20/04/2008

Lições das Missas dominicais pós-Vaticano II – Parte IV

Ante conspéctum géntium reveláti justítiam suam, allelúia, allelúia, allelúia.”

Estamos no “4º domingo depois da Páscoa”, segundo o calendário tradicional da Igreja e no “5º domingo da Páscoa” no calendário do CVII. O Evangelho da Missa nova é (Jo. 14, 1-12) e o da Missa Tridentina é (Jo. 16, 5-14). Ambos são marcados pela pergunta que os apóstolos faziam a Jesus: “Quo vadis?” [Para onde ides?].

Numa passagem Jesus declara: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”. Diz ainda aos apóstolos palavras misteriosas e, contudo, cheias de esperança: “Vou preparar um lugar para vós e, quando eu tiver ido preparar-vos um lugar, voltarei e vos levarei comigo, a fim de que, onde eu estiver, estejais também vós.”

Na outra passagem, ele fala coisas misteriosas e elevadas sobre Espírito Santo: “Digo-vos, porém, a verdade: é bom para vós que eu vá; porque se eu não for, não virá a vós o Consolador; mas se eu for, vo-lo enviarei. (...) Quando vier, porém, aquele Espírito de verdade, ensinar-vos-á toda a verdade.”

Respondido, mesmo que misteriosamente, o “Quo vadis?”, nos assalta ainda outra pergunta: o que temos de fazer para merecer aquele lugar que está sendo preparado para nós? “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” responde a pergunta. A leitura da carta de São Tiago (Missa Tridentina) tenta nos explicar mais prontamente o que significa trilhar esse Caminho: “Seja todo homem, pronto para ouvir, ponderado para falar e custoso para enraivecer. (...) Rejeitai toda impureza e excesso de malícia, e recebei com docilidade a palavra em vós implantada, que pode salvar as vossas almas.”

A Páscoa é exatamente isso: a Ressurreição, a permanência por curto período de Jesus entre nós e depois a Ascensão e a vinda do Espírito Santo. Para nós resta o Caminho, cujo mapa foi confiado à Igreja, construída sobre Petrus.

Bem, mas o que nos ensina o Semanário Litúrgico-Catequético O Domingo, de 20/04/2008? Na sua parte catequética, há dois textos. Comentarei um deles, “Documento de Aparecida: O seguimento de Jesus de Nazaré”, de Pe. Benedito Ferraro.

Pelo título, esperaríamos um ensinamento de como seguir Jesus, uma exegese dos textos da Missa, uma explicação do que seja o Caminho, a Verdade e a Vida. Nós, o rebanho, esperaríamos uma orientação do que fazer para trilharmos o Caminho e encontrar a Verdade e a Vida, e depois de nossa morte, estarmos entre aqueles que ouviriam “voltarei e vos levarei comigo”. Toda a tradição da Igreja está repleta de ensinamentos desse tipo. Todos os grandes Santos, Confessores e Doutores da Igreja nos ensinaram isso, não só com suas obras, mas com suas vidas, muitas delas martirizadas.

Assim, o título do artigo de Pe. Ferraro nos enche de esperança. Pelo primeiro parágrafo, ainda mantemos a esperança. O final do segundo parágrafo, citando mártires do continente latino-americano e caribenho, já nos leva a pensar que a coisa vai desandar.

O terceiro, e último parágrafo, destrói toda a nossa esperança. De fato, indignação é o que nos assalta. Diz o Pe. Ferraro: “Hoje, somos convidados a atualizar essa ação evangelizadora e libertadora de Jesus, apoiando as lutas dos sem-terra, dos sem-teto, dos desempregados – abandonados pelo mercado, pelo Estado e, muitas vezes, pela própria Igreja – e solidarizando-nos com os rostos sofredores do povo da rua, dos migrantes, dos doentes, dos dependentes químicos e dos presos.”

É claro que quem interpreta dessa forma a “ação libertadora e evangelizadora de Jesus” já se tornou apóstata há muito tempo. Quem aprovou esse tal Documento de Aparecida também se tornou apóstata, claro. A gente não pode nem dizer: Pe. Ferraro, largue a batina, pois padre o senhor não é! Mas, esses padres comunistas já largaram a batina há tempos.

