22/06/2008

Nelson Rodrigues “entrevista” D. Hélder Câmara – Parte II

Eis a paisagem obrigatória: – um terreno baldio que tenha, no alto, uma lua de sangue e, por fundo, a gargalhada dos sátiros e duendes. Além de mim e d. Hélder, a única presença consentida é a de uma cabra vadia. O arcebispo foi pontualíssimo. Chega exatamente quando o sinal dava as doze badaladas. Alhures, uma coruja pia. D. Hélder pergunta: – “E o pessoal? Não vem ninguém?”.

Explico-lhe que o charme das entrevistas imaginárias é o pudor, o sigilo, o mistério. É preciso que ninguém as veja e ninguém as ouça, a não ser a cabra. D. Hélder vira-se: – “Em que jornal trabalha a cabra?” Respondo-lhe que a cabra tem vários defeitos, menos o de ser jornalista. Esclareço ainda: – “A única função da cabra é paisagística”. A frustração do sacerdote foi total. Fechou a questão: – “Só falo para jornal, rádio, televisão.” Pergunto: – “É sua última palavra?”. Era.

E já que não havia outro remédio, tratei de convocar uma imprensa também imaginária para ao local. Instantaneamente, apareceram lá o caminhão da Globo e os locutores-volantes, o Washington Rodrigues, o Pallut, o Paradelas, fotógrafos, correspondentes estrangeiros, a BBC de Londres etc. etc. Essa platéia espectral foi um afrodisíaco para o bom padre. O Justino Martins surgiu e prometeu uma capa de Manchete. O Cláudio Mello e Souza daria uma capa de Fatos & Fotos. Mas d. Hélder parecia ainda insatisfeito: – “E a Life não mandou ninguém?”. Tive que providenciar um enviado imaginário da Life.


Todos presentes, comecei – “D. Hélder, a diretora de um colégio religioso de São Paulo disse o seguinte: – que ser prostituta é uma profissão como outra qualquer. O senhor concorda?”. D. Hélder não respondeu logo. Semicerrou os olhos, juntou as mãos, como se rezasse. Os faunos e as ninfas, que costumam infestar os terrenos baldios, vieram espiar. Suspense aterrador. E, súbito, o arcebispo pula: – “Não! Não!”

Flashes assustam os grilos e os sapos do terreno baldio. Todos sentiram que d. Hélder ia fulminar a iniqüidade. De braços abertos, vai falando: – “Nunca, jamais! Ser prostituta não é uma profissão como outra qualquer. Absolutamente. É uma profissão que exige prendas raras. Raras”.

Instalou-se ali no mato, o caos profundo. A imprensa imaginária já não sabia se d. Hélder estava contra ou a favor. Os taquígrafos não perdem um suspiro do orador. Mas didático, d. Hélder está falando: – “Qualquer uma poder ser datilógrafa, não é exato? Mas uma messalina tem que possuir dons outros, atrativos especiais. Uma gaga não pode ser messalina. Uma bruxa de disco infantil não pode fazer prostituição. Tanto a gaga como o bucho morreriam de fome. Portanto, é injusto falar em ‘uma profissão como outra qualquer’. Ou estou enganado?”. O orador é aplaudido como um tenor no dó de peito.

O representante imaginário da Life faz a sua pergunta: – “É verdade que o senhor brigou com os 2 mil anos da Igreja?”. D. Hélder não ouviu direito. O outro repete: – “É verdade que o senhor brigou com o passado da Igreja?”. A resposta foi de uma rara felicidade: – “Meu amigo, que tem passado é a adúltera recuperada”. Neste momento, uma admiradora de J. G. de Araújo Jorge aparece com um livro: – “O senhor quer escrever isso no meu álbum?”. D. Hélder arranca da batina uma caneta e põe lá: – “Quem tem passado é a adúltera recuperada”. Na sua vaidade autoral, o arcebispo pergunta: – “Gostou?”. E a moça: – “Lindinho”.

Agora era a vez da estagiária do Jornal do Brasil. Eis a pergunta: – “O que é que o senhor acha do amor?”. D. Hélder fez um risonho escândalo. Diz: – “Oh, oh!”. E responde com outra pergunta: – “Que idade você tem?”. Resposta: – “Dezenove”. D. Hélder ralhou, alegremente: – “E como é que você, aos dezenove anos, fale em amor? O que é o amor? Isso não existe, nunca existiu. O amor é a doença do sexo”. Estaca ao som da própria frase. Diz: – “Acho que fui feliz”. E repete: – “O amor é a doença do sexo”. Estimulado pela frase, foi adiante: – “O amor tem que ser exterminado. Nunca a morbidez é do sexo, sempre do amor. O sexo é de uma pureza, de uma inocência, de uma saúde totais. Vejam a lição dos vira-latas e dos gatos vadios. Olhem a praça da República. Não se conhece um Werther entre os gatos do Campo de Santana. Jamais um vira-lata matou, ou se matou, ou deu manchete na Luta ou no Dia. Precisamos matar o amor” .

