16/11/2005

A Neurociência Refuta a Ética?

Lucretius*

O estudo do cérebro, também chamado de neurociência, de seu modesto começo como um ramo da fisiologia, se expandiu consideravelmente em anos recentes, agora fadado a se tornar a rainha das ciências. O advento de técnicas tais como a fMRI (functional magnetic resonance imaging), por exemplo, tem atraído muitos pesquisadores com pouco interesse na neurobiologia tradicional, mas que se interessam muito pelo estudo das conexões anatômicas e da comunicação eletro-química entre as células do cérebro.
Esses novos neurocientistas estão interessados em tipos de questões tratadas, tradicionalmente, pelas humanidades e as ciências sociais. As respostas que eles dão têm atraído muita atenção da mídia. Agora temos neurociência afetiva, neurociência social, neurociência cognitiva – de fato, neurociência de tudo sob o sol. Como todas as atividades humanas podem ser relacionadas ao cérebro, a neurociência parece estar na perfeita posição para trazer o prestígio das ciências naturais para as disciplinas “soft”.
A Moral e o Direito estão entre as mais recentes áreas a serem invadidas pela neurociência. Aqui discuto uma tentativa recente, baseada na evidência de imagens cerebrais, de desbancar os princípios morais universais e reviver o utilitarismo em decisões morais, não no sentido Misesiano, de regras que promovem o bem social, mas no sentido de que não há um certo ou errado reais ou ainda, um padrão moral pelo qual qualquer coisa possa ser julgada. (Num artigo futuro, discutirei uma tentativa similar, dos mesmos pesquisadores, novamente se valendo de argumentos da neurociência, para atacar o conceito de livre arbítrio e de responsabilidade pessoal no Direito.)

Neurociência e moralidade

Em 2001, um grupo de pesquisadores publicaram, no periódico Science, um estudo examinando o fundamento neurológico da decisão moral. Surpreendentemente, o principal autor desse artigo, Joshua Greene, é um filósofo analítico, tendo recebido seu Ph.D. em Princeton, sob a orientação do falecido David Lewis (você pode ler sobre Greene aqui.)
Os dilemas morais enfrentados por sujeitos experimentais, enquanto seus cérebros estavam sendo escaneados, foram descritos como se segue:
Um vagão desgovernado, faiscando os trilhos, se aproxima de cinco pessoas que serão mortas se o vagão se mantiver no curso presente. O único modo de salvá-las é acionar a chave que mudará o curso do vagão para um curso alternativo, onde ele matará apenas uma pessoa, ao invés de cinco. Deve você mudar o curso do vagão para salvar cinco pessoas ao custo de uma vida? A maioria responde sim. Agora considere um problema similar, o dilema da passarela. Como antes, um vagão ameaça matar cinco pessoas. Você está perto de um estranho sobre uma passarela que se estende sobre os trilhos, entre o vagão desgovernado e as cinco pessoas. Nesse cenário, o único meio de salvar as cinco pessoas é empurrar o estranho para fora da passarela, sobre os trilhos abaixo. Ele morrerá se você fizer isso, mas seu corpo parará o vagão, impedindo-o de atingir os outros. Deve você, para salvar as cinco pessoas, empurrar o estranho para a morte? A maioria responde não.”[3]
Usando a técnica fMRI, Greene et al. descobriram que as áreas do cérebro associadas com a emoção eram ativadas quando a versão da passarela, do dilema moral, era apresentada, mas isso não acontecia com a versão do vagão. Alguns dilemas, portanto, parecem envolver mais “processamento emocional” que outros. Eles argumentaram que as pessoas são mais propensas a sacrificar uma vida para salvar cinco se o cenário não envolver as áreas emocionais de seus cérebros, como o caso do vagão; e eles chamaram esse tipo de dilema de “impessoal”.
Em contraste, no caso da passarela, onde se deve matar um estranho para salvar cinco, as áreas emocionais do cérebro são ativadas e, como resultado, as pessoas são menos propensas a tomar essa decisão; esse tipo de dilema eles chamaram de “pessoal”.
Até aqui, tudo bem. Independentemente da validade dos seus dados, Greene et al. permaneceram dentro das fronteiras da ciência experimental. Num estudo posterior, no entanto, eles foram mais longe [2]. Dessa vez, eles usaram um dilema moral diferente. Deve alguém sufocar até a morte um bebê que chora para proteger as vidas de muitos, quando os soldados inimigos se aproximam? Aqui eles compararam os padrões de ativação cerebral daqueles que aprovam a morte do bebê (utilitários) e daqueles que não aprovam (deontologistas).
Para aqueles não acostumados com o jargão filosófico, os utilitários acreditam que a moralidade é uma forma de promoção de um bem maior, enquanto os deontologistas argumentam que existem princípios morais absolutos que nunca podem ser violados, não importando as conseqüências. Portanto, de acordo com os utilitários, o bebê devia ser morto para salvar os outros, mas de acordo com os deontologistas, o bebê não devia ser morto, pois, o assassinato é, simplesmente, errado.
Greene et al. observaram uma maior atividade nas regiões cerebrais associadas com a emoção, quando os indivíduos desaprovavam a morte do bebê, e maior atividade nas regiões cerebrais associadas ao “controle cognitivo”, quando a decisão utilitária prevalecia. Os processos de controle cognitivo, além do mais, podem trabalhar contra uma resposta sócio-emocional, resultando em decisões mais utilitárias – maior tendência a sufocar o bebê. Em uma região cerebral (córtex dorsolateral pré-frontal direito anterior), a atividade aumenta para os participantes que fizeram a escolha utilitária, mas decresce para aqueles que fizeram a escolha não-utilitária. Novamente, as emoções levam os indivíduos a rejeitar as escolhas que, mesmo violando princípios morais, resultem num maior bem-estar agregado.
O choque vem da conclusão tirada pelos autores: “As respostas sócio-emocionais que herdamos dos nossos ancestrais primatas ...dão sustentação às proibições absolutas que são centrais na deontologia. Em contraste, o ‘cálculo moral’ que define o utilitarismo é tornado possível por estruturas evolutivas mais recentes localizadas nos lobos centrais, que possibilitam o pensamento abstrato e o controle cognitivo de alto nível.” De forma mais clara, o velho cérebro emocional representa a visão dos deontologistas, que acreditam em regras universais de moralidade, enquanto o novo cérebro racional representa a visão utilitária [2].
Neste ponto, o leitor vigilante já pode detectar alguma parcialidade se insinuando na interpretação dos dados. De acordo com Greene et al., há dois conjuntos de estruturas cerebrais em competição quando os seres humanos tomam decisões morais – as velhas regiões emocionais e as novas regiões racionais. A forma do argumento, é claro, não é nova, mas no lugar da tradicional dicotomia entre razão e emoção, nós temos agora “áreas associadas ao controle cognitivo e a memória ativa” e “áreas associadas à emoção.”
O benefício dessa transformação é a habilidade de usar um argumento evolucionário associado a áreas cerebrais. E o raciocínio se desenvolve assim: como o velho cérebro emocional evoluiu para tratar somente com situações pessoais, ele é mal equipado para fazer cálculos morais, pesando custos e benefícios e escolhendo a ação que leve ao maior bem-estar agregado. Para tal cognição avançada, as áreas cerebrais mais recentemente evoluídas devem ser recrutadas.
Infelizmente, no entanto, Greene et al. não estão interessados em perseguir sua linha evolucionária de raciocínio mais do que é conveniente para seus argumentos. O córtex dorsolateral pré-frontal, uma área do cérebro que Greene et al. consideraram tão importante para o cálculo utilitário, é, de fato, uma “estrutura recente” na escala evolutiva, mas seu período de maior expansão nos primatas foi ainda milhões de anos antes dos princípios morais universais terem entrado em cena.
Por exemplo, regras tais como “não mate” e “não roube” não eram encontradas entre os seres humanos há 40.000 anos, apesar de não haver diferença biológica conhecida entre seu córtex dorsolateral pré-frontal e o nosso. Além do mais, como um deontologista, Kant seria, presumivelmente, classificado por Greene et al. como alguém com um cérebro emocional sobre-desenvolvido. Mas o Imperativo Categórico Katiano – devemos sempre agir de acordo com uma regra que possa se tornar lei universal; devemos sempre tratar outro ser humano como um fim, nunca como um mero meio – não é um tipo de moralidade que caracterizaria nossos ancestrais caçadores.
Deve ainda ser observado que a medida da atividade do cérebro através de um sinal fMRI pode, na melhor das hipóteses, ser correlacionada com uma função psicológica; não pode demonstrar um papel causal para a área do cérebro em questão. Apenas porque uma área cerebral particular se tornou mais ativa quando uma decisão foi tomada não significa que essa área influenciou a decisão. De fato, o sinal fMRI nem mesmo fornece uma medida dos pulsos neurônicos, de tal forma que não sabemos se ela reflete os sinais de entrada ou de saída das áreas ativadas.
Além disso, a classificação de áreas do cérebro em “emocionais” ou “cognitivas” não está fora de discussão; ela é, de fato, um truque de prestidigitador entre os novos frenologistas. A maioria dos estudos fMRI liga uma área particular a uma função particular. Não importa a validade da função psicológica atribuída – a suposição, ao contrário, é que se há um nome acadêmico para uma função, tal como controle cognitivo, deve haver uma área cerebral para ela. Como resultado, muitas áreas são sobrecarregadas com dúzias de rótulos. Se você descobre múltiplas áreas ativadas, pode pesquisar na literatura e achar o que você procura entre as funções descobertas dessas áreas. Isso raramente falha e, nas mãos de praticantes habilidosos, é receita de sucesso quase garantido.
Chega de argumentos científicos! As próprias opiniões de Greene sobre a moral podem ser encontradas num texto escrito para a Nature Reviews Neuroscience [1]. Não é surpresa encontrar Greene do lado dos utilitários. Com suas opiniões fortalecidas, agora, por evidências empíricas do tipo das descritas acima, nosso neurocientista utilitário, seguindo os candidatos a Mister Universo, argumenta, em essência, que devemos nos importar mais com o mundo, a fim de fazê-lo um lugar melhor. Essa simples mensagem, no entanto, é apresentada num formado em moda entre os filósofos analíticos contemporâneos e necessita alguma explicitação.
Usando ainda um dilema moral tomado de empréstimo do trabalho de Peter Unger, Greene pergunta: Por que devemos sentir uma obrigação moral em socorrer um homem ferido na estrada, mas podemos ignorar cartas de solicitação de doações de respeitáveis instituições de caridade? Como não há diferença entre os casos quando analisados em termos do bem-estar total do ser humano, ele argumenta, isso é o resultado de nosso cérebro ter evoluído de tal forma que importamos mais com situações pessoais do que com situações impessoais, deixando de levar em conta as condições das crianças famintas na África. Nossos sentimentos morais são, portanto, deficientes em seu escopo. Pois, se visto em termos do bem-estar global, não colaborar com instituições de caridade é tão errado quanto não socorrer um ferido a beira da estrada.
Em relação a isso, Greene menciona, com aprovação, o fato de que Peter Singer, o famoso professor utilitário, doa em torno de 20% de seu salário a instituições de caridade. Mas se devemos agir baseado em suposições utilitárias, por que nos ater em modestas contribuições? Por que somente 20%, e não tudo? Se devemos, realmente, fazer o cálculo moral, como os utilitários nos exigem, a única coisa racional a fazer é doar tudo que temos e morrer de fome. O dinheiro que Greene gasta no armazém é mais do que suficiente para alimentar, digamos, diversos bebês famintos em países do terceiro mundo. Seguramente, se matar de fome, em termos do cálculo moral, não é diferente de sufocar o bebê para salvar os outros – o paradigma do pensamento utilitário.
Por que tal responsabilidade moral estrita parece ridícula, especialmente, quando recomendada por alguém cujas pesquisas exigem centenas de milhares de dólares dos contribuintes? Para responder essa questão é conveniente lembrar que os argumentos de Greene têm o objetivo de atacar a moralidade que se fundamenta em princípios universais. Tal moralidade contém muito poucas recomendações, entre as quais, como Greene sugere, está a regra de que se vemos um homem seriamente ferido a beira da estrada, devemos socorrê-lo. As proibições são um pouco mais extensas: não devemos matar, roubar, etc. É uma moralidade de um escopo muito modesto, em comparação com a busca dos utilitários pela justiça cósmica**.
Anteriormente expliquei que os utilitários fazem coisas para um bem maior, enquanto os deontologistas seguem princípios morais absolutos. Essa breve descrição não é muito adequada, pois não está claro o que significa “um bem maior”. Para utilitários como Greene, o bem ou o bem-estar maior poderia ser calculado pelo agente individual baseado em suas crenças sobre o mundo; é um produto do cálculo individual.
Foi uma preocupação central de Hayek, especialmente em seus últimos anos de vida, mostrar porque essa suposição não é válida. De acordo com Hayek, enquanto é freqüentemente possível calcular as conseqüências imediatas das ações de alguém, é quase impossível calcular, dada a limitação da informação disponível, as conseqüências de longo prazo. Mas isso pode ser descoberto, de forma indireta, simplesmente observando aquelas regras que sobreviveram o maior período de seleção, que foram independentemente desenvolvidas em várias culturas, ou, originando-se em uma cultura, se espalharam para outras no curso da história. Essas regras e práticas são, elas próprias, selecionadas, a unidade de seleção sendo o grupo de seres humanos que as seguem. Elas são universais devido a suas conseqüências de longo prazo para os grupos que a seguem, e sua existência implica algum tipo de vantagem global.
Dessa forma, o “cálculo moral” é um oximoro, porque todo o propósito da moral é ficar livre do cálculo individual. Os utilitários de todas as estirpes confundem cálculos desse tipo, que qualquer homem primitivo pode fazer, com racionalidade, e eles pensam que uma análise de custo-benefício é necessária para o comportamento moral. O que eles não conseguem reconhecer, acima de tudo, é que pode haver maneiras mais inteligentes de coleta de informação e “cálculo” além do ator individual envolvido com suas tomadas de decisão. O desenvolvimento da moral transforma contingências temporárias “ação-resultado” em regras perenes e universais. Como diz a famosa conclusão de Hume, “as regras da moral não são conclusões de nossa razão.” O fato dos princípios morais não serem baseados na razão, não os invalida, porque o produto de um processo gradual de seleção pode ser superior aos resultados do cálculo individual.
O ponto central do argumento de Hayek, descrito acima, com o qual não precisamos concordar in totum, mostra as falhas das suposições do pensamento utilitário. Como Hayek gostava de observar, os ímpetos altruístas é que são, freqüente e precisamente, primitivos e comandam o comportamento irracional dos supostos progressistas. Ao contrário, os princípios universais derivados da seleção cultural evitam o preconceito individual que polui a análise utilitária. O altruísmo instintivo de fazer o bem visível, por exemplo, é substituído por um sistema impessoal de coordenação de recursos, mais precisamente capitalismo, que, não nos surpreende, é o alvo favorito daqueles que não conseguem nenhuma satisfação de seus impulsos altruístas primitivos [4].
Como o bipolo teórico altruísmo-compaixão, aplicado a todos num sentido abstrato, posto em ação desde um confortável sofá, se tornou o ópio dos intelectuais, é um fascinante tópico de estudo. Infelizmente, o ímpeto para fazer o bem, apesar de maciçamente presente em nossas universidades, causa mais obstáculo do que facilita a consecução de algum bem. Foi, de fato, com o declínio da responsabilidade moral que emergiu um amplo grupo de intelectuais profissionais cujo trabalho se resume a proclamar a preocupação com os pobres e os sofredores.
Professar preocupação se tornou a mais recente função dos professores e aumentar o bem-estar agregado a função favorita de governos em todos os lugares, para o desapontamento daqueles que são os alvos dessas ações e intenções, cujo bem-estar é tomado como um agregado. Tal como “um pouco de sacrifício para um bem maior” sempre foi o refrão dos ditadores, justificando assassinatos, confiscos e tortura, as proibições morais tradicionais, os “insignificantes” princípios morais, devem ser pisoteados, em nome do bem-estar agregado, como já vem acontecendo.
A segunda confusão de Greene se refere ao realismo moral, a idéia de que as verdades morais são objetivas. Ele argumenta contra o realismo moral, declarando que os princípios morais são relativos, que o que é moral depende de quem assim considera. Pois, se não há fatos morais, somente opiniões, então não pode haver princípios morais universais que todos devem seguir.
No entanto, uma objeção imediatamente surge: o fato de algo ser objetivo não implica que devemos seguí-lo. Por exemplo, apesar da árvore do lado de fora de minha casa existir objetivamente, independente dos seres humanos, ela não merece minha obediência. O amor, por outro lado, é subjetivo, mas não devemos, por isso, considerá-lo irrelevante para o homem, especialmente, no momento da escolha da pessoa com quem se casar. Que os princípios morais são produzidos pelos seres humanos, que eles somente se aplicam aos habitantes humanos deste planeta por um breve período de tempo em sua história, não significa que eles devem ser ignorados.
Além do mais, o realismo moral não pode ser experimentalmente testado pela neurociência. Se você escanear o cérebro de alguém enquanto ele está tomando decisões morais, você encontrará certos padrões de ativação neurológica. Mas verdades morais não são subjetivas porque você encontra ativação cerebral (ou uma mudança no batimento cardíaco). O subjetivismo moral não pode jamais ser provado por um experimento. A confusão de Greene se origina de seu erro fundamental sobre o que a ciência pode ou não pode fazer, pois para ele, a neurociência é apenas outra ferramenta com a qual se pode nocautear pontos de vista opostos.
Com a remoção da fachada escolástica e pseudocientífica, o que Greene realmente pretende dizer é que, pelo fato de que as pessoas acreditam em verdades morais objetivas, elas são muito dogmáticas nessa área. E ele detesta dogmatismos. Como um bom relativista moral, ele deseja que todos convivam, confortavelmente, com suas próprias verdades morais – um estado de coisas que, supostamente, produz paz e harmonia. Por exemplo, se eu acredito que é errado para você roubar minha carteira e você discorda, pois as nossas morais são diferentes, eu simplesmente, dou de ombros e sigo meu caminho.
Greene deseja o relativismo moral, apesar de achar mais fácil argumentar a favor do subjetivismo moral, ou ainda atacar o realismo moral. Portanto, ele acredita que princípios morais universais podem ser abolidos pela consideração de que não há verdades morais objetivas. Aqui encontramos uma característica interessante e particular a muitos intelectuais contemporâneos, que explica o caos conceitual em que Greene se meteu. De um lado, eles acreditam que, no que diz respeito à moral, não devemos ser dogmáticos – não devemos ser tão dogmáticos em nossos princípios morais, pois os outros têm seus próprios.
Por outro lado, eles advogam uma certa versão do utilitarismo e do coletivismo que acaba sendo tão exigente que qualquer um que a conteste deve ser rotulado como primitivo e estúpido, como o deontologista cujo cérebro emocional é sobre-desenvolvido.
Então, o objetivo dessa busca secreta por relativismo moral é conseguir que os outros abandonem suas crenças em alguns poucos princípios morais; e assim os estudos de Greene são somente uma tentativa de provar sua verdade coletivista por meio da ciência do cérebro. Mas, nesse caso descobrimos um novo truque. Ele usa fatos sobre a atividade do cérebro para argumentar: 1) que não há fatos morais, é tudo questão de opinião; e 2) que devemos todos nos tornar utilitários e fazer doações a instituições de caridade.
Sendo justo com Greene, ele não nos incita, à la Manifesto Comunista, a nos unir e nos tornar utilitários imediatamente. Ele, meramente, descreve os dois lados para nós. Um lado é controlado pelo cérebro primitivo e emocional, que evoluiu antes desse nosso mundo comunitário e multicultural – um cérebro adequado para o gueto cruel e pré-histórico de nossos ancestrais caçadores, que não tinham nenhum interesse na paz e harmonia. O outro lado, com o seu cérebro mais evoluído, capaz de controle cognitivo, é mais racional e adequado para o mundo de hoje.
Nosso cérebro é uma combinação de ambos, que estão em perpétua guerra dentro de nosso crânio. Greene nos faria crer que, dado esses fatos, nós saberíamos que lado escolher. Mas, estudantes da liberdade devem reconhecer, no caso em tela, apenas uma outra fantasia coletivista. O tipo de neurociência de Greene não é ciência, mas um novo membro da categoria “política por outros meios”.


