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05/09/2013

Sentenças de São Bernardo - IX

1. Os cristãos tomaram o nome de Cristo, e isto é laborioso, pois os agraciados com esse nome devem ser imitadores da santidade. Há três coisas que se nos manifestam em Cristo e que devemos praticar como todo o empenho: condenar vigorosamente a vaidade do mundo, pois também Jesus fugiu para que a multidão não Lhe proclamasse rei; [Jo 6, 15] exercitar-se virilmente na paciência, pois Jesus morreu como um cordeiro; [Is 53, 7] e cultivar verdadeiramente a dupla caridade, porque Jesus rezava por seus inimigos. [Lc 23, 34] 
 
2. A humildade tem sete graus descendentes: a renúncia aos bens, a exemplo dos apóstolos; [Mt 10, 9-10; Mc 6, 8-9; Lc 9,3; 10,4] a rudeza ao vestir, como Elias [2 Reis 13] e João; [Mc 14, 52] o exercício corporal, como Paulo; [2 Cor 11] a indiferença na prosperidade, como David pobre e rei; a paciência na adversidade, como Jó e Tobias; a aversão à própria opinião e aos frutos da vontade própria.  
 
3. Estas são as armas da virtude para combater contra o mal: o conhecimento total do pecado que expele as obscuridades do prazer; a aflição penitencial com que se enfrenta os encantos da carne; a confissão humilde e sincera, antídoto da iniquidade; a correção suficiente e digna pela mutação da vontade anterior; e o pleno êxito da perseverança, consumado pela vigilância perfeita da santidade. 

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07/05/2013

Sentenças de São Bernardo - VIII

1. Todos os justos são como árvores plantadas no tempo certo no meio da Igreja. Devem dar frutos permanentes de vida. Deve-se encontrar um lugar apropriado, com água que o fecunde e dê a seu tempo[Sl 1, 3] o fruto da vida. Há três correntes de água:[Sl. 1, 3] os incentivos das Escrituras, que com ameaças e promessas suscitam uma vontade digna no homem. Os carismas proporcionam a fecundidade de obras ao homem espiritual, superando sua animalidade, dotando-o de boas disposições, ensinando-o toda a verdade, [Jo 16, 13] proporcionando-lhe toda a fecundidade das obras. Por último, o orvalho das lágrimas, que brindam profusamente a perseverança, infiltrando-se com sua umidade nas artérias da intenção e dos propósitos, pra que não pereça a árvore da fidelidade. O que está plantado junto a essas correntes de água dará seu fruto todos os meses, e suas folhas curarão as gentes.[Apc 22, 2] 

2. Nem todos os ébrios se embriagam do mesmo modo. Há um vinho da maldade produzido pela uva da amargura.[Deut 32, 32] Sua origem remonta ao diabo, que deu de beber ao gênero humano a amargura do pecado e da morte. Com este vinho se embriagam os perversos, que se tornaram semelhante àquele. Há outro vinho da contrariedade, feito das videiras silvestres da condição humana, e se ofereceu a Nosso Senhor como vinagre[Jo 19, 29] da iniquidade, em lugar do vinho. Todo aquele que se embriaga com ele, não injustamente, mas por razão de seu pecado, comprovará que Deus padeceu por isto. Há um vinho da graça, que brota do ramo de mirra,[Cant 1, 13] isto é, da liberalidade do Criador. Este é o mosto que adormece os filhos do esposo e que se guarda em odres novos.[Mt 9,17]
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15/04/2013

Sentenças de São Bernardo - VII

1. Os caminhos que nos levam à morte são três: uns miseráveis, outros laboriosos e os terceiros, voluptuosos. São miseráveis os dos pobres, que se gabam em sua pobreza com espirito prepotente e soberbo. Estes são levados da indigência espiritual à miséria eterna. São laboriosos os caminhos dos avaros e cobiçosos, que se debatem miseravelmente entre a ansiedade dos mais variados afãs e se esquecem de buscar os interesses de Deus;[1] sufocando-se com os ardores da avareza, chegam ao fim da vida oscilando entre a inquietude temporal e as angustias da fadiga eterna. São voluptuosos os dos ricos de vida deleitosa; alimentam seus corpos e desejos nas delícias e prazeres, e depois dos deleites momentâneos e dos encantos efêmeros são levados para as amarguras eternas. 
 
