13/11/2009

Pequeno exercício de metafísica

Há na Universidade Federal de Minas Gerais, universidade em que sou professor, uma campanha muito meritória de preservação do acervo de livros de suas bibliotecas. Contudo, a campanha veicula uma frase que, desde a primeira leitura, me pareceu estranha e não me saiu da cabeça. Alguém poderia dizer que a campanha foi um sucesso, pois permaneceu na cabeça da comunidade e isso é, de fato, o objetivo da campanha.

Mas, na verdade, ela me ficou na cabeça por um descompasso metafísico nela contido. A campanha diz: PRESERVE A NATUREZA DO LIVRO. Pensei com meus botões: como posso preservar O livro? "O" livro não existe na natureza e, portanto, não pode ter sequer natureza a ser preservada.

De metafísica entende Aristóteles e não eu. Daí, diz o filósofo, na Metafísica (logo no Livro I, capítulo I): "a experiência é conhecimento dos particulares, enquanto a arte é conhecimento dos universais; ora, todas as ações e as produções referem-se ao particular. De fato, o médico não cura o homem a não ser acidentalmente, mas cura Cálias ou Sócrates ou qualquer outro indivíduo que leva um nome como eles, ao qual ocorra ser homem." (Tomo aqui a edição bilíngue da Metafísica de Giovanni Reale, vol. II, tradução para o português de Marcelo Perini, Edições Loyola, 2005).

Podemos dizer, com Aristóteles, que o leitor não preserva o livro, mas tal ou qual livro, tal ou qual objeto que ocorra ser livro e estar sob sua responsabilidade. Em seguida, o filósofo nos alerta: "Portanto, se alguém possui a teoria sem a experiência e conhece o universal mas não conhece o particular que nele está contido, muitas vezes errará o tratamento, porque o tratamento se dirige, justamente, ao indíviduo particular."

Assim, sejamos rápidos em corrigir a frase da campanha: PRESERVE A NATUREZA DOS LIVROS. Aí sim, preservemos a natureza (isto é, a integridade) dos livros individuais que existem nas bibliotecas da UFMG. Estes têm natureza a ser preservada.

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