Segundo esses apóstatas, vocês sabem, Jesus veio ao mundo e sofreu morte de cruz, apenas para dar terra aos sem-terra, teto aos sem-teto e emprego aos desempregados.

Conseqüentemente, Ele quer que façamos isso também. Esse é o Caminho, para se atingir a Verdade e a Vida. Ou seja, o nosso Evangelho deve ser o Capital, de Marx e nosso apóstolo o João Pedro Stedeli.

Que o Sacrifício de Jesus nos livre dessas palavras vindas diretas da boca do demônio!

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13/04/2008

Lições das Missas dominicais pós-Vaticano II – Parte III

Jesu, mitis et húmilis corde,
Fac cor nostrum secúndum Cor tuum
.”



O Evangelho deste domingo, da Missa nova, é o que Jesus se coloca com o Bom Pastor de suas ovelhas (Jo. 10, 1-10). Nosso Senhor nos alerta para “aqueles que vieram antes de mim são ladrões e assaltantes, mas as ovelhas não os escutaram” . Ele está nos orientando para não escutar os maus pastores de ovelhas que nos quer “roubar, matar e destruir”. Ele fala certamente não dos bens materiais, mas dos espirituais. Os maus pastores nos roubam a alma, roubando nossa consciência, nossa vontade e, finalmente, nossa fé, evitando assim que tenhamos “vida em abundância”.

É dentro desse quadro que comento hoje, brevemente, os dois artigos que se encontram no semanário litúrgico-catequético O Domingo, de 30-3-2008, sob os títulos “Eu Sou a Porta”, de Pe. José Bortoloni, e “Documento de Aparecida”, de Carlos Francisco Signorelli, presidente do CNLB (Conselho Nacional do Laicato do Brasil).

O primeiro artigo faz um breve comentário do Evangelho e descobre nele pérolas insuspeitas. Vejamos o texto.

Por isso Jesus se declara a porta. Mas ele (sic!) é a porta do redil, onde estão as ovelhas, símbolo do povo. Entrar por essa porta significa aproximar-se do povo para, de algum modo, liderá-lo e conduzi-lo. O evangelho (sic!) deste dia, portanto, apresenta sobretudo as condições para exercer a liderança não apenas religiosa, mas também política”.

O fato de um padre escrever ele (em minúsculas) para se referir a Jesus e evangelho (em minúsculas) para se referir ao ensinamento d’Ele, já diz muito sobre esse pastor de ovelhas. Agora, que tal o que o padre acha “sobretudo” importante no Evangelho? O padre acha sobretudo importante a mensagem de liderança política de Jesus. Note que essa impressão sobre Jesus era a que tinha d’Ele Judas Escariotes. Esse traidor de Nosso Senhor o traiu exatamente quando ele percebeu que ele ia se entregar para morrer por nós. Aí Judas percebeu que Jesus não ia libertar o povo de Israel do jugo do Império Romano e que Seu Reino não era deste mundo. Com ódio do líder que não era, absolutamente, político, mas espiritual (líder que iria nos dar a vida plena), ele O traiu vergonhosamente por trinta dinheiros. E, claro, depois se enforcou.

Daí para frente o texto aplica as palavras de Jesus às lideranças políticas. Por exemplo, quando Jesus chama de “ladrões e assaltantes” os maus pastores, o padre quer entender que Jesus está censurando os maus líderes políticos. Depois acrescenta: “Felizmente, muitos cristãos já descobriram que a fé política faz parte de sua vocação cristã”. Padre, Deus me livre de ter fé política, seja lá o que isso for. Minha vocação cristã (que é graça de Deus e não mérito meu) não inclui fé política, coisa mais esquisita sobre a qual eu nada sei. Mas, sendo a CNBB uma grande aliada histórica do PT, eu suspeito de que entendi o que o senhor, padre, está falando. Acho que entendi, padre, que o senhor está pregando fé no PT. E isso, padre, se for verdade, mostra bem que tipo de pastor o senhor é.