2. O caminho estreito que leva à vida[2] admite, por si mesmo, uma tríplice distinção: um é sangrento, outro purpúreo e outro lácteo. Sangrento é o dos mártires, que lavaram os vestidos de seus corpos no sangue do Cordeiro[3] e pelo caminho do martírio chegaram ao trono do triunfo mais sublime. É purpúreo o dos confessores, que renovaram em sua carne as pegadas da Paixão do Senhor pela abstinência e levarão em seus corpos os estigmas das feridas de Cristo. É lácteo o das virgens, que consagraram em si mesmas a brancura da pureza angélica e as virtudes da santidade, e pelo caminho da pureza voarão felizmente com as asas das virtudes ao abraço e ao leito nupcial do verdadeiro esposo.
 
3. Há quatro tipos de vontade humana: ela pode ser árida, reta, devota e ditosa. É árida nos réprobos e mundanos, cujos corações de modo algum se encharcam do orvalho da graça. Reta é nos principiantes, que abandonam as tortuosidades da vida anterior e se alçam à prática das boas obras por meio da transformação da vontade. É devota nos avançados, que por meio da oração assídua se elevam com ousadia ao amor das boas obras. É ditosa nos perfeitos, que quase sempre pensam em Deus e põem n’Ele a meta de seu desejo. Entre a vontade árida e a reta está um abismo que ninguém, mesmo desejando, pode saltar:[4] se trata da intenção perversa. Entre a reta e a devota está o hábito enraizado. Entre a devota e a ditosa, a afeição corporal. Estas três realidades são como pedras atravessadas no caminho de nossas ações e impedem que progridamos nas virtudes.
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Ver também: Sentenças de São BernardoSentenças de São Bernardo - II, Sentenças de São Bernardo III, Sentenças de São Bernardo IV e Sentenças de São Bernardo V, Sentenças de São Bernardo VI.



[1] 1Cor 7, 34.
[2] Mt 7, 14.
[3] Ap 7, 14.
[4] Lc 16, 26.

30/11/2012

Sentenças de São Bernardo - VI


1. Para ascender desde o vale do pranto devemos perseguir e aspirar sempre o sublime. Terra deserta, intransitável e sem água.[1] Existem três desertos: o da vaidade momentânea, que devemos desprezar com a sobriedade de vida. Convém-nos sair desse deserto, como está escrito: Quem é esta, que sobe do deserto inebriada de delícias, apoiada sobre o seu amado?[2] Inebriamo-nos de delícias com a prática de muitas virtudes. Apoiamos-nos no amado quando atribuímos a Deus nossas boas ações. Há outro deserto: o da humildade pela simplicidade cristã, chamada deserto, porque quase nenhum imitador de Cristo se preocupa em praticá-la. Necessitamos nos adentrar nesse deserto. Por isso se diz: Que é isto, que sobe do deserto, entre colunas de fumaça, exalando mirra e incenso, e toda a sorte de aromas?[3] Subimos como coluna de incenso quando nos adestramo-nos na prática das virtudes e da disciplina e, ademais, animamos os outros a fazer o mesmo. Existe ainda outro deserto: o da integridade ou simplicidade da inocência mais pura. A ele devemos subir, já que temos de suspirar pela verdadeira pureza para sermos santos de corpo e espírito. Subamos, portanto, desde o deserto da vaidade momentânea através do deserto da mais humilde simplicidade, até o deserto da mais irrepreensível pureza.

2. Nosso Senhor dispõe de flechas com que fere seus inimigos e os vence com a força de Seu braço. Há três classes de flechas que atravessam os inimigos: o desencanto do dinheiro perdido, porque muito se consome aquele que perdeu as riquezas como meio de vida e promotor de prazeres. Em seguida, há a peste das moléstias corporais que açoitam com a dor física. Assim se fecha todo o caminho a quem quer se precipitar no pecado. Em seguida, vem o martírio da representação infernal. Quando alguém se imagina rodeado por todos os lados com o peso das penas corporais, estende os olhos até essa angústia sem fim e considera com temor o horrível forno de fogo.

