27/11/2009

Belloc em português, pela primeira vez

O grande Hilaire Belloc encontra sua casa no Brasil. A Editora Permanência acaba de lançar As Grandes Heresias, livro por ele escrito em 1938. A Permanência foi fundada, entre outros, por Gustavo Corção e Júlio Fleishman. Dom Lourenço, filho do Dr. Júlio, acolhe agora Belloc na casa de Corção, um grande chestertorniano e certamente admirador de Belloc, embora nunca tenha lido menção a Belloc na obra de Corção.

Tocou a mim a tarefa da tradução da obra. Comecei-a no blog até que surgiu o interesse da Permanência. Para mim é muito significativo a publicação do livro, pois ele é o primeiro rebento do blog, rebento que sai do blog e ganha o mundo. Espero que o livro tenha para os leitores o mesmo impacto que teve para mim.

Em primeiro lugar, vê-se um verdadeiro historiador em pleno domínio de sua técnica. Em segundo lugar, vê-se um verdadeiro católico em pleno domínio de sua fé. Uma parte muito significativa da história da Igreja é contada no livro, mas não só. No livro, um período crucial do Império Romano ganha vida perante nossos olhos. Toda a trágica vida européia, do século VII ao século XVI, passa a desfilar à nossa frente. Quase participamos das Cruzadas com aqueles heróicos católicos nossos ancestrais. Sentimos todos os golpes desfechados contra a Igreja pelas sucessivas e diferentes heresias. Lutamos contra os cátaros que desejavam destruir a humanidade. Vemos o desenrolar de toda a Reforma e depois o amadurecimento de todos os seus frutos. Por fim, acompanhamos Belloc em sua análise da situação da Igreja no século XX, antes do Concílio Vaticano II, concílio este que realizou muitas das mais temerárias suspeitas do grande escritor.

Uma coisa posso garantir a todos os leitores do livro: nossa Fé será fortalecida com a leitura do livro.

Boa leitura a todos.

Auxilium Christianorum, ora pro nobis!

A farsa do aquecimento global desmascarada

É assim que se desenvolve o consenso científico no mundo. Agora, começamos a ter uma pequena idéia da estatura moral desses verdadeiros inimigos da humanidade, forjadores do consenso sobre mudanças climáticas e outras balelas ditas com pretensa autoridade científicas.

Quem quiser ver o bando de safados combinando a enganação da população mundial, clique aqui. Este site poderá sair do ar. Se isso acontecer, eu tenho o arquivo em PDF e o disponibilizarei para download.



24/11/2009

Imitação de Cristo: conselhos para o estudante de filosofia e teologia

Suspeito que entre os leitores deste blog há alguns que fazem filosofia em faculdades espalhadas pelo Brasil, os que fazem o curso do Prof. Olavo, imperdível e os que fazem o curso do Prof. Carlos Nougué, também imperdível. Os dois últimos valem muito mais do que qualquer curso universitário. Há de haver também estudantes de teologia.

Resolvi, então, publicar os conselhos do livro IMITAÇÃO DE CRISTO para quem estuda filosofia ou teologia. São eles os capítulos 29, 39, 41 e 47 do Livro III.


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Capítulo 29 – Como se deve invocar a Deus, durante a tribulação

1. Alma fiel: – Senhor, bendito seja para sempre o vosso santo nome, porque quisestes que sobre mim viesse esta prova e tribulação. Não posso evitá-la; mas é necessário que a vós recorra, para que me ajudeis e convertais tudo em meu proveito.

Senhor, estou agora atribulado e não está bem o meu coração; muito me atormenta o presente sofrimento.

E, agora, Pai amantíssimo, que direi? Estou mergulhado em angústias; livrai-me desta hora.

E cheguei a este extremo, para que sejais glorificado, quando eu, depois de muito abatido, for por vós libertado.

Dignai-vos, Senhor, salvar-me; porque, pobre de mim, que farei e aonde irei sem vós?

Dai-me paciência, Senhor, ainda por esta vez.

Socorrei-me, Deus meu, e nada temerei por mais que esteja atribulado.

2. E agora, neste estado, que direi? Senhor, faça-se a vossa vontade. Bem mereço essas tribulações e angústias.

Convém que eu sofra e oxalá com resignação o faça, até que passe a tormenta e venha a bonança.

Poderosa é vossa mão onipotente para desviar de mim esta tentação e moderar-lhe a violência, para que eu não sucumba de todo; assim como muitas vezes tendes feito comigo. Deus meu, misericórdia minha.

E quanto mais difícil para mim, tanto mais fácil é para vós esta mudança da dextra do Altíssimo.


Capítulo 39 – Da calma que se deve conservar nos negócios

1. Cristo: – Filho, confia-me sempre a tua causa, disporei tudo bem, a seu tempo.
Espera pela minha decisão e disso tirarás proveito.

2. A alma fiel: – Senhor, de mui boa vontade, deponho em vossas mãos todos os meus negócios; porque pouco pode aproveitar a minha diligência.

Oxalá não me inquietasse com os sucessos futuros, mas, prontamente me entregasse ao vosso beneplácito!

3. Cristo: -- Filho, muitas vezes procura o homem, ansiosamente, alguma coisa que deseja; quando, porém, a alcança, começa a pensar de outro modo; porque as afeições não são duráveis e passam, facilmente, de um a outro objeto.

Não é, pois, pequena coisa, mesmo nas coisas mínimas, cada um renunciar-se a sim mesmo.

Mas o antigo adversário de todo o bem não deixa de tentar; ao contrário, dia e noite, arma cruéis ciladas, para precipitar o incauto nos laços do seu engano.

Vigiai e orai, diz o Senhor, para que não entreis em tentação.


Capítulo 41 – Do desprezo de toda honra temporal

1. Cristo: – Filho, não te entristeças, se vires que outros são honrados e exaltados, ao passo que tu és desprezado e humilhado.

Levanta para mim nos céus o teu coração e não te afligirá o desprezo dos homens na terra.