Padre, quem sou eu para lhe dar conselhos, mas considere, toda vez que o senhor for falar sobre o Evangelho de João, ler os comentários que fez, sobre esse Evangelho, Santo Agostinho. Se o senhor não souber latim, clique aqui para uma versão em inglês de todos os comentário. A passagem do Evangelho de hoje, está comentada, pelo grande Bispo de Hipona, aqui. Veja aí padre o que é um comentário católico às palavras que Ele (com letra maiúscula) nos deixou.

Passemos ao outro texto, o do senhor Carlos Francisco Signorelli. Ele comenta o Documento de Aparecida em seu item 3, “Situação Econômica, Política e Cultural”. Se o senhor Signorelli fosse padre, eu esperaria que o comentário fosse marxista, pois sabemos que os padres brasileiros, com honrosas exceções, são todos partidários da Teologia da Libertação, que é aquela teoria de que Jesus foi um marxista avant la lettre. Sendo o senhor Francisco um leigo, presidente de um tal de Conselho Nacional do Laicato do Brasil, eu esperaria algo mais inteligente. O leigo católico pode e deve ser mais inteligente do que padre marxista.

Contudo, o que se vê no texto é um submarxismo vexamoso. Dele nada se aproveita. Deixo apenas um exemplo do subtexto do senhor Francisco: “Estamos em processo agudo de globalização, que, privilegiando o lucro, segue uma dinâmica de concentração do poder e da riqueza em mãos de poucos. (...) Eles [os pobres] são os ‘supérfluos’, os ‘descartáveis’, as ‘massas sobrantes’. Eles são os ‘sem cidadania’.” Bingo!. Temos agora o MSC. O que será que eles vão invadir? Thomas Sowell usa um termo para caracterizar esse discurso esquerdizante: cultura do ressentimento.

Ora, senhor Francisco, vá pregar o seu submarxismo de botequim em outro lugar! O senhor acha que isso é cristianismo? Se o senhor quiser saber o que a verdadeira Igreja pensa dos problemas sociais, deveria ler os documentos papais sobre o assunto. Algumas encíclicas papais lhe fariam bem. Tente algo como: Sapientiae Christianae, Libertas, Rerum Novarum, só para citar três encíclicas de Leão XIII. Se o senhor quiser ler alguns livros para fazer uma crítica consistente do capitalismo, tente Liberalism is a Sin de Don Felix Sarda y Salvany e Do Liberalismo à Apostasia de Mons. Marcel Lefebvre. Com algum esforço, o último livro poderá inclusive lhe explicar a origem de suas idéias deformadas da realidade. Leia também, se não for demais, The Servile State, de Hilaire Belloc.

Que Deus nos livre dos maus pastores e sempre oriente nossos ouvidos às palavras do Bom Pastor!

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06/04/2008

O mal, os católicos e a Veja

Na edição desta semana (Edição 2055, 9 de abril de 2008), a reportagem de capa da Veja é: O mal – Uma investigação filosófica, psicológica, religiosa e histórica sobre as origens da perversidade humana.

O título é assaz pretensioso para uma reportagem de 4 míseras páginas. Entendo que, por razões mercadológicas, a revista limite suas reportagens. Mas que ela então limite também seus títulos.

A reportagem se concentra nos casos de maldade contra crianças, mas não consegue esconder seu anti-americanismo notório ao ajuntar num mesmo parágrafo o que ela chama de “infame caso de tortura em Abu Ghraib” e o Tribunal de Nuremberg, “que julgou líderes nazistas, não aceitava a obediência a ‘ordens superiores’ como justificativa para crimes de guerra”. Que maneira mais sutil de igualar a invasão do Iraque à invasão hitlerista da Europa!

A investigação histórica mencionada no título fica relegada a uns quadros que aparecem ao pé de três das quatro páginas da reportagem, com o título Um Enigma Profundo: os principais marcos na história do pensamento sobre o mal.