3. Há outras três flechas; com elas Deus traspassa inclusive a quem convida a participar da doçura de seu amor. A primeira é o temor casto. Assim se chama porque ordena o escravo que tema ao Senhor, e o persuade, advertindo-o sem cessar, a que evite o ilícito por respeito ao Senhor. Segue o amor de veneração, que coroa a inteligência e a inflama com o fogo de um amor suavíssimo. Por fim, a força do desejo, que, com uma tênue brisa a soprar na capacidade da consciência, se consome esquecendo-se de tudo, e suspira só pelo rosto do Criador, o único que satisfaz o alcance de seus desejos.

4. As sentenças e exortações dos Santos Padres nos admoestam a bem pensar, a bem falar e a bem fazer. Porque quem pensa bem goza de uma inteligência honesta, humilde e piedosa, que não se mancha nunca, não se compraz em nada soberbo e não constrói nada cruel. Se aquele que se expressa o faz com correção, humildade e transparência, quem escuta o faz com agrado; e aquele que fala não se incha com as habilidade de sua eloquência, nem pretende encobrir nada com o adereço da dissimulação ao longo da conversação. Toda obra reta, piedosa e recatada supõe já algo puro que exala inocência, destila misericórdia e não ofende nem molesta a quem a observa.
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14/10/2012

Sentenças de São Bernardo - V


1. Os homens possuem três estados de vida: o de não pecar, que é próprio do amor servil; o de não querer pecar, sintoma do amor filial; e o de não poder pecar, efeito da felicidade sem fim.

2. Quatro coisas intensificam a graça de nossa devoção: a memória dos pecados, que faz o homem humilde consigo mesmo; a recordação do castigo, que o estimula a agir bem; a consideração de que é um peregrino, que o encoraja a desdenhar as coisas visíveis; o desejo de vida eterna, que o incita à perfeição e o força a manter-se livre frente às afeições terrenas por meio do controle da vontade.

3. Deus educa a torpeza de nossa ignorância de três modos: pela generosidade de seus benefícios, que abranda a dureza de nossa alma e a estimula ao amor; pela severidade de seus castigos frequentes, ajudando-nos a compreendê-los intelectualmente, infundindo-nos assim o temor; pela afronta pública do desprezo, que com sua ignomínia nos ruboriza e envergonha.

4. Três causas movem e excitam nossa carne: o pensamento prévio, que arrasta para o interior formas e imagens ilícitas e nos agita com seus caprichos; a insaciabilidade excessiva, que dilata o ventre com a acumulação de alimentos e provoca a carne lasciva com movimentos luxuriosos; os embates do espírito mau, que se reconhece totalmente incapaz de dobrar os justos e com eles se enfurece valendo-se da solicitação carnal.

5. A autoridade das Escrituras nos proíbe de pensar mal,[1] falar mal[2] e fazer mal.[3] Pensar mal é uma imundície, porque se revolvem na memória assuntos sujos e impuros; ou é soberba, se se enaltece e se infla sentindo-se superior aos demais; ou é ambição, se se cobiça algo alheio contra o mandamento de Deus, por instigação do diabo. É evidente que alguma destas três atitudes se infiltra nos maus pensamentos. A maledicência é algo carente de fundamento, que não tem sentido nem é conveniente; ou é palavra difamatória, que calunia as qualidades do irmão pela corrosão da inveja ou do ódio instintivo; ou é palavra aduladora, porque massageia a cabeça do outro com o unguento de falso perfume. Em toda obra má há fingimento se nosso proceder se mostra oposto a nosso sentir interior; há crueldade se ofendemos nosso próximo; impudicícia, se nos manchamos de algum outro modo.




[1] Mt 9:4 e 1Cor 13:5.
[2] Rom 12:14 e Ecl 2:14.