2. A alma fiel: – Senhor, somos cegos e facilmente nos deixamos seduzir pela vaidade.

Se bem me examinar, verei que nunca recebi injúria de criatura alguma; não tenho, pois, justo motivo de queixa contra vós.

Como, porém, tenho pecado, freqüente e gravemente, contra vós, é justo que se armem contra mim todas as criaturas.

Confusão e desprezo, eis o que, justamente, a mim cabe; a vós, porém, louvor, honra e glória.

E enquanto não estiver disposto a querer, de bom grado, ser desprezado e abandonado por todos e ser tido absolutamente por nada, não poderei adquirir a paz e estabilidade interior. Não serei espiritualmente iluminado, nem perfeitamente unido a vós.


Capítulo 47 – Como se devem suportar todos os trabalhos pela vida eterna

1. Cristo: – Filho, não esmoreças nos trabalhos empreendidos por amor de mim; não te desalentes nas tribulações; mas em todos os acontecimentos a minha promessa te fortaleça e console.

Posso recompensar-te acima de todas as medidas e limites. Não trabalharás aqui muito tempo, nem estarás sempre acabrunhado de dores.

Espera um pouco, e verás o término dos teus males.

Virá uma hora em que cessarão as tuas penas e angústias todas.

Pouco e breve é tudo que se passa com o tempo.

2. Faze bem o que fazes; trabalha fielmente na minha vinha; serie eu mesmo o tem galardão.

Escreve, lê, canta, geme, guarda silêncio, fala, sofre varonilmente as adversidades; de tudo isso é digna a vida eterna e de maiores combates ainda.

A paz virá um dia, que do Senhor é conhecido e não haverá mais dias e noites, como no tempo presente; senão perpétua luz, infinita claridade, firme paz e seguro repouso.

Então não dirá: Quem me livrará deste corpo de morte? Nem exclamarás: Pobre de mim, que se prolonga o meu desterro!

Porque a morte será destruída e eterna será a salvação; livre de toda ansiedade, gozarás de jubilosa ventura, em meio de agradável e brilhante companhia.

3. Oh! Se visses as coroas imarcessíveis dos santos do céu, com quanta glória exultam agora aqueles que, outrora, o mundo desprezava julgava indignos de viver! Por certo que logo te prostrarias até o chão e preferirias estar sujeito a todos os homens, que mandar a um só.

Não cobiçarias os dias felizes desta vida; ao contrário, folgarias de ser atribulado por amor de Deus e considerarias grande vantagem ser tido por nada entre os homens.

4. Oh! Se gostasses dessas coisas e penetrassem elas, profundamente, no teu coração, com ousarias, uma vez sequer, queixar-te?

Será pequena coisa perder ou ganhar o reino de Deus?

Levanta, pois, os olhos para o céu. Eis-me aqui com todos os meus santos, que, neste mundo, sustentaram grandes combates e agora se sentem consolados, agora estão seguros, agora repousam e permanecerão para sempre comigo, no reino de meu Pai.

20/11/2009

Inge versus Barnes

Do livro "A Coisa", publicado em 1929.

Gilbert Keith Chesterton

Nenhum de nós, espero, jamais desejou ser injusto com o deão Inge:[1] embora em tais lutas às vezes cai a proteção da espada.[2] E uma cruel injustiça está sendo feita, na sugestão amplamente ventilada de que ele concorda com o Dr. Barnes. Tais coisas não deveriam ser ditas levianamente de qualquer cavalheiro. De acordo com a atual lenda, pelo menos, o Soturno Deão, mesmo quando decide abençoar, acaba amaldiçoando. Mas se há um único ser humano a quem se possa imaginar que ele queira abençoar, este é seu aliado, o bispo Barnes de Birmingham.[3] Mesmo assim, a aliança serve somente para amenizar a maldição, não para assegurar a benção. Se pudéssemos usar termos populares a respeito de tais dignatários eclesiásticos, seriamos tentados a dizer que o deão considerou necessário desancar o bispo. Uma interessante resenha do deão sobre o recente livro de sermões do bispo contém, claro, certo número de elogios assaz convencionais e certo número de grosserias, poderíamos dizer implicâncias, com várias outras pessoas incluindo grande parte da cristandade. Mas nas duas questões notáveis e surpreendentes em que o bispo Barnes foi condenado pelos católicos, ele é quase tão fortemente condenado pelo Deão da Catedral de São Paulo. O deão Inge é muito inteligente e culto para fingir ter muita paciência com o contra-senso de testar a Transubstanciação por experimentos químicos ou psíquicos. Ele tenta revelar para seu colega da “Broad Church”[4], tão gentilmente quanto possível, que este caiu no ridículo. Mesmo levando em conta tais delicadezas entre parceiros, a verdade não poderia ter sido dita mais simplesmente e melhor. Ele sumariamente indicou ao bispo a responsável definição da doutrina encontrada no livro de Padre Rickaby sobre metafísica; e secamente observa que ela é muito mais sutil e plausível do que parece se dar conta o bispo. Ele também acrescenta, com uma amarga e muito atraente franqueza, que é muito desastroso desafiar os católicos sobre se a Missa lhes faz qualquer bem espiritual, pois eles certamente se uniriam na resposta afirmativa. Depois destas admissões francas e interessantes, é uma questão de mera rotina, e quase de respeitabilidade, que o deão devesse concordar com o bispo de que todo esse sacramentalismo é grandemente deplorável; que pessoas inteligentes que ele conhece que dizem encontrar Cristo na Missa e não no Serviço Matinal devem ser “idólatras naturais” e que é “óbvio” que o Santíssimo Sacramento tem uma afinidade com as religiões inferiores. Também com as classes inferiores. Isso, imagino, é o que o deão realmente considera tão desagradável.

