28/02/2015

A primeira frase da Metafísica e a humildade cristã: meditação quaresmal.

Diz a primeira frase da Metafísica de Aristóteles: todos os homens têm, por natureza, o desejo de conhecer. Santo Tomás de Aquino explica, em seu Comentário à Metafísica, esta primeira frase de Aristóteles.

   Há três razões para isso. A primeira é que cada coisa naturalmente deseja sua própria perfeição. Assim, a matéria deseja a forma, como todas as coisas imperfeitas desejam sua perfeição. Portanto, como o intelecto, pelo qual o homem é o que é, considerado em si mesmo é todas as coisas potencialmente, transforma-se realmente nelas somente por meio do conhecimento. Então, cada homem deseja o conhecimento tão como a matéria deseja a forma.
   A segunda razão é que cada coisa tem uma inclinação natural à desempenhar sua própria operação, como algo quente se inclina naturalmente a aquecer, e algo pesado a ser movido para baixo. Ora, a operação própria do homem como homem é compreender, e por isso ele difere de todas as outras coisas.
   A terceira razão é que é desejável por todas as coisas estarem unidas às suas fontes. (...) Ora, é somente por seu intelecto que o homem se torna unido às substâncias separadas, que são a fonte do intelecto humano e com as quais o intelecto humano se relaciona como algo imperfeito a algo perfeito. É por essa razão, também, que a felicidade última do homem consiste nessa união.

Mas já dizia São Paulo (1 Cor 8,1): “a ciência infla de orgulho”. Então, como lutar contra o orgulho, que é o dever de todo cristão, se possuímos esse desejo natural de conhecer? A resposta está na Imitação de Cristo, e é a única resposta que nos afasta de uma das três concupiscências, a concupiscência dos olhos. No capítulo “Do humilde pensar de si mesmo”, de Kempis nos ensina:

1.      Todo homem tem desejo natural de saber; mas que aproveitará a ciência, sem o temo de Deus? Melhor é, por certo, o humilde camponês que serve a Deus, do que o filósofo soberbo que observa o curso dos astros, mas se descuida de si mesmo. Aquele que se conhece bem despreza-se e não se compraz em humanos louvores. Se eu soubesse quanto há no mundo, porém me faltasse a caridade, de que me serviria perante Deus, que me há de julgar segundo minhas obras?
2.      Renuncia ao desordenado desejo de saber, porque nele há muita distração e ilusão. Os letrados gostam de ser vistos e tidos como sábios. Muitas coisas há cujo conhecimento pouco ou nada aproveita à alma. E mui insensato é quem de outras coisas se ocupa e não das que tocam à sua salvação. As muitas palavras não satisfazem à alma, mas uma palavra boa refrigera o espírito e uma consciência pura inspira grande confiança em Deus.



Temos o desejo natural de saber para nos aproximarmos de Deus. Se o operar desse desejo, pela desordem do Pecado Original, nos afasta d’Ele, que nos aproveita a ciência? Essa é uma boa meditação quaresmal.

24/02/2015

Somos pó: resposta a uma leitora.

A leitora Moniza pergunta:

Caro Prof. Angueth,
"Quanto tenho vivido? Como vivi? Quan­to posso viver? Como é bem que viva?"
Estou um pouco confusa sobre os quatro pontos que o Padre Antônio Vieira pede que levemos em consideração todos os dias poderia me explicar o significado de cada uma dessas perguntas? Como devo pensar e meditar cada uma delas?

Cara Moniza,
Salve Maria!

Quem sou eu para comentar Pe. Vieira! Preciso lê-lo todo ainda, principalmente seus 30 sermões sobre o Rosário, dos quais li só o primeiro.

Mas essas quatro perguntas fundamentam o que se chama o "exame de consciência" que todo católico deve fazer todos os dias da vida, além da meditação da própria morte. Aliás, este sermão nada mais é que uma grande meditação sobre nossa própria morte. As quatro perguntas podem ser resumidas numa só: o que tenho feito de minha vida e o que terei para mostrar quando, morto, passar pelo Julgamento Particular, na presença do Altíssimo, cara a cara com Ele. Temor e tremor, estes são os sentimentos de quem vive à espera de tão momentoso encontro.