18/09/2012

As Sentenças de São Bernardo IV


1. Aquele que quer agradar perfeitamente a Deus deve resplandecer em castidade e em caridade. A castidade abarca os cinco sentidos: os ouvidos, os olhos, o olfato, o paladar e o tato. A caridade se manifesta de quatro maneiras. Segundo o Apóstolo, tudo desculpa, não é suspicaz, tudo espera, não hesita, tudo sofre, não murmura, tudo suporta,[1] não é impaciente. Estas nove qualidades configuram a perfeição de quem as possui perfeitamente e se associa, já nesta vida, aos coros angélicos. Por isso diz o Apóstolo: nossa pátria encontra-se nos céus.[2] E eu diria que um homem que vive assim supera em mérito ao anjo, pois o anjo as possui por dignidade e o homem as alcança por virtude.

2. A criatura racional, para ser ditosa, tem de amar-se a si mesma e a Deus, o único que pode cobri-la de felicidade. Seu perseguidor e inimigo trabalha precisamente para corrompê-la em ambas as disposições. Corrompe e perverte sua disposição corporal mediante o apetite da gula e o fluxo da luxúria. O asno da carne, agitado por estes dois aguilhões, se lança ao precipício da morte. Ataca com armas invisíveis a disposição espiritual do homem e a viola como uma peste dupla: corrompendo-a com o tumor da soberba e a mácula da avareza. Deste modo, põe a perder toda a massa pela mistura desse fermento[3] e toma do homem a felicidade que ele perdera.

3. Nesta vida, prestamos nosso acatamento à carne, ao mundo e ao diabo, ou a Deus. Militamos a favor da carne, quando nos sujeitamos aos incentivos da gula e acedemos aos estímulos da luxúria. Militamos a favor do mundo, quando fomentamos nossa desmedida avareza e acariciamos a sublimidade da fama. Militamos a favor do diabo se invejamos a quem progride no bem e nos inchamos com espírito de soberba perante Deus. Militamos a favor de Deus se lutamos humildemente com nossas boas obras e combatemos com espírito vigoroso contra os espíritos malignos. Cada um deles dispõe de recompensas especiais: a carne oferece a seus adeptos um prazer momentâneo; o mundo, uma glória fugaz; o diabo, uma escravidão perpétua; Deus, uma felicidade sem fim. É o único que prevalece.



[1] 1 Cor 13:7.
[2] Fil 3:20.
[3] 1 Cor 5:6.


Ver também: Sentenças de São BernardoSentenças de São Bernardo - II e Sentenças de São Bernardo III.

13/07/2012

Sentenças de São Bernardo - III

1. Ama o teu próximo como a ti mesmo.[1] Cada qual deve amar o próximo como a si mesmo; de tal forma que, mediante o consolo do serviço, a informação da verdade ou a exigência da ordem estimule o homem a honrar a Deus. Quem se devota a isso com discernimento é um sábio. Aquele que não se desanima com qualquer contrariedade é valente. Quem não age por deleite algum é sóbrio, e se assim o faz sem nenhuma altivez é honesto.

2. Quatro coisas impedem a confissão: o medo da renúncia, a vergonha do menosprezo, a ilusão de receber benefícios e honras se for considerado inocente, o medo de perdê-los se for apontado culpado.

3. A unidade se conserva com três coisas:[2] paciência, humildade e caridade. O soldado de Cristo deve estar armado com elas: com a paciência, como escudo que lhe cobre e protege contra toda a adversidade; com a humildade, como couraça que conserva seus sentimentos internos;[3] com a caridade, como lança com a qual, como disse o Apóstolo, atacando a todos com a audácia da caridade[4] e fazendo tudo para todos,[5] trava o combate do Senhor.[6] Convém também colocar o elmo da salvação,[7] que é a esperança, para proteger e conservar a cabeça, isto é, a mente. Tampouco deve faltar a espada da palavra de Deus[8] e o cavalo dos bons desejos.

4. A morte e a vida são as duas últimas referências. Lançamos-nos a elas com duas asas: o temor e a esperança. Cobrimos os pés com outras duas: a penitência do coração e a confissão verbal, conforme está escrito: a fé interior obtém a reabilitação, e a confissão pública, a salvação.[9] Duas asas cobrem a cabeça: o amor de Deus e do próximo. Por isso, nos diz o Apóstolo: se perdemos a cabeça, é por Deus; se estamos em são juízo, é por vós.[10]

5. Há uma soberba cega, outra vã, outra cega e vã. É cega quando o homem se atribui o que não tem. É vã quando se gloria de que outros lhe atribuam o que não possui. É cega e vã quando se gloria se si mesma de um bem que não possui e busca o aplauso dos outros.