A questão é, contudo, que o deão definitivamente desdenha o bispo em relação à única grande questão em que os jornais lhe têm dado grande repercussão. E ele faz exatamente o mesmo, num grau menor, numa questão secundária e menor que tem similar repercussão. Falo, é claro, da questão da evolução. O deão, evidentemente, acredita na evolução, como o faz muitas pessoas, católicas, protestantes e agnósticas. Mas embora acredite em evolução, ele não acredita na evolução do bispo Barnes. Ele comenta com admirável clareza e decisão sobre a tolice de identificar progresso com evolução; ou mesmo mera complicação com progresso. Nada poderia ser melhor do que as breves e picantes frases em que ele demonstra totalmente aquela idealização da teoria científica, que é de fato simples ignorância a seu respeito. Em palavras simples, o bispo Barnes, apesar de toda sua pompa, sabe tão pouco de evolução quanto de Transubstanciação. O Deão da Catedral de São Paulo não revelou toda esta verdade em palavras simples, é claro; mas ele conseguiu fazê-lo muito simplesmente. Sua franqueza neste caso tem também de ser contrabalançada com expressões gerais de concordância com o bispo, e com expressões mais fortes de discordância com todos os demais, especialmente com os inimigos do bispo. O deão alude desdenhosamente ao mundo ortodoxo, como se este mundo necessariamente repudiasse certas teorias biológicas; ou como se importasse muito se ele o fizesse. A diferença entre a Broad Church e a Igreja Católica não é que aquela considere a evolução verdadeira e esta considere-a falsa. É que aquela considera a evolução uma explicação e esta sabe que ela não é uma explicação. Assim, aquela a considera de importância capital; e esta algo sem importância. Sendo incapaz de perceber este princípio, o deão tem de voltar-se para o antigo jargão vitoriano; e dizer que uma nova descoberta científica passa por três estágios: o de ser considerada um absurdo; o de ser considerada anti-Escrituras; e o de ser descoberta muito antiga e familiar. Ele poderia ter acrescentado que há ainda um quarto estágio; o de ser descoberta muito falsa.

Pois esse é o fato muito simples que ambos, o deão Inge e o bispo Barnes, omitiram; e que parece ser tão completamente desconhecido pelo racionalismo lúcido de um quanto pelo secularismo mais rude do outro. O arcebispo de Canterbury não está apenas certo em sugerir que velhos cavalheiros como ele tiveram a evolução como uma coisa familiar durante toda a vida; mas ele poderia ter adicionado que eles estavam muito mais certos sobre ela na parte inicial de suas vidas do que estarão no final delas. Aqueles dentre eles que realmente leram as mais recentes investigações e especulações européias sabem que aquele darwinismo está cada dia mais se tornando muito menos um dogma e muito mais uma dúvida. Aqueles que não leram as especulações e dúvidas simplesmente continuam repetindo o dogma. Enquanto o Dr. Barnes estava pregando sermões cuidadosamente fundamentados na biologia de 50 anos atrás, o Sr. Belloc estava provando conclusivamente perante todo o mundo que o Sr. H.G. Wells e o Sr. Arthur Keith desconheciam a biologia de 5 anos atrás. Em resumo, é muito justo, como dissemos, insistir na diferença entre o deão Inge e o Dr. Barnes; que é análoga à diferença entre Huxley e Haeckel. Todo mundo estaria melhor e mais feliz se o deão Inge fosse conhecido como professor Inge; e se o Dr. Barnes não fosse somente um professor, mas um professor prussiano. Então ele poderia ser alardeado juntamente com outros bárbaros que atacam a cristandade, sem ter o privilégio eclesial de realmente perseguir cristãos. Mas há pagãos e pagãos e há perseguidores e perseguidores. O deão é um pagão romano do Senado. O bispo é um pagão teutão dos pântanos e brejos. O deão desgosta da tradição cristã com o mesmo espírito de Diocleciano e Juliano. O bispo desgosta dela com o espírito mais simples de um pirata dinamarquês fitando o rígido mistério da Igreja Romana britânica. Mesmo a causa comum e a máxima geral de CHRISTIANI AD LEONES nem sempre, imagino, reconciliou romanos e godos. Essas comparações históricas podem parecer irreais; e de fato, num certo sentido ambos estão muito ligados aos seus respectivos períodos históricos. Eles são ambos muito vitorianos; mas mesmo aqui há uma diferença e uma superioridade. A superioridade do deão é que ele sabe disso e o diz. Ele é homem o suficiente para gabar-se de ser vitoriano e não ligar de ser chamado de reacionário. Enquanto que o bispo parece realmente cultivar a verdadeiramente extraordinária noção de que suas noções são novas e atualizadas.

É claro que eles têm uma filosofia em comum; e seria uma simplificação barata chamá-la de materialismo. De fato, seríamos quase tão superficiais em falar de materialismo quanto eles de falarem de mágica. A verdade é que o estranho fanatismo, que leva o bispo a bradar contra e atacar todo sacramentalismo como se fosse mágica, é em sua essência interior o próprio reverso do materialismo. Realmente, não é nem um pouco tão saudável quanto o materialismo. A raiz desse preconceito não é tanto uma crença na matéria, mas um tipo de horror à matéria. O homem com essa filosofia está sempre pedindo para que a adoração seja totalmente espiritual, ou mesmo totalmente intelectual; porque ele sente realmente um desgosto com a idéia de coisas espirituais tendo um corpo e uma forma sólida. É provável que a suposição de que Deus possa se tornar pão e vinho lhe cause um tremor místico; embora eu nunca tenha entendido porque dizer que Deus poderia se tornar carne e sangue não deveria lhe causar o mesmo tremor. Mas esses pensadores sendo ou não lógicos em sua filosofia, penso que isso é a sua filosofia. Ela tem uma longuíssima história e um antigo nome. Não é materialismo, mas maniqueísmo.

