26/10/2009

Lições das missas dominicais pós-Vaticano II– Parte XXVI

N’O DOMINGO, Semanário Litúrgico-Catequético, de 13/09/2009, Pe. Paulo Bazaglia comenta, no artigo intitulado “Encontrando a vida”, o Evangelho Mc 8, 27-35. Nesta passagem Jesus pergunta aos discípulos quem eles acham que Ele é, diz que vai sofrer muito, ensina a Pedro uma dura lição e acaba dizendo “quem quiser salvar a vida perdê-la-á, mas quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho, salvá-la-á.”

O artigo do Pe. Bazaglia é, de fato, um exemplo didático do livre exame das Escrituras, proposto por Lutero. Se Pe. Bazaglia fosse pastor protestante, eu nada comentaria de seu artigo. Sendo padre, eu não posso deixar de comentar e reprovar o que ele escreve.

“Um dos grandes enganos do cristianismo, ao longo destes dois milênios, é ter transformado a cruz de Jesus de conseqüência em princípio”, diz Pe. Bazaglia. Veja que esse padre vem nos dizer que o cristianismo bimilenar, que só pode ser o catolicismo (palavra incômoda para os padres moderninhos), cometeu um engano que, não fosse, ele, Pe. Bazaglia, dele não teríamos notícia. Imaginem vocês toda a galeria dos Padres gregos e latinos, muitos deles santos e doutores da Igreja. Imaginem os santos medievais, Santo Alberto Magno, Santo Tomás de Aquino, São Boaventura. Imaginem depois, Santa Catarina de Sena, Santa Teresa de Ávila, Santo Inácio de Loyola. Um pouco depois, São José Maria Grignion de Montfort, Santo Afonso Maria de Ligório. Enfim, todos estes e muito mais, todos estavam enganados em relação ao significado da cruz. Numa missa imaginária em que se encontrassem todos esses santos, Pe. Bazaglia, em sua homilia, iria subir ao púlpito e dizer: todos os senhores estão e estiveram errados com relação ao significado da cruz. Imaginem a cena!

Ora, por que a Cruz deve ser o princípio para todo católico? Porque a Cruz significa Redenção e se não partirmos da Redenção, da certeza de que a Cruz nos redimiu, não a todos, mas a muitos de nós, de onde é que partiríamos? É ela que nos dá a confiança de que nós merecemos o perdão de Deus, não pelos nossos mérito, mas pelos méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Pe. Bazaglia discorda disso. Querem ver? Ele diz: “Quando a cruz se transforma em princípio para a vida cristã, no entanto, a cruz de Jesus é traída. A cruz como princípio se torna facilmente dissociada da vida, levando a um espiritualismo vazio que nada transforma e pode chegar ao masoquismo.” Pe. Bortolini, em artigo do mesmo semanário, chama também de traidor a todo católico que respeita a tradição da Igreja. Agora, ficamos sabendo que nós católicos que colocamos a Cruz de Cristo como princípio de nossas vidas, somos também traidores, e também masoquistas. Chamar a frase do Pe. Bazaglia de herética é pouco. É preciso já ter perdido todos os resquícios de catolicismo para que se afirme algo tão blasfemo.

Duas lembranças me ocorreram quando li a frase acima. A primeira é que a acusação de masoquista foi feita também a São Padre Pio que, segundo os acusadores, se infligia os ferimentos dos estigmas de Cristo. Ele que viveu, durante 50 anos, literalmente crucificado. Este santo, Pe. Bazaglia, transformou a Cruz em princípio. Na verdade, ela, a Cruz, se incrustou em sua carne. São Padre Pio, rogai por nós.

A segunda lembrança foi a de 1Cor 1, 18: “De fato, a palavra da cruz é loucura para aqueles que se perdem; mas, para nós, que estamos no caminho da salvação, é força de Deus.”. Lembrei também de 1Cor 1, 22-23: “Na verdade, os judeus pedem milagres e os gregos procuram a sabedoria; nós, ao invés, pregamos a Cristo crucificado, que é um escândalo para os judeus e uma loucura para os gentios.”

Mas, Pe. Bazaglia nos informa que São Paulo estava “enganado” quando dizia (Gal 2, 19): “De fato, eu, por meio da lei, morri para a lei, a fim de viver para Deus; com Cristo me encontro cravado na cruz, e já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim.” Isso, no livre exame de Pe. Bazaglia é “espiritualismo vazio”. São Paulo estava “traindo a cruz” quando dizia (Gal 5, 24): “Ora, os que pertencem a Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e os seus desejos.”

Pe. Bazaglia ainda nos surpreende ao final do artigo. Ele diz: “O único bem que temos é a vida, presente de Deus, e somente a encontraremos à medida que a entregarmos em favor dos irmãos, pela mesma causa de Jesus.” Ai, meu Jesus Cristinho! Pe. Bazaglia não sabe o que quer dizer perder esta vida para ganhar a outra.

Vamos ver se este padre aprende alguma coisa sobre “perder esta vida” para obter a outra de Santa Teresa de Ávila. Ela diz no “Caminho da Perfeição”, capítulo VIII, o seguinte. Os negritos são meus.

“Agora vamos ao desapego que devemos ter, pois tudo está nisto se for com perfeição. Digo que aqui está tudo, porque, abraçando-nos só com o Criador e não se nos dando nada de todas as coisas, Sua Majestade infunde as virtudes de maneira que, trabalhando nós pouco a pouco o que está em nosso poder, não teremos muito a pelejar, pois o Senhor toma em Sua mão a nossa defesa contra os demônios e contra o mundo. Pensais, irmãs, que é pequeno bem procurar este bem de nos darmos todas ao Todo sem fazermos partilhas? E, pois n’Ele estão todos os bens.”

Então, “perder esta vida” é morrer para o mundo, “não se nos dando nada de todas as coisas”. Mais à frente, ainda falando às suas filhas do Carmelo, Santa Teresa diz: “mas resta desapegarmo-nos de nós mesmas e este apartar-nos de nós mesmas e sermos contra nós é coisa dura, porque estamos muito unidas a nós e nos amamos muito.”

Assim, Pe. Bazaglia, morrer para esta vida, estarmos “com Cristo cravados na cruz”, não é ser solidário, não é “entregarmos a vida em favor dos irmãos” – que pode muito bem significar um marxismo de segunda mão –, não é participarmos de pastorais de nossa paróquia, não fazermos doação para o “Criança Esperança”. É muitíssimo mais que isso. É desapegarmos das coisas do mundo e também de nós mesmos. É “sermos contra nós”. E isso, padre, significa estarmos crucificados com Cristo, significa colocarmos a Cruz em primeiro lugar, no princípio. E isso, quem o consegue?



1. Para fazer DOWNLOAD DO LIVRO com os primeiros 19 posts sobre a Missa de Paulo VI (e algumas coisas mais) clique aqui.
2. Para ver outros comentários sobre a Missa nova, clique:
Parte XX, Parte XXI, Parte XXII, Parte XXIII, Parte XXIV, A dissolução da catequese: Romano Amério conta como foi, Parte XXV

22/10/2009

RAÍZES DA SANIDADE

Do livro "A Coisa", publicado em 1929.