6. Há uma humildade idônea, outra fecunda e outra extraordinária; a idônea se submete ao superior e não se antepõe aos iguais. A fecunda se submete ao semelhante e não se antepõe ao inferior. A extraordinária se sujeita ao inferior. Donde a palavra do Senhor a João: Deixa por ora, pois assim convém que cumpramos toda a justiça.[11]

Obras Completas de San Bernardo, vol. VIII, BAC Editorial.

Ver também Sentenças de São Bernardo e Sentenças de São Bernardo - II.


[1] Mt 19,19.
[2] Ef 6, 16.
[3] Ef 6, 14.
[4] Hb 10, 24.
[5] 1Cor 9, 22.
[6] Ex 17, 16.
[7] Ef 6, 17.
[8] Ef 6, 17.
[9] Rom 10, 10.
[10] 2Cor 5, 13.
[11] Mt 3, 15.

20/06/2012

Sentenças de São Bernardo - II


1. Evitem sobretudo a murmuração, irmãos. Talvez alguns a consideram um pecado insignificante. Não pensava assim quem advertia que ninguém se envolve com ela à toa. Não o considerava leve aquele que declarava aos críticos: Não haveis murmurado contra nós, mas contra o Senhor; nós, porém, o que somos?[1] Nem aquele que disse: Nem murmureis como murmuraram alguns deles e foram mortos pelo exterminador.[2] O exterminador, colocado nas próprias portas daquela cidade para repelir as maldições e afastá-las de suas fronteiras. A ela, de fato, disse: Louva, ó Jerusalém, o Senhor; louva, ó Sião, o teu Deus. Foi ele que estabeleceu a paz nas tuas fronteiras.[3] Não há nada em comum entre a murmuração e a paz, a ação de graças e a detração, o zelo amargo e o elogio. Bastam estas três sugestões na boca destas três testemunhas notáveis para que aprendamos a evitar completamente a praga da murmuração.

2. Os homens se aplicam ao estudo por cinco razões: Há os que gostam de saber só por saber; e é curiosidade ignóbil. Outros há que desejam saber para serem conhecidos; e é indigna vaidade. E há também os que desejam saber para vender a sua ciência, por exemplo, por dinheiro, pelas honras; e é vergonhosa mercadoria. Mas há ainda os que querem saber, para edificar, e é caridade. E, finalmente, os que desejam saber para serem educados; e é prudência.

3. É comum duvidar-se se o amor a Deus precede no tempo o amor ao próximo, porque parece que não podemos amar ao próximo por Deus se antes não amamos a Deus. Ou que o amor a Deus supõe o amor ao próximo, como está escrito: Aquele que não ama seu irmão, a quem vê, como pode amar a Deus, a quem não vê?[4] Devemos saber que o amor de Deus se pode conceber de dois modos: como algo inicial ou como algo já maduro. O homem começa a amar a Deus antes que ao próximo; mas já que este amor não pode amadurecer se não se alimenta e cresce por amor ao próximo, é necessário amar ao próximo. Portanto, o amor a Deus precede ao outro amor no início; mas é inseparável do amor ao próximo para dele se alimentar. Se alguma vez te confiarem a missão de governar, exija e repreenda com amor, com caridade, buscando a salvação eterna, para que, condescendendo com a fraqueza, não se malogre uma vida. Atue deste modo mesmo que tenhas de suportar a quem recusa toda disciplina, por desconhecer tua autoridade. Ordene e fique tranquilo; que o Senhor fará justiça e defenderá a todos os oprimidos. Se te mostras compassivo, Ele terá misericórdia contigo. Seja compassivo, pois não ficará impune a injúria que padeces. A mim me pertence a vingança, eu retribuirei, disse o Senhor.[5]

Obras Completas de San Bernardo, vol. VIII, BAC Editorial.



[1] Ex 16, 8
[2] 1 Cor 10,10
[3] Sl 147, 12;14.
[4] 1Jo 4, 20.
[5] Rom 12, 19.