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[1] Greene, J., From neural 'is' to moral 'ought': what are the moral implications of neuroscientific moral psychology?, Nat Rev Neurosci, 4 (2003) 846-9.

[2] Greene, J.D., Nystrom, L.E., Engell, A.D., Darley, J.M. and Cohen, J.D., The neural bases of cognitive conflict and control in moral judgment, Neuron, 44 (2004) 389-400.

[3] Greene, J.D., Sommerville, R.B., Nystrom, L.E., Darley, J.M. and Cohen, J.D., An fMRI investigation of emotional engagement in moral judgment, Science, 293 (2001) 2105-8.

[4] Hayek, F.A., The Fatal Conceit, The University of Chicago Press, Chicago, 1988.

* Lucretius é um neurobiologista que vive em Maryland, USA.

** Não fica claro aqui, se o autor se refere ao termo justiça cósmica na acepção de Thomas Sowell. De qualquer forma, vale a pena uma consulta à abordagem sowelliana desse conceito e suas conseqüências em: Thomas Sowell, The Quest for Cosmic Justice, The Free Press, New York, 1999. (N. do T.)


Publicado pelo Mises Institute.

A morte de Rosa Parks

Thomas Sowell

A morte de Rosa Parks nos lembrou seu lugar na história, como uma mulher negra cuja recusa em ceder seu assento num ônibus a um homem branco, como prescrevia a lei Jim Crow do estado do Alabama, foi a faísca que incendiou o movimento pelos direitos civis dos anos 1950 e 1960.

No entanto, muitos não conhecem o resto da história. Porque havia assentos racialmente segregados no transporte público, em primeiro lugar? “Racismo” alguém dirá – e havia, certamente, muito racismo no Sul, há muitos séculos. Mas assentos racialmente segregados no transporte público no Sul não existiam há muitos séculos.

Longe de existirem desde tempos imemoriais, como muitos têm suposto, os assentos racialmente segregados no transporte público começou no Sul no final do século XIX e início do século XX.

Aqueles que vêem o governo como a solução para os problemas sociais podem se surpreender em saberem que foi o governo que criou esse problema. Muitos, se não todos, dos sistemas de transporte municipal eram propriedades privadas no século XIX e os seus proprietários não tinham nenhum incentivo para segregar as raças.

Esses proprietários podem ter sido racistas, mas eles estavam naquele negócio para produzir lucros – e você não obtém lucros excluindo muitos de seus clientes. Não havia demanda suficiente para os assentos Jim Crow no transporte municipal para que o lucro acontecesse.
Foi a política que segregou as raças, pois os incentivos do processo político são diferentes dos incentivos do processo econômico. Brancos e negros gastavam dinheiro para andar de ônibus mas, depois da exclusão do voto negro no final do século XIX e início do século XX, somente os brancos contavam no processo político.

Não era necessário que uma maioria maciça de eleitores brancos demandasse a segregação racial. Se alguém o fizesse e outros nem ligasse, isso já era suficiente politicamente, pois o que os negros queriam não contava politicamente depois que eles perderam o direito ao voto.

Os incentivos do sistema econômico e os incentivos do sistema político não eram somente diferentes, eles se colidiam. Os proprietários de ônibus, trens urbanos, e de companhias ferroviárias no Sul fizeram lobby contra as leis Jim Crow enquanto essas leis estavam sendo propostas, contestando-as nos tribunais depois que elas eram aprovadas e retardando seu cumprimento quando os tribunais as mantinham em vigor.

Essas táticas retardaram a aplicação das leis Jim Crow por anos em alguns lugares. Então, os empregados das companhias de transporte começaram a ser presos por não observarem tais leis e, pelo menos, um presidente de companhia foi ameaçado de ser mandado para a cadeia se ele não acedesse.

Essa resistência não foi por um desejo de direitos civis para os negros. Foi baseada no medo de perder dinheiro se a segregação racial causasse uma diminuição dos clientes negros depois dessa afronta.

Da mesma forma que não foi necessária uma maioria expressiva de brancos a demandar a segregação racial para que o sistema político a criasse, também não foi necessária que uma maciça maioria de negros parasse de usar o transporte público para que os proprietários dos sistemas de transporte sentissem a iminente perda monetária.

As pessoas que desprezam o fato de que negociantes estão no mercado “somente para ganhar dinheiro”, raramente, entendem as implicações do que elas estão falando. Você ganha dinheiro fazendo o que outras pessoas querem, não o que você quer.
O dinheiro dos negros era tão bom quando o dos brancos, apesar de não ser esse o caso quando falamos de votos.

Inicialmente, a segregação significou que os brancos não poderiam se sentar na ala dos negros num ônibus, tanto quanto os negros não poderiam se sentar na ala dos brancos. Mas, os brancos que eram forçados a ficar em pé quando havia assentos vazios na ala dos negros, objetaram. Foi quando a regra foi imposta de que os negros tinham que ceder seus assentos aos brancos.