G.K. Chesterton

O Deão da Catedral de São Paulo, quando está certo, está muito certo. Ele está certo com toda aquela ênfase ressonante que o faz, em outras questões, tão imprudente e desastrosamente errado. E não posso senão saudar com gratidão o desdém com que ele se referiu ultimamente a todo o contra-senso dos jornais a respeito do uso de glândulas de macacos para transformar homens velhos em homens jovens; ou macacos jovens, se isso for o próximo passo na direção do Super-homem. Ele tentou, não de forma artificial, contrabalançar sua denúncia daquele materialismo tão experimental que ele sempre nos acusa de denunciar, dizendo que esse materialismo é um extremo do mal e que o catolicismo é o outro. A esse respeito, ele diz uma das coisas usuais que comumente considera fácil dizer, e que nós geralmente consideramos toleravelmente fácil responder.

Um bom exemplo das acusações contraditórias do Deão contra Roma é que ele aparentemente nos coloca na mesma categoria daqueles que deixam seus filhos completamente “inadvertidos” a respeito dos perigos morais do corpo. Isso é muito divertido, considerando que temos sido insultados, por décadas, por forçarmos os jovens na direção da infame Confissão.

Outro dia mesmo, notei que Sir Arthur Conan Doyle reviveu esta acusação de um ataque à inocência; e deixarei o Deão Inge[1] e Sir Arthur resolver esta questão. E quando ele nos acusa de indiferença em relação à eugenia e à procriação de criminosos e loucos, é suficiente que ele próprio tenha denunciado a perversão da ciência manifestada no caso dos macacos. Talvez ele permita que outros se ofendam igualmente com os esquemas que fazem os homens agirem como loucos e criminosos a fim de evitarem a loucura e o crime.

Há, contudo, outro aspecto dessa questão de estar certo ou errado, que não é tão freqüentemente associado conosco, mas que é igualmente consistente com nossa filosofia, e que tem uma notável relação com o tipo de questão aqui levantada pelo Deão Inge. Este aspecto se relaciona não só a questões em que o mundo está errado, mas, ainda mais especialmente, a questões em que o mundo está certo. O mundo, especialmente o mundo moderno, alcançou uma curiosa condição de ritual ou rotina; na qual podemos quase dizer que ele está errado mesmo quando está certo. Ele continua, em grande parte, fazendo as coisas razoáveis. Mas ele está rapidamente cessando de ter qualquer argumento razoável para fazê-las. Está sempre nos afirmando a morte da tradição. Está sempre nos denunciando por superstição; e suas próprias e principais virtudes são agora, quase inteiramente, superstições.

O que quero dizer é que quando estamos certos, estamos certos por princípio; e quando eles estão certos, estão certos por preconceito. Podemos dizer, se eles assim o preferirem, que eles estão certos por instinto. De qualquer forma, eles ainda estão contidos, por saudável preconceito, contra muitas coisas em direção as quais eles correriam pela sua própria lógica doentia. É mais fácil tomar exemplos muito simples e extremos; e alguns dos extremos estão muito mais perto de nós do que muitos imaginam.

Assim, muitos de nossos amigos e conhecidos continuam a entreter um saudável preconceito contra o canibalismo. O momento em que este próximo passo na evolução ética será dado parece ainda distante. Mas a noção de que não há muita diferença entre os corpos de homens e de animais – de que não estão, de nenhuma forma, distantes, mas muito próximos – é expressa em centenas de maneiras, como um tipo de comunismo cósmico. Podemos quase dizer que é expressa de todas as formas, exceto pelo canibalismo.

Essa noção é expressa, como no caso de Voronoff,[2] na colocação de partes de animais nos homens. Ela é expressa, no caso dos vegetarianos, na não colocação de partes de animais nos homens. É expressa quando se deixa um homem morrer como morre um cachorro, ou quando se considera mais patético a morte de um cachorro do que a de um homem. Alguns se inquietam sobre o que acontece com os corpos dos animais, como se estivessem certos de que um coelho se ressentisse em ser cozido, ou que uma ostra exigisse ser cremada. Alguns são ostensivamente indiferentes ao que acontece aos corpos dos homens; e negam toda a dignidade aos mortos e todo gesto de afeto aos vivos. Mas todos têm uma coisa em comum; consideram os corpos humano e bestial como coisas comuns. Pensam neles sob uma generalização comum; ou, na melhor das hipóteses, sob condições comparativas. Entre pessoas que chegaram a esta posição, a RAZÃO para desaprovar o canibalismo já se tornou muito vaga. Permanece como uma tradição e um instinto. Felizmente, graças a Deus, embora seja agora muito vaga, é ainda muito forte. Mas, embora o número dos mais ardentes pioneiros éticos que provavelmente começariam a comer missionários cozidos seja muito pequeno, o número daqueles dentre eles que conseguiriam explicar suas próprias razões reais para não fazê-lo é ainda menor.

A razão real é que todas essas sanidades sociais são agora as tradições dos antigos dogmas católicos. Como muitos outros dogmas católicos, eles são sentidos de uma maneira vaga mesmo pelos pagãos, na medida em que são pagãos sadios. Mas quando se trata de, não meramente senti-los, mas formulá-los, será descoberto que eles são uma fórmula da Fé. Este é o caso de todas aquelas idéias de que os modernistas mais desgostam, sobre “criação especial”,[3] sobre a imagem Divina que não acontece por mera evolução, e sobre o abismo entre o homem e as outras criaturas. Em resumo, são aquelas mesmas doutrinas pelas quais homens com o Deão Inge estão nos acusando, como coisas que nos impedem de ter uma completa confiança na ciência ou uma completa unidade com os animais. São elas que se interpõem entre os homens e o canibalismo – ou possivelmente as glândulas de macacos. Eles têm o preconceito; e que eles o retenham por muito tempo! Nós temos o princípio, e eles são bem-vindos quando o quiserem.

