27/07/2006

Barbarismo e Imediação

Que cultura seja sentimento refinado e comedido pelo intelecto se torna claro quando nos voltamos para um tipo de barbarismo existente em nosso meio e possuidor de um inconfundível poder desintegrador. Essa ameaça pode ser mais bem descrita como o desejo de imediação. É característica do bárbaro, quer ele apareça num estágio pré-cultural, quer ele emirja do fundo de uma decadente civilização, insistir em ver uma coisa “como ela é”. O desejo atesta que ele não tem nada em si mesmo com o que espiritualizá-la; a relação é de coisa para coisa, sem a intercessão da imaginação. Impaciente com o véu de significado imaginativo com que o homem superior cobre o mundo, o bárbaro e o filisteu, que é o bárbaro imerso numa cultura, exigem o acesso à imediação. Onde o primeiro almeja a representação, o último insiste na rigidez da materialidade, suspeitando, com razão, que a forma significará restrição.

Richard Weaver (Ideas have consequences)

22/07/2006

Guerra religiosa segundo Chesterton

Pessoas refinadas parecem considerar que há algo desagradável e profano numa guerra religiosa. Devo dizer que não deve haver guerra a não ser a guerra religiosa. Se a guerra for irreligiosa, ela será imoral. Homem algum deve empreender qualquer luta a menos que ele esteja preparado para colocar sua desavença perante aquela Corte de Arbitragem invisível que perpassa toda a religião. A menos que ele pense estar vitalmente, eternamente, cosmicamente do lado certo, ele estará errado se disparar sua pistola

Para entender o Brasil e a justa reação de Israel contra um grupo terrorista (Hezbollah)

Os dois artigos abaixo são importantes neste pobre país da desinformação.

Sobre o Brasil, artigo do filósofo Alberto Oliva
http://www.parlata.com.br/artigos_exp.asp?art=1857


Sobre o conflito entre Israel e os terroristas que tomaram de assalto um país chamado Líbano ler

http://www.puggina.org/outrosautores/news.php?detail=n1153529741.news

Que coisa mais maluca, um grupo terrorista gerencia um PAÍS, e todo mundo por aqui acha que Israel está lutando contra outro país!!!!

20/07/2006

Matemática nos tempos do comunismo de Lula



Li esse texto delicioso nos comentários de um artigo no blog do Reinaldo Azevedo. Parece ser um texto anônimo que está circulando pela Internet. Dá a medida exata da situação educacional do nosso pobre país.


Semana passada comprei um um artigo que custou R$ 1,58. Dei à balconista R$ 2,00 e peguei na minha bolsa 8 centavos, para evitar receber ainda mais moedas.A balconista pegou o dinheiro e ficou olhando para a máquina registradora, aparentemente sem saber o quê fazer. Tentei explicar que ela tinha que me dar 50 centavos de troco, mas ela não se convenceu e chamou o gerente para ajudá-la. Ficou com lágrimas nos olhos enquanto o gerente tentava explicar e ela aparentemente continuava sem entender.Porquê estou contando isso? Porque me dei conta da evolução do ensino de matemática desde 1950, que foi assim:

1. Ensino de matemática em 1950:

Um cortador de lenha vende um carro de lenha por R$ 100,00. O custo de produção desse carro de lenha é igual a 4/5 do preço de venda. Qual é o lucro?

2. Ensino de matemática em 1960:

Um cortador de lenha vende um carro de lenha por R$ 100,00. O custo de produção desse carro de lenha é igual a 4/5 do preço de venda, ou R$ 80,00.Qual é o lucro?

3. Ensino de matemática em 1970:

Um cortador de lenha vende um carro de lenha por R$ 100,00. O custo de produção desse carro de lenha é R$ 80,00. Qual é o lucro?

4. Ensino de matemática em 1980:

Um cortador de lenha vende um carro de lenha por R$ 100,00. O custo de produção desse carro de lenha é R$ 80,00. Escolha a resposta certa, que indica o lucro:
R$ 20,00 ( ) R$40,00 ( ) R$60,00 ( ) R$80,00 ( ) R$100,00 ( )

5. Ensino de matemática em 1990:

Um cortador de lenha derruba uma bela árvore porque êle é egoísta e não tem nenhuma consideração para com o habitat de animais ou a preservação de nossas florestas. Êle faz isso apenas para ter um lucro de R$ 20,00.