Era o fim. A aragem fina desfez a imprensa imaginária. O Justino Martins tornou-se diáfano, o Cláudio Mello e Souza, incorpóreo, a estagiária, alada. Paletós, camisas, gravatas e sapatos, tudo se volatilizou. E, por muito tempo, o terreno baldio ficou ressoante da sábia frase: – “O amor é a doença do sexo”.

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Ver também, Nelson Rodrigues “entrevista” D. Hélder Câmara.

17/06/2008

Lições das Missas dominicais pós-Vaticano II – Parte VI

Dóminus illuminátio mea et salus mea, quem timébo?”

Pe. Benedito Ferraro, cujos comentários têm sido aqui considerados, nos deu uma folga. Desde o folheto de Corpus Christi, seus comentários não aparecem n’O Domigo – Semanário Litúrgico-Catequético.

Minhas observações se referem ao que considero ser a parte catequética do folheto, ou seja, aos comentários que aparecem na última página. Para quem não conhece o folheto, há duas espécies de comentários. Um, que é uma espécie de homilia, que procura integrar as leituras da missa numa visão de conjunto. Outro, que tenta incutir em nossas mentes todas as iniqüidades do submarxismo eclesiástico, filho do Concílio Vaticano II. Este é o texto que resume a “lição das missas dominicais”, que aqui comentamos.

Desde o folheto de Corpus Christi, até o domingo passado, a senhora Cecília Domezi nos tem brindado com seus comentários sobre “A mulher na Igreja”. O assunto é importante e eu fiquei na expectativa de, finalmente, ler algo interessante nas páginas finais do folheto dominical. Afinal, foi a Igreja Católica a primeira instituição que valorizou e respeitou a mulher enquanto ser humano. A mulher conheceu a verdadeira liberdade na Idade Média, não nos anos 1960. É só ler Régine Pernoud (por exemplo, A mulher sem alma) para saber disso.

Há tantas santas para serem lembradas: Joana D’arc, Teresa d’Ávila, Teresinha de Lisieux etc. Mas note que nunca a Igreja afirmou a igualdade entre homem e mulher. Aliás, a Igreja nunca defendeu a igualdade entre os homens. Somos todos diferentes. Somente o olhar misericordioso do Pai pode nos acolher a todos igualmente.

Assim, a afirmação da senhora Domezi de que “pelo batismo, somos membros da Igreja na igualdade e por inteiro” é falsa. Pelo batismo pertencemos à Igreja, mas não somos iguais. Um padre é um membro diferente da Igreja. Cada um de nós é diferente dos outros, sejamos homens ou mulheres. A Igreja não aceita a ordenação de mulheres e isso é uma diferenciação bastante fundamental. Aliás, a senhora Domezi cita um trecho do tal Documento de Aparecida em que se tem a impressão que os bispos da CNBB estão a defender, com palavras equívocas, a ordenação de mulheres, quando diz: “É urgente que todas as mulheres possam participar plenamente da vida eclesial, familiar, cultural, social e econômica, criando espaços e estruturas que favoreçam maior inclusão” [negrito meu]. Está-se aqui clamando por maior inclusão das mulheres na estrutura da Igreja, coisa assaz esquisita!

A senhora Domezi, como não poderia deixar de ser, nos lembra quem, no fundo, é culpado por todas as mazelas do mundo: “Em nosso continente, o capitalismo de dependência alarga e aprofunda as chagas das discriminações e exclusões.” Seja lá o que for o tal “capitalismo de dependência” é ele o culpado.