Como diz Bernanos: "Mas qual é o peso de nossas chances, para nós que aceitamos, de uma vez por todas, a assustadora presença do divino em cada instante de nossas pobres vidas?"

Essa é a situação precária que todo católico vive. Com a virtude da Esperança sempre presente, mas com a presença das três concupiscências a nos desviar sempre de nosso maior objetivo. Somos pó e tudo que há de bom em nós vem de Deus. A única coisa que produzimos por nós mesmos é o pecado. Eis a precariedade de nossa situação.


Ad Iesum per Mariam.

18/02/2015

Quaresma 2015

Começa hoje a Quaresma. É o período mais importante do Ano Litúrgico, onde procuramos padecer com Nosso Senhor, e com Sua graça, Sua Paixão. A Cruz nos acompanhará até a Ressurreição.

O Ano Litúrgico é uma lição anual que a Igreja nos dá, uma espécie de Catecismo permanente a nos lembrar das Verdades fundamentais, aquelas que não devemos esquecer até nossa morte. A maior delas nos é ensinada na Quaresma: que somos pó e ao pó retornaremos. Nada melhor que hoje relembremos o sermão de Pe. Antônio Vieira, que nos fala sobre isso. Reproduzo abaixo esse extraordinário sermão, pedindo a Deus, como no Introitus da Missa de hoje:

Misereris omnium, Domine, et nihil odisti eorum quae fecisti, dissimulans peccata hominum propter paenitentiam et parcens illis: quia tu es Dominus, Deus noster.
Ps. Miserere mei, Deus, miserere mei: quoniam in te confidit anima mea. Gloria Patri.


SERMÃO DE QUARTA-FEIRA DE CINZA
(Igreja de S. Antônio dos Portugueses, Roma. Ano de 1672.)
Padre Antônio Vieira

Memento homo, quia pulvis es, et in pulverem reverteris.
Lembra-te homem, que és pó, e em pó te hás de converter.
I
O pó futuro, em que nos havemos de converter, é visível à vista, mas o pó presente, o pó que somos, como poderemos entender essa verdade? A resposta a essa dúvida será a matéria do presente discurso.

Duas coisas prega hoje a Igreja a todos os mortais, ambas grandes, ambas tristes, ambas temerosas, ambas certas. Mas uma de tal maneira certa e evidente, que não é necessário entendimento para crer: outra de tal maneira certa e dificultosa, que nenhum entendimento basta para a alcançar. Uma é presente, outra futura, mas a futura vêem-na os olhos, a presente não a alcança o entendimento. E que duas coisas enigmáticas são estas? Pulvis es, tu in pulverem reverteris: Sois pó, e em pó vos haveis de converter. 

Sois pó, é a presente; em pó vos haveis de converter, é a futura. O pó futuro, o pó em que nos havemos de converter, vêem-no os olhos; o pó presente, o pó que somos, nem os olhos o vêem, nem o entendimento o alcança. Que me diga a Igreja que hei de ser pó: In pulverem reverteris, não é necessário fé nem entendimento para o crer. Naquelas sepulturas, ou abertas ou cerradas, o estão vendo os olhos. Que dizem aquelas letras? Que cobrem aquelas pedras? 

As letras dizem pó, as pedras cobrem pó, e tudo o que ali há é o nada que havemos de ser: tudo pó. Vamos, para maior exemplo e maior horror, a esses sepulcros recentes do Vaticano. 

Se perguntardes de quem são pó aquelas cinzas, responder-vos-ão os epitáfios, que só as distinguem: Aquele pó foi Urbano, aquele pó foi Inocêncio, aquele pó foi Alexandre, e este que ainda não está de todo desfeito, foi Clemente. De sorte que para eu crer que hei de ser pó, não é necessário fé, nem entendimento, basta a vista. 

Mas que me diga e me pregue hoje a mesma Igreja, regra da fé e da verdade, que não só hei de ser pó de futuro, senão que já sou pó de presente: Pulvis es

Como o pode alcançar o entendimento, se os olhos estão vendo o contrário? 