O quê você acha dessa maneira de ganhar a vida? É socialmente justa?

6. Ensino de matemática em 2006:

Um cortador de lenha vende um carro de lenha por R$100,00. O custo de produção é R$ 80,00. Ele tem um lucro de apenas R$20,00.

Não está sendo explorado pelo capitalismo selvagem e destruindo a natureza?

Depois de responder, dê sua opinião sôbre como os tatus, os passarinhos, as cobras e outros animais se sentiram com essa destruição do seu habitat....

Textos de Thomas Sowell

Tenho traduzido alguns textos de Thomas Sowell, para o Mídia Sem Máscara. Alguns deles eu já postei também aqui no blog. Outros ainda não. Seguem os links destes últimos, para a consulta dos interessados.

Somos sérios ou suicidas?
http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=4486

Velhos Budweisers
http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=4656

Catedrais da Fé
http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=4704

Que importância tem os fatos? Parte I
http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=4731

Que importância tem os fatos? Final
http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=4732

Lavegem cerebral na sala de aula
http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=4748

A esquerda e a pobreza
http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=4768

Alternativas à realidade
http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=4793

A família está mesmo sendo extinta?
http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=4818

Mitos sobre ricos e pobres
http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=4850

Lei ou linchamento?
http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=4897

Justiça retardada?
http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=4926

O maior dos escândalos
http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=4956

Fatos explosivos
http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=4978

Pensamentos esparsos
http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=4989

Aquecimento Global
http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=5008

Preservando uma visão: Parte I
http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=5031

Preservando uma visão: Parte II
http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=5042

Preservando uma visão: Final
http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=5059

História Geral da África: Uma Introdução
http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=5068

09/07/2006

O Ressurgimento da Filosofia – Por quê?

G.K. Chesterton


O melhor motivo para o ressurgimento da filosofia é que a menos que um homem tenha uma filosofia, certas coisas horríveis acontecerão a ele. Ele será prático; ele será progressista; ele cultivará a eficiência; ele acreditará na evolução; ele realizará o trabalho dele mais próximo e imediato; ele se devotará a feitos, não a palavras. Assim, atingido por rajadas e mais rajadas de estupidez cega e destino aleatório, ele caminhará trôpego para uma morte miserável, sem nenhum conforto, exceto uma série de slogans; tais como esses que cataloguei acima.

Essas coisas são simples substitutos dos pensamentos. Em alguns casos, eles são pedaços esparsos do pensamento de alguém. Isso significa que um homem que se recusa a ter sua própria filosofia não terá nem mesmo a vantagem de uma fera, a de ser deixado à mercê de seus próprios instintos. Ele terá apenas os esgotados fragmentos de alguma filosofia alheia; o que as feras não precisam herdar; daí sua felicidade.

Os homens sempre têm uma de duas coisas: ou uma completa e consciente filosofia ou uma inconsciente aceitação de fragmentos dispersos de alguma incompleta, devastada e, freqüentemente, desacreditada filosofia. Esses fragmentos dispersos são as frases que eu citei: eficiência, evolução etc. A idéia de ser “prático”, em si mesma, é tudo que resta de um Pragmatismo que não se sustenta. É impossível ser prático sem uma Pragma. E o que aconteceria se você abordasse o próximo homem prático que encontrasse e dissesse ao pobre pateta: “Onde está sua Pragma?” Fazer o trabalho mais próximo e imediato é um nonsense óbvio; mesmo assim, isso é repetido em muitos almanaques. Em noventa por cento dos casos, isso significaria fazer o trabalho a que você menos se adequasse, tal como limpar janelas ou esmurrar um policial.

“Feitos em vez de palavras” é, em si mesmo, um excelente exemplo de “Palavras em vez de pensamentos”. Jogar uma pedra no lago é um feito e mandar um preso para a forca é uma palavra. Mas, há palavras verdadeiramente fúteis; quase inteiramente delas consiste esse tipo de jornalismo científico popular e filosófico.