Sofismas legais criados por juízes jogaram para escanteio a determinação de tratamento igual a todos da Emenda 14. O ativismo judicial pode ir para qualquer direção.

Foi quando Rosa Parks entrou em cena, depois de quase meio século de tramóia política e fraude judicial.

Publicado por Townhall.com

24/10/2005

O Grande Frasista G. K. Chesterton

Verdades Eternas


Os sovinas acordam cedo; os ladrões, pelo que sei, acordam na noite anterior.

Defender quaisquer das virtudes cardeais tem, hoje em dia, toda a excitação de um vício.

Uma coisa morta pode seguir a correnteza, mas somente uma coisa viva pode contrariá-la.

As falácias não se tornam menos falácias porque se tornaram modas.

Imparcialidade é um nome pomposo para indiferença, que é um nome elegante para ignorância.

Uma inconveniência é apenas uma aventura erroneamente considerada; uma aventura é uma inconveniência corretamente considerada.

O que amargura o mundo não é excesso de crítica, mas a ausência de autocrítica.

Um homem são é aquele que tem a tragédia em seu coração e a comédia em sua cabeça.

Entre os ricos você nunca encontrará um homem verdadeiramente generoso, nem por acaso. Eles podem doar seu dinheiro, mas nunca se doam; eles são egoístas, enigmáticos, secos como ossos velhos. Para ser inteligente o suficiente para conseguir todo aquele dinheiro, você deve ser estúpido o suficiente para desejá-lo.

Força moderada é usada na violência, força suprema é usada na levitação.

A simplificação de qualquer coisa é sempre sensacional.

Protestos sempre voltam como um eco dos confins do mundo; mas o silêncio nos revigora.

Costumes são, geralmente, generosos. Hábitos, são quase sempre, egoístas.

Acredito que o que realmente acontece na história é o seguinte: o homem idoso está sempre errado; e os jovens estão sempre errados sobre o que está errado. A forma prática que isso toma é a seguinte: enquanto o homem idoso se apega a algum costume estúpido, o homem jovem sempre o ataca, com alguma teoria que se mostra igualmente estúpida.

O centro de toda a existência do homem é um sonho. Morte, doença, insanidade, são, meramente, acidentes materiais, como uma dor de dente ou uma torção no tornozelo. Que essas forças brutais sempre sitiam e, freqüentemente, capturam a cidadela, não prova que elas são a cidadela.

O otimista é uma pessoa em permanente rebelião que, geralmente, vive e morre num esforço desesperado e suicida para persuadir as pessoas do quando elas são boas.

Ter o direito de fazer uma coisa não é, em absoluto, estar certo em fazê-la.

Todos os exageros estão certos, se eles exageram as coisas certas.

A comédia do homem sobrevive à sua tragédia.

Ultimamente não temos tido boas óperas cômicas, pois, o mundo real tem sido mais cômico que qualquer ópera imaginável.

Quando homens instruídos começam a usar a razão, então, geralmente, descubro que eles não a têm.

O homem livre é dono de si próprio. Ele pode se prejudicar comendo ou bebendo; ele pode se arruinar com o jogo. Se ele assim se comporta, ele é um grande idiota, e pode ser uma alma condenada; se não for esse o caso, ele é tão livre quanto um cachorro.

O esteta nunca faz nada além do que lhe é mandado fazer.

O esteta aspira à harmonia, não à beleza. Se seu cabelo não combina com o purpúreo por do sol, contra o qual ele se posta, ele rapidamente tinge seu cabelo com uma sombra de púrpura. Se sua esposa não combina com o papel de parede, ele se divorcia.

O reformador está sempre certo sobre o que está errado. Ele, geralmente, está errado sobre o que está certo.

A razão é sempre uma espécie de força bruta; aqueles que apelam mais para a cabeça do que para o coração, mesmo que pálido e educado, são, necessariamente, homens violentos. Falamos de ‘tocar’ o coração do homem, mas não podemos fazer nada com a sua cabeça, exceto golpeá-la.

O homem é sempre algo pior e algo melhor que um animal; e meros argumentos sobre a perfeição animal nunca o tocam. Assim, no sexo nenhum animal é cortes ou obsceno. E assim, nenhum animal inventou algo tão ruim quanto a embriaguez – ou tão boa quanto a bebida.

Quando entramos numa família, pelo ato de nascermos, entramos realmente num mundo que é incalculável, num mundo que tem suas próprias e estranhas leis, num mundo que poderia passar sem nós, num mundo que não criamos. Em outras palavras, quando entramos numa família, entramos num conto de fadas.

Uma coisa pode ser muito triste para ser crível ou muito má para ser crível ou muito boa para ser crível; mas ela não pode ser tão absurda para ser crível, neste planeta de sapos e elefantes, de crocodilos e peixes-espada.



Conselhos gratuitos


Não se deleite consigo mesmo. Deleite-se com a dança, com peças teatrais, com passeios de automóveis, com champagne e com ostras; deleite-se com jazz, com cocktails e com boates, se você não se diverte com nada melhor; deleite-se com a bigamia, com o roubo ou com outro crime qualquer; mas nunca se deleite consigo próprio.

Não olhe para os rostos nos jornais e revistas ilustrados. Olhe para os rostos na rua.

Quando for fazer um agrado a um amigo ou a uma criança, dê-lhes o que eles gostam, nunca o que seja bom para eles.

Concordo com o realista irlandês que diz que prefere a profecia depois do acontecido.


O culto ao progresso


O progresso é um comparativo para o qual ainda não temos o superlativo.

O progresso deve significar que estamos sempre mudando o mundo para adequá-lo à nossa visão, ao invés de sempre mudarmos a nossa visão.

Minha atitude perante o progresso passou do antagonismo ao tédio. Parei, há muito tempo, de discutir com as pessoas que preferem quinta-feira à quarta-feira porque é quinta-feira.

Os homens inventam novos ideais porque não ousam tentar os velhos ideais. Eles olham à frente com entusiasmo, porque eles temem olhar para trás.

Tradição significa votar na mais obscura das classes, nossos ancestrais. É a democracia dos mortos. A tradição recusa a se submeter àquela arrogante oligarquia que, por acaso, se encontra por perto.

O mundo moderno é um punhado de carros de corrida, todos obrigados a uma parada, presos num engarrafamento de trânsito.

Confortos raros aos nossos ancestrais são, agora, multiplicados nas fábricas e vendidos indiscriminadamente; e realmente, ninguém atualmente, que não se importe em passar sem ar, espaço, quietude, decência e boas maneiras, precisa se privar de nada que se queira; ou, pelo menos, de uma imitação barata do que se queira.

Uma história de detetive, geralmente, descreve seis homens discutindo sobre como aquele homem morreu. Uma história filosófica moderna, geralmente, descreve seis homens mortos discutindo como algum homem pode estar vivo.

Nenhuma das máquinas modernas, nenhuma das parafernálias modernas ... têm algum poder sobre alguém, exceto sobre aqueles que optaram por usá-las.

Toda a maldição do último século foi o que se pode chamar de a Oscilação do Pêndulo; isto é, a idéia de que o Homem deve ir, alternativamente, de um extremo ao outro. Isso é vergonhoso e chocante; é a negação de toda a dignidade da espécie humana. Quando o Homem está vivo ele permanece parado. É somente quando morre que ele oscila.

Este é o tempo no qual minorias ínfimas e teóricas podem conquistar maiorias inconscientes e não-teóricas.



Guerra e Política


[O marxismo], numa geração, irá para o limbo da maioria das heresias, mas enquanto isso, ele envenenará a Revolução Russa.

A guerra não é o melhor caminho para resolver as diferenças; é o único caminho para evitar que as diferenças sejam resolvidas em seu nome.

Há um corolário da concepção ‘ser muito orgulhoso para lutar’. Os humildes têm de empreender a maior parte da luta.

A única guerra defensável é a guerra de defesa.

O verdadeiro soldado luta não porque ele odeia o que está a sua frente, mas porque ele ama o que está atrás.

Como as revoluções envelhecem, e pior, se tornam respeitáveis!



Governo e Política


Uma vez que se abole Deus, o governo se torna Deus.

A América é o único país jamais fundando sobre um credo.

A Declaração de Independência baseia, dogmaticamente, todos os direitos no fato de que Deus criou todos os homens iguais; e está certa; pois, se eles não fossem criados iguais, eles, certamente, teriam evoluído desigualmente. Não há fundamento para a democracia, exceto no dogma da origem divina do homem.

A democracia inconsciente na América é uma coisa muito boa. É uma suposição verdadeira, profunda e instintiva na igualdade dos cidadãos que, mesmo o voto e as eleições, não destruíram.

Quando você desobedece as grandes leis, você não alcança a liberdade; você não promove nem mesmo a anarquia. Você promove as pequenas leis.

Se você tentar, atualmente, uma discussão real com um jornal de posição política oposta à sua, você não terá nenhuma resposta, exceto jargão ou silêncio.

É um crítico superficial aquele que não enxerga um eterno rebelde no coração de um conservador.

Você nunca terá uma revolução para estabelecer uma democracia. Você deve ter uma democracia para ter uma revolução.

Quando um político está na oposição ele é um expert nos meios para determinados fins; quando é situação, ele é um expert nos obstáculos.

Formei uma clara concepção de patriotismo. Geralmente, o tenho encontrado alçado ao primeiro plano por algum sujeito que tem algo a esconder no segundo plano. Tenho visto uma grande quantidade de patriotismo; e o tenho descoberto como o último refúgio dos patifes.

Não pode haver uma nação de milionários, e nunca houve uma nação de camaradas utópicos; mas pode haver muitas nações de camponeses toleravelmente felizes.

Todo governo é uma horrível necessidade.

É difícil tornar um governo representativo quando ele é, ao mesmo tempo, remoto.

É um bom sinal para uma nação quando as coisas estão sendo feitas imperfeitamente. Isso mostra que todo o povo as está fazendo. E é um mau sinal quando as coisas estão sendo feitas muito bem, pois, isso mostra que somente uns poucos experts e excêntricos as estão fazendo e que a nação está sendo um mero espectador.

Todo o mundo moderno se dividiu em conservadores e progressistas. O negócio dos progressistas é continuar cometendo erros. O negócio dos conservadores é prevenir que os erros sejam corrigidos.


Sociedade e cultura

Nunca pude ver nada de errado no sensacionalismo; e estou certo de que nossa sociedade sofre mais pela confidencialidade do que por quaisquer revelações extravagantes.

De tudo o que ouvimos da atividade e da pressa americanas, é realmente estranho que os americanos parecem gostar de se demorarem em grandes palavras.

É verdade que sou da velha guarda; muito do que amo foi destruído ou exilado.

Penso que o mais estranho sobre os povos avançados é que, ao mesmo tempo em que eles estão sempre conversando sobre as coisas como sendo problemas, eles, dificilmente, têm qualquer noção do que seja um problema real.

Super-civilização e barbárie estão a menos de uma polegada de distância. E uma marca de ambos é o poder do curandeiro.

Por especialistas em pobreza eu não quero dizer sociólogos, mas homens pobres.

Uma cidade moderna é feia não porque ela é uma cidade, mas porque ela não é suficientemente uma cidade, porque é uma selva, porque é confusa e anárquica, surgindo com a energia egoística e materialista.

Auto-negação é o teste e a definição do auto-governo.



Amor, casamento e os sexos


Amor significa amar o inamável, ou não é uma virtude, em absoluto.

As mulheres são as únicas realistas; todo seu objetivo na vida é opor seu realismo ao extravagante, excessivo e, ocasionalmente, embriagado idealismo dos homens.

O grande prazer do casamento é que ele é uma crise permanente.

O bom trabalho de um homem é conseqüência do que ele faz, o da mulher, do que ela é.

As mulheres têm uma sede de ordem e beleza como algo físico; há um estranho poder feminino de odiar a feiúra e o desperdício, enquanto que o homem bom somente odeia os pecados e as virtudes dos homens maus.

O casamento é um duelo mortal que nenhum homem honrado deve rejeitar.

Os primeiros dois fatos que um menino ou menina saudável sentem sobre o sexo são: primeiro que é bonito e depois que é perigoso.

Tenho poucas dúvidas de que quando São Jorge matou o dragão ele estava com um medo terrível da princesa.



Religião e Fé

Um dos principais usos da religião é que ela nos lembra nossa origem na escuridão, o simples fato de que fomos criados.

A Bíblia nos diz para amar nosso próximo e também para amar nosso inimigo; provavelmente porque eles são a mesma pessoa.

Se não houvesse Deus, não haveria nenhum ateu.