Se Euclides estivesse demonstrando com diagramas pela primeira vez e usasse o argumento da REDUCTIO AD ABSURDUM, ele teria agora somente produzido a impressão que seu próprio argumento era absurdo. Estou bem consciente de que exponho-me a esse perigo por estender o argumento de meu oponente a um extremo, que pode ser considerado uma extravagância. A questão é, por que é uma extravagância? Sei que, neste caso, será argumentado que a característica social do canibalismo é rara em nossa cultura. Pelo que sei, não há restaurantes canibais ameaçando se tornarem moda em Londres, como os restaurantes chineses. Antropofagia não é como Antroposofia, um assunto de conferências públicas; e, variadas como são as religiões e moralidades entre nós, cozinhar missionários ainda não é uma missão. Mas se alguém tem uma lógica tão modesta que não perceba o significado de um exemplo extremo, não tenho dificuldade em dar um exemplo muito mais prático e urgente. Há alguns anos, todas as pessoas sãs teriam dito que o Adamismo[4] era muito mais louco que a antropofagia. Um banqueiro que andasse sem roupa pelas ruas seria um contra-senso equivalente a um açougueiro que vendesse carne humana ao invés de carne de carneiro. Ambos seriam o surto de um lunático sob a ilusão de ser um selvagem. Mas temos visto os Novos Adâmicos ou o Movimento dos Sem Roupa se instituírem muito seriamente na Alemanha; com uma seriedade de que somente os alemães são capazes. Os ingleses são provavelmente ainda ingleses o suficiente para rirem e desgostarem disso. Mas eles riem por instinto; e eles desgostam somente por instinto. Muitos deles, com sua atual e confusa filosofia, teriam provavelmente uma grande dificuldade em refutar um professor prussiano de nudez, por mais que eles desejassem ardentemente dar nele um chute. Pois, se examinarmos as controvérsias correntes, descobriremos a mesma condição negativa e indefensável do caso da teoria do canibalismo. Todos os argumentos da moda usados contra o puritanismo levam, de fato, ao adamismo. Não quero dizer, claro, que eles não sejam muitas vezes praticamente saudáveis como contra o puritanismo; também não digo que não haja melhores argumentos contra o puritanismo. Mas digo que em relação à lógica pura, o homem civilizado baixou a guarda; e está, por assim dizer, nu contra os ataques da nudez. Desde que ele esteja meramente satisfeito em argumentar que o corpo é belo ou que o que é natural é certo, ele se rendeu ao adâmico em teoria, embora ainda possa demorar, queira Deus, um longo tempo antes que ele se renda na prática. Aqui, novamente o teórico terá de defender sua própria sanidade com um preconceito. Somente o teólogo medieval pode defendê-la com uma razão. Não preciso me aprofundar muito sobre esta razão; é suficiente dizer que ela é fundada na Queda do Homem, tal como o outro instinto, contra o canibalismo, é fundado na Divindade do Homem. O argumento católico pode ser colocado resumidamente dizendo-se que o corpo do homem não é o problema; o problema é a alma do homem.

Em outras palavras, se o homem fosse completamente deus, poderia ser verdade que todos os aspectos de seu ser corporal fossem divinos; tal como se ele fosse completamente uma besta, dificilmente poderíamos culpá-lo por qualquer dieta, por mais bestial que fosse. Mas dizemos que a experiência confirma nossa teoria sobre a complexidade humana. Esta não tem nada a ver com coisas naturais em si. Se narizes vermelhos misteriosamente fizessem os homens assassinar, faríamos leis para cobri-los; mas narizes vermelhos seriam tão puros quanto narizes brancos.

Em muitas pessoas modernas há uma batalha entre as novas opiniões, que eles não seguem até seus fins, e as antigas tradições, que eles não seguem até seus começos. Se eles seguissem adiante com as novas noções, isso os levaria até Bedlam.[5] Se eles seguissem retrospectivamente os melhores instintos, isso os levaria a Roma. Na melhor das hipóteses, eles permanecem em suspenso entre duas lógicas alternativas, tentando dizer a si mesmos, como o faz o Deão Inge, que eles estão meramente evitando dois extremos. Mas há esta grande diferença em seu caso: a questão em que ele está errado é, não importa sob que forma pervertida, uma questão de ciência, enquanto que a questão em que ele está certo é simplesmente uma questão de sentimento. Não preciso dizer que eu não uso a palavra aqui num sentido depreciativo, pois nessas coisas há um parentesco muito próximo entre sentimento e sentido. Mas o fato permanece de que todas as pessoas nessa posição podem apenas ser sentimentais. Toca a nós sermos também razoáveis.

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[1] William Ralph Inge (1860-1954), professor, escritor e padre anglicano. (N. do T.)
[2] Serge Abrahamovitch Voronoff (1866-1951), médico francês de origem russa, ganhou fama por sua técnica de extrair tecido de testículos de macacos para enxertá-lo em testículos humanos. (N. do T.)
[3] Diríamos hoje, design inteligente. (N. do T.)
[4] Crença do séc. II e II, que defendia uma nudez ritualística, à semelhança da nudez de Adão no Paraíso. (N. do T.)
[5] Nome popular do Hospital Santa Maria de Belém, em Londres, que é um sanatório de psicopatas. (N. do T.)
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Leiam, do livro "A Coisa": Por que sou católico, A Revolta contra as Idéias, A lógica e o tênis, Um pensamento simples.

16/10/2009

A dissolução da catequese: Romano Amério conta como foi

Comentei aqui, já por duas vezes (uma, duas), artigos que estão sendo publicados n’O DOMINGO, semanário dito litúrgico e catequético, sobre catequese, em função do ano catequético de 2009, assim definido pela abortista CNBB.

Estes artigos e as idéias que contêm são uma conseqüência do Concílio Vaticano II. A catequese católica foi uma das primeiras coisas que se dissolveram depois do concílio. Romano Amério, em seu magistral Iota Unum, fala sobre a dissolução da catequese no capítulo XIII de seu livro. Diz o autor que “com a remoção da autoridade magisterial e a redução da verdade à mera busca da verdade, a reforma da catequese não podia senão se dar no sentido heterodoxo que mudou seu conteúdo por meio da mudança de método.”

Amério comenta que ainda em 1969, um congresso em Assis pedia, em seu documento final, o abandono de qualquer conteúdo dogmático na catequese, isto é “qualquer coisa especificamente católico”. Devia-se substituir o ensino da religião católica pelo ensino da história das religiões, pois o primeiro tipo de ensino era “considerado um privilégio injusto num país democrático”.

O Sínodo Episcopal de 1977 discutiu a nova catequese, esta que aparece nos artigo d’O DOMINGO. O Bispo de Saragossa, segundo Amério, defendeu que a catequese “deve promover a criatividade, o diálogo e a participação ativa dos catecúmenos, sem esquecer de que é uma ação da Igreja.” Amério comenta a seguir: “Criatividade é, de fato, uma absurdidade moral e metafísica, mas mesmo que não fosse, dificilmente poderia ser o objetivo da catequese, pois na visão cristã, o homem não se torna um fim em si mesmo; o fim é dado, ele simplesmente tem de querê-lo.” Declarações ainda mais assustadoras foram feitas neste sínodo: “a catequese dever trazer a experiência de Cristo”, “a catequese é liberada pela experiência de Deus pela humanidade cristã e é uma assimilação mais profunda do amor e da fé.” Amério comenta, dizendo: “há ressonâncias místicas e modernistas nestas afirmações. Catequese é doutrina e não é liberada por uma experiência existencial dos crentes, pois ela tem conteúdo sobrenatural que a experiência não pode alcançar.”

O Bispo do Quênia ainda diz, no mesmo sínodo: “a catequese deve se responsabilizar por denunciar as injustiças sociais ... e defender iniciativas na direção da libertação social dos pobres.” Isto é marxismo da pior qualidade, claro.