O deão verdadeiramente expressou uma verdade inconsciente quando disse que os sacramentalistas são “idólatras naturais”. Ele recua diante disso não somente porque é idolátrico, mas porque é natural. Ele não suporta pensar quão natural é o anseio pelo sobrenatural. Ele não tolera a idéia do sobrenatural realmente trabalhar através dos elementos da natureza. Inconscientemente, sem dúvida, mas muito teimosamente, esse tipo de intelectual sente realmente que sua alma pode pertencer a Deus, mas seu corpo somente ao demônio ou à besta. Esse horror maniqueísta da matéria é a única razão INTELIGENTE para qualquer rejeição abrangente das maravilhas sobrenaturais e sacramentais. O resto é jargão, repetição e argumentação em círculo; todo o insustentável dogmatismo sobre a ciência impedir os homens de acreditar em milagres; como se a CIÊNCIA pudesse impedir os homens de acreditar em algo que a ciência não professa investigar. Ciência é o estudo de admitidas leis da existência; ela não pode provar uma negativa universal sobre se aquelas leis podem ser suspensas por algo admitidamente acima delas. É como se disséssemos que um advogado conhece tão bem a onstituição americana que sabe que não pode nunca haver uma revolução nos EUA. Ou como se um homem dissesse que é um estudante tão íntimo do texto de Hamlet que está autorizado a negar que um ator possa deixar cair o crânio e sair correndo quando o teatro pegar fogo. A constituição segue certo curso, contanto que esteja lá para segui-lo; a peça segue certo curso, contanto que seja encenada; a ordem visível da natureza segue certo curso se não há nada por trás que possa impedi-la. Mas esse fato não joga nenhuma luz sobre se HÁ algo por trás para impedi-la. Esta é uma questão de filosofia e metafísica e não de ciência material. E por respeito à inteligência de ambos reverendos cavalheiros, e especialmente em respeito à alta inteligência do Deão da Catedral de São Paulo, prefiro pensar que eles se opõem ao que chamam de mágica como filósofos consistentes e não como cientistas inconsistentes. Prefiro pensar que eles estão pensando como os grandes gnósticos, budistas e outros místicos da obscura mas digna tradição histórica; ao invés de estarem cometendo erros lógicos elementares no interesse da ciência popular mais rasteira. Posso até entender ou imaginar o tremor de repulsão que os domina na presença do divino materialismo da Missa. Mas ainda penso que eles seriam mais consistentes e completos se declarassem abertamente seguirão seu princípio até o fim; e dissessem, como os mussulmanos dizem sobre o Natal, “Longe Dele ter um filho”,[5] ou os aterrorizados discípulos que clamavam, “Longe de Ti esteja isso”[6], quando Deus estava subindo para ser crucificado.




[1] Ver RAÍZES DA SANIDADE. (N. do T.)

[2] Chesterton refere-se aqui à esgrima, em que as espadas tem uma proteção na ponta, para impedir o ferimento do oponente. (N. do T.)

[3] Ernest William Barnes, eminente matemático inglês, Fellow da Real Sociedade de Londres e também bispo da Igreja da Inglaterra. Embora grande matemático, foi uma figura pública controvertida. Pacifista, foi contra a participação da Inglaterra na II Grande Guerra. Mantinha também idéias favoráveis à eugenia. (N. do T.)

[4] Um dos três segmentos da Igreja da Inglaterra. A Broad Church é o segmento ecumênico. (N. do T.)

[5] Q 4:171 (N. do T.)

[6] 1 Sam 20, 9. (N. do T.)


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Leiam, do livro "A Coisa": Por que sou católico, A Revolta contra as Idéias, A lógica e o tênis, Um pensamento simples, Raízes da Sanidade, A Máscara do agnóstico .

13/11/2009

Pequeno exercício de metafísica

Há na Universidade Federal de Minas Gerais, universidade em que sou professor, uma campanha muito meritória de preservação do acervo de livros de suas bibliotecas. Contudo, a campanha veicula uma frase que, desde a primeira leitura, me pareceu estranha e não me saiu da cabeça. Alguém poderia dizer que a campanha foi um sucesso, pois permaneceu na cabeça da comunidade e isso é, de fato, o objetivo da campanha.

Mas, na verdade, ela me ficou na cabeça por um descompasso metafísico nela contido. A campanha diz: PRESERVE A NATUREZA DO LIVRO. Pensei com meus botões: como posso preservar O livro? "O" livro não existe na natureza e, portanto, não pode ter sequer natureza a ser preservada.

De metafísica entende Aristóteles e não eu. Daí, diz o filósofo, na Metafísica (logo no Livro I, capítulo I): "a experiência é conhecimento dos particulares, enquanto a arte é conhecimento dos universais; ora, todas as ações e as produções referem-se ao particular. De fato, o médico não cura o homem a não ser acidentalmente, mas cura Cálias ou Sócrates ou qualquer outro indivíduo que leva um nome como eles, ao qual ocorra ser homem." (Tomo aqui a edição bilíngue da Metafísica de Giovanni Reale, vol. II, tradução para o português de Marcelo Perini, Edições Loyola, 2005).

Podemos dizer, com Aristóteles, que o leitor não preserva o livro, mas tal ou qual livro, tal ou qual objeto que ocorra ser livro e estar sob sua responsabilidade. Em seguida, o filósofo nos alerta: "Portanto, se alguém possui a teoria sem a experiência e conhece o universal mas não conhece o particular que nele está contido, muitas vezes errará o tratamento, porque o tratamento se dirige, justamente, ao indíviduo particular."

Assim, sejamos rápidos em corrigir a frase da campanha: PRESERVE A NATUREZA DOS LIVROS. Aí sim, preservemos a natureza (isto é, a integridade) dos livros individuais que existem nas bibliotecas da UFMG. Estes têm natureza a ser preservada.

A Igreja e o mundo

Hilaire Belloc, em As Grandes Heresias, defende a idéia de que não existe uma religião chamada cristianismo. Existe apenas a Igreja Católica e seus inimigos. O livro é a história da luta entre ela e eles.

Quem quiser ter um exemplo prático disto, leia, nos links abaixo, um capítulo desta luta. Esta fase da luta Belloc chamou de "A fase moderna". Dizia ele, no livro citado, que preferiria chamá-la de Anti-Cristo, pois era isso que ela parecia ser.

Todos os links são de FRATRES IN UNUM.

Proibição do crucifixo nas escolas européias
Reação da Itália
O crucifixo é, antes de tudo, o sinal distintivo da única e verdadeira religião, a católica, depois vem o resto

12/11/2009

Lições das missas dominicais pós-Vaticano II - Parte XXVII

Comento aqui o artigo do Sr. Domingos Zamagna intitulado “A Renovação da Catequese”, n’O DOMINGO de 20/09/2009.

