Divulgar mentiras e desinformação contra a Igreja é o
esporte favorito de muitos. Quem não se lembra das trave$$ura$ de Dan Brown e o
seu Código Da Vinci. Mentiras sobre as Cruzadas, sobre a Inquisição, sobre a
Igreja e a ciência, etc., abundam e enchem milhões de páginas desde Pentecostes.
Esperamos sempre encontrar tais mentiras em livros de
história geral, ou de divulgação barata como o livro de Brown. Nossa
expectativa é menor em livros de história da matemática, como o livro de Simon
Singh, O Último Teorema de Fermat, Ed. Record, 2006. O Sr. Singh não consegue
esconder seu desprezo pela Igreja em várias passagens do livro, que narra a
interessantíssima história do último teorema, dentre muitos, enunciado por Pierre
Fermat numa margem do seu exemplar da Aritmética de Diofante de Alexandria. Todos
os outros teoremas foram provados, restando este, que afirma ser impossível
encontrar três números inteiros – x, y e z – em que xn + yn
= zn, para n>2. Para n=2, a igualdade é válida, pois expressa o
teorema de Pitágoras. Na margem do livro, Fermat não só enuncia o teorema como
afirma tê-lo provado, mas não registra a prova, dizendo-a longa demais para ser
contida em tão pouco espaço.
Vocês veem que o assunto é muitíssimo interessante e aparentemente
alheio a assuntos teológicos. Mas nada é alheio à teologia. O Sr. Singh, para
tornar o livro mais interessante e mais compreensível ao leitor comum, se
propõe a contar uma longa história, que começa na antiguidade grega, exatamente
com Pitágoras, e termina em 1995, ano em que o teorema de Fermat foi finalmente
provado; mais de trezentos anos depois de ter sido enunciado.
A Igreja e os católicos participam da história contada por
Singh sempre como bárbaros. Vou tomar apenas dois exemplos contidos no livro. O
primeiro se refere à queima da Biblioteca de Alexandria. Singh conta a seguinte
história, que ele provavelmente tirou do mentiroso Gibbon: No ano de 389 “o
imperador cristão Teodósio ordenou que Teófilo, bispo de Alexandria, destruísse
todos os monumentos pagãos. Infelizmente, quando Cleópatra reconstruiu e
reequipou a Biblioteca, ela decidiu alojá-la no Templo de Serápis. E assim a
Biblioteca foi jogada no meio da fúria para a destruição de ícones e altares.
Os estudiosos ‘pagãos’ tentaram salvar seis séculos de conhecimento, mas antes
que pudessem fazer qualquer coisa foram linchados pela horda de cristãos. O
mergulho em direção à Idade das Trevas tinha começado.” Que malvados esses
católicos, não é mesmo? Não só colocam fogo na imensa biblioteca, que continha
todo o conhecimento humano até então, como ainda assassinam os grandes homens
que a queriam salvar! Que odiosos são esses idólatras cristãos assassinos!
Vamos usar duas fontes para desmascarar essa historinha de botequim.
A primeira é a obra História Eclesiástica
do Padre da Igreja Sócrates de Constantinopla, ou Sócrates Escolástico. No
livro V, capítulo XVI, da referida obra, Sócrates conta o seguinte.
“Por solicitação de Teófilo, bispo de Alexandria, o
imperador ordenou então a demolição dos templos pagãos daquela cidade; ordenando
ainda que a execução da ordem fosse dada a Teófilo. Aproveitando essa
oportunidade, Teófilo expôs os mistérios pagãos à execração pública. Para
começar ele esvaziou o templo de Mitra e fez uma exibição pública dos símbolos
desses mistérios sangrentos. Então ele destruiu o templo de Serápis e também
exibiu todas as suas extravagantes superstições, e fez com que o falo de Príapo
fosse trazido para o meio do fórum. Os pagãos de Alexandria, e especialmente os
professores de filosofia, não se contiveram em seu ódio por tal exposição
pública. (...) eles se lançaram impetuosamente sobre os cristãos, e
assassinaram cada um dos que eles puderam alcançar. Os cristãos tentaram
resistir, mas isso só piorou a situação. A carnificina só terminou quando findou
a saciedade pelo derramamento de sangue. Descobriu-se então que, embora poucos
pagãos tenham morrido, pereceu um grande número de cristãos. (Heládio, um
sacerdote de Júpiter, admitiu ter assassinado nove homens com suas próprias
mãos). Depois desses tumultos, Teófilo mandou demolir os templos pagãos.”