Qual a conseqüência de tudo isso? Diz Amério: “As duas principais características da nova catequese, isto é, de que ela é uma busca ao invés de uma doutrina e de que ela tenta produzir reações existenciais ao invés de convicções intelectuais, estão refletidas em atitudes frente a uma variedade de catecismos e à memorização. Onde não há conteúdo dogmático a ser afirmado, não há um catecismo universal único, pois não há fórmulas de fé válidas para toda a Igreja, precisamente em virtude daquele conteúdo único. Aqueles métodos antigos, da época da Igreja primitiva, que tiveram continuidade no catecismo do Concílio de Trento, no de São Roberto Belarmino, no de São Pedro Canísio, no de Rosmini e no de São Pio X, foram abandonados.”

Acho que bastam estas palavras de Amério para que entendamos como o Concílio Vaticano II afetou o ensino de nossa fé. E não admira, claro, que algum modernista de plantão comece escrever asneiras, num semanário qualquer, sobre a catequese católica, que de católica não tem nada. Lendo Amério, entendemos como chegamos à situação atual.

É desesperadora a situação de pais que vêem seus filhos freqüentarem aulas de catecismo atualmente. Qualquer católico minimamente informado sobre sua religião sabe que o que eles aprendem não é o catolicismo. Por isso, a única forma de ensinar catecismo para nossos filhos é nos transformarmos em seus próprios catequistas.

Continuarei comentando os artigos d’O DOMINGO sobre catequese, na esperança de mostrar aos catequistas bem intencionados as mentiras que são faladas numa publicação que tem a aprovação da CNBB.

15/10/2009

Lições das missas dominicais pós-Vaticano II– Parte XXV

N’O DOMINGO (Semanário Litúrgico-Catequético) de 06/09/2009, o Sr. Zamagna escreve um artigo intitulado “Direitos e deveres na catequese”. Este artigo é um exemplo vivo do que o Concílio Vaticano II pode fazer com nossas cabeças e nossos corações; quanto nos vamos afastando do verdadeiro catolicismo, aquele ensinado pela Tradição, quando aceitamos o relativismo religioso, quando esquecemos (ou fingimos esquecer) que só há salvação na Igreja Católica.

O “Aurélio” nos ensina que catequese é “instrução metódica e oral sobre coisas religiosas”. Tecnicamente não existe apenas catequese católica. Outras religiões catequizam. Nesta perspectiva geral, qualquer um pode catequizar.

Contudo, não é esta perspectiva de catequese que se espera encontrar numa publicação católica chamada de Semanário Litúrgico-Catequético. Aqui se espera uma perspectiva de catequese católica.

Vamos começar pelo início. O Sr. Zamagna começa o artigo assim: “Desde quando Jesus Cristo ordenou aos discípulos que evangelizassem até os confins da terra, a catequese passou a ser não só um dever da Igreja – missionária por natureza –, mas também um direito de cada pessoa.” Ai, meu Jesus Cristo! Quanto tolice! Quer dizer que Jesus nos manda aos confins da terra, nos manda ensinar Seu Evangelho, nos avisa que isso não vai ser fácil e que pode nos custar a vida, nos alerta para estarmos preparados para lutar, nos manda salvar almas, e com isso Ele está criando um direito? O senhor não sabe a diferença entre direito e dever? Catequizar no sentido estrito, católico, é DEVER da Igreja e, portanto, de cada um de nós.

Sei bem porque o Sr. Zamagna colocou esta palavrinha “direito” na conversa. É que ele quer defender o direito dos outros de catequizar sobre outras coisas, claro. Ele é relativista religioso. Vejam o que ele diz em seguida: “Será um direito apenas dos católicos ou, numa perspectiva mais abrangente, apenas dos cristãos? Trata-se de um direito mesmo dos que não conhecem ainda a fé cristã.” Aqui aprendemos muitas coisas. A primeira, é que ser cristão é “mais abrangente” que ser católico. A segunda, é que a catequese agora está aberta aos que “não conhecem ainda a fé cristã”. De que catequese está-se falando aqui, então? Notem a confusão extraordinária que pode habitar a cabeça de uma pessoa.

Recapitulando: (1) Jesus criou um direito quando mandou Seus discípulos catequizar até os confins da terra; (2) Este direito se aplica aos católicos, mas de forma mais abrangente aos cristãos; e (3) Por fim, é direito também dos que “ainda não conhecem a fé cristã”, que catequizarão, ou seja, instruirão sobre coisas que não sabemos.

O parágrafo final do artigo é mais elucidativo das verdadeiras idéias do Sr. Zamagna sobre catequese. Ele diz: “Todos os batizados têm esse dever. Mas é um serviço que se estende de modo particular aos que, na nova aliança, recebem o chamado para o ministério de pastores. Os cristãos e seus pastores ...” Não admira o uso dos termos “cristãos” e “pastores” aqui, no lugar de católicos e padres. O Sr. Zamagna é quase protestante, se não o for por inteiro. Ele termina o artigo dizendo que a catequese deve ser feita “evitando o escândalo das divisões, para que o mandato do Senhor seja realmente executado...” Ou seja, se não incluirmos na catequese católica os protestantes (eles são legião) não estaremos cumprindo o mandato do Senhor, aquele mandato que criou um direito, que depois se estendeu até aos que não professam a fé cristã.

Quem poderá dizer que isto não é fruto do Concílio Vaticano II? Leiam este diálogo assustador entre Paulo VI e padre Bouyer sobre a reforma litúrgica que estava então em andamento.

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12/10/2009

No dia de N.S. da Conceição Aparecida, três historinhas da Mãe do Céu

Nossa Senhora da Conceição Aparecida, rogai por nós!


Do livro Tesouro de Exemplos.

O SORRISO DA IMACULADA

Quatro anos após a definição do dogma da Imaculada Conceição, Nossa Senhora se dignou baixar à terra para confirmar de um modo estupendo a declaração do Papa Pio IX, de santa memória.

Foi em Lourdes, na França, que Nossa Senhora apareceu repetidas vezes à inocente Bernadete e na última aparição disse: Eu sou a Imaculada Conceição.

Quem refere o seguinte episódio não é nenhum devoto, nem sequer bom cristão. Ele escreve:

"Quando já se falava muito das aparições de Lourdes, achava-me em Cauterets, povoação próxima de Lourdes, mais para distrair-me do que para curar-me. Achei graça ao ouvir que a Virgem sorrira para Bernadete e resolvi ir a Lourdes para ver a Vidente e surpreendê-la na mentira. Fui a casa dos Soubirous e encontrei Bernadete sentada à porta cerzindo umas meias. Pareceu- me o seu rosto bastante vulgar; apresentava sinais de enfermidade crônica ao par de muita doçura. A instâncias minhas contou-me as aparições com toda a simplicidade e convicção.