O Sr. Zamagna começa seu artigo atacando a “mera repetição” no ensino catequético: “Repetição nunca foi sinal ou prova de ortodoxia. Noutras palavras, quem quiser ser fiel à Igreja não precisa ficar o tempo todo repetindo frases da Bíblia, fórmulas dos concílios, expressões dos santos Padres, das autoridades, dos teólogos. O que representa conquista da teologia, da catequese, da liturgia, da história, da espiritualidade etc. merece ser conhecido, estudado, respeitado. Mas o que adianta mera repetição?

A fala do Sr. Zamagna, não sei se ele próprio sabe disto, vem diretamente do Sínodo dos Bispos de 1977. Este sínodo não só apoiou fortemente uma variedade de catecismos, em contraposição a um único e universal catecismo da Igreja, como também atacou fortemente o método tradicional de memorização das fórmulas da Fé.

Romano Amério diz o seguinte em Iota Unum.

“A forma de pergunta e resposta foi adotada pela Conferência Episcopal Alemã em seu catecismo, mas foi rejeitada pela maioria dos bispos no sínodo de 1977. Este método é bem adaptado à forma didática, ao invés de heurística, da catequese católica, que responde diretamente com a verdade, e não formula perguntas com a pressuposição metodológica que suas respostas possam ser duvidosas. Mesmo no método socrático, tão a gosto dos oponentes da tradição, é Sócrates quem conhece a verdade, e o discípulo o sujeito a quem ela é descrita.

“A memorização é desprezada e desdenhada pelos teóricos modernos da educação como mera repetição sem sentido, quando ela é, na verdade, a fundação de toda cultura, como os antigos mostraram através de Minemósine (memória), a mãe das Musas [deusas do canto e da memória]. A memorização é muito adequada à catequese, desde que seja considerada como uma comunicação de conhecimento e não uma atividade social. Para um bispo do Equador, ‘catequese consiste não tanto no que é ouvido, mas no que é visto na pessoa que catequisa’. Isto faz a verdade percebida pelo intelecto menos importante que a experiência pessoal do discípulo, e vincula o entendimento do Evangelho à excelência de seu pregador em vez de aos seus próprios méritos”.

Assim, desprezar a memorização das verdades de fé e considerá-la “mera repetição” no ensino catequético foi um dos pilares do que Amério chama de “dissolução da catequese”.

Se na catequese as verdades em si ficam em segundo plano, aí o Sr. Zamagna tem razão em dizer: “A catequese, por isso, deve se renovar, alargar seu próprio conteúdo, descobrir novas metodologias, utilizar tecnologias contemporâneas, beneficiar-se dos avanços das ciências da comunicação, servir-se dos conceitos e imagens compreensíveis pelas crianças, pelos jovens e pelas famílias de hoje.”

O que vale são as metodologias, as tecnologias contemporâneas, em síntese, o show. Quando ao conteúdo, notem bem, quanto ao conteúdo catequético que é o fundamento da Fé, bem, este pode ser até “alargado”. Ou seja, para o Sr. Zamagna, não basta a Revelação. Ele quer alargá-la. Não basta o Antigo e o Novo testamentos e a Tradição da Igreja, deve haver um alargamento de conteúdo.

Fico imaginando se o Sr. Zamagna estará incluindo neste alargamento os “ensinamentos” do Pe. Fábio de Melo sobre a não-presença de Cristo na Eucaristia e sobre a impossibilidade da prova da existência de Deus. Quem sabe o Sr. Zamagna não está tentando alargar a Suma Teológica de Santo Tomás, ou o Catecismo Romano, do Concílio de Trento?

O Sr. Zamagna ainda nos fala do “aggiornare” do Papa João XXIII. Diz ele que, entre outras coisas, este verbo significa “tornar a mensagem cristã compreendida pelo homem moderno”. Lembro, a propósito, de uma crônica de Nelson Rodrigues em que ele comenta uma entrevista do então jovem ator Paulo José, sobre as inovações da Igreja, introduzidas pelo CVII. Ele falou tanta besteira que Nelson pergunta estupefato (cito de memória): “Será que este menino não tem algum amigo ou parente para ensiná-lo que a Igreja tem quase 2000 anos de idade, que ela não nasceu agora?” Esta é a pergunta que faço em relação ao Sr. Zamagna. Será que ele acha que a Igreja converteu o Império Romano falando uma linguagem que ninguém entendia? Será que ele acha que a Igreja converteu os bárbaros que invadiram o Império falando grego, literalmente? Será que ele pensa que nestes dois casos a Igreja deixou de ensinar as verdades de fé para adaptar-se ao mundo moderno de então? Para adaptar-se ao paganismo romano ou ao barbarismo dos povos invasores?

Uma coisa é falar de forma compreensível a cada época e lugar sobre as Verdades Eternas e outra, bem diferente, é falar sobre as mentiras e meias-verdades que cada época ou lugar deseja considerar como verdades.

Catequese não é show-business. Ensinar catequese não é conformar as Verdades Eternas às modas passageiras.

Termino aqui com um trecho da ACERBO NIMIS, do Papa São Pio X: “Esta afinal, e não outra, é a tarefa do catequista: tratar de uma verdade de fé ou de moral cristão e explicá-la em cada uma de suas partes; e porque o objetivo do ensinamento é sempre a reforma da vida, é necessário que ele faça um confronto entre o que de nós exige o Senhor e o que de fato se opera; então, por meio de exemplos oportunos, extraídos sapientemente das Sagradas Escrituras, da História eclesiástica ou das vidas dos santos, persuadir e com que aditar como se devam conformar os costumes; e concluir com exortação eficaz, a fim de que os ouvintes sejam levados a detestar e fugir do vício e a exercitar a virtude.”

1. Para fazer DOWNLOAD DO LIVRO com os primeiros 19 posts sobre a Missa de Paulo VI (e algumas coisas mais) clique aqui.

2. Para ver outros comentários sobre a Missa nova, clique: Parte XX, ParteXXI, ParteXXII, ParteXXIII, Parte XXIV, A dissolução da catequese: Romano Amério conta como foi, Parte XXV, Parte XXVI.