Há aqueles que odeiam o Cristianismo e chama esse ódio um completo amor pelas outras religiões.

O ideal Cristão não foi tentado e considerado imperfeito; ele foi considerado difícil e não foi tentado.

Os mistérios de Deus são mais satisfatórios que as soluções humanas.

Tem sido afirmado, muito acertadamente, que a religião é a coisa que faz o homem ordinário se sentir extraordinário; é uma verdade igualmente importante que a religião é a coisa que faz o homem extraordinário se sentir ordinário.

Teologia é somente o pensamento aplicado à religião.

A verdade é, claramente, que a rigidez dos Dez Mandamentos é uma evidência, não da obscuridade e estreiteza da religião, mas, ao contrário, da sua liberalidade e humanidade. É mais econômico afirmar as coisas proibidas do que as permitidas: precisamente porque muitas coisas são permitidas e apenas poucas proibidas.

Estes são tempos em que se espera do Cristão que ele admire todo credo, exceto o seu próprio.

O Puritanismo foi uma honrada disposição mental, uma nobre voga. Em outras palavras, foi um admirável erro.




Natal

Quando um homem considera o dia de Natal uma mera desculpa para se encharcar de comida e bebida, isso seria falso mas, haveria um fato verdadeiro escondido em algum lugar. Mas quando Bernard Shaw diz que o dia de Natal é somente uma conspiração estritamente comercial de avicultores e comerciantes de vinho, então ele diz algo chocante e magnificentemente estúpido. Ele poderia também ter dito que os dois sexos foram inventados por joalheiros interessados na venda de anéis.

Quem pensa que o Menino Jesus nasceu em dezembro entende por isso exatamente o que nós entendemos; que Cristo não é meramente um sol de verão para o próspero, mas um fogo invernal para o infeliz.

Quanto mais nos orgulhamos de que a história de Belém é simples o bastante para ser compreendida pelos pastores, e quase pelas ovelhas, tanto mais nos deixamos levar, através de obscurecidos e belos afrescos e procissões imaginárias, pelo mistério e majestade dos Três Reis Magos.

A grande maioria das pessoas continuará a observar formas que não podem explicar; elas continuarão, no dia de Natal, a trocar presentes de Natal e a aspirarem a benção de Natal; elas continuarão a fazê-lo; e algum dia, repentinamente, elas acordarão e descobrirão o por quê.



Moralidade e Verdade


Os homens não discordam muito nas coisas que eles consideram más; eles discordam, enormemente, sobre que males eles considerarão desculpáveis.

Não é que não temos patifes suficientes para amaldiçoar; é que não temos homens bons suficientes para amaldiçoá-los.

Há motivos para dizer a verdade; há motivos para evitar a calúnia; mas não há defesa possível para o homem que calunia e não diz a verdade.

A verdade integral é, geralmente, a aliada da virtude; a meia verdade é sempre aliada de algum vício.

A verdade é sagrada; e se você diz a verdade muito freqüentemente, ninguém acreditará.

A civilização tem corrido à frente da alma do homem, e está produzindo mais rápido do que ele pensa e possa agradecer.

Não é intolerância ter certeza de se estar certo; mas é intolerância ser incapaz de imaginar como pudemos ter errado.

Haveria muito menos desgraça se as pessoas não idealizassem o pecado e se posassem como pecadores.

Todos os homens têm sede de dizer a verdade mais do que bestas cansadas são sedentas por água; mas eles naturalmente se negam a confessá-los quando outras pessoas, que cometeram os mesmos crimes, se sentam por perto e se riem deles.

Idolatria é cometida, não somente pela instituição de falsos deuses, mas também, pela instituição de falsos demônios; fazendo os homens temerem a guerra e o álcool, ou a lei econômica, quando eles devem temer a corrupção espiritual e a covardia.

Eu digo que o homem deve estar certo de sua moralidade pela simples razão de que ele tem de sofrer por ela.

Para o homem humilde, e para o homem humilde somente, o sol é realmente o sol; para o homem humilde, e para o homem humilde somente, o mar é somente o mar.

Grandes verdades podem, somente, ser esquecidas, mas nunca podem ser falsificadas.

A voz de rebeldes e profetas especiais, recomendando descontentamento, deve, como eu disse, se fazer ouvir de quando em vez, repentinamente, como um anúncio. Mas as vozes dos santos e sábios, recomendando contentamento, devem soar incessantemente, como o mar.

Toda a ciência, mesmo a divina ciência, é uma sublime história de detetive. Mas ela não é para detectar porque o homem está morto; mas o obscuro segredo do porquê ele está vivo.

A maior parte da liberdade moderna tem sua raiz no medo. Não é que somos tão corajosos para nos submeter às leis; é que, ao contrário, somos muito tímidos para nos submeter às responsabilidades.

Se quisermos dar aos pobres entretenimento, devemos nos preparar para dá-los luxo. Se não os fizermos suficientemente ricos para serem limpos, então, devemos fazer o que fazíamos com os santos. Devemos reverenciá-los por estarem sujos.

O mundo será, muito proximamente, dividido, a menos que me engane, entre aqueles que continuarão explicando nosso sucesso, e aqueles, algo mais inteligentes, que estão tentando explicar nosso fracasso.

O que chamamos emancipação é, sempre e por necessidade, simplesmente, a livre escolha da alma entre um conjunto de limitações em detrimento de outro.

Há alguns desejos que não são desejáveis.

Na luta pela existência, a esperança começa a alvorecer somente para aqueles que permanecerem por dez minutos depois que tudo tenha se tornado desesperado.

A indulgência e tolerância modernas beneficiam os ricos; e não beneficiam mais ninguém.

O principal negócio terreno do ser humano é construir seu lar e seus arredores, tão simbólico e significativo para sua imaginação quanto ele seja capaz.



Teoria Econômica e Distributismo


O Grande Negócio e o Estado Socialista são muito parecidos, especialmente o Grande Negócio.

Nenhuma sociedade pode sobreviver da falácia socialista de que existe um número absolutamente ilimitado de autoridades inspiradas e uma quantidade absolutamente ilimitada de dinheiro para pagá-las.

Um cidadão dificilmente distingue entre um imposto e uma multa, exceto pelo fato de que a multa é, geralmente, muito menor.

Muito capitalismo não significa muitos capitalistas, mas muito poucos capitalistas.

O preço é uma coisa maluca e incalculável, enquanto o Valor é uma coisa intrínseca e indestrutível.

Os empresários, especialmente os grandes empresários, estão agora organizados como um exército. É, como alguns diriam, um militarismo suave sem derramamento de sangue; como eu digo, um militarismo sem as virtudes militares.

Todos, excetos os duros de coração, devem estar consternados com o patético dilema do homem rico, que tem de manter o homem pobre gordo o suficiente para conseguir trabalhar e magro o suficiente para ter de trabalhar.

Do ponto de vista de qualquer pessoa sã, o problema atual da concentração capitalista não é somente uma questão de lei, mas de lei criminal, para não falar de demência criminal.

Porque a garota deve ter cabelos longos, ela deve os ter limpos; porque ela os deve ter limpos, ela não deve ter uma casa suja; por que ela não deve ter uma casa suja, ela deve ter uma mãe livre e sem trabalho; por sua mãe não trabalhar, ela não deve ter um locador usurário; porque o locador não deve ser usurário, deve haver uma redistribuição de propriedade; porque deve haver uma redistribuição de propriedade, deve haver uma revolução.
Há apenas uma coisa em nosso meio, atenuada e ameaçada, mas detentora de um certo poder, como um fantasma da Idade Média: os Sindicatos.

[O capitalismo é] aquele sistema comercial em que a oferta imediatamente responde pela demanda e em que todo mundo parece estar completamente insatisfeito e incapaz de conseguir aquilo que deseja.

Nossa sociedade é tão anormal que o homem normal nunca sonha em ter a ocupação normal de cuidar se sua própria propriedade. Quando ele escolhe um negócio, ele escolhe um, entre milhares de negócios, que envolve cuidar da propriedade dos outros.

O argumento real contra a aristocracia é que ela sempre significa o governo do ignorante. Pois, a mais perigosa forma de ignorância é a ignorância do trabalho.

Fazer o locatário e o locador a mesma pessoa tem certas vantagens, tal como o locatário não pagar o aluguel e o locador não trabalhar muito.

Você não pode ter uma fazenda familiar sem ter família.

Eu daria à mulher não mais direitos, mas mais privilégios. Ao invés de mandá-la procurar aquela liberdade que, notoriamente, prevalece em bancos e fábricas, eu, especialmente, projetaria uma casa em que ela pudesse ser livre.



Arte e Literatura


Arte, como a moralidade, consiste em traçar uma linha em algum lugar.

A decadência da sociedade é louvada pelos artistas assim como a decadência de um defunto é louvada pelos vermes.

O temperamento artístico é uma doença que aflige os amadores.

Os selvagens e os artistas são igual e estranhamente levados a criarem algo mais feio que eles mesmos. Mas, os artistas acham a tarefa mais difícil.

A decoração do mundo não é trabalho da natureza, mas um trabalho de arte, assim, ele envolve um artista.

Por uma curiosa confusão, muitos críticos modernos passaram da proposição de que uma obra-prima pode ser impopular para a outra proposição de que, a menos que seja impopular, ela não é uma obra-prima.

E em todo o mundo, a velha literatura, a literatura popular, permanece a mesma. Ela consiste de muita tristeza digna e de muito divertimento indigno. Suas tristes lendas são de corações partidos; suas lendas alegres são de cabeças partidas.

As palavras de uma boa prosa significam o que elas dizem. As palavras de uma boa poesia significam o que elas não dizem.



Palavras Passadas e Dilemas Atuais


Pais ausentes
O que é chamado matriarcado é, simplesmente, anarquia moral, na qual as mães ficam sozinhas porque todos os pais são fugitivos ou irresponsáveis.

Volta à natureza
Propriamente falando, é claro, não existe tal coisa como uma volta à natureza, porque não uma tal coisa como uma saída dela. A frase lembra um cavalheiro, levemente embriagado, que se levanta na sua própria sala de jantar e declara, firmemente, que está indo para casa.

Preconceito
O preconceito é uma incapacidade de conceber, seriamente, uma alternativa a uma proposição.

Pena Capital
De minha parte, não haveria nenhuma execução, exceto pela plebe; ou, pelo menos, pelo povo agindo muito excepcionalmente. Eu proibiria a pena capital, exceto em casos de confisco. Assim, haveria alguma chance de uns poucos de nossos reais opressores serem enforcados.

Distribuição de Preservativos
Nossos mestres materialistas podem, e provavelmente irão, colocar o Controle de Natalidade em um programa prático imediato, enquanto todos nós estamos discutindo o terrível perigo de alguém colocá-lo numa distante Utopia.

O Sistema Educacional
O propósito da Educação Compulsória é o de negar às pessoas comuns seu senso comum.

Apesar das autoridades acadêmicas se orgulharem de conduzir tudo por meio da Avaliação, elas raramente cedem ao que as pessoas religiosas descrevem como Auto-Avaliação. A conseqüência disso é que o Estado moderno tem educado seus cidadãos numa série de modas transitórias.



Uma Sociedade Litigante
A posição que agora nos encontramos é esta: começando pelo Estado, tentamos remediar os fracassos de todas as famílias, de todas as creches, de todas as escolas, de todas as oficinas, de todas as instituições secundárias que tiveram, no passado, alguma autoridade própria. Tudo é, ao fim, levado aos Tribunais. Nós estamos tentando parar o vazamento que acontece do outro lado.

Psicanálise
Psicanálise é uma ciência conduzida por lunáticos para lunáticos. Eles estão, geralmente, preocupados em provar que as pessoas são irresponsáveis; e eles, certamente, tiveram sucesso em provar que algumas pessoas são.

Direitos Reprodutivos
Deixemos todos os bebes nascerem. Então, afoguemos aqueles de quem não gostarmos.

Separação Igreja-Estado
Liberdade religiosa deve significar que todos são livres para discutir sobre religião. Na prática ela significa que a quase ninguém é permitido mencionar o assunto.



Fonte: http://www.chesterton.org

21/09/2005

Um Furacão em Três Atos



Nota: Seguem três artigos sobre furacões nos EUA. Sowell e Rothbard discutem a questão da participação do governo nas emergências nacionais. Sowell discute também a decadência moral dos americanos e a consequente avalanche de saques, estupros e assassinatos em New Orleans. Vale a pena meditar sobre o assunto, ainda mais, na medida em que ele é tratado de maneira tão leviana pela mídia no Brasil.