É oportuno lembrar à senhora Domezi a posição da Igreja sobre o tema igualdade e comunismo. Vamos citar as manifestações de um único papa (Leão XIII) sobre o assunto (tirados de um documento do site Montfort, A Igreja contra a igualdade, o socialismo e o comunismo):

"Porque enquanto os socialistas, apresentando o direito de propriedade como invenção humana contrária a igualdade natural entre os homens; enquanto, proclamando a comunidade de bens, declaram que não pode tratar-se com paciência a pobreza e que impunemente se pode violar a propriedade e os direitos dos ricos, a Igreja reconhece muito mais sabia e utilmente que a desigualdade existe entre os homens, naturalmente dessemelhantes pelas forças do corpo e do espírito, e que essa desigualdade existe até na posse dos bens. 29. Ordena, ademais, que o direito de propriedade e de domínio, procedente da própria natureza, se mantenha intacto e inviolado nas mãos de quem o possui, porque sabe que o roubo e a rapina foram condenados pela lei natural de Deus" (Quod Apostolici Muneris, - Encíclica contra as seitas socialistas, no. 28/29).

"Entretanto, embora os socialistas, abusando do próprio Evangelho para enganar mais facilmente os incautos, costumem torcer seu ditame, contudo, há tão grande diferença entre seus perversos dogmas e a puríssima doutrina de Cristo, que não poderia ser maior" (Quod Apostolici Muneris, 14).

"25. Daquela heresia (protestantismo) nasceu no século passado o filosofismo, o chamado direito novo, a soberania popular, e recentemente uma licença, incipiente e ignara, que muitos qualificam apenas de liberdade; tudo isso trouxe essas pragas que não longe exercem seus estragos, que se chamam comunismo, socialismo e nihilismo, tremendos monstros da sociedade civil" (Diuturnum, Encíclica sobre a origem do poder- n° 25).

"A Igreja, pregando aos homens que eles são todos filhos do mesmo Pai celeste, reconhece como uma condição providencial da sociedade humana a distinção das classes; por esta razão Ela ensina que apenas o respeito recíproco dos direitos e deveres, e a caridade mútua darão o segredo do justo equilíbrio, do bem estar honesto, da verdadeira paz e prosperidade dos povos. (...) Mais uma vez Nós o declaramos: o remédio para esses males [da sociedade] não será jamais a igualdade subversiva das ordens sociais ( Alocução de 24/01/1903 ao Patriarcado e à Nobreza Romana).

" Importa, por conseqüência que nada lhe seja à democracia cristã mais sagrado do que a justiça que prescreve a manutenção integral do direito de propriedade e de posse; que defenda a distinção de classes que sem contradição são próprias de um Estado bem constituído". ( Leão XIII, Graves de Communi Re n° 4).

"A sociedade humana, tal qual Deus a estabeleceu, é formada de elementos desiguais, como desiguais são os membros do corpo humano; torná-los todos iguais é impossível: resultaria disso a própria destruição da sociedade humana."

"A igualdade dos diversos membros sociais consiste somente no fato de todos os homens terem a sua origem em Deus Criador; foram resgatados por Jesus Cristo e devem, segundo a regra exata dos seus méritos, serem julgados por Deus e por Ele recompensados ou punidos."

"Disso resulta que, segundo a ordem estabelecida por Deus, deve haver na sociedade príncipes e vassalos, patrões e proletários, ricos e pobres, sábios e ignorantes, nobres e plebeus, os quais todos, unidos por um laço comum de amor, se ajudam mutuamente para alcançarem o seu fim último no Céu e o seu bem-estar moral e material na terra." (extraída da Encíclica Quod Apostolici Muneris)

Assim, senhora Domezi, somos todos desiguais. As mulheres são desiguais entre si e diferentes dos homens. Há entre nós reis e vassalos, pobres e ricos, sábios e ignorantes. Só o olhar do Pai e nossa filiação divina (pelos méritos de nosso Senhor Jesus Cristo) nos tornam iguais, mas essa é uma igualdade transcendente, não imanente.

Para ver outros comentários, clique: Parte I, Parte II, Parte III, Parte IV, Parte V


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16/06/2008

Fla-flu religioso?

Este modesto blog, pelas informações recentes, está tendo leitores ilustres, que me honram muito. Acabo de saber de outro leitor ilustre. Um amigo me envia um e-mail contendo um texto do sr. Pedro Sette Câmara (KGB do esoterismo) em que há um pequeno comentário, com link para este blog. O comentário se refere ao que eu disse no post “René Guenón e monsenhor Lefebvre”.

Disse eu que: “Se há algum flanco da Igreja suscetível de um ataque cultural e religioso islâmico, este não é o flanco tradicionalista, representado por monsenhor Lefebvre.” Adicionei à afirmação alguma justificativa, que parece não ter sido suficiente. E isso tudo sugeriu ao sr. Pedro uma metáfora futebolística.