07/11/2009

A MÁSCARA DO AGNÓSTICO

Do livro "A Coisa", publicado em 1929.

Gilbert Keith Chesterton

Sir Arthur Keith,[1] em suas recentes observações sobre a alma, “deixou o gato escapar da maleta”. Ele o deixou escapar daquela maleta elegante e profissional que é usada pelo “médico” a quem ele descreve como conscienciosamente compelido a afirmar que a vida da alma cessa com o último suspiro do corpo. Talvez a figura do gato não se adéqüe muito bem à maleta; o gato é um animal místico, cujas nove vidas podem muito bem representar a imortalidade, pelo menos na forma da reencarnação. De qualquer forma, ele “deixou o gato escapar da maleta”, no sentido de revelar um segredo que tais homens sábios deveriam sabiamente guardar. O segredo é que tais cientistas não falam como cientistas, mas simplesmente como materialistas.

Não faz muito tempo, em sua famosa conferência sobre antropóides no Congresso de Leeds, Sir Arthur Keith disse que falava simplesmente como o primeiro jurado de um júri. É verdade que ele aparentemente não consultou o júri; e rapidamente se tornou claro que o júri violentamente discordou; o que é pouco usual num júri, depois que o primeiro jurado entrega o veredito. Mesmo assim, usando essa imagem, ele quis alegar a completa imparcialidade de tipo jurídico. Ele quis dizer que um jurado está obrigado, por juramento, a considerar inteiramente os fatos e a evidência, sem medo ou favorecimento. E esse efeito seria centenas de vezes mais efetivo se tivéssemos a liberdade de imaginar que as simpatias pessoais do jurado estivessem do outro lado; ou, pelo menos, se não soubéssemos que elas estavam muito intensamente de um único lado. Sir Arthur deveria ser cuidadoso em preservar a impressão de que, falando estrita e unicamente como antropólogo, ele foi forçado a aceitar a seleção natural de antropóides. Ele deveria então deixar que se inferisse que, como um simples cidadão, ele estaria ansiando por visões seráficas e esperanças celestiais; estaria pesquisando as Escrituras e esperando pelo apocalipse. Ele, na vida privada, seria um mórmon multiplicando as estrelas em sua coroa celestial ou um carismático continuamente convulsionado pelo Espírito Santo. O problema foi que os fatos forçaram-no na direção da conclusão darwiniana. E um homem desse tipo, sendo forçado a aceitá-los, seria uma testemunha confiável, porque relutante. No julgamento de Darwin, o homem poderia ter simpatias para com o acusador, mas como jurado, seria forçado a apoiar o réu.

E agora, Sir Arthur Keith jogou fora toda aquela imparcialidade imperial. Ele fez um grande esforço para dogmatizar e estabelecer a lei sobre a alma; que não tem nada a ver com o assunto de sua especialidade, exceto na medida em que é assunto de todos. Mas mesmo não tendo relação com sua especialidade, serviu para mostrar a todos qual é o lado de Sir Arthur. Transformou o primeiro jurado num inequívoco advogado daquele lado. De fato, tal apoiador está mais para uma das partes da acusação do que de um advogado; pois toda a questão é que sendo um ser humano particular, ele, há muito tempo, tem um preconceito particular. De agora em diante, é óbvio que Keith decidir em favor de Darwin é simplesmente como Bradlaugh[2] decidir em favor de Darwin, ou Ingersoll[3] decidir em favor de Darwin, ou qualquer ateu, num banco no Hyde Park, decidir em favor de Darwin. Quando ELES escolhem o lado da seleção natural, podemos concordar que isso é uma seleção muito natural.

Quanto à conclusão em si, parece quase inacreditavelmente inconclusiva. A menos que as palavras de Sir Arthur Keith tenham sido muito distorcidas, ele afirmou especialmente que a existência espiritual acaba juntamente com as funções físicas; e que nenhum médico poderia conscienciosamente dizer nada diferente. Por mais que seja grave o ferimento chamado morte (que é, de fato, freqüentemente fatal), este é um caso em que, surpreendentemente, é desnecessário chamar um médico. Há sempre uma ironia, mesmo nas páginas simples de minhas histórias de detetive favoritas, no fato de que todo mundo corre para um médico tão logo estejam certos de que um homem está morto. Mas na história de detetive pode haver pelo menos algo a ser aprendido, pelo médico, a partir do cadáver. Na especulação doutrinal não há absolutamente nada; apenas a eterna história de detetive é confundida pelo doutor em medicina fingindo ser um doutor em divindade. A verdade é que toda essa história é mero blefe e mistagogia. O médico “vê” que a mente desapareceu com a morte. O que o médico vê é que o corpo não pode mais chutar, falar, espirrar, assobiar ou dançar. E um homem não precisa ser médico para perceber isso. Mas se o princípio de energia – aquele que o fez chutar, falar, espirrar, assobiar e dançar – existe ou não existe em algum outro plano de existência, disso o médico não sabe mais do que qualquer homem. E quando os médicos estão lúcidos, alguns deles (como um ex-cirurgião chamado Thomas Henry Huxley[4]) dizem não acreditar que médicos, ou quaisquer outros homens, sabem algo a respeito. Esta é uma posição inteligível; mas não parece ser a de Sir Arthur Keith. Ele se manifestou publicamente para NEGAR que a alma sobreviva ao corpo; e para fazer a extraordinária observação de que qualquer médico deve dizer o mesmo. É como se disséssemos que qualquer competente construtor ou sobrevivente devesse negar a possibilidade da Quarta Dimensão; porque ele aprendeu o segredo técnico de que um edifício é medido pela largura, profundidade e altura. A pergunta óbvia é: Por que mencionar um sobrevivente? Todo mundo sabe que tudo é, de fato, medido por três dimensões. Qualquer um que pense existir uma quarta dimensão o faz apesar de estar muito consciente que as coisas são medidas por três. Ou é como se um homem fosse responder a um metafísico berkeliano, que assegura que toda a matéria é uma ilusão da mente, dizendo: “Posso usar a evidência de um operário inteligente que realmente tenha de trabalhar com concreto sólido ou aço; e ele lhe dirá que eles são muito reais.” Devemos naturalmente responder que não precisamos de um operário para nos dizer que as coisas sólidas são sólidas; e é num outro sentido que o filósofo diz que elas não são sólidas. Igualmente, não há nada que possa fazer um médico materialista, exceto o que possa fazer qualquer homem materialista. E é quando um homem absorveu todo aquele materialismo óbvio que ele começa a usar sua mente. E, como alguns afirmam, ele não para mais.