Reconstruindo New Orleans – e os EUA

Thomas Sowell

A devastação física causada pelo furação Katrina revelou, dolorosamente, a devastação moral de nosso tempo que levou aos saques generalizados em New Orleans, aos assaltos nos abrigos, aos estupros de garotas e aos tiros nos helicópteros de salvamento.

Quarenta anos atrás, houve um grande blackout em New York e em cidades do nordeste americano. Os cidadãos comuns foram para as interseções das ruas para controlar o tráfego. Todos se ajudaram mutuamente. Depois do blackout, a experiência deixou em todos sentimentos muito positivos em relação a seus semelhantes.

Anos mais tarde, outro blackout em New York levou a uma situação muito pior. E o que aconteceu agora em New Orleans foi ainda pior. Existiria uma tendência em tudo isso?

Medo, dor, desespero seriam justificáveis em pessoas cujas vidas fossem devastadas por eventos além de seu controle. Pesar pode ser compreensível naqueles que foram instados a evacuar a área e escolheram ficar. Ainda assim, a palavra que se houve daqueles que permaneceram é “raiva”.

Isso pode ser uma pista, não só para a ruptura da decência em New Orleans, mas para uma ampla degenerescência na sociedade americana, em décadas recentes. Por que as pessoas estão com raiva? E de quem?

Aparentemente, estão com raiva das autoridades governamentais, por não terem sido resgatadas mais cedo, ou melhor cuidadas, ou pela ruptura da lei e da ordem.

Não há dúvida de que, depois que a situação emergencial passar, surgirão muitas coisas que poderiam ter sido mais bem feitas. Mas, quem pode olhar para trás, honestamente, para sua própria vida, sem perceber muitas coisas que poderiam ter sido tratadas de forma mais conveniente? Apenas pensar sobre todos os erros que você cometeu na vida pode ser uma experiência de humildade, se não de humilhação.

Afinal, o governo é apenas um conjunto de seres humanos – políticos, juízes, burocratas etc. Talvez, a razão pela qual ficamos tão freqüentemente desapontados é que esse grupo de pessoas tem feito promessas demais, se aproveitando de nossa excessiva credulidade.

O governo não pode resolver todos os nossos problemas, mesmo em tempos normais, muito menos durante catástrofes da natureza que lembram ao homem o quão pequeno ele é, a despeito de todo o seu eloqüente discurso.

A função mais elementar do governo, a manutenção da lei e da ordem, se rompe quando enchentes e blackouts paralisam o sistema.

Durante os bons ou os maus tempos, a polícia não consegue policiar todo mundo. Ela pode, no máximo, controlar um pequeno segmento social. A vasta maioria das pessoas tem de controlar a si mesmas.

E é aí que entram as grandes tradições morais da sociedade – aquelas tradições morais que é tão elegante escarnecer, tão moderninho violar e que nossas próprias escolas ensinam os jovens a subestimar, dizendo que eles têm de desenvolver seus próprios padrões, ao invés de seguirem o que aqueles velhos bobões, como seus pais, lhes dizem.

Agora podemos ver o quanto custa esses padrões “criados sob medida” na crueldade e na anarquia de New Orleans.

Num mundo em que as pessoas exibem sua “independência”, seu “direito” de desprezar a autoridade moral e, algumas vezes, também a autoridade legal, a tragédia de New Orleans nos lembra o quanto somos, cada um de nós, dependentes, em nossas vidas, de milhões de outras pessoas que sequer vemos.

Milhares de pessoas de New Orleans serão salvas porque milhões de outras pessoas, delas desconhecidas, sentem-se obrigadas moralmente a virem em seu socorro, de todas as partes do país. As coisas que os “inteligentes” e os “sofisticados” escarnecem, são, em última análise, tudo que se interpõe entre nós e a completa devastação.

Qualquer um de nós poderia ter estado em New Orleans. E do que dependeríamos para salvar-nos? Ética situacional? Filosofia pós-moderna? A imprensa? Os advogados? A retórica da intelligentsia?

Não, nós dependeríamos das coisas que vão salvar os sobreviventes do furação Katrina, as mesmas coisas que os “inteligentes” vivem difamando.

New Orleans pode ser reconstruída e os diques podem ser reerguidos. Mas, podem os diques morais ser reerguidos, não só em New Orleans, mas em todo o país?

Publicado por Townhall.com




Fema versus Wal-Mart


Thomas Sowell

Quaisquer que sejam as conclusões das investigações posteriores sobre os erros da FEMA (Agência Federal de Gerenciamento de Emergências) em New Orleans, é improvável que mostrem que as estridentes acusações de racismo sejam algo mais que retórica política irresponsável.

A FEMA fracassou em outras emergências, onde a maioria das vítimas era de cor branca e em outros governos. Como muitos órgãos burocráticos governamentais, a FEMA é a ruína para a política de igualdade de oportunidades.

Muitos dos que pensam que o governo é a reposta para nossos problemas não se preocupam em verificar as evidências. Mas pode ser ilustrativo comparar como a iniciativa privada respondeu ao furacão Katrina e como responderam os governos local, estadual e nacional.

Bem antes do Katrina atingir New Orleans, quando ele era apenas uma depressão tropical na costa da Flórida, o Wal-Mart estava enviando geradores elétricos, garrafas de água e outros suprimentos emergenciais para seus centros de distribuição na costa do Golfo.

E o Wal-Mart não era o único. A Federal Express distribuiu 100 toneladas de suprimentos nas áreas atingidas antes da chegada do Katrina. A State Farm Insurance enviou algo em torno de dois mil agentes especiais para acelerar as solicitações de cobertura de seguros. Outras empresas se lançaram na tentativa de fazer chegar seus produtos e serviços na área atingida.

Enquanto isso, leis impedem que o Governo Federal aja sem a permissão das autoridades estaduais ou locais. Infelizmente, o prefeito de New Orleans e a governadora de Louisiana são de um partido diferente do Presidente Bush, o que pode ter alguma relação com a relutância inicial de tê-lo permitido prestar ajuda e ficar com o crédito político.

Ao final, não houve crédito político para ninguém. Houve apenas acusações mútuas.

A política é apenas uma das inúmeras razões porque os governos não são os melhores gerenciadores da maioria das emergências. E os EUA não são os únicos nesse aspecto.

Há alguns anos atrás, mais de cem marinheiros russos pagaram com suas vidas pela relutância governamental em aceitar uma oferta do governo americano de envio de navios para salvar a tripulação de um submarino russo que estava preso no fundo do mar. Como o mundo veria a situação de marinheiros russos sendo salvos pela Marinha Americana, quando poderiam ter sido salvos pela sua própria Marinha?

A indignação popular na Rússia depois do episódio fez com que o governo russo, mais recentemente, permitisse que especialistas da Marinha Britânica executasse o resgate de marinheiros russos presos num submarino submerso.

Excessos burocráticos podem atrasar ajudas emergenciais. Não é incomum, quando há escassez extrema de alimentos, que a comida enviada por outros países apodreça nos armazéns portuários, enquanto as pessoas morrem de fome no interior, pois a comida não é transportada a tempo.

Em 2001, refugiados da guerra do Afeganistão estavam morrendo de fome, enquanto trabalhadores das agências de ajuda humanitária estavam preenchendo relatórios antes de distribuírem os alimentos. Durante o tsunami no sudoeste da Ásia este ano, os suprimentos de comida, remédio e outros bens necessários vindos do exterior se amontoavam nos aeroportos.

Isso não é verdade em todos os casos. Nada é verdade em todos os casos. Valorizamos altamente aqueles que fazem o máximo para ajudar os outros, em parte porque nem todos agem assim.

Este seria, indiscutivelmente, um mundo melhor se todos nós amássemos nosso próximo como a nós mesmos e agíssemos de acordo com esse preceito.

Mas no mundo real em que vivemos, a questão é qual o conjunto de incentivos tem conseguido fazer melhor o trabalho – e, especialmente, fazer o trabalho mais prontamente quando o tempo pode ser a diferença entre a vida e a morte.

O país não aumenta em nem um centavo os recursos disponíveis, quando esses recursos são canalizados através do governo. Os recursos são, apenas, manejados menos eficientemente por governos e distribuídos de uma forma indiscriminada, que encoraja o povo a continuar vivendo em conhecidos caminhos de previsíveis desastres.

Publicado por Townhall.com



Governo e Furação: Uma combinação mortal

Murray N. Rothbard



Desastres naturais, como furacões, tornados e erupções vulcânicas, ocorrem de tempos em tempos e muitas vítimas desses desastres têm a infeliz tendência de procurar a quem culpar. Ou melhor, procurar quem pagará pela ajuda recebida e pela sua reabilitação. É quando o Papai Governo (um coadjuvante do infeliz pagador de impostos) é chamado, em alto e bom som, para abrir seus bolsos. O último incidente aconteceu depois da devastação do Furacão Hugo, quando muitos habitantes da Carolina do Sul redirecionaram sua ira, do impiedoso furacão, para o governo e sua agência FEMA (Agência Federal de Gerenciamento de Emergências), por não terem enviado mais ajuda, mais rapidamente.

Mas, por que os cidadãos pagadores de impostos A e B devem ser forçados a pagarem por desastres naturais que atingem o cidadão C? Por que o cidadão C e suas companhias privadas de seguros não pagam a conta? Qual é o princípio ético que fundamenta a insistência de que os habitantes da Carolina do Sul, sejam segurados ou não segurados, pobres ou ricos, devem ser subsidiados às expensas de todos nós, pobres ou ricos, que não vivemos na costa atlântica sul, um lugar notório por enfrentar furacões outonais? Realmente, o espirituoso ator que, regularmente, personifica o Presidente Bush no programa televiso Saturday Night Live estava, talvez, mais correto do que ele pensava, quando pontificou: “Furacão Hugo – não tenho culpa.” Mas nesse caso, claro, o governo federal deveria sair do negócio da ajuda emergencial e a FEMA deveria ser abolida imediatamente.

No entanto, mesmo que o governo federal não seja tão culpado assim, outras forças governamentais jogaram no time de Hugo e aumentaram a devastação que ele infligiu. Considere o ponto de vista do governo local. Quando o furacão Hugo chegou, o governo impôs uma evacuação compulsória em muitas áreas costeiras da Carolina do Sul. Então, quase uma semana depois de Hugo ter atingido a região, a prefeita de uma das cidades mais atingidas, Isle of Palms perto de Charleston, proibiu os residentes a retornarem a suas casas para tentar avaliar e reparar os danos.

Como se atreveu a prefeita proibir as pessoas a retornarem à suas casas? Quando ela, finalmente, cedeu, seis dias depois, ainda impôs, na cidade, um toque de recolher a partir de 19h. A teoria por trás dessa afronta é que as autoridades locais estavam “temendo pela segurança dos cidadãos e preocupados com possíveis saques.” Mas os oprimidos residentes de Isle of Palms tiveram uma reação diferente. A maioria deles ficou irritada; um caso típico foi da senhora Pauline Bennett que lamentava que “se pudéssemos ter chegado mais cedo teríamos salvado mais coisas.”

Mas esse não foi, obviamente, o único caso de intervenção do “estado de bem-estar social”, tornando piores as coisas para as vítimas do Hugo. Como resultado da devastação, houve escassez de vários produtos na cidade de Charleston. Respondendo à repentina escassez, o mercado agiu rapidamente para equalizar a oferta e a demanda, por conseqüência, elevando os preços: estimulando o racionamento direto, voluntário e efetivo de bens, abruptamente, escassos. A prefeitura de Charleston, no entanto, rapidamente interveio para impedir a trapaça, o logro, por meio de aumentos abusivos de preço – aprovou, grotescamente, uma legislação de emergência, que tornava crime a prática de preços mais altos do que os existentes antes do furacão Hugo, punível com uma multa máxima de US$200 e um mês de cadeia.

O “estado de bem-estar social” de Charleston substituiu, insofismavelmente, os preços altos por uma aguda crise de escassez de produtos. Os recursos disponíveis foram alterados e mal alocados, longas filas se formaram, tal como na Europa Oriental e tudo isso para que o povo de Charleston pudesse ter a confortável sensação de que, se pudessem encontrar os bens escassos, eles pagariam os precinhos existentes antes da chegada do furacão.

Assim, as autoridades municipais colaboraram com o trabalho de Hugo, intensificando sua destruição, por meio da evacuação obrigatória e da proibição do retorno e agravando a escassez, pela imposição do controle de preços. Mas isso não foi tudo. Talvez, o pior “vendaval” para os residentes costeiros tenha sido a intervenção daqueles inimigos profissionais da humanidade – os ambientalistas.