Essa metáfora tem uma conseqüência nefasta, que certamente não ocorreu ao sr. Pedro, que é o de menosprezar o interlocutor, que no caso específico, sou exatamente eu. A metáfora reduz o problema a uma mera escolha de lados, cuja racionalidade seria a mesma da escolha de um time de futebol. “Torço” por monsenhor Lefebvre como alguém torce pelo Flamengo.

Assim, deixando de lado essa infeliz metáfora, vou tentar ser mais claro do que fui no post anterior, para que os leitores deste blog possam entender minha posição.

O que eu disse, e continuo dizendo, é que os modernistas (uso aqui o conceito “modernismo” no sentido de S. Pio X), que foram os vencedores no Concílio Vaticano II, concílio que, nos quase 50 anos subseqüentes, tem sido um desastre de dimensões descomunais para a Igreja Católica, são muitíssimo mais suscetíveis a influências religiosas externas que o flanco tradicionalista. Isso não é uma opinião. É um fato. Foram eles que cederam às pressões dos protestantes (ver, por exemplo, Hans Kung: ´O Concílio Vaticano II introduziu o modelo protestante na Igreja Católica!). Foram eles que cederam às pressões dos comunistas, no acordo de Metz. Foram eles que aceitaram a influência de maçons de variados matizes. Ou seja, que eles são suscetíveis a tais pressões é um fato.

E por que acho eu que monsenhor Lefebvre e o grupo que se formou em torno dele são infinitamente menos suscetíveis a essas influências? Porque simplesmente, durante todo esse tempo, não houve indícios de isso ter ocorrido. Como diz d. Lourenço: “Quem seria capaz de mencionar um só sinal de influência?” Eles têm se mantido numa posição imutável de defesa da fé. Muitos acham que essa posição é intransigente. Mas é fato incontestável que eles têm se mantido nela. E isso é outro fato.

Minha opinião se fundamente nesses dois fatos.

14/06/2008

René Guénon e monsenhor Lefebvre

Olavo de Carvalho tem nos alertado sobre a dominação mundial vagarosa que o Islã promove, a começar pela dominação cultural e religiosa. O filósofo tem artigos que devem ser lidos e relidos, estudados enfim. São eles: O segredo da invasão islâmica, Ocidente islamizado e Alquimia da islamização.

Eu tenho, também vagarosamente, traduzido neste blog o livro de Hilaire Belloc “As grandes heresias”, que tem um capítulo, ainda não completamente traduzido, específico sobre o Islã: “A grande e duradoura heresia de Maomé” (Parte I, Parte II, Parte III , Parte IV e Parte V). Este texto, em conjunto com aqueles artigos de Olavo nos dão uma idéia do inimigo que a Civilização Ocidental terá, cedo ou tarde, de enfrentar novamente.

Recentemente, Olavo de Carvalho escreveu outro artigo sobre o Islã: Influências discretas. Há uma afirmação no final desse artigo que me causou certa surpresa. Ele diz: “Para fazer uma idéia da força da influência sutil de Guénon e Schuon, basta saber que este último interferiu diretamente na produção da crise entre monsenhor Lefèvre [acho que a grafia correta é Lefebvre] e o Vaticano, em 1976, e até hoje os historiadores católicos – sejam progressistas ou conservadores – nem se deram a mínima conta disso.” Achei excessiva essa afirmação. Contudo, como nada sabia que pudesse corroborar ou negar essa afirmação, fiquei aguardando algo mais concreto que pudesse me ajudar a entender o que queria Olavo de Carvalho dizer.

Ontem (13/06/2008), surge um texto de d. Lourenço Fleischman no site Permanência, que, considero, começa a esclarecer esse assunto. O filósofo comenta, em seu talk show de 09/06/2008, a respeito do que ele ouviu, certa vez, de Rama Coomaraswamy, um guenoniano: “Mons. Lefebvre é um idiota, mas trabalha para nós”. Comenta ainda: “Eu vou dizer: aqueles quatro padres que foram sagrados bispos pelo Mons. Lefebvre, foram alunos do professor Rama Coomaraswamy”.

Esses comentários suscitam, então, uma resposta de d. Lourenço, que é um dos dois padres brasileiros sagrados por monsenhor Lefebvre. Vale a pena ler o que d. Lourenço escreve.

A discussão está em andamento e já estamos sabendo, pelo menos, a respeito das fontes de Olavo de Carvalho, para o enigmático e, talvez, excessivo trecho do artigo citado acima.