Essa grande erupção anti-filosófica no campo filosófico foi, contudo, esclarecedora em certo sentido. Jogou alguma luz nas afirmações prévias do conferencista em áreas que ele tinha mais direito de fazê-las. Mesmo nestas coisas ele traiu uma curiosa simplicidade comum entre os cientistas oficiais. A verdade é que eles se tornam constantemente menos cientistas e mais oficiais. Eles desenvolvem aquele fino disfarce usado diariamente pelos políticos. Eles realizam diante de nós os mais habilidosos truques com a mais desastrada transparência. É como assistir a uma criança tentando esconder alguma coisa. Eles estão perpetuamente tentando nos enganar com grandes palavras e sábias alusões; na suposição de que nunca nos tornaremos sábios – nem mesmo da forma divertida e apequenada deles. Todo escritor famoso que nos troveja “Galileu” supõe que saibamos ainda menos que ele sobre Galileu. Todo pregador da ciência popular que nos atira uma longa palavra pensa que iremos consultar o dicionário e espera que não a estudemos seriamente, nem mesmo numa enciclopédia. O uso que eles fazem da ciência é assaz parecido com o uso que dela faz os heróis de certas histórias de aventura, em que o homem branco amedronta os selvagens com a previsão de um eclipse ou com a produção de um choque elétrico. Estas são, em certo sentido, verdadeiras demonstrações de ciência. Eles estão, em certo sentido, certos em dizer que são cientistas. Onde talvez estejam errados seja em supor que somos selvagens.

Mas é muito divertido para nós que assistimos a preparação que fazem para nos dar o choque elétrico, quando estamos seriamente esperando ser chocados pelo choque. É como uma piada, quando nós, os selvagens ignorantes, somos não só capazes de prever o eclipse, mas capazes de prever a previsão. Dentre os fatos que nos são familiares por um longo tempo está o de que os homens de ciência encenam e preparam seus efeitos como o fazem os políticos. Eles também o fazem muito mal – exatamente como os políticos. Nenhum desses modernos mistagogos perceberam quão transparentes se tornaram seus truques. Um dos mais familiares e transparentes deles é o que é chamado de uma “contradição oficial”. É uma estranha forma simbólica de declarar que algo ocorreu pela negação de que tenha ocorrido. Assim, reportagens sobre a ilibada reputação dos políticos são sempre publicadas depois de escândalos políticos de forma tão regular quanto a publicação dos “bluebooks”.[5] Assim, o “Right Honourable Gentleman”[6] espera que não lhe seja necessário contradizer o que o “Honourable Member”, com certeza, não poderia ter pretendido insinuar. Portanto, um membro do Gabinete do Primeiro Ministro nega publicamente que não há qualquer alteração na política do governo em relação a Damasco. E então, Sir Arthur Keith nega publicamente que não há nenhuma alteração na atitude científica em relação a Darwin.

E quando ouvimos isso, damos um suspiro de satisfação; pois todos sabemos o que ISSO significa. Significa mais ou menos o oposto. Significa que houve uma briga dos diabos dentro do partido sobre Damasco, ou, em outras palavras, que está começando a acontecer um escândalo dos diabos sobre os desacreditados darwinistas dentro da comunidade científica. A coisa curiosa é que no último caso, as autoridades não estão apenas solenemente expressando a contradição oficial, mas muito mais simplesmente supondo que ninguém perceberá que seja oficial. No caso da similar ficção política, os políticos não somente sabem a verdade, mas sabem que nós também sabemos. Todos sabem, pela fofoca que é repetida em todos os lugares, exatamente o que significa o acordo absoluto em tudo que se relaciona ao Primeiro Ministro e seus colegas. O Primeiro Ministro não espera realmente que acreditemos que ele é o sagrado e amado rei de uma irmandade de cavaleiros que lhe juraram fé e lhe entregaram seus corações, a ele somente. Mas Sir Arthur Keith realmente espera que acreditemos que ele é o primeiro jurado de um júri contendo todos os diferentes homens de ciência, todos em absoluta concordância que a opinião particular de Darwin seja “eterna”. Isto é o que chamei de segredo infantil e de truque desastradamente transparente. Esta é a razão de eu dizer que eles nem sequer sabem o quanto sabemos.

Pois o político é menos pomposamente absurdo que o antropólogo, mesmo que os testemos pelo que eles chamam de Progresso; que é apenas e principalmente uma outra palavra para Tempo. Todos conhecemos o otimismo oficial que sempre defende o governo atual. Mas isso é como uma defesa oficial de todos os governos passados. Se um homem dissesse que a política de Palmerston[7] é eterna, o acharíamos um pouco desatualizado. Ora, Darwin era figura proeminente no tempo de Palmerston; e está igualmente desatualizado. Se o Sr. Lloyd George[8] se levantasse e dissesse que o grande Partido Liberal não recuou de uma única posição assumida por Gobden e Bright,[9] os únicos Tribunos do Povo, concluiríamos relutantemente (se tal coisa fosse concebível) que ele falava asneiras a um povo ignorante em relação à história do partido. Se um reformador social afirmasse solenemente que toda filosofia social ainda procedesse estritamente dos princípios de Herbert Spencer, deveríamos saber que isto não é verdade e que somente uma autoridade absolutamente fossilizada poderia pretender que fosse. Ora, Darwin e Spencer não eram somente contemporâneos, mas camaradas e aliados; e a biologia darwiniana e a sociologia spenceriana foram consideradas como partes de um mesmo movimento, que nossos avós consideraram um movimento muito moderno. Mesmo considerada a priori como uma questão de probabilidade, parece portanto assaz improvável que a ciência daquela geração fosse algo mais infalível que sua ética ou política. Mesmo baseado nos princípios que Sir Arthur professa, parece muito estranho que não haja agora nada mais a ser dito sobre o darwinismo do que o que ele disse. Mas não precisamos apelar para aqueles princípios ou para aquelas probabilidades. Podemos apelar para os fatos. Por acaso, sabemos alguma coisa sobre os fatos; e Sir Arthur Keith não parece saber que sabemos.