Alguns têm medo de que a filosofia os entediará ou os confundirá; a razão é que eles não pensam apenas numa série de longas palavras, mas também num novelo de complicadas noções. Essas pessoas deixam de perceber toda a natureza da atual situação. Esses são os males que já existem; principalmente pelo desejo de uma filosofia. Os políticos e os jornais estão sempre usando longas palavras. Não se constitui em uma completa consolação o fato de eles as usarem erradamente. As relações políticas e sociais já são desesperadamente complicadas. Elas são muito mais complicadas do que qualquer página de metafísica medieval; a única diferença é que os medievalistas podiam desembaraçar o novelo e entender as complicações; os modernos não podem. As principais coisas práticas atuais, como corrupção financeira e política, são enormemente complicadas. Nos contentamos em tolerá-las porque nos contentamos em não entendê-las, em vez de compreendê-las. O mundo dos negócios precisa de metafísica – para simplificá-lo.

Eu sei que essas palavras serão recebidas com escárnio, e com a reafirmação mal-humorada de que não é momento para nonsense e paradoxo; e que o que é realmente desejável é um homem prático para ir em frente e limpar toda a bagunça. E um homem prático, sem dúvida, aparecerá, um de uma sucessão interminável de homens práticos; e ele, sem dúvida, irá em frente, e talvez “limpará” alguns milhões para si próprio e deixará uma bagunça maior ainda; tal como os homens práticos anteriores fizeram. A razão é perfeitamente simples. Esse tipo de pessoa excessivamente rude e sem consciência sempre aumenta a confusão; porque ela está à mercê de diferentes motivos ao mesmo tempo; e ele não os distingue. Um homem tem, já totalmente entrelaçado em sua mente, (1) um desejo entusiástico e humano por dinheiro, (2) um desejo pedante e superficial de estar progredindo, ou indo pelo caminho de todo mundo, (3) um desconforto por ser considerado muito velho para se relacionar com os jovens, (4) uma certa quantidade de um vago, mas genuíno, patriotismo ou espírito público, (5) uma incompreensão do erro cometido pelo Sr. H. G. Wells, na forma de um livro sobre a Evolução. Quando um homem tem todas essas coisas dentro de sua cabeça e nem sequer tenta resolvê-las, ele é chamado, pelo consenso e aclamação geral, um homem prático. Mas do homem prático não se pode esperar algum aprimoramento em relação à impraticável confusão; pois, ele não pode sequer organizar a confusão de sua própria mente, o que dizer de sua altamente complexa comunidade e civilização. Por alguma estranha razão, é comum dizer que esse tipo de homem prático “sabe o que faz”. É claro que isso é exatamente o que ele não sabe. Ele pode, em alguns casos felizes, conhecer o que ele quer, como um cachorro ou um bebê de dois anos; mas mesmo assim, ele não sabe o porquê de seu desejo. E é o porquê e o como que deve ser considerado quando estamos elucidando a razão de uma cultura ou tradição ter se tornado tão confusa. O que precisamos, como os antigos entenderam, não é um político que é um negociante, mas um rei que é um filósofo.

Peço desculpas pela palavra “rei”, que não é estritamente necessária no contexto; mas eu sugiro que seria uma das funções do filósofo ponderar sobre tais palavras e determinar se elas têm ou não importância. A República Romana e todos os seus cidadãos tinham um horror enorme da palavra “rei”. Como conseqüência eles inventaram e nos impuseram a palavra “imperador”. Os grandes republicanos que fundaram a América também tinham horror da palavra “rei”; que depois reapareceu com a especial qualificação de um Rei do Ferro, um Rei do Petróleo, um Rei do Porco, ou outros monarcas similares, feitos de materiais semelhantes. O negócio de um filósofo não é necessariamente condenar a inovação ou negar a distinção. Mas é sua tarefa perguntar-se exatamente o que é que ele ou os outros desgostam na palavra “rei”. Se o que ele desgosta é um homem usando um casaco cheio de manchas, feito de pele de um animal chamado arminho, ou um homem que tinha um anel de metal colocado sobre sua cabeça por um clérigo, ele terá de decidir. Se o que ele desgosta é que tal casaco ou tal poder seja passado de pai para filho, ele perguntará se isso ocorre nas condições comerciais correntes. Mas, de qualquer forma, ele terá o hábito de testar a coisa pela reflexão; por meio da idéia de que gosta ou desgosta; e não meramente pelo som da sílaba ou a aparência das letras da palavra.