11/06/2012

As Sentenças de São Bernardo.


São Bernardo de Claraval deixou uma obra extensa em que constam 358 sentenças. Segundo Pe. Leclercq, esta é a parte mais modesta, mais desconcertante e menos conhecida de toda a obra do santo.[1]

As sentenças são um gênero literário muito usado na Idade Média na literatura sapiencial. Hugo de São Vitor, que era contemporâneo de São Bernardo, escreveu a Summa Sentenciarum, uma coletânea de sentenças de várias origens. As Sentenças de Pedro Lombardo ocupou lugar de destaque na educação do século XII e XIII, chamando a atenção de ninguém menos que Santo Tomás de Aquino, que escreveu comentários sobre tais sentenças.

Seguem abaixo quatro das sentenças de São Bernardo, o Doutor Melífluo, como lhe intitulou Pio XII, numa encíclica de mesmo nome, em comemoração aos oitocentos anos de morte do santo, em 1953. Elas nos dão o sabor da mística do santo que foi considerado o último dos Padres da Igreja. Dão-nos também o sabor da literatura católica medieval, plena do imaginário católico que atingirá seu apogeu no século seguinte ao de São Bernardo, o século de Santo Tomás de Aquino, de São Boaventura, de Santo Alberto Magno, de São Francisco de Assis.

Traduzo a partir do texto em espanhol da edição bilíngue da BAC Editorial, vol. III, das Obras Completas de San Bernardo.
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1.  Há três testemunhas no céu: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Três na terra: o espírito, a água e o sangue. E três nos abismos. Lemos em Isaías: Seu verme não morrerá e o seu fogo não se extinguirá.[2] Dois são os males: o verme e o fogo. O verme corrói a consciência; o fogo incinera os corpos. E acima de tudo, o desespero, subentendido nas palavras não morrerá e nem se extinguirá. É assegurado um testemunho de felicidade aos moradores do céu, de perdão aos habitantes da terra e de condenação a quem habita os abismos. O primeiro testemunho é de glória, o segundo de graça e o terceiro de violência.

2.  A morte dos pecadores é péssima.[3] É desgraçada porque abandonam o mundo e não podem separar-se sem dor daquilo que amam. É mais desgraçada ainda pela decomposição do corpo, porque os espíritos malignos o arrancam da alma. É horrorosa pelos tormentos do Inferno. Ali, corpo e alma são jogados no fogo eterno. Ao contrário, a morte dos bons é ditosa, porque é descanso das fadigas, gozo de delícias desconhecidas e segurança pela eternidade.

3. A missão do pastor é vigiar as ovelhas em três aspectos: na disciplina, na defesa e na oração. Na disciplina, devido à corrupção dos costumes, para que o rebanho que lhe é confiado não sofra por sua própria inquietude. Na defesa, por causa dos ataques diabólicos, para que não caia nas ciladas do inimigo. Na oração, por suas contínuas tentações, para que não se encolha de medo. Que o rigor da justiça brilhe na disciplina, o espírito de conselho, na defesa, e na oração, o afeto da compaixão.

4. O Criador de todas as coisas criou duas criaturas com capacidade de conhecê-Lo: o homem e o anjo. A fé e a memória fazem justo o homem. A inteligência e a presença fazem ditoso o anjo. Porque o homem será um dia como o anjo, é necessário que agora ele se santifique mediante a fé. E que pela fé fortaleça sua inteligência. Pois está escrito: Se não crerdes, não entendereis.[4] A fé se orienta à inteligência. Pela fé se purifica o coração para que a inteligência veja Deus. Igualmente, a recordação de Deus se abre à Sua presença. Quem aqui recorda e pratica os mandamentos de Deus, ali merece também gozar um dia a Sua presença. Que gozem os anjos no céu a presença e o conhecimento de Deus. E que também nós conservemos a fé e Sua recordação nesta vida.


[1] Talante Sapiencial de las Sentencias Bernadianas a la Luz de la Escatologia, Juan Maria de la Torre, introdução do Vol. III das Obras Completas de San Bernardo, BAC Editorial, 1993.
[2] Is 66,24.
[3] Sl 33, 22.
[4] Is 7, 9.