No ano passado, reagindo às reclamações dos ambientalistas sobre o desenvolvimento de propriedades praianas e o perigo de “erosão das praias” (as praias têm “direitos” também?), o estado da Carolina do Sul aprovou uma lei que restringe severamente qualquer nova construção à beira da praia, ou a substituição de qualquer construção danificada. O furacão Hugo, aparentemente, ofereceu uma oportunidade, enviada pelos céus, para que o Conselho Costeiro da Carolina do Sul tornasse as praias, completamente, livres de seres humanos. O professor de Geologia Michael Katuna, um consultor do Conselho Costeiro, enxergou apenas justiça poética, arrogantemente declarando que “As casas não ficam bem nas praias, lugar onde a Mãe Natureza deseja trazer tempestades e furacões.” E se a Mãe Natureza desejasse que voássemos, ela nos teria dado asas?

Outros ambientalistas foram ainda mais longe, no louvor ao furacão Hugo. O professor Orrin H. Pilkey, geólogo em Duke, que é um dos principais teóricos do movimento “não-construa-na-praia,” criticou os desenvolvimentos imobiliários em Pawleys Island, a nordeste de Charleston, e sua reconstrução depois da destruição promovida pelo furacão Hazel em 1954. “A área é um exemplo de uma zona de alto risco que não deveria ter sido desenvolvida e, certamente, não deveria ter sido reconstruída depois da tempestade.” Pilkey agora chama Hugo de “um furacão muito oportuno”, que demonstra que as praias devem ser devolvidas à Natureza.

Gered Lennon, geólogo do Conselho Costeiro, expressou-se sucintamente: “Por mais desastre que o furacão tenha causado, ele pode ter tido um resultado saudável. Espera-se que ele restrinja alguns desenvolvimentos imobiliários imprudentes ao longo da costa.”

A atitude olímpica dos líderes ambientalistas contrastou, fortemente, com a visão dos residentes que tiveram suas propriedades destruídas. A senhora Bennett expressou o ponto de vista dos moradores de Isle of Palms. Determinada a reconstruir no mesmo lugar, ela observa: “Não temos escolha. Isso é tudo que temos. Temos de ficar aqui. Quem vai comprar nosso imóvel?” De certo, não a elite ambientalista da Carolina do Sul. Tom Browne, de Folly Beach, encontrou sua casa destruída pelo furacão Hugo. “Não sei se serei capaz de reconstruí-la ou mesmo se o Estado vai me permitir fazê-lo,” reclamava Browne. A lei, ele observa, está confiscando a propriedade sem indenização. “Isso há de ser inconstitucional.”

Precisamente. Pouco antes de Hugo chegar, David Lucas, um proprietário de Isle of Palms, ganhou uma ação de US$1,2 milhões contra o estado de Carolina do Sul. O tribunal decidiu que o estado não podia negá-lo o direito de construir em sua terra, sem a devida compensação. E os ambientalistas da Carolina do Sul não serão capazes de obrigar os pagadores de impostos a se responsabilizarem pelas enormes compensações financeiras advindas da proibição da reconstrução de todos os imóveis destruídos pelo furacão Hugo.

Skip Johnson, um ambientalista consultor da Carolina do Sul se preocupa: “será um pesadelo real.” As pessoas vão querer reconstruir e seguir com suas vidas. “O Conselho Costeiro e seu pessoal”, Johnson lamenta, “vão ter muito trabalho.” Esperemos que sim.



Artigo recentemente republicado em LewRockwell.com. Originalmente publicado na The Free Market, em dezembro de 1989.

11/09/2005

Cidadania Empresarial: Um Imposto Disfarçado

Richard Teather


Responsabilidade Social Corporativa é o novo campo que uniu uma variedade de grupos de ativistas, incluindo ambientalistas, defensores dos pobres, instituições de caridade para o Terceiro Mundo e sindicatos, num clamor coletivo para que os empresários apóiem sua agenda. Esses ativistas se encontram até, em raras oportunidades, entre proeminentes membros da comunidade empresarial.

Caridade realizada por empresários tem uma longa história, apesar de que, no caso de grandes corporações, com grande número de acionistas, essa atitude carregue o risco moral de executivos comprarem respeitabilidade social com o dinheiro alheio. Uma posição moral e socialmente superior seria os acionistas receberem seus dividendos e eles próprios apoiarem ações de caridade.

No entanto, Responsabilidade Social Corporativa é considerada mais do que isso: associada ao conceito de “Cidadania Empresarial”, ela requer que todo o conjunto de ações da companhia seja executado com um olho em seu impacto social; no ambiente, nos empregados e nas “comunidades” locais e globais.

“Cidadania Empresarial” é claramente um falso conceito; uma companhia é uma entidade legal, não uma pessoa, e não pode ter crenças e princípios morais que a faça um cidadão em qualquer aspecto significativo. Ao contrário, essas crenças e princípios residem nas pessoas reais; nos acionistas da companhia, nos empregados, nos clientes e, de maneira mais influente, nos dirigentes da empresa. Cidadania Empresarial, portanto, carrega os mesmos riscos morais que a caridade empresarial; ela é um processo através do qual os diretores da companhia impõem seus princípios morais aos outros.

Ironicamente, um novo argumento tem sido levantado em apoio à Responsabilidade Social Corporativa, que explica muito da sua aprovação pelo setor empresarial. Como as companhias competem por capital, por atrair e manter recursos humanos e por comercializar produtos, aqueles que são considerados apoiadores dos valores e objetivos dos investidores, trabalhadores e consumidores terão uma vantagem comercial.

Algo disso já tem sido visto (Ben & Jerry’s nos EUA e Body Shop, uma cadeia de cosmésticos que se anuncia como uma empresa com preocupações ambientais, na Inglaterra.), mas os proponentes da Responsabilidade Social Corporativa afirmam que a crescente consciência do público sobre as questões sociais e ambientais levará essa prática, ainda localizada, a se generalizar.

Como um bom liberal e defensor do auto-interesse esclarecido, posso apoiar a Responsabilidade Social Corporativa nesse sentido. Posso até aceitar que haja um papel para os grupos de pressão na promoção do esclarecimento (desde que os executivos não se esqueçam de verificar se a suposta demanda realmente exista).

Entretanto, os ativistas, apoiados por governos (particularmente na Europa), vão além disso. Se as companhias não parecem dispostas a agir da maneira considerada adequada, então serão forçadas a fazê-lo (o que um colega, Bill Maugham, costuma chamar da escola de governo “coopere ou então ...”).

A força pode vir da lei “dura” (legislação ou limitações regulamentares) ou da lei “flexível” (tal como códigos de conduta voluntários), mas mesmo esta é somente adotada sob a ameaça da legislação. O efeito é o mesmo; companhias são forçadas a executarem ações que elas não acreditam serem comercialmente justificáveis.

Os defensores da Responsabilidade Social Corporativa dizem freqüentemente que isso é meramente uma versão atual da oposição à escravidão ou à poluição dos rios, práticas supostamente adoradas pelo capitalismo do século XIX. Isso é incorreto, pois, tudo isso seria (ou foi) resolvido pelo auto-interesse esclarecido operando sob o domínio da lei, com a proteção para os direitos de propriedade (i.e. dentro do mercado livre propriamente definido).

Mesmo a escravidão foi denunciada por Adam Smith utilizando argumentos econômicos racionais e na Inglaterra ela foi declarada inválida no século XVIII por não obedecer às condições contratuais do direito consuetudinário.

A negação das liberdades fundamentais, ou a produção de danos incontestáveis, são, portanto, evitadas por regras aceitas há muito como sendo os fundamentos do livre mercado. (A questão particular de companhias operando em países sem um sistema legal ou de proteção dos direitos fundamentais de propriedade é um assunto diverso que pretendo abordar num artigo posterior.)


Ineficiência Econômica


O primeiro problema com a Responsabilidade Social Corporativa é que ela é economicamente ineficiente. Num mercado livre, as empresas maximizam seus lucros deslocando recursos de aplicações menos valorizadas para as mais valorizadas, provendo o que os consumidores desejam. Em contraste, se as ações são forçadas por regulamentação, então os governos exigem que recursos sejam gastos em serviços que o público não valoriza, ou que não valoriza tanto que voluntariamente pague seus custos totais.

Os recursos são, então, desviados para resultados de menor valor, levando a uma redução geral do bem-estar. Isso é feito em benefício de políticos, burocratas ou seus grupos de apoio.

Mas isso envolve mais do que Economia; há um princípio democrático fundamental em risco. O mercado é essencialmente uma democracia totalmente participativa, no verdadeiro sentido ateniense. Quase todos os cidadãos estão envolvidos no mercado e suas escolhas e preferências influenciam os produtos oferecidos. Se o público realmente deseja os supostos benefícios oferecidos pela agenda da Responsabilidade Social Corporativa, no sentido de estar preparado a pagar por ela, então o mercado irá, sem demora, provê-los.

Em contraste, governos atuais estão, nas melhores democracias representativas, abertos a influências indevidas de grupos de interesse cuja representatividade é pífia (Num recente artigo no Salisbury Review londrino, mostrei que, nas últimas eleições gerais na Inglaterra, os não votantes foram o maior grupo em quase 80% das regiões eleitorais).

A escolha é, portanto, entre uma perspectiva baseada no mercado, que oferece o que as pessoas desejam, e uma diretiva governamental sob a qual os valores de uma minoria são impostos ao público em geral. E pior ainda, muitas das questões que vem à tona no debate sobre a Responsabilidade Social Corporativa, particularmente as relativas ao ambientalismo, são aquelas nas quais uma influente e relativamente afluente classe média impõe o alto custo de sua agenda sobre os trabalhadores que não a desejam e não podem sustentá-la.


Imposto Stealth?


A paisagem política tem se caracterizado recentemente por uma benéfica má vontade do eleitorado com relação a aumento de impostos. No entanto, os políticos obviamente ainda procuram aumentar seu poder e influência, o que demanda dinheiro. Assim, aumentos de impostos têm ocorrido através de métodos ocultos, seja na forma de novos impostos setoriais sobre a venda de produtos, seja com mudanças técnicas na lei fiscal.

O governo socialista de Blair, na Inglaterra, tem uma particular habilidade com tais métodos, e seus esforços têm sido chamados pela oposição conservadora como “impostos stealth” (supostamente similares ao bombardeiro stealth americano, eles não aparecem no “radar” do eleitorado).

O perigo é que a agenda da Responsabilidade Social Corporativa, caso se afaste do modelo do auto-interesse esclarecido e voluntário, torne-se outra forma de imposto.

Governos podem atingir seus objetivos (e satisfazer seus clientes) aumentando impostos e pagando pelas mudanças que eles desejem, ou alternativamente, eles podem atingir o mesmo resultado por meio de regulamentações. Se há resistência ao aumento de impostos, os políticos tendem a se voltarem para esse último procedimento.

Isso levanta uma discussão econômica adicional sobre os lugares corretos e mais eficientes sobre os quais essa carga cairá, mas isso terá que ser deixado para um outro artigo.


Conclusão


A economia, e a sociedade na qual ela opera, se defronta com uma escolha. Ela pode seguir o princípio do auto-interesse esclarecido dentro de um sistema legal, que melhor assegura os reais objetivos da população (i.e. aqueles que ela deseja a ponto de estar preparada para pagar por eles). Por outro lado, pode-se trilhar o caminho da regulamentação, pelo qual os políticos e os mais barulhentos grupos de interesse impõem seus pontos de vista aos outros.

Por mais instruídos e desinteressados que sejam esses grupos de interesses especiais, sei em qual sociedade eu preferiria viver.






Este artigo foi publicado na página do Ludwig von Mises Institute em 05/08/2003. Richard Teather é professor de Legislação Fiscal na Universidade Bournemouth, Inglaterra.

29/08/2005

Decálogo, Lenin - 1913

1.. Corrompa a juventude e dê-lhe liberdade sexual;

2.. Infiltre e depois controle todos os veículos de comunicação de massa;

3.. Divida a população em grupos antagônicos, incitando-os a discussões sobre assuntos sociais;

4.. Destrua a confiança do povo em seus líderes;

5.. Fale sempre sobre Democracia e em Estado de Direito, mas, tão logo haja oportunidade, assuma o Poder sem nenhum escrúpulo;

6.. Colabore para o esbanjamento do dinheiro público; coloque em descrédito a imagem do País, especialmente no exterior e provoque o pânico e o desassossego na população por meio da inflação;

7.. Promova greves, mesmo ilegais, nas indústrias vitais do País;

8.. Promova distúrbios e contribua para que as autoridades constituídas não as coíbam;

9.. Contribua para a derrocada dos valores morais, da honestidade e da crença nas promessas dos governantes. Nossos parlamentares infiltrados nos partidos democráticos devem acusar os não-comunistas, obrigando-os, sem pena de expô-los ao ridículo, a votar somente no que for de interesse da causa socialista;

10.. Procure catalogar todos aqueles que possuam armas de fogo, para que elas sejam confiscadas no momento oportuno, tornando impossível qualquer resistência à causa.