Filosofia é meramente pensamento que foi cuidadosamente considerado. É, freqüentemente, muito enfadonho. Mas, o homem não tem alternativa, exceto entre ser influenciado pelo pensamento refletido ou ser influenciado pelo pensamento irrefletido. O último é o que comumente chamamos, hoje, de cultura e erudição. Mas o homem é sempre influenciado por pensamento de algum tipo, seu próprio ou de alguém; de alguém que ele confia ou de alguém de quem ele nunca ouviu falar, pensamento de primeira, segunda ou terceira mão; pensamento de lendas esquecidas ou de rumores não confirmados; mas sempre algo com a sombra de um sistema de valores e uma razão para preferência. Um homem testa qualquer coisa por meio de alguma coisa. A questão aqui é se ele alguma vez testa o teste.

Tomarei um exemplo, entre milhares que poderia escolher. Qual é a atitude de um homem comum ao ser informado sobre um evento extraordinário: um milagre? Quero dizer um tipo de coisa que é informalmente chamado de sobrenatural, mas que deveria ser chamado propriamente de preternatural. Pois, a palavra sobrenatural aplica-se somente ao que é mais elevado que o homem; e muitos milagres modernos são como se viessem de um lugar consideravelmente inferior. De qualquer forma, o que os homens modernos dizem quando se confrontam com algo que, aparentemente, não pode ser explicado naturalmente? Bem, a maioria dos homens modernos diz asneira. Quando uma tal coisa é mencionada, em romances e em histórias de jornais ou revistas, o primeiro comentário que se ouve é, “Mas, meu caro amigo, este é o século XX!” Vale a pena ter um pequeno treino em filosofia, se não por outras razões, pelo menos para não parecer tão surpreendentemente idiota. A afirmação tem, no todo, muito menos sentido ou significado do que, “Mas, meu caro amigo, estamos numa tarde de terça-feira.” Se milagres não podem acontecer, eles não acontecem nem no século XX, nem no século XII. Mas se eles podem acontecer, ninguém pode provar que em algum momento determinado eles não possam acontecer. O melhor que pode ser dito para um cético é que ele não pode explicar o que ele quer dizer, e portanto, o que quer que ele queira dizer, ele não pode explicar o que diz. Mas se ele somente quer dizer que se poderia acreditar em milagres no século XII, mas que não se pode acreditar neles no século XX, então, ele está errado novamente, tanto em teoria quanto em fatos. Ele está errado em teoria, porque um inteligente reconhecimento de possibilidades não depende de datas mas de filosofia. Um ateu poderia ter desacreditado em milagre no primeiro século e um místico poderia continuar a acreditar em milagres no século XXI. E ele está errado em fatos, porque há fortes indícios que haverá muito misticismo e um grande número de milagres no século XXI; e há, certamente, um crescente número deles no século XX.

Mas, eu tomei aquela primeira resposta superficial porque há um significado no mero fato de que ela apareça em primeiro lugar; e sua própria superficialidade revela algo do subconsciente. É uma resposta quase automática; e palavras ditas automaticamente são de alguma importância em psicologia. Não sejamos tão severos com o valoroso cavalheiro que informa seu caro interlocutor que este é o século XX. Nas profundezas misteriosas de seu ser, mesmo aquela enorme asneira significa realmente alguma coisa. A questão é que ele não pode explicar o que ele quer dizer; e este é o argumento para uma melhor educação em filosofia. O que ele realmente quer dizer é algo como, “Há uma teoria a respeito desse misterioso universo para a qual mais e mais pessoas ficaram inclinadas durante a segunda metade do século XVIII e a primeira metade do XIX; e até este ponto pelo menos, essa teoria cresceu com um crescente número de invenções da ciência às quais devemos nossa presente organização – ou desorganização – social. Essa teoria afirma que causa e efeito têm, desde o início, operado numa seqüência ininterrupta como um destino fixo; e que não há nenhuma vontade por atrás ou no interior desse destino; de tal forma que ele deve trabalhar na ausência de tal vontade, como uma máquina deve funcionar sem a presença de um homem. Havia mais pessoas no século XIX que acreditavam nessa particular teoria do universo do que havia no século IX. Eu mesmo acredito nela; e portanto eu, obviamente, não posso acreditar em milagres.” Isso faz completo sentido; mas também faz a contra-afirmação; “Eu não acredito nela; e portanto eu, obviamente, acredito em milagres.”

