São Bernardo de Claraval deixou uma obra extensa em que
constam 358 sentenças. Segundo Pe. Leclercq, esta é a parte mais modesta, mais
desconcertante e menos conhecida de toda a obra do santo.
As sentenças são um gênero literário muito usado na Idade
Média na literatura sapiencial. Hugo de São Vitor, que era contemporâneo de São
Bernardo, escreveu a Summa Sentenciarum,
uma coletânea de sentenças de várias origens. As Sentenças de Pedro Lombardo ocupou
lugar de destaque na educação do século XII e XIII, chamando a atenção de
ninguém menos que Santo Tomás de Aquino, que escreveu comentários sobre tais
sentenças.
Seguem abaixo quatro das sentenças de São Bernardo, o Doutor
Melífluo, como lhe intitulou Pio XII, numa encíclica de mesmo nome, em
comemoração aos oitocentos anos de morte do santo, em 1953. Elas nos dão o
sabor da mística do santo que foi considerado o último dos Padres da Igreja. Dão-nos
também o sabor da literatura católica medieval, plena do imaginário católico
que atingirá seu apogeu no século seguinte ao de São Bernardo, o século de
Santo Tomás de Aquino, de São Boaventura, de Santo Alberto Magno, de São
Francisco de Assis.
Traduzo a partir do texto em espanhol da edição bilíngue da
BAC Editorial, vol. III, das Obras
Completas de San Bernardo.
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1. Há três testemunhas no céu: o Pai, o Filho e o
Espírito Santo. Três na terra: o espírito, a água e o sangue. E três nos
abismos. Lemos em Isaías: Seu verme não
morrerá e o seu fogo não se extinguirá.
Dois são os males: o verme e o fogo. O verme corrói a consciência; o fogo
incinera os corpos. E acima de tudo, o desespero, subentendido nas palavras não morrerá e nem se extinguirá. É
assegurado um testemunho de felicidade aos moradores do céu, de perdão aos
habitantes da terra e de condenação a quem habita os abismos. O primeiro
testemunho é de glória, o segundo de graça e o terceiro de violência.
2. A morte
dos pecadores é péssima.
É desgraçada porque abandonam o mundo e não podem separar-se sem dor daquilo
que amam. É mais desgraçada ainda pela decomposição do corpo, porque os
espíritos malignos o arrancam da alma. É horrorosa pelos tormentos do Inferno.
Ali, corpo e alma são jogados no fogo eterno. Ao contrário, a morte dos bons é
ditosa, porque é descanso das fadigas, gozo de delícias desconhecidas e
segurança pela eternidade.
3. A missão do pastor é vigiar as ovelhas em três
aspectos: na disciplina, na defesa e na oração. Na disciplina, devido à
corrupção dos costumes, para que o rebanho que lhe é confiado não sofra por sua
própria inquietude. Na defesa, por causa dos ataques diabólicos, para que não
caia nas ciladas do inimigo. Na oração, por suas contínuas tentações, para que
não se encolha de medo. Que o rigor da justiça brilhe na disciplina, o espírito
de conselho, na defesa, e na oração, o afeto da compaixão.
4. O Criador de todas as coisas criou duas
criaturas com capacidade de conhecê-Lo: o homem e o anjo. A fé e a memória
fazem justo o homem. A inteligência e a presença fazem ditoso o anjo. Porque o
homem será um dia como o anjo, é necessário que agora ele se santifique
mediante a fé. E que pela fé fortaleça sua inteligência. Pois está escrito: Se não crerdes, não entendereis.
A fé se orienta à inteligência. Pela fé se purifica o coração para que a
inteligência veja Deus. Igualmente, a recordação de Deus se abre à Sua
presença. Quem aqui recorda e pratica os mandamentos de Deus, ali merece também
gozar um dia a Sua presença. Que gozem os anjos no céu a presença e o conhecimento
de Deus. E que também nós conservemos a fé e Sua recordação nesta vida.