- Mas é verdade que a Virgem sorriu?
- Sim, sorriu.
- E como sorria?
- A menina olhou-me com ar de espanto, e disse:
- Mas, senhor, seria preciso ser a gente do céu para repetir aquele sorriso.
- Não o poderia repetir para mim? Sou incrédulo e não creio nas aparições.

O rosto de Bernadete tornou-se triste e severo.

- Então julga o senhor que menti?

Senti-me vencido. Não, aquela menina tão cândida não podia mentir. Ia pedir-lhe desculpas quando ela acrescentou:

- Bem; se o senhor é um pecador, tentarei imitar o sorriso de Nossa Senhora.

A menina ergueu-se lentamente, juntou as mãos e um reflexo celeste iluminou o seu rosto. Um sorriso divino, que jamais vi em lábios mortais, encantou os meus olhos. . . Sorria ainda, quando caí de joelhos, vencido pelo sorriso da Imaculada nos lábios da ditosa Vidente.

Desde aquele dia nunca mais se me apagou da imaginação aquele sorriso divino. Passaram-se muitos anos, mas a sua recordação enxugou-me muitas lágrimas ao perder minha esposa e minhas duas f ilhas... Parece-me estar só no mundo e vivo do sorriso da Virgem".



AMOR DE UM VELHINHO

Um dia estava rezando, diante de uma imagem de Maria, S. Afonso Rodríguez, irmão leigo jesuíta, muito bom e muito santo.

Já era velhinho e passava longas horas aos pés de sua boa Mãe do céu. As vezes punha-se a chorar como uma criança; às vezes sorria como um anjo.

Tinha algum sofrimento? Ia logo comunicá-lo a Nossa Senhora. Sentia alguma alegria? Depressa, ia contá-la à Mãe do céu. Tentavam-no os demônios? Corria aos pés da Imaculada e pedia-lhe que não o desamparasse nem na vida nem na morte.

Naquele dia estava ele a dizer a Nossa Senhora que a amava muito, muitíssimo, com toda a sua alma, com todo o seu coração. E parecia ao santo velhinho que a Virgem Santíssima lhe sorria amavelmente. Ouviu, enfim, ou pareceu-lhe ouvir do fundo de sua alma uma voz que dizia:

- Afonso, quanto me amas?

E o bom do velho respondeu:

- Olha, minha boa Mãe do céu: amo-te tanto, tanto, que é impossível me possas amar tanto como eu te amo.

A Senhora, ouvindo isso, levanta a mão amorosa, dá-lhe uma leve bofetada e diz:

- Cala-te, Afonso, cala-te!. . . que estás dizendo? Eu te amo imensamente mais do que tu me podes amar.

Eis por que devemos amar a Maria: ama-nos tanto que jamais poderemos compreender toda a grandeza de seu amor.



SENHORA, SÊDE VÓS A MINHA MÃE

Era no mês de novembro. Amarelas e secas caiam as folhas das árvores, como secas e murchas caem do coração as ilusões da vida, quando se aproxima o inverno da velhice.

Em Ávila, numa nobre casa, está agonizando na primavera da vida uma distinta e piedosa senhora: dona Beatriz Ahumada. Já os sacerdotes, ali reunidos, rezavam as orações dos agonizantes, quando aquela senhora abriu os olhos, olhou ao redor de si e, com voz apagada, disse:

- Teresa! Chamem a Teresa.

Uma menina de uns doze anos, de singular modéstia e extraordinária formosura, penetrou no quarto e aproximou-se da cabeceira da mãe agonizante. Esta, fixando a filha, e como se Nosso Senhor lhe revelasse os futuros destinos daquela menina, exclamou:- Bendita ... bendita! E expirou.

Levantando-se a menina desfeita em pranto, beijou pela última vez aquelas mãos frias e retirou-se a um aposento, onde havia um quadro de Nossa Senhora pendurado à parede. Ali deixou correr livremente as suas lágrimas. Depois, erguendo os olhos com inefável ternura e uma fé imensa, disse do fundo da alma estas comovedoras palavras:

- Senhora, eis que não tenho mãe; sêde vós a minha mãe daqui em diante.

Aquela menina, protegida da Mãe do céu, veio a ser uma das maiores mulheres da história, S. Teresa de Jesus, que mereceu as honras dos altares. Tanto bem lhe adveio por haver tomado a Maria Santíssima por Mãe desde os primeiros dias de sua vida.

10/10/2009

Um pensamento simples

Gilbert Keith Chesterton

Muitos homens retornariam à fé e moral dos velhos tempos se conseguissem alargar suas mentes o suficiente. É principalmente estreiteza mental que os mantém na rotina da negação. Mas esse alargamento é facilmente mal-entendido, porque a mente deve se alargar para perceber as coisas simples; ou mesmo as coisas auto-evidentes. Precisa-se de um esforço de imaginação para perceber os objetos óbvios contra um fundo óbvio; e especialmente os objetos grandes contra um fundo grande. Há sempre o tipo de homem que não consegue perceber nada exceto uma mancha no carpete, pois não consegue perceber o carpete. E isso tende à irritação, que ele pode exagerar e transformar numa rebelião. Então há o tipo de homem que percebe somente o carpete, talvez porque seja um carpete novo. Isso é mais humano, mas pode estar manchado de vaidade e mesmo vulgaridade. Há o homem que pode ver somente a sala acarpetada; e isso tenderá a isolá-lo demais das outras coisas, especialmente dos quartos dos empregados. Finalmente, há o homem com larga imaginação, que não consegue se sentar num cômodo acarpetado, ou mesmo no quarto de despejo, sem perceber, a todo o momento, o contorno de toda a casa contra seu fundo aborígene de terra e céu. Ele, compreendendo que o teto foi feito, desde o início, como uma proteção contra o sol ou a neve, e a porta contra o frio ou a lama, saberá melhor que o restante dos homens – e não pior –as regras internas. Ele saberá melhor que o primeiro homem que não deve haver mancha no carpete. Mas ele saberá, diferentemente do primeiro homem, porque há um carpete.

Ele considerará da mesma maneira uma nódoa ou mancha nos registros de sua tradição ou credo. Não a explicará ingenuamente; não a desprezará. Ao contrário, ele a verá de maneira muito simples; mas ele também a verá de maneira muito ampla; e contra um fundo de coisas amplas. Fará o que seus críticos nunca farão, de forma alguma; ele verá as coisas óbvias e fará as perguntas óbvias. Pois quanto mais eu leio a crítica religiosa moderna, especialmente a que se refere à minha própria religião, mais me impressiono com a acanhada concentração e a incapacidade imaginativa de considerar o problema como um todo. Li recentemente uma condenação muito moderada de práticas católicas, vinda dos EUA, onde as condenações estão longe de ser moderadas. Ela toma a forma, de maneira geral, de um enxame de questões, perguntas que eu estaria muito disposto a responder. Contudo, estou vivamente consciente das grandes questões que não foram formuladas.