A vantagem de um hábito filosófico elementar é que ele permite a um homem, por exemplo, entender uma afirmação como esta, “O fato de poder ou não poder haver exceções a um processo depende da natureza do processo.” A desvantagem de não ter esse hábito é que um homem se tornará impaciente mesmo com um truísmo tão simples; e chama-lo-á lixo metafísico. Ele, então, disparará a seguinte afirmação: “Não se podem ter tais coisas no século XX”; o que é realmente um lixo. Mesmo assim, a última afirmação pode ser explicada a ele em termos suficientemente simples. Se um homem vê as águas de um rio caminhando rio abaixo, ano após ano, ele terá razão em considerar, podemos dizer em apostar, que isso acontecerá até que ele morra. Mas, ele não terá razão em dizer que as águas do rio não podem caminhar rio acima, até que ele saiba porque elas correm rio abaixo. Dizer que isso acontece por causa da gravidade responde a questão física mas não a filosófica. Somente se repete que há uma repetição; não se toca na questão mais profunda sobre se essa repetição pode ser alterada por algo proveniente do exterior. E isso depende da existência de algo no exterior. Por exemplo, suponha que um homem tenha visto o rio apenas num sonho. Ele poderia ter sonhado noventa e nove sonhos, sempre se repetindo e sempre com as águas fluindo rio abaixo. Mas, isso não evitaria que o centésimo sonho pudesse mostrar o rio subindo a montanha; porque o sonho é um sonho, e há algo exterior a ele. Mera repetição não prova realidade ou inevitabilidade. Devemos conhecer a natureza da coisa e a causa da repetição. Se a natureza da coisa é uma Criação, e a causa da coisa um Criador, em outras palavras, se a própria repetição é somente a repetição de algo desejado por uma pessoa, então, não é impossível para essa mesma pessoa desejar uma coisa diferente. Se um homem é um idiota para acreditar num Criador, então ele será um idiota para acreditar num milagre; mas não ao contrário. Ao contrário, ele é simplesmente um filósofo que é consistente com sua filosofia.

Um homem moderno é livre para escolher qualquer uma das filosofias. Mas, a verdadeira questão do homem moderno é que ele não conhece nem mesmo sua própria filosofia, mas somente sua própria fraseologia. Ele pode somente responder à próxima mensagem produzida pelo espiritualista, ou à próxima cura atestada por doutores em Lourdes, com a repetição do que são, geralmente, nada mais que frases; ou são, na melhor das hipóteses, preconceitos.

Assim, quando um brilhante homem como o Sr. H. G. Wells diz que tais idéias sobrenaturais se tornaram impossíveis para “pessoas inteligentes”, ele não está (neste caso) falando como uma pessoa inteligente. Em outras palavras, ele não está falando como um filósofo; porque ele não está nem mesmo dizendo o que ele quer dizer. O que ele quer dizer não é “impossível para homens inteligentes”, mas, “impossível para monistas inteligentes”, ou, “impossível para deterministas inteligentes”. Mas, não é uma negação da inteligência afirmar qualquer concepção lógica e coerente de um mundo tão misterioso. Não é uma negação da inteligência pensar que toda experiência é um sonho. Não é pouco inteligente pensá-la como uma ilusão, como alguns budistas fazem; muito menos pensá-la com um desejo criativo, como fazem os cristãos. Estamos sempre ouvindo que os homens não devem manter as divisões tão pronunciadas de suas religiões. Como um passo imediato em direção ao progresso, é mais urgente que eles sejam mais claros e mais pronunciadamente divididos em suas diferentes filosofias.