A primeira frase do primeiro quadro (O mal na religião) é um pouco ambígua: “Todas as religiões compreendem alguma força de desordem ou destruição – o Mal”. Meu “Aurélio” me diz que compreender pode significar “conter em si, constar de, abranger, incorporar, englobar, incluir” e também “alcançar com a inteligência, atinar com, perceber, entender”.

Desconfio, e logo digo a razão, que a Veja quer dizer que “todas as grandes religiões” contêm em si, incorporam, incluem, “alguma força de desordem ou destruição” como explicação para a origem do mal do mundo. Falo isso porque tenho a convicção que todos que, atualmente, não são católicos conhecedores da tradição da Igreja, tendem para uma forma ou outra de Gnose. A Gnose é uma antiqüíssima idéia de que há, no mundo, a ação, ou a guerra de dois deuses: o do Bem e o do Mal. Acho assim, mais provável a explicação gnóstica do verbo compreender usado pela Veja.

Hoje em dia, as pessoas professam a gnose sem o saber. Existe uma bibliografia enorme a respeito, começando pelo Adversus haereses de Santo Irineu, onde o autor dá nome à coisa, a descreve nos mínimos detalhes e depois apresenta argumentos contrários á gnose. É um livro obrigatório para a compreensão da doutrina gnóstica.

Mas, atenção: a gnose é apenas uma das várias tentativas que o homem inventou para explicar a presença do mal no mundo. Existem outras que menciono mais abaixo. A Veja identifica a origem das idéias gnósticas (sem dar o nome à coisa) no Zoroastrismo que, diz a revista, “pode ter influído sobre o judaísmo e o cristianismo”. Logo depois, fala sobre o Gênesis, como a sugerir uma certa continuidade do Zoroastrismo. Menciona a serpente de Éden e nos avisa que “o Satã do Antigo Testamento ainda não é exatamente um opositor malévolo de Deus”. O “ainda” da frase é totalmente gnóstico, pois, para nós católicos, o demônio nunca foi opositor de Deus. Ele é apenas um ser criado e só atua quando Deus assim o permite. O demônio só é um opositor de Deus na Gnose, onde ele assume o estatuto de criador. Para o católico, não há opositor a Deus, mas apenas quem não aceita Seus desígnios. Deus é o Ser Supremo: “Eu sou Aquele que sou”.

A revista cita ainda Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino sem lhes dar a devida importância, como dois dos que tentaram explicar a presença do mal no mundo. Cita ainda Leibniz, Darwin, Aristóteles, Maquiavel, Kant, Nietzche, Arendt. Como fechamento da parte histórica, cita a neurociência e o mapeamento cerebral dos psicopatas.

A neurociência, usando a autoridade que a ciência adquiriu no último século de dar palpite em tudo, tenta reduzir todos os valores morais à pura química cerebral. Seria útil ler A Neurociêcia Refuta o Livre-Arbítrio e A Neurociência Refuta a Ética. Não é pouco significativo que a Veja tenha terminado a seção sobre “os marcos na história do pensamento sobre o mal” com a referência à neurociência. A idéia é mesmo que a ciência vá resolver o problema do Mal no homem. Isso já não é gnose, mas o mais irredutível materialismo adicionado a quantidades industriais de soberba.

O que dizer da historinha que a Veja nos conta. Bem, além do que eu já disse, digo ainda que ela é mais significativa pelo que ela não nos conta. Fico aqui apenas com o mais significativo evento que ocorreu na História da Humanidade em relação à organização institucional das forças do mal contra a civilização humana. Trata-se da heresia que foi chamada de Albigense, ou a heresia dos cátaros. Esse foi um movimento herético medieval que quase triunfou e se assim tivesse acontecido, a civilização teria perecido. Não mencionar um evento de tais proporções numa história dos marcos sobre o mal é não entender a essência do mal. É comum que quem não entende a essência do mal fique abestalhado com a sua diversidade: “Qual é o teu nome. Ele respondeu: Legião!” (Lc. 8,30). Mas para compreender a essência do mal é preciso ter a graça do “discernimento dos espíritos” de que nos fala São Paulo (I Cor. 12, 10). E quem de nós tem essa graça atualmente?