espelho, assim eu vi minha alma. Vi as graças pisadas aos pés, desde a juventude até o último "Não" dado a Deus.
Apossou-se de mim a impressão como que de assassino levado ao tribunal à frente da sua vítima inanimada. - Arrepender-me? Nunca! [S. Th. Suppl. q. 98, a. 2, r.: "Os maus não se arrependem propriamente dos pecados, por lhes serem afeitos maliciosamente. Arrependem-se, porém enquanto são castigados pelas penas dos pecados".] - Envergonhar- me? Jamais!
Entretanto nem me era possível permanecer na vista de Deus, negado e reprovado por mim. Restava-me uma só coisa: a fuga.
Assim como Caim fugiu do cadáver de Abel, assim minha alma se atirou longe desse aspecto horrível.
Esse era o Juízo particular.
O invisível juiz falou: "Afasta-te!" Logo caiu minha alma, como uma sombra sulfúrica, no lugar do tormento eterno. ["É certo que o Inferno é um local determinado. Mas onde esse local fica situado, ninguém o sabe." A eternidade das penas do Inferno é um dogma: seguramente o mais terrível de todos. Tem suas raízes na S. Escritura. Cf. Mt. 25, 41 e 46; 2 Thess. 1, 9; Jud. 13; Apoc. 14, 11 e 20, 10; todos eles são textos irrefutáveis, em que "eterno" não se deixa trocar e interpretar por "longo". Se não fora conveniente ilustrar esse dogma num caso particular, nem o próprio Nosso Senhor teria pedido fazê-lo na parábola do rico folgazão e do pobre Lázaro. Lá fez o mesmo que aqui vem feito: desenhou o Inferno e como se pode cair nele. Não o fez por prazer sensacional, porém levado pela mesma intenção que ocasionou esta publicação. A finalidade deste folheto encontra sua expressão no seguinte conselho: "Desçamos ao Inferno ainda vivos, para que moribundos nele não caiamos". Este conselho dirigido a cada um não é senão a paráfrase do salmo 54: "Descendant in infernum viventes, videlicet, ne descendant morientes", a qual se encontra numa obra (erradamente) atribuída a S. bernardo (Patr. Lat. Migne, vol. 184, Col. 314 b]
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Últimas informações de Clara
"Assim finalizou a carta de Âni sobre o Inferno. As últimas palavras eram quase ilegíveis, tão tortas estavam as letras. Quando eu acabara de ler a última palavra, a carta toda virou cinza.
Que é que lá ouço? Por entre os duros acentos das linhas que eu imaginava ter lido ressoou doce som de sino. Acordei de vez. Achei-me ainda deitada no meu quarto. A luz matinal da aurora penetrava nele. Da igreja paroquial vinham as badaladas das ave-marias.
Pois tudo era apenas um sonho?
Nunca eu sentira na Saudação Angélica, tanto consolo como após esse sonho. Pausadamente fui rezando as três ave-marias. Tornou-se-me então claro, claríssimo: ela cumpre segurar-te, à bendita Mãe do Senhor, venerar a Maria filialmente, se não quisesse ter a mesma sorte que te contou - ainda que em sonho - uma alma que jamais verá Deus.
Espantada e tremendo ainda pela visão noturna levantei-me, vesti-me depressa e fugi para a capela da casa.
O coração palpitava-me violenta e descompassadamente. Os hóspedes, ajoelhados mais perto de mim, olhavam-me preocupados. Talvez pensassem que, por haver eu corrido escada abaixo, estivesse tão excitada e vermelha.
Uma bondosa dama de Budapeste, grande sofredora, franzina como uma criança, míope, todavia fervorosa no serviço de Deus e de longo alcance espiritual, disse-me à tarde no jardim: "Senhorita, Nosso Senhor não quer ser servido no expresso".
Mas ela percebia então que outra coisa me havia excitado e ainda me preocupava. Ajuntou bondosamente: "Nada te deve angustiar - conheces o aviso de S. Teresa - nada te deve alarmar. Tudo passa.. Quem possui Deus, nada lhe falta. Só Deus basta."
Quando sussurrava isso mesmo, sem qualquer tom de mestra, parecia-me ler na minha alma.
"Deus só basta". Sim, Ele há de me bastar, neste e no outro mundo. Quero ali possuí-Lo um dia, por mais sacrifícios que aqui eu tenha ainda de fazer para vencer. Não quero cair no Inferno."