Há 50 anos, neste dia, o Papa João XXIII convocava o XXI Concílio Ecumênico da Igreja Católica. Com este comentário, termino aqui a
série de posts que comecei
em 13 de maio de 2011. Foram, com este, 37 posts, entre textos e vídeos, com que procurei
lembrar do tsunami que atingiu a Igreja neste meio século passado.
Para mim, duas são as frases mais significativas sobre o Concílio Vaticano II. Uma é a do Papa que o encerrou:
“A religião de Deus que se fez homem se encontrou com a
religião (pois é uma religião) do homem que se faz Deus.” (Papa Paulo VI,
discurso de encerramento do Concílio Vaticano II, 8 de dezembro de 1965.)
A outra é a do Cardeal Ratzinger, então Prefeito da
Congregação para a Doutrina da Fé, depois Papa Bento XVI:
"Se se deve admitir um diagnóstico global sobre esse
texto [a Gaudium et Spes do Vaticano
II] poderia dizer-se que significa, (junto com os textos sobre a liberdade
religiosa e sobre as religiões mundiais) uma revisão do Syllabus de Pio IX, uma
espécie de Antisyllabus" (Cardeal Ratzinger, Teoria dos Princípios
Teológicos, Herder, Munchen, Barcelona, 1992-1995, p. 457).
A frase de Paulo VI é por demais clara para merecer qualquer
comentário adicional.
A afirmação do Cardeal Ratzinger, pelo cargo que ele então ocupava, e pelo que hoje ocupa, é extraordinariamente esclarecedora acerca
do Concílio. Se os principais documentos desse concílio se contrapõem ao
Sillabus de Pio IX, que condena os erros da época, isso só
pode significar que tal concílio reafirma os erros, ou nega que tais afirmações
elencadas por Pio IX seja, de fato, erros, ou até que aqueles erros do século
XIX se tenham transformados em acertos no século XX. Seja como for, é bom
lembrar que o Sillabus dividia os erros em nove categorias, a saber: I.
Panteísmo, Naturalismo e Racionalismo Absoluto; II. Racionalismo Moderado; III.
Indiferentismo, Latitudinarismo; IV. Socialismo, Comunismo, Sociedades
Secretas, Sociedades Bíblicas, Sociedades Clérico-Liberais; V. Erros Sobre a
Igreja e os Seus Direitos; VI. Erros de Sociedade Civil, tanto Considerada em
Si, Como nas Suas Relações com a Igreja; VII. Erros acerca da Moral Natural e a
Moral Cristã; VIII. Erros Acerca do Matrimônio Cristão; IX. Erros acerca do
Principado Civil do Pontífice Romano. É bom ler todo o Sillabus com muita atenção
e meditar nas palavras de Ratzinger. Assim, podemos começar a entender o
Concílio Vaticano II em sua dimensão mais profunda. E veja que, correndo o
risco de uma enfadonha repetição: o cardeal era o Prefeito da Congregação para
a Doutrina da Fé.
Tudo o que ocorreu no Concílio, inclusive o golpe desfechado
por um grupo muito coeso e bem identificado, contra Nosso Senhor e Nossa
Senhora, foi o trabalho de muitas décadas anteriores, desde o século XIX.
Alguns, pouco antes da abertura do Concílio, tinham os olhos muito bem abertos
e sabiam exatamente o que estava acontecendo. Há depoimentos impressionantes a
respeito. Colho a seguir o depoimento de Mons. Antonino Romeo, da Sagrada
Congregação para os Seminários e as Universidades, que em janeiro de 1960,
escreveu um artigo, em que nos informa sobre como ele via a situação da
Igreja (O Concílio Vaticano II: uma história nunca escrita, Roberto Mattei, Caminhos Romanos, 2012).