E sinto, acima de tudo, este fato simples e esquecido; que se certas acusações são ou não são verdadeiras em relação aos católicos, elas são inquestionavelmente verdadeiras em relação aos demais. Nunca ocorre ao crítico fazer algo tão simples quanto comparar o que é o católico com o que é não-católico. Uma coisa que nunca parece passar pela sua mente, quando ele discute o que é a Igreja, é a simples questão do que seria do mundo sem ela.

Isto é o que eu considero ser estreito demais para perceber a casa chamada Igreja contra o fundo chamado cosmos. Por exemplo, o escritor a que me refiro entrega-se a milhares de repetições mecânicas da acusação de repetições mecânicas. Ele diz que repetimos orações e outras formas verbais sem pensar nelas. E, sem dúvida, há muitos simpatizantes dessa acusação que a repetirá sem pensar. Mas, antes que expliquemos o real ensinamento da Igreja sobre tais coisas, ou antes que citemos suas inúmeras recomendações sobre atenção e vigilância, ou que possamos expor a razão de razoáveis exceções que ela permite, há uma grande, uma simples e luminosa verdade sobre toda a situação que qualquer um pode ver, desde que ande de olhos abertos. É o fato óbvio de que TODAS as formas humanas de discurso tendem a se fossilizar em formalismos; e que a Igreja é um caso único na história, não de uma língua morta dentre línguas eternas; mas, ao contrário, como tendo preservado uma língua viva num mundo de línguas moribundas. Quando o grande clamor grego se transformou no latim da Missa, tão antigo quanto a própria cristandade, pode surpreender alguns que há muitos na igreja que realmente dizem KYRIE ELEISON e dizem-no sinceramente. De qualquer forma, dizem-no muito mais sinceramente do que um homem que começa uma carta com “Caro senhor”. “Caro” é enfaticamente uma palavra morta; naquele lugar, ela já não significa nada. É exatamente o que os protestantes chamam de ritos e formalidades papais; são feitos rapidamente, ritualmente e sem a memória do significado do rito. Quando o Sr. Jones, o pretendente, usa essa palavra ao se dirigir ao Sr. Brown, o banqueiro, ele não quer dizer que o banqueiro lhe seja querido, ou que seu coração esteja cheio de amor cristão, nem mesmo tanto quanto o coração de algum pobre e ignorante papista que assista a Missa. Mas a vida ordinária, alegre e pagã está simplesmente transbordante de tais palavras mortas e cerimônias insignificantes. Você não escapará delas escapando da Igreja e entrando no mundo. Quando o crítico em questão, ou milhares de críticos como ele, diz que exigimos apenas uma assistência material e mecânica à Missa, ele diz algo que NÃO é verdade sobre os sentimentos de um católico normal em relação aos Sacramentos Católicos. Mas ele diz algo que É verdade sobre a assistência oficial das funções oficiais ordinárias, sobre as recepções ministeriais ou na Corte, e sobre três quartos dos encontros sociais e das visitas de cortesia que ocorrem na cidade. Esse enfraquecimento da ação social repetida pode ser uma coisa inofensiva; pode ser uma coisa melancólica; pode ser a marca da Queda do Homem; pode ser qualquer coisa que o crítico escolha pensar. Mas aqueles que fazem, centenas e centenas de vezes, a acusação especial e concentrada contra a Igreja, são homens cegos para a totalidade do mundo humano em que vivem e são incapazes de ver qualquer coisa, exceto a coisa que caluniam.

Há, nessa área, inúmeros outros casos dessa inconsciência estranha e sinistra. O escritor reclama que padres são levados cegamente à vocação e não entendem as responsabilidades nela envolvidas. Isso também já ouvimos antes. Mas raramente a ouvimos de forma tão extraordinária quanto em sua afirmação de que um homem se compromete com o sacerdócio quando ainda é “uma criança”. Ele parece nutrir idéias estranhas e elásticas quanto à duração da infância. Como observou o Sr. Michael Williams, em sua ponderada e esclarecedora coleção de ensaios, “Catolicismo e Mente Moderna”, isso é brincar com uma matéria de fato, desde que um padre tem no mínimo 24 anos quando toma votos. Mas, aqui e de novo, sou assombrado pela imensa, nua, e mesmo assim, desprezada comparação entre a Igreja e tudo o mais fora dela. Muitos críticos do catolicismo declaram-no destrutivo ao patriotismo; e esse crítico diz algo sobre as desvantagens da Igreja estar meramente “ligada a uma diocese italiana.” Bem, eu mesmo fui sempre defensor do culto ao patriotismo; e nada que eu diga aqui tem alguma ligação com o que é normalmente chamado de pacifismo. Penso que nossos amigos e irmãos empreenderam, dez anos atrás, uma guerra justa contra o duro paganismo do norte; penso que o prussianismo que eles venceram era o orgulho congelado do inferno; e aqueles que morreram estão, talvez melhor que nós que vivemos para ver quão má a Paz pode ser.

Mas, e quando falamos sobre a Igreja envolver jovens com votos? O que devemos dizer àqueles que contrapõem patriotismo ou cidadania pagão à Igreja nessa questão? Eles convocam, usando de violência, garotos de 18 anos, eles aplaudem voluntários de 16 anos que dizem ter 18, lançam milhares deles num enorme forno ou câmara de tortura, do qual sua imaginação nada consegue conceber e do qual sua honra os proíbe de escapar; eles os mantêm nesses horrores ano após ano sem qualquer esperança de qualquer vitória; e os matam como moscas, aos milhões antes que comecem a viver. Isso é o que o Estado faz; isso é o que o Mundo faz; isso é o que faz a sociedade protestante, prática, razoável e secular. Depois disso, eles têm a impressionante imprudência de reclamar de nós porque, ao tratar com uma minoria de especialistas, permitimos a um homem finalmente escolher uma vida de caridade e paz, não somente muito depois que ele tenha passados dos 21 anos de idade, mas quando ele esteja já bem próximo dos 30, e depois que tenha tido aproximadamente 10 anos para pensar se ele quer isso ou não.

Em resumo, o que sinto falta em tudo isso é a coisa óbvia: a comparação da Igreja com o mundo fora dela, ou a ela oposto, ou o mundo oferecido como o substituto da Igreja. E o fato é que o mundo fará tudo o que sempre acusou a Igreja de fazer, e fá-lo-á de uma maneira muito pior, e em muito maior escala, e (o que é o pior e mais importante) sem qualquer padrão de retorno à sanidade ou qualquer motivo para um movimento de arrependimento. Os abusos católicos podem ser “reformados”, porque há a admissão de uma forma. Os pecados católicos podem ser expiados, porque há um teste e um princípio de expiação. Mas onde mais, no mundo de hoje, há um tal teste ou padrão; ou algo exceto um temperamento em permanente mudança, que faz do patriotismo uma moda, dez anos atrás, e do pacifismo uma moda, dez anos depois?

