Há na Universidade Federal de Minas Gerais, universidade em que sou professor, uma campanha muito meritória de preservação do acervo de livros de suas bibliotecas. Contudo, a campanha veicula uma frase que, desde a primeira leitura, me pareceu estranha e não me saiu da cabeça. Alguém poderia dizer que a campanha foi um sucesso, pois permaneceu na cabeça da comunidade e isso é, de fato, o objetivo da campanha.
Mas, na verdade, ela me ficou na cabeça por um descompasso metafísico nela contido. A campanha diz: PRESERVE A NATUREZA DO LIVRO. Pensei com meus botões: como posso preservar O livro? "O" livro não existe na natureza e, portanto, não pode ter sequer natureza a ser preservada.
De metafísica entende Aristóteles e não eu. Daí, diz o filósofo, na Metafísica (logo no Livro I, capítulo I): "a experiência é conhecimento dos particulares, enquanto a arte é conhecimento dos universais; ora, todas as ações e as produções referem-se ao particular. De fato, o médico não cura o homem a não ser acidentalmente, mas cura Cálias ou Sócrates ou qualquer outro indivíduo que leva um nome como eles, ao qual ocorra ser homem." (Tomo aqui a edição bilíngue da Metafísica de Giovanni Reale, vol. II, tradução para o português de Marcelo Perini, Edições Loyola, 2005).
Podemos dizer, com Aristóteles, que o leitor não preserva o livro, mas tal ou qual livro, tal ou qual objeto que ocorra ser livro e estar sob sua responsabilidade. Em seguida, o filósofo nos alerta: "Portanto, se alguém possui a teoria sem a experiência e conhece o universal mas não conhece o particular que nele está contido, muitas vezes errará o tratamento, porque o tratamento se dirige, justamente, ao indíviduo particular."
Assim, sejamos rápidos em corrigir a frase da campanha: PRESERVE A NATUREZA DOS LIVROS. Aí sim, preservemos a natureza (isto é, a integridade) dos livros individuais que existem nas bibliotecas da UFMG. Estes têm natureza a ser preservada.
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