Como fica agora a historinha de botequim do Sr. Singh? Quem
massacrou quem? Os tais estudiosos estavam enfurecidos pela exposição pública
de seus ritos sangrentos e secretos. Mas, e a imensa biblioteca, contendo todo
o conhecimento humano, que os cristãos destruíram? Bem, para desmascarar esta
mentira não precisamos mais do que a Wikipedia
– quem diria? – que nos informa que: “Um texto mais antigo, do historiador
Ammiano Marcelino, indica que a biblioteca foi destruída no tempo de Júlio
César; quaisquer livros que tenham sido guardados no tempo de Serápis não estavam
mais lá, na última década do século IV. O autor pagão Eunápio de Sardis
testemunhou a demolição, e embora detestasse os cristãos, e fosse um estudioso,
seu registro da destruição do templo não menciona nenhuma biblioteca.”
A historinha do Sr. Singh é composta de três partes: os
cristãos destruíram os templos pagãos de Alexandria no final do século IV; eles
queimaram a biblioteca de Alexandria; eles massacraram quem tentou evitar tal
ato de vandalismo. A primeira parte é verdadeira, com o detalhe de que foi
Teófilo que solicitou a Teodósio a destruição dos templos e não o contrário. A
segunda parte é uma mentira deslavada e na terceira parte ocorreu justo o
contrário. Pois é, a Idade das Trevas começou muito mal; com uma grande e gorda
mentira.
O segundo exemplo é realmente interessante. O Sr. Singh fala
de muitos matemáticos em seu livro, como se pode imaginar. Ele descreve suas
obras no que concerne ao tema principal do livro, que é o último teorema de
Fermat. Ele não comenta nada sobre traços pessoais de nenhum desses estudiosos,
atendo-se apenas às suas obras. A única exceção é para o matemático Cauchy, que
ele descreve gratuitamente como “hipócrita, fanático religioso e pessoa
extremamente impopular com seus colegas. Ele só era tolerado na Academia por
seu talento.” Bem, Cauchy era um fervoroso católico, com um pequeno detalhe:
era um fervoroso católico na época da Revolução Francesa! Um homem que sempre
confessou sua Fé e que por isso foi perseguido, destituído de empregos,
exilado, etc. Numa época em que os jesuítas eram extremamente impopulares, ele
escreveu duas obras em defesa deles. Em 1810, ele escreveu para sua mãe: “eles
reclamam que minha devoção me torna muito orgulhoso, arrogante e presunçoso...
Deixaram-me de lado acerca da temática religiosa e ninguém a menciona para mim.”
É de se imaginar sobre o que Cauchy fala aqui: qualquer católico que afirma que
o catolicismo é verdadeiro é acusado de arrogante, pois o chique, o sinal de
humildade é dizer que não existe verdade, ou que cada um tem a sua, ou que cada
um consegue absorver uma parte dela, etc. Mas Cauchy foi um dos maiores
matemáticos que já existiu na face da Terra; ele produziu 789 artigos
matemáticos e muitos livros. Suas obras completas cobrem 27 volumes. Deve ser a
isso que se refere o Sr. Singh, quando fala de seu talento.
Mas o mais curioso de tudo isso é que o matemático que
originou todo o enigma que foi resolvido em 1995, o matemático que enunciou o
teorema que se tornou o mais famoso do mundo, o matemático francês Pierre de Fermat
era – adivinhem? – UM FERVOROSO CATÓLICO! Isto o Sr. Singh não tem a gentileza
de nos informar.
E assim se vão mais algumas mentiras sobre a Igreja e sobre nós
católicos.