Continuo achando a afirmação de Olavo de Carvalho, naquele artigo, excessiva. Se há algum flanco da Igreja suscetível de um ataque cultural e religioso islâmico, este não é o flanco tradicionalista, representado por monsenhor Lefebvre. É justamente o modernista, filho do Vaticano II, que é ecumênico e aberto a influências religiosas variadas. São os modernistas que se gabam por acolher outras vias de salvação da alma, além da Igreja Católica. São eles que gostam do tal “diálogo” inter-religioso. Não monsenhor Lefebvre, não os tradicionalistas, não a Fraternidade Sacerdotal São Pio X.

12/06/2008

Nelson Rodrigues “entrevista” D. Hélder Câmara

Outro dia, num e-mail pessoal, dizia a um amigo que lendo “O século do nada”, de Gustavo Corção, podíamos sentir toda a angústia que ia na alma do grande pensador católico produzida pelo desastre do catolicismo, com o triunfo do modernismo (no sentido dado ao termo por São Pio X), consolidado pelo Concílio Vaticano II.

Nelson Rodrigues, através de suas crônicas dos anos 1960, registrou o mesmo fenômeno, desde um outro ponto de vista, com um outro tipo de texto, mas sem deixar de demonstrar seu mais extraordinário espanto. Leiam abaixo, trechos tirados de suas crônicas em que ele entrevista imaginariamente D. Hélder Câmara, então expoente da “nova” Igreja.

Quem, como nós, já convive com a “nova” Igreja há quase 50 anos, sabemos que tudo que d. Hélder disse imaginariamente a Nelson Rodrigues, os bispos da CNBB puseram em prática neste nosso triste país.

Entrevista

“(...) Até que, um dia, na crônica, ocorreu-me a idéia das ‘entrevistas imaginárias’. Aí estava a única maneira de arrancar do entrevistado as verdades que ele não diria ao padre, ao psicanalista, nem ao médium, depois de morto.

“Fascinou-me a ‘entrevista imaginária’. Precisava, porém, arranjar-lhe uma paisagem. Não podia ser um gabinete, nem uma sala. Lembrei-me, então, do terreno baldio. Eu e o entrevistado e, no máximo, uma cabra vadia. Além do valor plástico da figura, a cabra não trai. Realmente, nunca se viu uma cabra sair por aí fazendo inconfidências. Restava o problema do horário. Podia ser meia-noite, hora convencional, mas altamente sugestiva. Nada do que se diz, ou faz, à meia-noite, é intranscendente. Boa hora para matar, para morrer ou, simplesmente, para dizer as verdades atrozes.

“(...) E súbito um nome ilumina minhas trevas interiores: -- ‘D. Hélder!’. De todos os vivos e mortos do Brasil, era ele o mais urgente, o mais premente. E, de mais a mais, uma batina é sempre paisagística

“Ontem, finalmente, houve, no terreno baldio, a ‘entrevista imaginária’. À meia-noite, em ponto, chegava d. Hélder. Lá estava também a cabra, comendo capim, ou, melhor dizendo, comendo a paisagem. À luz do archote, começamos a conversar. Primeira pergunta: -- ‘O senhor fuma, d. Hélder?’. Resposta: -- ‘A entrevista é imaginária?’ Acho graça: -- ‘Ou o senhor duvida?’. E d. Hélder: -- ‘Se é imaginária, fumo. Qual é o teu?’. Digo: -- ‘Caporal Amarelinho’. Cuspiu por cima do ombro: ‘Deus me livre. Mata-rato!’.

“Faço a pergunta: -- ‘Que notícias o senhor me dá da vida eterna?’. Riu: -- ‘Rapaz! Não sou leitor do Tico-Tico nem do Gibi. Está-me achando com cara de vida eterna?’. No meu espanto, indago: -- ‘E o senhor acredita em Deus? Pelo menos em Deus?’. O arcebispo abre os braços, num escândalo profundo: -- ‘Nem o Alceu acredita em Deus. Traz o Alceu para o terreno baldio e pergunta’.

“Ele continuava: -- ‘O Alceu acha graça na vida eterna. A vida eterna nunca encheu a barriga de ninguém’. D. Hélder falava e eu ia taquigrafando tudo. Aquele que estava diante de mim nada tinha a ver com o suave, o melífluo, o pastoral d. Hélder da vida real. E disse mais: -- ‘Vocês falam de santos, de anjos, de profetas, e outros bichos. Mas vem cá. E a fome do Nordeste: Vamos ao concreto. E a fome do Nordeste?’.