Foi num jornal católico que certas afirmações foram feitas sobre o atual darwinismo; afirmações que o próprio Sir Arthur Keith se esforçou em contradizer; e sobre as quais o próprio Sir Arthur Keith se mostrou sensacional e desastrosamente errado. É provável que a história seja agora conhecida de todos os leitores do jornal; mas é provável que ela nunca chegue ao conhecimento da maioria dos jornalistas, e ela certamente não será comentada na maioria dos outros jornais. Ao tocar sobre essa controvérsia cômica, a maioria dos jornais são jornais de partido; e apóiam o líder do partido quando publicam a contradição oficial. Eles não deixam o público saber quão triunfantemente suas outras contradições foram contraditadas.

Quando o Sr. Belloc afirmou que esses darwinistas estavam desatualizados e desconheciam os avanços recentes da biologia, ele citou, dentre muitas autoridades recentes, o biólogo francês Vailleton, que nega a possibilidade da seleção natural num caso particular relacionado a répteis e aves. Sir Arthur Keith, vindo resgatar o Sr. H. G. Wells, e ansioso por provar que ele e o Sr. Wells não estavam desatualizados ou desconheciam a recente biologia, contraditou o Sr. Belloc categoricamente.[10] Disse que não havia tal afirmação no livro de Vialleton; em outras palavras, ele acusou o Sr. Belloc de ter citado erroneamente ou de ter mal-entendido o livro de Vialleton. Revelou-se assim, para a surpresa de todos, especialmente do Sr. Belloc, que Sir Arthur Keith não conhecia a existência do livro. Ele se referia a um trabalho anterior e preliminar do mesmo autor, publicado muito tempo atrás. Este foi o último trabalho de Vialleton que ele leu. A notícia do importante livro, do qual eu, um mero homem da rua, ignorante e não-científico, tinha ouvido falar pelo menos alguma coisa, não tinha caído aos ouvido de Sir Arthur. Em resumo, a acusação geral, que os darwinistas estão desatualizados, foi provada tão completamente quanto teria sido possível a qualquer controvérsia existente no mundo.

Agora, quando uma coisa dessas acontece, sobretudo quando acontece a nós, nas páginas de um jornal em que escrevemos, com um de meus próprios amigos, como se pode esperar que pessoas em nossas posições levem seriamente em consideração o discurso na abertura da Associação Britânica em Leeds? Como podemos manter um rosto sério, quando o Presidente faz uma pose, apontando para as estrelas, e declara que o darwinismo é igualmente eterno? Essa coisa não é dirigida a nós; mas aos repórteres; da mesma forma que a verdadeira história de Wells e Belloc é geralmente mantida fora das reportagens.

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[1] Sir Arthur Keith (1866 – 1955) foi um eminente anatomista e antropólogo escocês. (N. do T.)
[2] Charles Bradlaugh (1833 – 1891) foi o mais famoso ateu militante do século XIX na Inglaterra. (N. do T.)
[3] Robert G. Ingersoll (1833 – 1899), veterano da Guerra Civil americana, político, ateu militante e grande defensor do racionalismo científico e humanista. (N. do T.)
[4] Médico e biólogo inglês, principal defensor da teoria da evolução de Darwin. (N. do T.)
[5] Relatórios do governo inglês que são publicados regularmente. (N. do T.)
[6] Título aplicável à nobreza inglesa e também aos membros do Conselho Privado do Reino Unido. (N. do T.)
[7] Henry John Temple, 3º Visconde de Palmerston (1784 – 1865) – Político inglês que foi Primeiro Ministro de 1855 a 1858. (N. do T.)
[8] Político liberal inglês, único Primeiro Ministro inglês nascido no País de Gales. (N. do T.)
[9] Políticos radicais ingleses do séc. XIX. O Partido Liberal inglês surgiu de grupos radicais como os de Cobden e Bright. (N. do T.)
[10] Em contraposição ao livro “Outline of History”, a dupla Chesterton/Belloc escreveu vários livros. Chesterton escreveu uma de suas obras-primas, O Homem Eterno. Belloc manteve com Wells, na década de 1920, uma polêmica, que é aqui mencionada, que gerou vários livros: “Um complemento ao livro Outline of History do Sr. H.G. Wells”; “As Objeções do Sr. Belloc Ainda Persistem”, uma resposta ao livro-reposta de H.G. Wells, “As Objeções do Sr. Belloc”.

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Leiam, do livro "A Coisa": Por que sou católico, A Revolta contra as Idéias, A lógica e o tênis, Um pensamento simples, Raízes da Sanidade.

06/11/2009

Tradução deste blog na revista Conhecimento Prático: Literatura

O número 27 da revista "Conhecimeto Prático: Literatura" traz um artigo de Chesterton traduzido por este blog, juntamente com uma introdução preparada pelo pessoal da editora. Os modestos esforços deste blogueiro estão surtindo algum efeito, com a graça de Deus.

03/11/2009

Rudolph Allers no Jornal Mineiro de Psiquiatria

Outro dia, mencionei aqui o livro de Rudoph Allers que traz uma crítica arrasadora da psicanálise: Freud - Um estudo crítico da psicanálise.

Pois bem, em seu no. 31, o Jornal Mineiro de Psiquiatria traz a introdução deste livro. Vale a pena ler a introdução e, em seguida, comprar o livro. Consultem a Estante Virtual. Eu comprei minha cópia lá.