19/12/2011

Mensagem de Natal: um pensamento acerca do Inferno

Pe. Frederick William Faber

 Este ano a mensagem de Natal do blog versa sobre o Inferno. O que tem a ver o Inferno com o menino-Deus que nasceu no estábulo em Belém? O blogueiro não está sendo muito lúgubre tentando manchar toda a alegria da estação com este pensamento tão antiquado? Veja que até, diria um hipotético leitor não muito conformado com este post, até um bispo da Igreja – este sim, um homem moderno – tem negado a existência de tal desprazeroso lugar. Bem, Jesus nasceu, Deus se encarnou, para nos salvar justamente do Inferno. Quem nega a existência do Inferno, nega – além das muitas afirmações de Jesus sobre tal lugar – a obra da Redenção. Se não há Inferno, não há justiça divina, não há Deus. O Inferno afirma a existência de Deus, de Seu Filho e da Redenção. Podemos dizer que como parte da Criação, o Inferno canta as glórias de Deus.

Pe. Faber, e com ele todos os santos e teólogos da Igreja, afirma, no texto que se segue, que o pensamento acerca da realidade do Inferno é uma das mais potentes armas contra os ataques do demônio que, segundo São Pedro, anda por aí a rugir. Não custa lembrar que Nosso Senhor é o nosso caminho para o Céu, ou seja, para um lugar que está infinitamente, na ordem da graça, longe do Inferno. Bem, a história de nossa Redenção começa exatamente num estábulo de Belém.

Que todos tenham um santo Natal, mais próximo de Jesus, mais longe do Inferno.



É incrível quão querida a glória de Deus se torna para aqueles que continuamente a procuram. A busca já lhes dá novos sentidos pelos quais podem encontrá-la, ao passo que o amor diariamente crescente aguça perpetuamente seu discernimento. “A terra está plena de Vossa glória”. Que alegria para um coração ardente de amor! Não basta que o Céu transborde e que a terra se encha com a bem-aventurada inundação de Sua glória. Nós de bom grado desejaríamos que não houvesse rincão na criação que não fosse repleto dela. Contudo, há um lugar onde esta glória parece frustrada, um lugar do qual não se eleva nenhuma planta da oração, nenhuma alegria da adoração, nenhum abençoado agradecimento, nenhuma aspiração do desejo. É a casa daqueles que foram julgados e foram condenados, e que por isso perderam Deus para sempre.

Ali está a graça que não deu fruto, ou cujos frutos apodreceram na árvore. Ali estão os Sacramentos que foram em vão. Ali a Cruz fracassou e os propósitos amorosos de Deus sofreram uma resistência bem sucedida e foram completamente vencidos. Ainda assim, é de fé que Deus colhe imensa glória dessa inexprimível escuridão, pois a alma perdida é um louvor involuntário à justiça de Deus, tanto quanto a alma convertida é um louvor ao Seu amor. Tampouco os interesses de Jesus são inexistentes ali; pois as dores, tão indescritíveis como são – ah! o mais breve pensamento delas é intolerável – são menores do que o mérito do pecado, menores do que a justeza da medida de punição, e assim o são por causa d’Ele. O Precioso Sangue, em certo sentido, se faz presente até mesmo ali.

Tampouco aquele lugar horrível deixa de ter os mais abençoados resultados para a salvação de muitas almas, por meio do santo e salutar temor que alimenta nelas e da necessária correção das frouxas e distorcidas noções acerca de Deus por elas mantidas. Quando Nosso Senhor mostrou à Irmã Francisca do Santíssimo Sacramento, uma carmelita espanhola, a perda de uma alma, e diversas vezes numa visão a compeliu a positivamente considerar as diferentes torturas daquele lugar, Ele a repreendeu por chorar: “Francisca! Por que choras?” Ela caiu prostrada aos Seus sagrados pés e disse: “Senhor! Pela danação daquela alma, e o modo em que ela se perdeu.” Ele disse condescendente: “Filha! Ela escolheu se perder; Eu lhe proporcionei muitos auxílios da graça para ela se salvar, mas ela não aproveitou. Agrada-me vossa compaixão, mas prefiro que ames Minha justiça.” Outra vez, quando ela foi compelida a fixar seu olhar sobre aquelas dores, os Anjos lhe disseram: “Ó Francisca, esforce-se sempre pelo santo temor de Deus!” Quem pode duvidar que milhares e dezenas de milhares que estão, neste momento, desfrutando as delícias no Céu, lá não estariam se não houvesse o Inferno. Ele é, infelizmente, uma repreensão aos corações insensíveis dos homens, mas afinal, a Cruz de Cristo não tem tido melhor auxílio na terra que o insuportável fogo do Inferno.