28/08/2005

Presunção Sociobiológica



Nota: Este artigo de Gene Callahan toca, en passant, numa questão muito polêmica, sobretudo nos EUA, que é a discussão criacionismo versus evolucionismo. Ao que parece, o Brasil está imune a essa discussão. Quando muito, algum sabichão daqui, emite uma opinião considerando o criacionismo um fanatismo religioso da direita americana. Para se ter uma idéia do estado da discussão, pode-se consultar o caso de um editor de uma revista de uma sociedade científica da área biológica que aceitou, para publicação, um artigo científico que defendia, de alguma forma, o criacionismo. O editor afirma que o artigo passou por todo o processo normal de avaliação pelos pares, antes de ser publicado. Seus críticos o acusam de favorecimento e sugerem que ele, sequer, poderia ter acolhido o artigo para revisão. A comunidade científica está se mobilizando para forçar o empregador do editor (ele tem um cargo de pesquisador no Museu de História Natural do Smithsonian Institute) a despedí-lo. Além disso, seus críticos não perdem oportunidade para difamá-lo, pessoal e profissionalmente. Curiosa e inesperada (será?) mistura de ciência, política e ideologia, não acham?


Gene Callahan


Na medida em que o paradigma darwiniano ganhou terreno nas ciências da vida no século seguinte à publicação da Origem das Espécies, alguns tópicos cruciais permaneceram além do seu campo explicativo. Um problema, especialmente, incômodo para os darwinianos foi a freqüência de aparecimento do comportamento, aparentemente, altruísta. Se, por exemplo, os golfinhos, freqüentemente, parecem salvar seres humanos que estão afogando, empurrando-os para a praia, então, de alguma forma, esse comportamento deve promover a própria sobrevivência dos golfinhos. É uma hipótese inconcebível dentro do darwinismo, que os golfinhos, simplesmente, tenham consideração para com o dilema humano.

O comportamento humano, em especial, é um enigma. Pessoas aderem a ordens religiosas celibatárias, fazem caridade, se tornam mártires, arriscam suas vidas em salvamentos ousados de pessoas desconhecidas, morrem por alguma revolução sangrenta. Como o postulado darwiniano fundamental, que todo fenômeno biológico pode ser explicado em termos de mutação e seleção natural, pode ser reconciliado com tais comportamentos?

A partir dos anos 1960, os darwinistas começaram a formular soluções para os problemas do altruísmo. O ponto de vista, geralmente, adotado tentava demonstrar que todo exemplo aparente de altruísmo ou era em proveito próprio, ou era, simplesmente, uma patologia. Por exemplo, alguém se sacrificar para defender seu país era interpretado como uma adaptação, que promovia a sobrevivência da sua própria prole ou de parentes próximos, resultando no aprimoramento de seus próprios genes, mesmo que não, de sua própria vida.

No entanto, há ainda muitos exemplos de comportamento humano que não pode ser, facilmente, atribuído a tais fatores. Um exemplo é o de Madre Teresa ajudando os pobre de Calcutá, que não são geneticamente próximos dela. Os darwinistas procuraram outras explicações. As sugestões incluem os benefícios, em termos de sobrevivência, do “altruísmo” recíproco (coce minhas costas que eu coço as suas), a possibilidade de aprimoramento do status sexual por meio de atos de bravura e sacrifício, e a manipulação do mecanismo genuinamente adaptativo de uma criatura por outra, a fim de melhorar as chances de sobrevivência dessa última. Exemplos do último caso incluem casos de pássaros canoros sendo “enganados” com a presença, em sua prole, de espécies de pássaros não canoros (Schloss, p. 245).

Surgiu, assim, um consenso sociobiológico segundo o qual é ilusão a noção de que uma pessoa aja moral ou altruisticamente. Os darwinistas, freqüentemente, acabam considerando a moral como sendo um truque aplicado sobre os seres humanos pela seleção natural. É uma forma de iludir os seres humanos, a fim de promover a sobrevivência de seus genes. Por exemplo, Edward Wilson, um dos fundadores da sociobiologia, diz que “a moral não tem nenhuma outra função demonstrável” além da de manter “o material genético humano intacto” (citado por Shloss, p. 246). Na mesma linha, Robert Wright argumenta, “O que for no interesse de seus genes parecerá ‘certo’ ... Orientação moral é um eufemismo” (citado por Schloss, p. 248).

A primeira coisa que gostaria de observar sobre o ponto de vista da sociobiologia é que se os sociobiologistas são sinceros em sua crença, então, eles são, por sua própria argumentação, inimigos da sobrevivência humana. Se a moral é, de fato, “uma ilusão coletiva da raça humana, criada e mantida pela seleção natural para promover a reprodução individual” (Ruse, citado por Schloss, p. 248), então, expor essa ilusão seria destrutivo para nossa espécie. Pela visão dos sociobiologistas, qualquer crença de que há princípios morais aos quais os seres humanos devem aderir pôde se tornar difundido porque isso conferia valor de sobrevivência aos genes de quem acreditasse naqueles princípios. Portanto, desacreditar tais crenças deve ameaçar a própria existência humana. Se os sociobiologistas consideram que eles descobriram um fato tão destrutivo, não deveriam, por humanidade, esconder essa descoberta, ao invés de, a todo o momento, divulgá-la?

Entretanto, não acho que os sociobiologistas estão, realmente, ameaçando a raça humana por difundirem suas idéias, pois, seu raciocínio é falho de formas ainda mais fundamentais, de maneira que, ao invés de exporem uma ilusão, ele estão, de fato, vertendo absurdos. Primeiramente, se a seleção natural exige, dos seres humanos, certos modos de comportamento, por que, trazer à tona tal assunto, envolveria qualquer forma de ilusão? Por que tais modos de comportamento não seriam automáticos? A idéia de que os seres humanos deveriam experimentar “uma ilusão coletiva” para se comportar de um modo geneticamente benéfico, implica que há alguma característica comum da humanidade, aquela que necessita da “ilusão moral”, que não promove a sobrevivência genética. Mas, pela teoria darwiniana, como tal característica comum pode ter sobrevivido?

No entanto, o argumento mais decisivo contra tal processo de teorização é sua natureza autocontraditória. Afinal, se as idéias morais são, simplesmente, “ilusão” em nós cultivada por nossos genes, então, também o são todas as nossas outras idéias – incluindo as idéias da sociobiologia!

Portanto, ao invés de divulgar suas teorias como algo “verdadeiro”, como o modo que as coisas realmente são quando enxergamos através de nossas tolas ilusões, os sociobiologistas teriam de admitir que suas próprias teorias são, simplesmente, um produto de seus genes. Longe de serem realidades “científicas” derivadas da observação de “evidências”, as teorias sociobiológicas devem ser algum tipo de “exibição”, muito parecida com o pavão abrindo sua cauda. As teorias sociobilógicas devem aumentar o sucesso reprodutivo dos sociobiologistas – talvez, seu “inflexível realismo” pegue bem nos coquetéis acadêmicos com seus pares mais jovens, ou algo parecido.

Michael Oakeshott chama idéias tais como a “explicação sociobiológica” da moralidade de “categoricamente absurda” (p. 38). Como ele observa:

“Quando um geneticista nos diz que ‘todo comportamento social e todos os eventos históricos são conseqüências inescapáveis da individualidade genética das pessoas envolvidas’ não temos dificuldade em reconhecer o efeito esclarecedor desse teorema nos escritos de Aristóteles, na queda de Constantinopla e na morte de Barbarossa; mas esse brilhante esclarecimento fica, talvez, algo ofuscado quando fica claro que o geneticista não tem nada mais revelador a dizer sobre sua ciência do que afirmar que ela é, também, feita por genes, e que o próprio teorema é o discurso de seus genes” (p. 15).


17 de janeiro de 2003


Referências


Oakeshott, M. (1975) On Human Conduct, Oxford, England: Oxford University Press.
Schloss, J.P. (1998) "Evolutionary Accounts of Altruism & the Problem of Goodness by Design," in Dembski, W.A. (ed.) Mere Creation: Science, Faith & Intelligent Design, InterVarsity Press: Downers Grove, Illinois, 236–261.

Gene Callahan é pesquisador associado do Ludwig von Mises Institute e colunista do LewRockwell.com.

24/08/2005

O que é Ciência

Nota: A Neurociência e a Sociobiologia são ciências recentes e estão na moda. Congressos, seminários, livros, artigos etc., sobre esses assuntos abundam. Em dois pequenos artigos (o segundo deles será postado mais tarde) Gene Callahan mostra quão frágeis são os pressupostos dessas ciências que mais sucesso fazem entre os integrantes da intelligentsia mundial.

Gene Callahan

A razão pela qual nosso ego pensante, consciente e sensitivo não encontra lugar no modelo científico de nosso mundo pode ser descrita em sete palavras: ele é o próprio modelo do mundo. Sendo ele idêntico ao todo, não pode estar contido em uma de suas partes.
- Erwin Schrodinger, Físico


Numa entrevista na edição de outubro de Reason, o psicólogo Steven Pinkey defende o materialismo e “desbanca” a idéia da existência da alma humana, da seguinte forma: “A doutrina do espírito no interior da máquina significa que as pessoas são habitadas por uma alma imaterial que é o lócus de toda a vontade e determinação, não podendo ser reduzida a uma função cerebral. Mas a neurociência está mostrando que todos os aspectos da vida mental – cada emoção, cada padrão de pensamento, cada memória – está associada à atividade ou estrutura fisiológica do cérebro.”

A afirmação de Pinker merece uma análise porque, mesmo sendo uma tolice filosófica, é um tipo de tolice que encontramos freqüentemente hoje em dia. Além disso, ela não é uma mera confusão, mas um tipo agressivo de confusão com um objetivo claro: desacreditar a religião. Pinker está vendendo sua crença religiosa, o materialismo, pela apresentação de um argumento pseudo-filosófico sob o disfarce de objetividade científica. Para aqueles leitores religiosos, ou, mesmo para qualquer leitor que esteja, simplesmente, interessado em encontrar algum sentido filosófico ao discutir ciência, é útil perceber o equívoco em tais argumentos.

Para entender o vazio da argumentação de Pinker, será necessário retroceder e considerar por um instante o que é ciência.

A palavra “ciência” tem vários usos: podemos ter a “ciência da culinária”, “a ciência da crítica literária”, e mesmo “a simpática ciência das embalagens para presentes”. Mas aqui eu considerarei a ciência como o caráter ideal do que freqüentemente é chamado de ciência dura: física, química, bioquímica, astronomia, etc. Pelo que entendo, esse caráter é a tentativa de abstração dos dados experimentais na obtenção de uma relação mecânica universal entre as quantidades mensuráveis.

Dada a missão, não há nenhuma razão, a priori, para o estabelecimento de limites sobre o tipo de experiência da qual a ciência possa tentar abstrair um aspecto mecânico. As pessoas religiosas têm, algumas vezes, se equivocado neste aspecto, declarando certas experiências – a mente, o gen, os movimentos da Terra e do Sol, ou a existência da vida na Terra – como estando interditadas à investigação científica. (Este equívoco não tem nada a ver com a questão da moralidade de certos métodos, tais como a clonagem, ou mesmo se eles devem ser usados pelos cientistas em sua busca do conhecimento.) O medo de tais pessoas está baseado numa falsa idéia: a relação mecânica abstraída de uma experiência não reduz, de forma alguma, esta experiência àquela abstração. A abstração deriva da experiência e certamente não a gera.

Se a ciência é a procura por tais abstrações, é errado repreender o cientista por “transformar tudo numa relação mecânica”. Enquanto agindo como cientista, é exatamente isso que ele está fazendo. Mas o outro lado da moeda é que o cientista agindo assim incorre em erro, quando confunde o processo de abstração com a “verdade fundamental” ou com a “forma como as coisas realmente são”. Ciência é uma maneira particular de olhar a experiência, verdadeira tanto quanto possível, não podendo pretender ter nenhum caráter definitivo vis-à-vis outros meios de entendimento do mundo, tais como a história, a religião e a arte. Nada há de surpreendente no fato de que a ciência formule abstrações mecânicas a partir da experiência e esses outros meios não o façam, pois, ela procura por tais abstrações, ao contrário da história, da religião ou da arte.

Tendo atingido tal abstração, constitui erro grave considerá-la como a causa da experiência em questão. A Lei da Gravitação Universal de Newton não é a causa da atração entre objetos físicos; ela é a descrição de um aspecto mecânico dessa atração.