“Não me ocorreu nenhum outro comentário senão este: -- ‘A fome do Nordeste é a fome do Nordeste’. D. Hélder estende a mão: -- ‘Dá um dos teus mata-ratos’. Acendi-lhe o cigarro. ‘Diz cá uma coisa, meu bom Nelson. Você já viu um santo, uma santa? Por exemplo: -- Joana D’arc. Já viu a nossa querida Joana D’arc baixar no Nordeste e dar uma bolacha a uma criança? As crianças lá morrem como ratas. E o que é que esse tal de são Francisco de Assis fez pelo Nordeste? Conversa, conversa!’

“Lanço outra isca: -- ‘É verdade que o senhor vai para o Amazonas?’. Riu: -- ‘Onde fica esse troço? Ó rapaz! Ainda nunca desconfiaste que a fome do Nordeste é o meu ganha-pão? E o Amazonas é terra de jacaré. Tenho cara de jacaré?’. Concordo em que ele não tem nenhuma semelhança física com um jacaré. Indago: -- ‘E o comunismo?’.

“D. Hélder conta: -- ‘Quando estive nos Estados Unidos, bolei um cartaz assim: O arcebispo vermelho! Era eu o arcebispo vermelho, eu!’. Insinuei a dúvida: -- ‘Mas esse negócio de comunismo é meio perigoso’. Nova risada: -- ‘Perigosa é a direita. A direita é que não dá mais nada. O arcebispo vermelho fez um sucesso tremendo nos Estados Unidos.’.

“ Pede outro cigarro. Fez novas confidências: -- ‘Sou homem da minha época. Na Idade Média, eu era da vida eterna, do Sobrenatural. Fui um santo. É o que lhe digo: -- cada época tem seus padrões. Benjamim Costallat, no seu tempo, era o Proust. O charleston já foi a grande moda. Pelo amor de Deus, não me falem da vida eterna, que é mais antiga, mais obsoleta do que o primeiro espartilho de Sarah Bernhardt. Hoje, a moda não é mais Benjamim Costllat, nem o charleston. Entende? É Guevara. O santo é Guevara. E acompanho a moda’.

“Desfechei-lhe a pergunta final: -- ‘E a Presidência da República?’. D. Hélder respira fundo: -- ‘Depende. A fome do Nordeste é o barril de pólvora balcânico. Fome, mortalidade infantil, muita miséria e cada vez maior. Chegarei lá’. Era o fim da ‘entrevista imaginária’. Despedi-me assim: -- ‘Até logo, presidente’. Respondeu: -- ‘Obrigado, irmão’. E antes de partir fez a última declaração: -- ‘Olha, as donas de casas têm uma simpatia para curar dor de barriguinha em criança. Acredito mais na simpatia do que na ressurreição de Lázaro’. Disse isso e sumiu na treva.”

10/06/2008

Quem sou eu?

Acabo de receber o seguinte comentário: "Ontem (09/06/2008), em seu talk show, o Olavo disse que o sr. pertencia à Permanência, porque ele vira "um link para a Permanência" aqui (é um modo singular de descobrir se alguém é membro de uma associação, verificar os links...). Um ouvinte, no entanto, disse que o sr. era membro da Montfort de Belo Horizonte. Gostaria então de saber se o senhor é membro de alguma dessas Associações ou se ambos, o Olavo e seu ouvinte, estão enganados. Grato."

Vou desvendar aos leitores deste blog minha identidade, para quem a desconhece. Antes porém, quero dizer que fico lisonjeado por ter sido citado no talk show do professor Olavo.

Já comentei aqui neste blog que, para mim, os melhores sites católicos do Brasil são Permanência e Montfort. Eles estão marcados como links (Sites Católicos) aqui do lado direito. Eu sei muito bem que os dois grupos têm divergência de opiniões. Mas quem não as tem?

Recentemente, tive duas traduções minhas de Chesterton publicadas no site da Permanência, o que foi anotado no blog (abaixo) e muito me honrou. Há um manancial de textos preciosíssimos nesse site que recomendo a todos.

Toda vez que o prof. Orlando Fedeli vem a Belo Horizonte vou assistir às suas aulas, que são extraordinárias. Aprendo muitíssimo com ele e devo muito a ele. Sou leitor assíduo do site da Montfort e recomendo a todos sua leitura.

Há, em BH, um grupo a ele ligado, que me é muito simpático. Reúno com eles, com uma freqüência menor do que eu gostaria. Colaboro com eles no que me é possível. Rezo o terço com eles, quando Deus permite.

