30/01/2008

Lembrando de Lepanto: uma batalha que não foi esquecida

Michael Novak


O futuro autor de Don Quixote, Miguel de Cervantes, serviu em uma das galeras no que ele chamou de uma das maiores batalhas marítimas da História e a mais importante daquele tempo para a segurança da Europa. Os turcos tinham conseguido formar uma enorme frota para a invasão da Itália. As preparações começaram com muitos meses de antecedência. Era o ano de 1571, quando aquela frota se articulou próximo a um porto na Grécia, não muito longe do porto de Lepanto.

Por mais de um ano, o Papa Pio V havia tentado alertar as grandes potências da Europa para a ameaça iminente. Mas a Inglaterra, a França e os poderes regionais que depois se tornaram a Alemanha estavam preocupados com os tumultos da Reforma.

Somente Dom João da Áustria, o filho bastardo do rei da Espanha, foi sensível ao perigo. Apesar de sua pouca idade, apesar de suas modestas finanças, Dom João emitiu apelos veementes e conseguiu formar uma robusta frota, equipada com modernos equipamentos de guerra, inventados no Ocidente e rapidamente produzidos em massa por nascentes indústrias navais, componentes do que mais tarde veio a ser conhecido como o “Capitalismo Ocidental”. Ele congregou embarcações de Veneza e Gênova, da Espanha, e de Malta. Num ataque preventivo deliberado, abençoado pelo papa, essa pequena frota velejou a fim pegar de surpresa a armada turca, antes de ela deixar as águas da Grécia.

Os venezianos, no flanco esquerdo da linha de batalha, foram especialmente contundentes. Pouco tempo antes, os turcos tinham atacado e causado tanta destruição em um porto numa ilha mantida pelos venezianos (e outros) que o comandante veneziano, Marcantonio Bragadino apelou por uma trégua. Os turcos prometeram a ele e a seus comandados uma retirada segura – e, então, tomaram-lhe como prisioneiro, surraram-lhe, cortaram-lhe o nariz e as orelhas, colocando nele um colar, o mandaram latir como um cachorro em frente aos seus comandados. Numa pequena jaula, ele foi suspenso no mastro da galera, de modo a que todos nas embarcações e em terra pudessem vê-lo. Então, desceram a jaula e ele foi esfolado cruelmente, sua pele foi cuidadosamente retirada de seu corpo enquanto ele morria (a pele foi, mais tarde, preenchida com palha e mandada a Constantinopla como troféu). Milhares de venezianos e outros foram assassinados no local, ou levados como escravos nas galeras turcas ou para os haréns turcos.

Mas outros indivíduos das embarcações cristãs estavam também raivosos. Por décadas, os turcos tinham usado sua quase supremacia no Mediterrâneo para empreender constantes ataques às comunidades cristãs próximas ao mar e para raptar tanto jovens mulheres e homens para seus haréns, quanto homens fortes para trabalharem em suas galeras.

De fato, muitos escravos dos que remavam na frota turca que orgulhosa e confiantemente se adentrava no Golfo de Lepanto eram cristãos capturados dessas e de outras formas. Esses escravos passavam fome, eram surrados, viviam em meio a seus excrementos, e eram mantidos fortes o suficiente para manejar os grande remos aos quais eles eram acorrentados. Furiosamente, sob o deck, alguns desses escravos lutavam para se libertar das correntes, quando a batalha começou. Finalmente, alguns conseguiram e subiram para o convés, rodando suas correntes e causando grande desordem aos mussulmanos já engajados na batalha.

As duas maiores forças navais jamais reunidas – 280 navios na armada turca, aproximadamente 212 do lado cristão – se avistaram numa ensolarada manhã de 7 de outubro. Tão confiante estava o almirante turco, Ali Pasha, que ele velejou orgulhosamente até o centro de sua armada, trazendo com ele, em navios que o seguiam, toda a sua fortuna, e até parte de seu harém.

Os historiadores nos contam que um desânimo atingiu toda a Europa. Poucos tinham esperança de que a frota cristã pudesse evitar a maldição que parecia pairar sobre a Itália. O papa tinha recomendado a todos para rezar o rosário diariamente pelas corajosas tripulações das galeras cristãs. O rosário é uma oração simples que pode ser feita em quase qualquer lugar, e já tinha alcançado certa popularidade dentre as pessoas simples. Com cada dezena de Ave Maria, medita-se sobre diferentes eventos da vida de Jesus. As contas deslizam pelos dedos tão regularmente quanto o sangue no corpo, tão regularmente quanto as batidas do coração e a respiração dos pulmões.

Para resumir uma longa história, Dom João apontou sua própria galera para o coração da armada turca, diretamente em direção às velas coloridas da galera de Ali Pasha, com sua grande e verde bandeira em que estava escrito, em ouro, o nome de Allah 28000 vezes. O navio veneziano velejou furiosamente contra a ala direita turca, e com a ajuda dos revoltados escravos, destruiu aquela ala. Seis dos maiores navios cristãos estavam equipados com uma plataforma, elevada acima dos níveis normais, em que uma linha de canhões devastadores estava montada. Os disparos desses novos canhões foram contundentes, e dentro de minutos, dezenas de navios turcos foram afundados. O mar, testemunhas disseram, ficou coberto de marinheiros desorientados, turbantes flutuantes, pedaços de madeira e vela.

A paixão em defender sua própria civilização contra brutais invasores também fortaleceu os músculos daqueles engajados na luta sangrenta face-a-face, quando dois navios se emparelhavam. Mas foi principalmente o novo poder de fogo da frota cristã, que era menor, que fez a diferença. Com seu novo poder de fogo, a frota cristã rapidamente afundou galera após galera até que, depois de poucas horas, o centro de comando turco também desabou, como se tivesse sido cortado ao meio por uma faca fumegante. A galera do almirante foi capturada, junto a mais 240 navios turcos. Somente no outro flanco, alguns navios cristãos hesitaram, aproximaram-se do inimigo não muito determinados, e assim estimularam deserções de outras embarcações. Mesmo que atos de heroísmo tivessem lá acontecidos, um número de navios turcos foi capaz de escapar.

A vitória cristã foi muito mais completa do que alguém pudesse sonhar. A vitória pareceu a muitos miraculosa, e ela foi imediatamente atribuída a Nossa Senhora do Rosário – logo chamada por um novo nome, Nossa Senhora da Vitória. Por toda a Europa, nas cidades e vilarejos, os sinos das igrejas tocaram continuamente quando as notícias da vitória chegaram. Desde então, 7 de outubro tem sido celebrado como um dia de festa pela Igreja Católica.

Grandes salões de palácios no sul da Europa passaram a ostentar imensas pinturas celebrando o episódio dessa batalha épica. Toda a Europa, os historiadores recontam, respirou profundamente aliviada e grata. Foi como se uma nuvem opressiva tivesse sido deslocada, alguém escreveu. G.K. Chesterton escreveu um extraordinário poema épico sobre o grande evento, uma peça magnífica para se ler para as crianças – e mesmo para adultos maduros.

Como Osama bin Laden e outros freqüentemente citam essas batalhas, pelas quais ele ainda está buscando vingança, não é inoportuno para o Ocidente, mantê-las na lembrança. Juntamente com a data de 7 de outubro de 1571 – a grande vitória de Jan Sobieski sobre os turcos próximo aos portões de Viena em 11-12 de setembro de 1683 – merece ser lembrada. Mas houve outras grandes batalhas – algumas vitórias e algumas derrotas – nesse período de mil anos que ainda vive na memória, ou deveria viver.




Fonte: National Review on line