O perigo hoje é que os homens não tenham alargado suficientemente suas mentes para entender as coisas óbvias; e esta é uma delas. É que os homens acusam a tradição de Roma de ser meio-pagã e então se refugiam num completo paganismo. É que os homens reclamam porque os cristãos se infectaram de paganismo; e então fogem da praga e se refugiam na pestilência. Não há um único desses defeitos alegados contra a instituição católica que não seja ainda mais flagrante e mesmo gritante em todas as outras instituições. E é para essas outras instituições, o Estado, a Escola, a máquina moderna de cobrança de impostos e policiamento, que essas pessoas realmente se voltam à procura de socorro contra a superstição de seus pais. Esta é a contradição; esta é a colisão destruidora; este é o desastre intelectual inevitável no qual eles já se envolveram; e temos apenas de esperar tão pacientemente quanto pudermos para ver quanto tempo eles ainda levarão para perceberem o que aconteceu.

Leiam, do livro "A Coisa": Por que sou católico, A Revolta contra as Idéias, A lógica e o tênis.

06/10/2009

Lições das missas dominicais pós-Vaticano II– Parte XXIV

A CNBB instituiu o ano de 2009 como o ano catequético. Em mensagem em seu site, a CNBB nos diz que: “O objetivo do ano catequético se expressa da seguinte forma: Dar novo impulso à catequese como serviço eclesial e como caminho para o discipulado. A busca de novo impulso à catequese, levando à consciência de que a catequese é uma dimensão de toda ação evangelizadora. Uma ação eclesial só é evangelizadora se também catequiza. Catequese não é portanto uma ação restrita aos ministros da catequese, mas é de todo cristão. Com isso há necessidade de recuperar a concepção de catequese como processo permanente de educação da fé e não somente preparação aos sacramentos ou destinada somente às crianças.”

Essa linguagem empolada, confusa, nunca foi típica de documentos da Igreja, que são claros e inequívocos. Tal linguagem foi inaugurada com o CVII. Seus documentos são um primor de confusão e dubiedade. Catequizar sempre foi uma ação para converter os pagãos, os hereges e os praticantes de outras religiões. A Igreja Católica faz isso porque fora dela não há salvação. Assim, catequizar é salvar almas. É papel de todo católico.

Veja que no parágrafo acima, usei duas vezes a palavra católico, mas o documento da CNBB não a usa sequer uma vez. A CNBB usou 1230 palavras em seu texto e nem uma vez a palavra “católico”. Para que religião converteremos os pagãos, hereges e praticantes de outras religiões?

Há passagens que seriam hilariantes, não fossem trágicas, como esta: “A catequese diferenciada destinada às diversas realidades e situações em que vive a maioria das pessoas, é inclusiva, acolhe as pessoas com deficiência, migrantes, crianças, adolescentes, jovens, adultos.” Vejam as palavrinhas politicamente corretas “diferenciada”, “diversas realidades”, “inclusiva”. Que tenhamos de ter modos diferentes de catequese para adultos e crianças é uma obviedade gritante. Mas que tenhamos de ter diferentes catequeses para migrantes e portadores de deficiência, aí é demais! Essa atitude politicamente correta da CNBB talvez seja a que a fez apoiar um abortista para o Supremo Tribunal Federal, esquecendo-se daquele outro Tribunal Supremo que às vezes é também chamado de Juízo Final.

Há também uma oração do ano catequético. Oração água-com-açúcar que se refere a Nosso Senhor sempre em letra minúscula.

Há outras pérolas naquelas 1230 palavras, mas que não as irei comentar aqui. Quero comentar a seqüência de artigos que estão saindo n’O DOMINGO sobre o ano catequético, assinados por Domingos Zamagna.

N’O DOMINGO de 30/08/2009, no artigo intitulado “É possível transmitir a fé?”, o Sr. Zamagna diz que a fé é “uma energia, semelhante à de uma semente, cujo dinamismo conduz à santidade.” Esta definição modernista da fé lembra um conceito novo contido na Gaudium et Spes: “Por isso, proclamando a vocação altíssima do homem e afirmando existir nele uma semente divina, o Sacrossanto Concílio oferece ao gênero humano a colaboração sincera da Igreja para o estabelecimento de uma fraternidade universal que corresponda a esta vocação.”

Enquanto isso, a Tradição da Igreja ensina, por meio do Catecismo Romano do Concílio de Trento que a fé “significa uma adesão absolutamente certa, pela qual a inteligência aceita, com firmeza e constância, os mistério que Deus lhe manifesta.” Nada de energia, nada de semente, nada de dinamismo, apenas vontade resoluta que oriente a inteligência a aceitar a Revelação.

O Sr. Zamagna diz ainda que: “A fé é incontida adesão à verdade do Pai, não pela evidência, mas pelo testemunho do Filho e pela força do Espírito.” Esta afirmação é confusa. Parece querer dizer que não há evidências sobre as verdades do Pai, de Deus. Isto é evidentemente falso. O Doutor Angélico diz na Suma Contra os Gentios que: “Há, com efeito, duas ordens de verdades que afirmamos de Deus. Algumas são verdades referentes a Deus e excedem toda capacidade da razão humana, como, por exemplo, Deus ser trino e uno. Outras são aquelas as quais a razão pode admitir, como, por exemplo, Deus ser, Deus ser uno, e outras semelhantes.”

Mesmo das verdades que excedem a capacidade humana, Deus nos dá alguma evidência. Isso parece escapar ao Sr. Zamagna, que nos brinda com outra contradição na frase acima. Ele considera que o testemunho do Filho não seja evidência da verdade do Pai. Ora, a vinda de Nosso Senhor foi profetizada com séculos de antecedência por muitos profetas. As condições de seu nascimento, assim como de sua morte, foram definidas em seus mínimos detalhes. Ele, enquanto estava vivo, sempre falava dos que O anunciaram. Em vida, Ele fez muitos e variados milagres que indicavam Sua Procedência, e quando os fazia lembrava sempre de Seu Pai. Depois de Sua morte, mandou-nos o Espírito Santo, que “fez com que homens rudes e ignorantes adquirissem instantaneamente tão elevada sabedoria e eloqüência”, como nos diz Santo Tomás. Então, qual é a evidência que nos falta para termos fé?

Outra dimensão da fé que o Sr. Zamagna se esquece de mencionar, quando pergunta se é possível transmitir a fé, é que ela é uma virtude teologal. Ou seja, ela nos vem por graça de Deus. Quem a transmite, se é que podemos usar este termo, não somos nós, pobres mortais. Quem nos infunde a fé é Deus. O máximo que podemos fazer é fornecer aos outros as evidências das coisas que podemos conhecer por razão natural, e as evidências das coisas sobrenaturais que Nosso Senhor fez para nos mostrar de onde Ele vinha. Esse conjunto de evidências, adicionados aos dogmas que foram sendo definidos pela Igreja são o que constitui o Depósito da Fé, cuja guarda foi dado, por Deus, à Igreja.