É possível que estes olhos que vêem, estes ouvidos que ouvem, esta língua que fala, estas mãos e estes braços que se movem, estes pés que andam e pisam, tudo isto, já hoje é pó: Pulvis es

Argumento à Igreja com a mesma Igreja: Memento homo. A Igreja diz-me, e supõe que sou homem: logo não sou pó. O homem é uma substância vivente, sensitiva, racional. O pó vive? Não. Pois como é pó o vivente? O pó sente? Não. Pois como é pó o sensitivo? 

O pó entende e discorre? Não. Pois como é pó o racional? Enfim, se me concedem que sou homem: Memento homo, como me pregam que sou pó: Quia pulvis es? Nenhuma coisa nos podia estar melhor que não ter resposta nem solução esta dúvida. Mas a resposta e a solução dela será a matéria do nosso discurso. 

Para que eu acerte a declarar esta dificultosa verdade, e todos nós saibamos aproveitar deste tão importante desengano, peçamos àquela Senhora, que só foi exceção deste pó, se digne de nos alcançar graça.
Ave Maria.

Para continuar a ler clique aqui.


14/02/2015

Resposta ao nutricionista (será?) que não sabe ler

Aprendi com Olavo de Carvalho, entre outras muitíssimas coisas, que os debatedores idiotas mostram sua idiotice no momento em que abrem a boca. Seu conselho é: leia-os com atenção, com respeito, e depois é só seguir os seus raciocínios para descobrir as inconsistências abundantes no que escrevem, falam e gritam. Em geral, não sabem escrever, nem falar; e se gritam, bem, aí não dá para escutar.

Escrevi um post sobre a frutose, não a substância em si, mas sobre o uso de pesquisas ditas científicas para enganar e gerar políticas restritivas que geralmente atingem os tais industriais capitalistas, cujo único objetivo é destruir a humanidade, como todos sabem.

Bem, depois da história, a área mais repleta desses ideólogos travestidos de cientistas é a nutrição (inclui-se aqui a busca de substâncias maléficas à saúde e a tal de epidemiologia, que serve tão bem ao mal uso que dela fazem). Se quiserem ter uma ideia da coisa, há um estudo muito bom sobre isso aqui.

Pois é, mas um leitor me envia o seguinte comentário ao post da frutose:

Nessa vc podia ficar calado, não tem conhecimento de nutrição para falar essas coisas. Sim, a frutose aumenta a glicose no sangue, liberando insulina, e assim aumentando a massa gorda (até mais que a gordura saturada).

O “nessa vc podia ficar calado”, na verdade o correto é “nesta”, o leitor prova de imediato que não leu o que escrevi e que está usando o argumento “ad hominem”, como fazem os que não sabem e não podem discutir. O indivíduo quis dizer que como, ele pensa, não entendo nada de nutrição, eu deveria ficar calado, vendo os cientificistas nos enganarem. No post, eu não discuto a ciência da bioquímica (pois nutrição não é ciência), mas o uso indevido que dela fazem alguns. A isso o indigitado não responde e ainda por cima pretende me dar uma aula de bioquímica. Eu pergunto, o que tem isso a ver com o que eu escrevi? Significa que o comentarista apoia o estudo e suas conclusões? Afirma que é possível tirar tanta conclusão estatística com a mirrada amostragem estudada? Aviso ao bobão: de estatística eu entendo um pouquinho. Aliás, recomendo fortemente aos interessados a leitura do extraordinário livro How to lie with estatistics. Voltando ao assunto: será que o rapaz (ou garota) que não sabe ler está afirmando que devemos limitar o uso da frutose em alimentos industrializados?

Tudo isso fica como conjectura, pois o espertinho quis mesmo foi atacar minha presumível ignorância a respeito da bioquímica de alimentos, da qual nada comentei e da qual, devo dar razão a ele, não entendo nada.


São assim os militantes anti-qualquer coisa; como não têm argumentos, usam o velho esquema da erística de Schopenhauer, da qual, devo dizer novamente, conheço alguma coisinha.