Verdadeiramente é bom para nosso próprio bem que pensemos algumas vezes sobre aquele lugar horrível. Tal como a bela França se estende além do Canal,[1] tal como o sol brilha sobre brancos muros, frescas pontes, brilhantes jardins, palácios de muitos andares em sua belíssima capital, tal como milhares de homens e mulheres lá vivem vidas reais, cumprindo diferentes destinos, assim também há um lugar como o Inferno, todo cheio de vida neste exato momento, com numerosas almas sofrendo incontáveis agonias e inumeráveis gradações de desespero. Exceto a dos bem-aventurados no Céu, nenhuma vida é tão intensa e consciente quanto aquela de milhões de almas arruinadas. Não é impossível que rumemos para lá. Não é impossível que já tenhamos mandado alguém para lá. Quando andamos pelas ruas, vemos, não raro, aqueles que habitarão lá para sempre. Há alguns lá agora que não estavam lá uma hora atrás. Há alguns agora nos verdes campos, ou nas movimentadas cidades, em confortáveis camas, ou em ensolaradas praias, que na próxima hora, talvez, terão ido para lá. Esta é uma verdade extremamente real.

Mas, e se houver ainda mais verdades sobre isso? E se tiver havido um dia em que nós teríamos ido para lá se tivéssemos morrido? E se neste momento, lá estiverem meninos e meninas que pecaram muito menos que nós, ou ainda, que pecaram talvez uma só vez, enquanto nós temos pecado milhares de vezes? Ó, mas devemos nos humilhar ainda mais. Quanto tempo perseveraríamos no serviço de Deus se tivéssemos certeza que o Inferno não existia? Teríamos deixado nossos pecados, se não fosse pelo Inferno?[2]
 
Ó, que coisa boa é estar sobre esta boa terra, cercados por toda esta vida promissora, embora tenhamos realmente, por nossas próprias mãos e olhos, palavra, pensamento e diligente malícia, logrado o direito a esse infortúnio eterno. Ah! Tal como a névoa que surge do mar estéril – onde o milho não cresce e as videiras não dão frutos – que forma as nuvens que vão se desfazer em chuvas sobre vales e colinas, assim também daqueles amplos mares de fogo e maldição a Compaixão Divina surge como uma nuvem para derramar torrentes de graças sobre as almas dos homens que ainda vivem.

Que ninguém se afaste da visão do Inferno para que, pouco a pouco e por muito pouco, uma opinião positiva de si mesmo não cresça dentro de sua alma e o mande, por fim, para aquele sombrio exílio. Com efeito, é bom, muito bom, pensar sobre o Inferno, e nesta maravilha que é não estarmos lá neste exato momento. Não, não se assuste: o que você vê é, na verdade, a luz branca do sol que ilumina a terra. Nada tema: aquele som é o vento que agita os ramos das árvores. Seus olhos não o enganam: aqueles são os telhados das casas da cidade que estão dormindo envoltos na neblina, compondo um calmo cenário. Tudo está ainda bem. Estamos aqui e estamos livres; mas devíamos estar lá, e ser escravos!

Aqueles que servem a Jesus por amor não esquecem tais coisas. Não, eles delas se lembram tão mais frequentemente quanto mais O amam.


[1] Pe. Faber morava na Inglaterra. (N. do T.)
[2] Este é exatamente o fundamento da ação demoníaca para nos convencer da inexistência do Inferno. (N. do T.)

Um comentário:

Anônimo disse...

Noooooooooooooooooossa. Que horror!!!!. Se o mundo acabasse hoje, no Inferno não teria lugar pra alojar tanta gente. Só alguns e muito pouco ainda teriam de passar pelo Purgatório para depois irem para o Ceu.