Quanto ao prof. Olavo, devo a ele o redirecionamento intelectual de minha vida. Suas obras tiraram de minha mente todas as idiotices e iniqüidades esquerdistas. Por isso, lhe sou eternamente grato. Li quase toda a sua obra e leio todos os seus artigos. Sou articulista do MSM, site fundado por ele, e que considero fundamental para os brasileiros.

Mas sou, como o prof. Olavo gosta de dizer de si mesmo, apenas um, não uma legião. Luto diariamente contra minha ignorância, que parece aumentar a cada dia. E, claro, sigo muitas de suas indicações de leitura para isso. Isso não quer dizer que concordo com tudo que ele diz, sobretudo sob o ponto de vista religioso. Como católico, sou obediente à Tradição da Igreja e, algumas vezes, sob o meu ponto de vista, as opiniões do prof. Olavo se chocam com essa Tradição.

Assim, não há nada especial a meu respeito a ser desvendado. Sou apenas um católico tentando esperançosamente seguir, sem o conseguir, o conselho de Cristo: “Sede perfeitos, como meu Pai é perfeito”.

07/06/2008

1 Tessalonicenses 5, 19-22

Agitar idéias – dizia o Padre Leonel Franca – é mais grave do que mobilizar exércitos. E continuava: “O soldado pode semear os horrores da força bruta, mas tem uma hora em que seu braço cansa e a espada torna à cinta ou se enferruja e se consome com o tempo. A idéia, uma vez desembainhada, é arma sempre ativa, que não volta ao estojo nem se embota com o tempo”.


Digo isso a respeito de recente artigo do prof. Olavo de Carvalho, intitulado Errando e Aprendendo. Neste artigo o filósofo parece interpretar a expressão “Experimentai de tudo e ficai com o que é bom” como uma sugestão, ou até um comando, para que experimentemos tudo na vida, e só depois disso, separemos o bem do mal.

Se eu o entendi bem, a interpretação do professor é muito grave. Vai contra a própria constituição da Igreja como Fidei Depositum. Chesterton fala, em Porque sou católico, da Igreja nos seguintes moldes:

Não há nenhum outro caso de uma instituição inteligente e contínua que tenha pensado sobre o pensamento por dois mil anos. Sua experiência cobre naturalmente quase todas as experiências; e especialmente quase todos os erros. O resultado é um mapa no qual todas as ruas sem saída e as estradas ruins estão claramente marcadas, todos os caminhos que se mostraram sem valor pela melhor de todas as evidências: a evidência daqueles que os percorreram.

Nesse mapa da mente, os erros são marcados como exceções. A maior parte dele consiste de playgrounds e alegres campos de caça, onde a mente pode ter tanta liberdade quanto queira; sem se esquecer de inúmeros campos de batalha intelectual em que a batalha está ternamente aberta e indefinida. Mas o mapa definitivamente se responsabiliza por fazer certas estradas se dirigirem ao nada ou à destruição, a um muro ou ao precipício. Assim, ele evita que os homens percam repetidamente seu tempo ou suas vidas em caminhos sabidamente fúteis ou desastrosos, e que podem atrair viajantes novamente no futuro. A Igreja se faz responsável por alertar seu povo contra eles; e disso a questão real depende. Ela dogmaticamente defende a humanidade de seus piores inimigos, daqueles grisalhos, horríveis e devoradores monstros dos velhos erros. Agora, todas essas falsas questões têm uma maneira de parecer novas em folha, especialmente para uma geração nova em folha.

A interpretação do professor parece também contrária à tradição da Igreja. Na Homilia 11 sobre a primeira Epístola aos Tessalonicenses, São João Crisóstomo discorre sobre a passagem que contém o versículo a que o prof. Olavo se refere. Ele nos diz:

Houve entre eles [tessalonicenses] muitos que profetizavam verdadeiramente, mas alguns profetizavam falsamente. Isso ele também diz na Epístola ao Coríntios, que por isso Ele deu o
discernimento dos espíritos (1 Cor. 5, 10). Pois o demônio, por meio de sua ação vil, interfere com o espírito [‘Não extingais o espírito’] para subverter tudo quanto pertence à Igreja. Como ambos o demônio e o Espírito profetizam com relação ao futuro, um dizendo mentira e o outro, verdade, não era possível provar qual estava errado (...) [e por isso] Ele deu também o discernimento dos espíritos. Ele [Paulo] diz isso aqui porque havia então muitos que profetizavam entre os tessalonicenses. Ou seja, não proíba as profecias porque há falsos
profetas, não despreze as profecias.