“Indícios cada vez mais numerosos, provenientes de vários
lugares, atestam o gradual desenvolvimento de uma ampla e progressiva manobra,
dirigida por habilíssimos chefes aparentemente muito piedosos, cujo objetivo é
eliminar o cristianismo que foi ensinado e vivido durante dezenove séculos, a
fim de o substituir por um cristianismo, ‘dos novos tempos’. A religião pregada
por Jesus e pelos Apóstolos, intensamente posta em prática por Santo Agostinho,
São Bento, São Domingos, São Francisco, Santo Inácio de Loyola, é febrilmente
corroída para que venha a desaparecer; e para que então se imponha em vez dela
uma nova religião, sonhada pelos gnósticos de todos os tempos, a que já se
chama, aqui ou ali, ‘o cristianismo adaptado aos novos tempos’. O cristianismo dos ‘novos tempos’ assentará
na divindade cósmica e nos direitos do homem; terá como dogmas do seu ‘Credo’ o
monismo evolucionista com progresso indefinido, a liberdade humana sem limites
e a igualdade universal, com cambiantes de ‘fé’ cientista, teosófica e
ocultista, que variarão conforme os ambientes. Terá como moral obrigatória a ‘adaptação’,
ou seja, o ‘conformismo’, com a proibição de toda e qualquer ‘frustração’ e o
dever de satisfazer todos os instintos e todos os impulsos; a finalidade
última da vida eterna será afastada e substituída pelas ‘realidades terrenas’
que o obscurantismo dos dezenove séculos tinha posto de quarentena e que são
hoje ‘reabilitadas’ com grande zelo. Neste cristianismo ‘novo’, Jesus, os
Apóstolos, as definições e as diretivas emanadas do Magistério da Igreja
durante dezenove séculos passarão a ser simples memórias, como valor
exclusivamente ‘histórico apologético’: anéis da cadeia de uma evolução
indefectível que só terminará quando o homem, tendo-se tornado o Ser
perfeitíssimo, for reabsorvido na infinidade do Todo. ”
Alguns dias antes do encerramento da Primeira Sessão do Concílio, que ocorreu em 8 de dezembro de 1962, Mons. Luigi Carlo Borromeo, então bispo de Pesaro, anotava em seu diário (tiro a citação do livro de Mattei citado acima):
"Estamos em pleno modernismo. Não se trata do modernismo ingênuo, declarado, agressivo e combativo dos tempos de Pio X, não. O modernismo dos nossos tempos é mais sutil, mais camuflado, mais penetrante e mais hipócrita. Não pretende provocar uma tempestade, pretende que toda a Igreja se torne modernista sem disso se aperceber. (...) O novo modernismo também admite a tradição, mas como consequente à Escritura, originada pela Escritura e pelo Magistério, que originalmente teve por objeto apenas a Escritura. No modernismo, Cristo salva-se, mas não é o Cristo histórico; é um Cristo elaborado pela experiência religiosa, a fim de que houvesse uma figura humana, bem delineada e concreta, que apoiasse as experiências religiosas que não podiam ser expressas, na sua riqueza e intensidade, pro meio de puros conceitos racionais e abstratos. (...) Assim também, o modernismo de hoje salva todo o cristianismo, o seus dogmas e a sua organização, mas esvazia-o por completo e inverte-o. Já não se trata de uma religião que vem de Deus, mas uma religião que vem diretamente do homem e indiretamente do divino que há no homem."
Que palavras terríveis as dos Monsenhores Romeo e Borromeo; tanto mais terríveis por serem extraordinariamente proféticas. Este é o modernismo que devastou a Igreja nos últimos 50 anos, por dolorosa permissão divina (quam incomprensibilia sunt iudicia Eius!) Este é o modernismo no qual vivemos, no qual sofremos.
Comecei esta série de posts na data da primeira aparição da Virgem Santíssima na Cova da Iria, em Fátima. Termino-a hoje, em que se comemora a festa da Maternidade de Nossa Senhora, instituída
por Pio XI, em 1931, por ocasião do décimo quinto centenário do Concílio de
Éfeso, que declarou Maria Teotokos.
Os modernistas, que no Concílio deram um golpe terrível na Virgem Santíssima,
comemoram hoje os 50 anos de convocação deste que foi o único concílio da
Igreja que não condenou os erros do seu tempo, um dos quais fora condenado por
Maria em Fátima. Nós devemos comemorar a Maternidade de Maria, nossa Mãe, e
suplicar para que ela nos acolha em seu colo santíssimo, nestes tempos duríssimos
em que vivemos.
Virgem Santíssima, olhai por nós!