Publicado por The American Chesterton Society

02/07/2006

Dawkins está errado

Roger Scruton

Face ao espetáculo de crueldades perpetradas em nome da fé, Voltaire bradou o famoso “Ecrasez l’infâme!” Numerosos pensadores iluministas o seguiram, declarando que a religião organizada é inimiga da raça humana, a força que divide o crente do infiel, com isso, tanto excitando quanto autorizando o assassínio. Richard Dawkins, cuja série de TV “A raiz do mal?” exibe seu último capítulo na próxima segunda-feira[1], é o mais influente exemplo dessa tradição. E ele a está embelezando com sua própria e surpreendente teoria – a teoria da “meme” religiosa. Uma meme é uma entidade mental que coloniza o cérebro das pessoas, de forma similar a que um vírus coloniza uma célula. A meme explora seu hospedeiro para se reproduzir, difundindo-se de cérebro a cérebro, como a meningite, e destruindo os poderes de seu competidor – o argumento racional. Como os gêneros e as espécies, as memes são indivíduos darwinianos, cujo sucesso ou fracasso depende de suas habilidades em encontrar um nicho ecológico que propicie a reprodução. Tal é a natureza do “óleo gerin,”[2] como Dawkins descreve, depreciativamente, a religião.

Essa analogia com a teoria biológica da reprodução tem uma qualidade espantosa. Ela parece explicar o extraordinário poder de sobrevivência do nonsense e o constante “adormecimento da razão” que, na gravura de Goya, convida os monstros. Frente a uma página de Derrida – e sabendo que tal idiotice está sendo lida e reproduzida em milhares de campi americanos – tenho sido, constantemente, tentado pela teoria da meme. A página em minhas mãos é, claramente, o produto de um cérebro doente e a doença é infecciosa, em altíssimo grau: o próprio Derrida admitiu isso quando se referiu ao “vírus desconstrutivo”.

Apesar de tudo, não estou inteiramente persuadido por essa analogia genética. A teoria de que as idéias têm a tendência de se propagar, apropriando-se da energia do cérebro que as hospeda, lembra o perito médico de Molière (Le malade imaginaire) que explicava o fato de o ópio induzir ao sono, referindo-se ao seu virtus domitiva. A coisa só parece uma explicação quando “lemos” nas alegadas causas, as distintas características de seus efeitos, imaginando idéias como entidades cuja existência depende, como a dos gêneros e espécies, da reprodução.

Contudo, concedamos a Dawkins a tentativa de formulação de uma teoria. Devemos ainda lembrar que nem todo organismo dependente destrói seu hospedeiro. Além dos parasitas, há também os simbiantes e os mutualistas – invasores que, ou não impedem, ou mesmo amplificam as possibilidades reprodutivas do hospedeiro. Como classificar a religião? Por que ela tem sobrevivido, se não confere nenhum benefício aos seus adeptos? E o que acontece com as sociedades que se vacinam contra a infecção – a sociedade soviética, por exemplo, ou a Alemanha nazista –, experimentaram elas um ganho em seu potencial reprodutivo? É claro que muito mais pesquisa será necessária se formos apoiar firmemente uma vacinação em massa em vez de (minha opção preferida) respaldar a religião, que parece muito mais adequada a moderar nossos instintos beligerantes, e que, fazendo isso, nos pede para perdoar a quem nos ofende e, humildemente, reparar nossas faltas.

Assim, há memes más e memes boas. Usemos a matemática como exemplo. Ela se propaga através dos cérebros humanos porque é verdadeira; indivíduos inteiramente “a-matemáticos” – que não conseguem contar, subtrair ou multiplicar – não têm filhos, pela simples razão de que eles cometem erros fatais antes disso. A matemática é um mutualista real. O mesmo não é verdade sobre a má matemática, é claro; mas má matemática não sobrevive, precisamente porque ela destrói o cérebro em que se hospeda.

Talvez a religião, a esse respeito, seja como a matemática: sua sobrevivência tem algo a ver com a verdade. Não é uma verdade literal, é claro, nem uma verdade integral. De fato, a verdade de uma religião está menos no que é revelado em suas doutrinas, do que no que é ocultado em seus mistérios. As religiões não revelam seus significados diretamente porque elas não podem fazê-lo; seus significados têm de ser alcançados por adoração e oração, e por uma vida de obediência silenciosa. No entanto, verdades ocultas são ainda verdades; e talvez possamos ser guiados por elas tal como o somos pelo sol, contanto que para ele não olhemos diretamente. O contato direto com a verdade religiosa seria como o encontro de Semele com Zeus, uma conflagração súbita.