“Vês que isso é o que ele quer dizer pela expressão ‘Provai todas as coisas’? Porque ele dissera ‘Não desprezeis as profecias’, para que não se pensasse que ele tinha fraqueado o púlpito a todos, ele disse, ‘Provai todas as coisas’, isto é, se as profecias são realmente verdadeiras; e apegue-se àquelas que são boas. Abstenha de todo o mal; não deste ou daquele, mas de todo o mal.


Na mesma linha de São João Crisóstomo, o comentário do Pontifício Instituto Bíblico do Roma (Novo Testamento, Edições Paulinas, 1969) diz o seguinte, sobre 1 Tessalonicenses 5, 19-21:


Devem os cristãos nutrir grande estima pelos carismas, dons que o Espírito Santo concedia especialmente nos inícios do cristianismo (cf. 1Cor 13 e 14), particularmente pelo dom da profecia; devem, porém, ter o cuidado de saber avaliar, discernir e reter só as profecias verdadeiras (cf. 1Cor 14,20).


Ou seja, a Tradição da Igreja, restringe aquele “Provai tudo” ao dom das profecias, para que se pudessem distinguir as profecias falsas das verdadeiras. Essa interpretação faz sentido também se analisarmos todo o epistolário Paulino. O próprio prof. Olavo admite que “São Paulo, ao longo de suas cartas, enunciou muitas regras de conduta, mais pormenorizadas do que aquelas contidas nos Dez Mandamentos. Se você lê essas regras, já sabe portanto o que, segundo o ensinamento do Apóstolo, é bom e é mau.”


Eu diria que, o católico, sabe o que é bom e o que é mau, pelas Escrituras Sagradas, pela Tradição da Igreja, pelo Catecismo. Não temos de experimentar tudo para separar o bom do mau. Mas, repitamos as palavras de Chesterton: há, no campo delimitado pela Igreja, “playgrounds e alegres campos de caça, onde a mente pode ter tanta liberdade quanto queira; sem se esquecer de inúmeros campos de batalha intelectual em que a batalha está eternamente aberta e indefinida”.

O católico antes de ser experimentador é um obediente. Obediente à Igreja, obediente a Deus. Quase sempre não realizamos a perfeita obediência, mas isso é outra história. Cito, sobre esse assunto, um trecho de “Dois Amores, Duas Cidades”, de Gustavo Corção:


Desde o pseudo-Dionísio, até os mais modernos autores de teologia mística, o progresso na santificação é de certo modo simétrico ao progresso de emancipação. Nos primeiros passos, o homem movido pela solicitação da graça de Deus põe em jogo as virtudes, e caminha com o esforço que os obstáculos do caminho pedem. Essa primeira fase, chamada via purgativa, se caracteriza, segundo o ensino clássico, pelo modo das virtudes que tem semelhança com o modo humano de progredir. É a fase da arrancada, da partida, do arranco, na qual permanecem quase todas as vidas cristãs. A fase seguinte, dos perfeitos, se caracteriza pela maior plenitude da operação dos dons, que são como os ventos de Deus nas velas das alma. O homem mais perfeitamente espiritual é aquele que é levado pelo Espírito, como diz São Paulo, e não aquele que ainda luta e se debate nas purificações ascéticas. Daí o supremo valor da obediência nessa obra em que todas as iniciativas vêm de Deus, como também todas as energias para permitirem ao homem o take-off sobrenatural. E daí os aparente paradoxos com que se tenta definir a santidade. O servo de Deus é o mais livre dos homens. A alma santificada é a que realiza a mais perfeita virilidade na mais perfeita infância. O coração do santo é um fogo que vitaliza em vez de carbonizar, ou é un ouragan docile, como disse Maritain.

Sei que essa obediência à Escritura e à Igreja pode soar a muitos como perda de liberdade – apesar dos playgrounds e alegres campos de caça de que nos fala Chesterton. Como esse conceito de liberdade já foi muito aviltado, nos últimos 4 séculos, digo apenas que o conceito de liberdade dos católicos é aquele que é muito bem definido na magistral Encíclica Libertas, de Leão XIII.


03/06/2008

Site Permanência publica traduções deste blog

Este blog fica honrado pela publicação de duas de suas traduções no site Permanência. São artigos de Chesterton: Por que sou católico e Religião e sexo.

Há outros artigos de Chesterton publicados no site Permanência, muito bem traduzidos, que recomendo a todos.