Por meio da graça da fé, Deus nos atrai para “um bem mais elevado que o capaz de ser experimentado pela fragilidade humana da presente vida”. Assim, passamos com a fé, a desejar “algo que excede totalmente o estado da presente vida, e a nos esforçar para procurá-lo.” Daí a grande graça de Deus. Sem ela, e sem a capacidade de compreender aquilo que escapa à nossa razão, não poderíamos almejar as coisas sobrenaturais. Sem a fé, não há como almejar o Céu, a visão beatífica de Deus. [As expressões entre aspas são do Doutor Angélico.]

Esqueçamos, portanto, da energia, do dinamismo semente, da fé cega, sem evidências. Tudo isso é besteirol modernista.

Há mais besteirol nos artigos do Sr. Zamagna que comentarei em futuros posts.

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03/10/2009

SANTA CASSILDA

Do livro Tesouro de Exemplos.

Era princesa moura, filha do rei de Toledo, e nasceu em fins do século décimo.

Seu boníssimo coração estremecia diante das misérias e sofrimentos que suportavam os escravos cristãos, aprisionados pelo rei em suas campanhas guerreiras.

A princesa visitava as masmorras e socorria os prisioneiros com dádivas e palavras consoladoras.

Eles, em troca, instruíam-na pouco a pouco na doutrina cristã. Atraída pela beleza de nossa religião, tão heróica e ao mesmo tempo tão misericordiosa, Cassilda pedia a Nossa Senhora, da qual lhe haviam falado os cativos, que se compadecesse dela e lhe mostrasse o caminho para receber o batismo e viver segundo a fé cristã.

A Virgem atendeu às suas súplicas. Cassilda começou a sentir-se doente de um mal estranho que lhe consumia os ossos, e contra o qual se mostravam impotentes os melhores médicos.

Um cativo cristão contou-lhe que, perto de Burgos, havia uma fonte, chamada de S. Vicente, cujas águas curariam a sua doença.

A princesa referiu ao pai o que ouvira do cativo e pediu-lhe licença para experimentar aquele remédio. Seu pai opôs-se, a princípio, por achar-se a fonte em terra de cristãos; mas, diante dos progressos da enfermidade, terminou por aceder.

Acompanhada de um séquito deslumbrante, chegou Cassilda a Burgos, onde foi cortesmente recebida pelo rei Fernando I de Castela e hospedada com todas as honras. Dirigiu-se logo à prodigiosa fonte e, quando se banhou em suas águas, recobrou a saúde corporal. Atribuindo-a à intercessão de Nossa Senhora, acabou de instruir-se na doutrina cristã e, pouco depois, as águas do batismo deram-lhe a saúde da alma.

O rei, seu pai, alarmado com a demora e com as notícias que recebia, enviou-lhe mensageiros com a ordem de regressar imediatamente.

S. Cassilda mandou dizer-lhe que já era princesa do céu e que, por seu reino temporal, não queria perder o Reino eterno.

Mandou construir uma humilde cela perto da fonte milagrosa e da igreja, onde recebera o batismo e ali passou a vida, dando exemplo de todas as virtudes, especialmente de caridade e penitência.

Sua festa cai no dia 9 de abril; e suas preciosas relíquias são veneradas, atualmente, parte na catedral de Burgos e parte na de Toledo.


Ler também: Santa Catarina de Sena, Santa Catarina de Gênova, Mais uma historinha do Tesouro de Exemplos, Tesouros de Exemplos – mais três historinhas, Mais duas historinhas católicas: Ah! se a Vozes ainda fosse uma editora católica!,Quando a Vozes ainda era uma editora católica

01/10/2009

Blog responde a comentário anônimo

Vez por outra tenho respondido a alguns comentários por meio de posts e não somente na seção de comentários, como faço usualmente. Penso que as respostas a estes comentários possam ser, de alguma forma, útil a outras pessoas.

Este é o caso do comentário ao post Lições das missas dominicais pós-Vaticano II– Parte XXIII que transcrevo, abaixo, como veio, e que não aparecerá na seção de comentários:
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Caro Angueth, dê uma lida neste artigo e tire suas próprias conslusões com relação a igualdade de erros entre modernistas e tradiocinalista. A linha que separa estas duas HERESIAS é bem mais fina do que muiot pensam. (http://www.diocesedeanapolis.org.br/ )

A humildade é das mais belas virtudes, e no visto esta te falta. Viva Santa Missa de PAULO VI. VIVA BENTO XVI!!!
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Começando pelo fim, eu diria ao meu comentarista que não é só a virtude da humildade que me falta. Faltam-me muitas outras e por isso eu me penitencio diariamente perante Deus, pedindo-O perdão. Mesmo assim, agradeço a você por ter me lembrado disso. É que às vezes nos esquecemos e quase, eu disse quase, nos orgulhamos da nossa humildade. Com leitores como você, estou certo e feliz de não me esquecer da minha falta de humildade.

Antes de prosseguir, apenas uma correção: a humildade não é uma das mais belas virtudes, ela é a principal virtude cristã. O vício correspondente, a soberba, é o único pecado puramente espiritual, que vem diretamente de satanás. Não é por outra razão que Jesus falou na primeira bem-aventurança: “Bem-aventurados os pobres de espírito ...”. A escolha não foi casual, como nada em Deus é casual!

Pelo tom de seu comentário, contudo, fico com a impressão de que você está confundindo a humildade com outra coisa. Isso é típico do espírito moderno e do espírito modernista. Chesterton diz, em Ortodoxia, que no mundo moderno, “a modéstia deslocou-se do órgão da ambição” para o da convicção. Chesterton prossegue: “Pois a antiga humildade fazia o homem duvidar de seus esforços” e “a nova humildade faz o homem duvidar de seus objetivos”.

O homem moderno (e também modernista) quando vê alguém criticando a opinião de outro homem, apresentando argumentos e dizendo que ele está errado, logo pensa que ele está faltando com a humildade. O homem para ser humilde hoje precisa dizer-se incerto, incapaz de criticar alguém, pois todo mundo tem direito a uma opinião e, como todos sabem, a verdade é relativa. Assim, faltei com a humildade por ter desmascarado Pe. Bortolini, que interpretava erroneamente as palavras de Cristo no Evangelho. Eu devia ter ponderado que o Pe. Bortolini tem a sua verdade e eu a minha e que uma crítica a ele seria uma falta grave. Acontece que o Pe. Bortolini está deformando uma verdade que não é apenas uma opinião minha, mas são as palavras de Cristo. A opinião que ele expressou em seu artigo não se sustenta quando a confrontamos com as palavras de Cristo. E ele o faz segundo a agenda modernista, tão conhecida de todos nós!

Por isso, caro anônimo, caso você queira discutir o meu post, seja mais prolixo, pois suas palavras, afirmando minha falta de virtudes são por demais modestas para merecerem uma discussão mais longa.

Agora, sua sugestão para visitar o site da Diocese de Anápolis eu não entendi. Mas uma coisa boa você acabou admitindo no início de seu comentário: os modernistas são hereges. Isso já é um bom começo e nos dá esperança.