Para Dawkins, a idéia de uma verdade puramente religiosa não tem valor algum. Os mistérios da religião, ele diria, existem para vetar todo o questionamento, dando à religião uma vantagem em relação à ciência, na luta pela sobrevivência. De qualquer forma, por que há tantos competidores dentre as religiões, se elas estão competindo pela verdade? Não deveriam as falsas ter desaparecido, como acontece às teorias científicas refutadas? E como a religião aprimora o espírito humano, quando ela parece autorizar os crimes, agora, cometidos por mussulmanos e que são apenas sombras dos crimes espalhados pela Europa quando da Guerra dos Trinta Anos?

Essas são grandes questões, irrespondíveis em um programa de TV, por isso, eis um esboço das minhas respostas. As religiões sobrevivem e florescem porque são um convite ao espírito de grupo – elas promovem os costumes, as crenças e os rituais que unem as gerações numa forma de vida compartilhada e semeiam as sementes do respeito mútuo. Como todas as formas de vida social, elas são inflamadas nas fronteiras, onde competem por territórios com outras profissões de fé. Culpar as religiões pelas guerras conduzidas em seu nome é, no entanto, como culpar o amor pela guerra de Tróia. Todos os motivos humanos, mesmo os mais nobres, alimentarão as chamas do conflito quando reunidos pelo “imperativo territorial” – isso também nos ensinou Darwin, e Dawkins, certamente, deve tê-lo notado. Livre-se da religião, como os nazistas e comunistas fizeram, e você nada faz para suprimir a procura por Lebensraum. Você, simplesmente, remove a principal força de misericórdia no coração humano ordinário e faz, assim, a guerra impiedosa; o ateísmo descobriu sua prova em Estalingrado.

Há uma tendência, alimentada pelo sensacionalismo televisivo, de julgar todas as instituições humanas pelo seu comportamento em tempos de conflito. A religião, como o patriotismo, tem uma imagem negativa entre aqueles para quem a guerra é a única realidade humana, a única ocasião em que o Outro, em todos nós, é perceptível. Mas o teste real de uma instituição humana é o período de paz. A paz é tediosa, cotidiana e, também, cansativa na televisão. Mas, você pode aprender sobre ela nos livros. Aqueles criados na fé cristã sabem que a capacidade do cristianismo em manter a paz no mundo ao nosso redor reflete seu dom de paz interior. Numa sociedade cristã não há necessidade de Asbos[3] e num mundo pós-religioso elas não farão nenhum bem – elas estarão em sua última e desesperada tentativa de nos salvar dos efeitos da ausência do sagrado, e a tentativa está fadada ao fracasso.

Os mussulmanos dizem coisas parecidas, assim como os judeus – na realidade, todos que possuem a verdade. Mas, como saber? Bem, nós não sabemos, nem precisamos saber. Toda a fé depende da revelação, e a prova da revelação está na paz que ela traz. Argumentos racionais só nos podem trazer até aqui, em elevar a fé monoteísta acima de um mundo enlameado de superstições. Podem nos ajudar a entender a diferença real entre a fé que nos exige que perdoemos nossos inimigos e aquela que nos exige que os esfolemos. Mas o salto da fé propriamente dita – o colocar sua vida a serviço de Deus – é um salto sobre o limite da razão. Isso não o faz irracional, tanto quanto se apaixonar não é irracional. Ao contrário, é a submissão do coração a um ideal, e uma aposta no amor, na paz e no perdão que Dawkins está, também, procurando, pois ele, como o resto de nós, foi feito desta mesmíssima forma.


Artigo publicado no The Spectator


[1] Este artigo foi escrito em 12/01/2006. (N. do T.)

[2] Droga alucinógena, altamente viciante. (N. do T.)

[3] Asbo – anti-social behaviour order (ordem anti-social) – ordem judicial, do sistema judicial escocês e inglês, emitida contra uma pessoa que supostamente tenha tido uma conduta anti-social. (N. do T.)