Com nossa definição em mente, podemos identificar a confusão na raiz do argumento de Pinker. É muito possível que, de qualquer atividade mental, os neurocientistas possam abstrair um aspecto mecânico e associá-lo a certos pensamentos, emoções, etc. Mas isso, de forma alguma, “reduz” a atividade mental a uma “função do cérebro”. Tudo o que isso demonstra é que o pensamento também tem um aspecto mecânico. Partir desse fato para a noção de que esses processos mecânicos “causam” nossos pensamentos é similar a afirmar que, já que podemos abstrair certos aspectos de qualquer cidade e chamar essa abstração de “mapa”, os mapas são a causa das cidades!

É absurda a idéia de que a experiência “contemplar um por do sol na Baia Galway ao lado de seu verdadeiro amor”, de alguma forma possa se reduzir a certas respostas fisiológicas a um particular comprimento de onda da luz e à proximidade de um representante do sexo oposto. Pode-se, eventualmente, abstrair tal descrição da experiência, mas a experiência é o que ela significa para a pessoa que a vivenciou. O mecânico e o quantitativo são somente aspectos de nossa experiência, e como nenhuma experiência é sempre meramente mecânica ou quantitativa, tal descrição não pode, de forma alguma, pretender ser completa.



Este artigo foi publicado na página do LewRockwell.com em 07/09/2002. Gene Callahan é pesquisador associado do Ludwig von Mises Institute e colunista do LewRockwell.com.

17/08/2005

A vida como fabricação de si mesma: técnica e desejos

Nota - Esta é uma das aulas de um curso oferecido pelo autor em 1933 na Universidade de Verão de Santander. A publicação é de 1939 e é um dos capítulos do livro Meditação sobre a técnica, trad. José Francisco P. de Almeida Oliveira, Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1991.


Ortega y Gasset

(...) Em suma, os homens são enormemente desiguais, contrariamente ao que afirmavam os igualitaristas dos dois últimos séculos e continuam afirmando os arcaicos do presente.

Sob essa perspectiva, a vida humana, a existência do homem, consiste formalmente, essencialmente, em um problema. Para os demais entes do universo, existir não é problema – porque existência deve significar efetividade, realização de uma essência --; por exemplo, que “o ser touro” se verifique, aconteça. Pois bem, o touro, se existe, existe já sendo touro. Em troca, para o homem, existir não é já existir, sem mais nem menos, como homem que é, mas é mera possibilidade disso e esforço até consegui-lo. Quem de vocês é efetivamente o que sente que teria de ser, que deveria ser, que aspira a ser? Diferentemente, pois, de todo o resto, o homem, ao existir, tem de resolver o problema prático de realizar o programa em que prontamente consiste. Donde se conclui, que nossa vida é pura tarefa e inexorável que-fazer. A vida de cada um de nós é algo que não é dado pronto, presenteado, mas algo que se tem de fazer. A vida dá muito que-fazer; entretanto, não é senão esse que-fazer que ela dá a cada um, e um que-fazer, repito, não é uma coisa, mas algo ativo, num sentido que transcende todos os demais. Porque, no caso dos outros seres, supõe-se que alguém ou algo que já é, atue; aqui, porém, trata-se precisamente de que, para ser, tem-se que atuar, que apenas se é essa atuação. O homem, queira ou não, tem de fazer-se a si mesmo, autofabricar-se. Esta última expressão não é de todo inoportuna. Ela sublinha que o homem, na raiz mesma de sua essência, se encontra, antes de mais nada, na situação do técnico. Para o homem, viver é – desde logo e antes de tudo – esforçar-se para que haja o que ainda não há; ou seja, ele, ele mesmo, aproveitando para isso o que há, em suma, para o homem, viver é produção. Com isso, quero dizer que a vida não é fundamentalmente como se acreditou durante tantos séculos, contemplação, pensamento, teoria. Não! A vida é produção, fabricação, e somente porque estas o exigem – portanto, depois e não antes --, é pensamento, teoria e ciência. Viver é descobrir os meios para realizar o programa que se é. O mundo, a circunstância, se apresenta desde logo como matéria-prima e como máquina possível. Posto, que, para existir, tem-se que estar no mundo, e isso não realiza por si e totalmente o ser do homem, impõe-lhe, ao contrário, dificuldades, o homem decide buscar em sim mesmo a máquina oculta que encerra, para servir a sim mesmo. A história do pensamento humano se reduz à série de observações que o homem tem feito para trazer à luz, para descobrir essa possibilidade de máquina que o mundo carrega latente em sua matéria. É por isso que o invento técnico é chamado também de descobrimento. E não é, com veremos, uma casualidade que a técnica por antonomásia, a plena maturidade da técnica, se tenha iniciado por volta de 1600; justamente quando, em seu pensamento teórico sobre o mundo, o homem passou a entendê-lo com uma máquina. A técnica moderna começa a ter unidade com Galileu, Descartes, Huygens; em suma, com os criados da interpretação mecânica do universo. Assim se acreditava que o mundo corporal era um ente amecânico, cujo ser último era constituído por poderes espirituais mais ou menos voluntariosos e incoercíveis. O mundo como puro mecanismo é, ao contrário, a máquina das máquinas.

É, portanto, um erro fundamental crer que o homem é tão somente um animal casualmente dotado de talento técnico ou, dito de outra forma, que, se acrescentássemos magicamente a um animal o dom técnico, teríamos simplesmente o homem. A verdade é o contrário; porque o homem, tendo uma tarefa muito diferente da do animal – uma tarefa extranatural --, não pode dedicar todas as suas energias, como aquele, para satisfazer suas necessidades elementares, mas tem de imediatamente poupá-las nesse sentido, para, com elas, poder entregar-se à improvável faina de realizar seu ser no mundo.

Eis aqui por que o homem começa quando começa a técnica. O espaço menor ou maior que esta abre para o homem na natureza é o alvéolo onde ele pode alojar seu excêntrico ser. Por isso, eu insistia, ontem, que o sentido e a causa da técnica estão fora dela; ou seja, no emprego que o homem dá às energia que lhe sobram, energias economizadas pela técnica. A missão inicial da técnica é esta: dar liberdade ao homem para ele poder entregar-se a si mesmo.

Os antigos dividiam a vida em duas zonas: uma, que chamavam de otium, o ócio, que não é a negação do fazer, mas é dedicar-se a ser o humano do homem, que eles interpretavam como autoridade, organização, trato social, ciências, artes. A outra zona, em que se dava pleno esforço para satisfazer as necessidades elementares, isto é, tudo o que tornava possível aquele otium, chamavam-na de nec-otium, assinalando muito bem o caráter negativo que tem para o homem.

Em vez de viver ao acaso e combater seu próprio esforço, o homem necessita atuar segundo um plano para obter segurança em seu choque com as exigências naturais e dominá-las com um máximo de rendimento. Este é seu fazer-técnico frente ao fazer-ao-bel-prazer do animal, ao fazer do pássaro do bom Deus, por exemplo.

Todas as atividades humanas que têm recebido ou merecem especialmente o nome de técnicas não são mais que especificações, concretizações desse caráter geral de autofrabricação próprio do nosso viver.

Se nossa existência não fosse, desde o princípio, a obrigação de construir com o material da natureza a pretensão extranatural que é o homem, nenhuma dessas técnicas existiria. O fato absoluto, o puro fenômeno do universo que é a técnica, só pode acontecer nessa estranha, patética, dramática combinação metafísica, na qual dois entes heterogêneos – o homem e o mundo – se vêem obrigados a unificar-se, de modo a que um deles, o homem, consiga inserir seu ser extramundano no outro, que é precisamente o mundo. Esse problema, quase de engenharia, é a existência humana.

E, sem dúvida, ou pelo mesmo motivo, a técnica não é, a rigor, o primeiro fenômeno. Ela vai idealizar e executar a tarefa que é a vida; vai conseguir obter, numa ou noutra medida limitada, está claro, que o programa humano se realize. Mas, por si só ela não define o programa; quero dizer que à técnica não é preestabelecida a finalidade que ela deve alcançar. O programa de vida é pré-técnico. O técnico ou capacidade técnica do homem tem como encargo inventar os procedimentos mais simples e seguros para conseguir as necessidades do homem. Estas, porém, como vimos, são também uma invenção; são o que, em cada época, povo ou pessoa, o homem pretende ser; há, pois, uma primeira invenção pré-técnica, a invenção por excelência, que é o desejo original.

Não se creia que se trata de desejar tarefa tão fácil. Observem vocês a angústia específica que experimenta o novo rico. Tem nas mãos a possibilidade de obter a consecução de seus desejos, mas se percebe como quem não saber ter desejos. No fundo mais secreto de sim mesmo nota, que não deseja nada, que sozinho é incapaz de orientar seu apetite e decidir entre as inumeráveis coisas que o meio lhe oferece. Por isso busca um mediador que o oriente e o descobre nos desejos que predominam sobre os demais. Eis por que a primeira coisa que o novo rico compre é um automóvel, um piano e uma aparelhagem de som. Encarregou os outros de desejarem por ele. Como há o princípio do pensamento, que consiste na idéia que não é pensada originalmente por aquele que a pensa, mas é tão somente repetida por ele, cegamente, mecanicamente reiterada, há também um determinado desejo que é bem mais a ficção e o simples gesto de desejar.

Isso acontece, pois, mesmo na esfera do desejar referente ao que já existe por aí, às coisas que já temos em nosso horizonte antes de desejá-las. Imagine-se até que ponto será difícil o desejo propriamente criador, o que postula o inexistente, o que antecipa o que ainda é irreal. Definitivamente, os desejos referentes a coisas se movimentam sempre dentro do perfil do homem que desejamos ser. Este é, portanto, o desejo radical, fonte de todos os demais. E quando alguém é incapaz de desejar-se a si mesmo, porque não tem bem claro um si mesmo a realizar, é evidente que não tem senão pseudodesejos, espectros de apetites sem sinceridade nem vigor.

Talvez a doença básica de nosso tempo seja uma crise dos desejos e, por isso, toda a fabulosa potencialidade de nossa técnica parece não nos servir para nada. Hoje, a coisa começa a tornar-se patente, mas, já em 1921, me ocorria anunciar o grave fato: “A Europa padece de um extremo cansaço em sua faculdade de desejar”. (España invertebrada). E essa inibição do programa de vida trará consigo uma interrupção ou retrocesso da técnica, que acabará por não saber bem a quem ou a que servir. E esta é a incrível situação à qual chegamos e que confirma a interpretação aqui sustentada: a herança, quer dizer, o repertório com que o homem conta hoje para viver não é apenas incomparavelmente superior ao repertório de que jamais ele desfrutou (as forças criadas com a técnica equivalem a dois bilhões e meio de escravos, ou seja, dois para cada cidadão), mas nos dá a consciência clara de que tais forças são superabundantes e de que, sem dúvida, a irracionalidade é enorme; e acontece que o homem atual não sabe o que ser, falta-lhe imaginação para inventar o argumento de sua própria vida.

Por que? Ah! Isso não faz parte deste ensaio. Apenas nos questionaremos: o que é o homem, ou que tipo de homens são os especialistas do programa de vida? O poeta, o filósofo, o fundador de religião, o político, o descobridor de valores? Não o decidamos. Basta advertir que o técnico supõe todos eles e que isso explica uma diferença hierárquica que sempre existiu e contra a qual não adianta protestar.

Talvez tenha algo a ver com isso o estranhíssimo fato de que a técnica é quase sempre anônima, ou, pelo menos, que os seus criadores não gozem da fama nominativa que sempre acompanhou aqueles outros homens. Um dos inventos mais formidáveis dos últimos sessenta anos foi o motor a explosão. Pois bem, quantos de vocês, sem ser por seu ofício técnico, se lembram, nesse momento, da lista dos egrégios nomes de seus inventores?

Conclui-se daí, também, a enorme improbabilidade de que se venha a constituir uma “tecnocracia”. Por definição, o técnico não pode comandar, dirigir em última instância. Seu papel é magnífico, venerável, mas irremediavelmente de segundo plano.

Resumamos:A reforma da natureza ou técnica, como toda troca ou mutação, é um movimento com seus dois pólos, a quo e ad quem (de que e para que). O pólo a quo é a natureza como está aí. Para modificá-la tem-se que fixar o outro pólo ao qual a natureza deve se adequar. Este pólo ad quem é o programa de vida do homem. Como denominaríamos a plena consecução deste programa? Evidentemente, bem-estar do homem, felicidade. Eis que com isso, encerramos aqui as idas-e-vindas de todas as considerações tecidas anteriormente.