08/09/2007

Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Final



Ver Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte I, Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte II, Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte III, Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte IV, Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte V, Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte VI, Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte VIIe Opondo-se à heresia austríaca


Dr. Peter Chojnowski



G) Santo Antonino, o preço justo e o salário justo

Santo Antonino de Florença tinha compromisso explícito com a idéia de que a autoridade civil tinha o direito, e freqüentemente, o dever de determinar os preços em nome do bem comum. A “estimação geral” pela qual os preços deveriam ser determinados incluía, claramente, a possibilidade do Estado determinar explicitamente o preço dos itens. Segundo De Roover:


“Santo Antonino ... afirma que seria desejável, sob certas circunstâncias, que os preços de produtos alimentícios e de outras necessidades sejam fixados por um bispo, ou ainda melhor, pelas autoridades civis. Se há tal regulamentação, os comerciantes de alimentos e outros produtos não podem, sem pecar, aumentar os preços acima do mínimo legal.” [1]

Longe de ser um entusiasta do “livre mercado”, o Arcebispo de Florença reafirma a tradicional condenação da usura e do monopólio. Ele também insiste de que há um “salário justo”. O cálculo do que constituiria um “salário justo” era um processo social e complexo que envolveria a consideração de muitos elementos diferentes. Tomando a citação de Santo Antonino usada por De Roover: “Santo Antonino afirma que o propósito dos salários não era somente compensar o trabalhador por seu trabalho, mas também capacitá-lo a prover para si e para sua família, segundo sua situação social.” [2] Além do mais, “era tanto injusto quanto pecaminoso pagar menos do que o salário justo porque o trabalhador tinha bocas a alimentar tal como era injusto pagar menos do que o preço justo por causa da necessidade urgente do vendedor.” [3] Santo Antonino via o homem como um todo, não apenas como um possuidor (ou não possuidor) de propriedade privada. Toda a conversa sobre um “salário justo” (sem mencionar um “preço justo”) nada significa a menos que entendamos o homem como uma criatura social e todas as atividades e interações sociais humanas, incluindo as econômicas, como tendo uma orientação a um bem mais alto e mais perfeito, pelo menos o bem verdadeiro e satisfatório da existência humana. Vemos esse amplo entendimento teleológico (do grego telos ou objetivo) do bem humano no seguinte trecho em que De Roover comenta o ensinamento de Santo Antonino:

“O propósito do salário justo era capacitar o trabalhador a ter uma vida decente, o propósito de uma vida decente era capacitá-lo a ter uma vida virtuosa e o propósito de uma vida virtuosa era capacitá-lo a atingir a salvação e a glória eterna.” [4]

Como poderíamos esperar, do que já vimos de vários escritores libertários citados neste artigo, De Roover “resume” a posição de Santo Antonino negando tudo o que ele tinha previamente afirmado com respeito ao ensinamento do santo: “A teoria de Santo Antonino sobre o salário afirma que o salário justo é determinado pela estimação geral, isto é, pelas forças do mercado sem nenhuma referência a necessidades individuais.” [5] Aqui ele está afirmando A e não A simultaneamente. Aqui temos uma manipulação de um texto moral cristão por um libertário cujos pontos de vistas sobre economia, lógica, política, sociedade e mesmo sobre os aspectos mais simples da psicologia humana seriam completamente inexplicáveis para nosso bispo renascentista.

H) Restauração econômica

Qual a importância de tudo isso? Muito do pensamento “conservador” e “libertário”, nos EUA, na Comunidade Britânica e no Continente Europeu tem tentado encontrar uma forma, como disse Arthur Penty, de “estabilizar a anormalidade”. O que é verdadeiramente necessário é o retorno à normalidade. O que vimos na análise das afirmações reais dos teólogos medievais e renascentistas sobre assuntos econômicos é um retrato equilibrado do que é “normal”. O que é impressionante notar não é quão inovadores eles foram, na direção liberal, mas ao contrário, quão tradicional e profundamente cristãos eles foram. Que houvesse espaço para discussão a respeito de questões como o valor da moeda em transações internacionais é uma manifestação perfeitamente normal do desejo católico por justiça e uma profunda prudência que compreende a multiplicidade de situações na qual os seres humanos agem. Tal prudência não pode ser tomada como uma inovação revolucionária ou uma abertura para o moderno liberalismo econômico.

A base para nossa atual “anormalidade” é um entendimento enfatuado e artificial do homem como um indivíduo, livre para “criar” seu próprio “sistema de valores”, que, até certo ponto, significa “criar seu próprio mundo”. O liberalismo, em suas manifestações econômicas e políticas, criou uma situação na qual a antiga tapeçaria psicológica, social, econômica e política das sociedades humanas foi desfiada. Sustentando um conceito etéreo de “escolha”, o liberalismo nos roubou a honra, nossa segurança pessoal e nossa herança. Essa concepção do homem e da existência humana está embebida na equação neoliberal do “preço justo” e do “preço de mercado”. Que Arthur Penty e muitos outros tenham apresentado o “justo preço” e sua consecução como o propósito principal do Sistema Medieval de Guildas é testemunho do fato de que toda a vida social da cristandade, de uma forma bem real, girou em torno dessa realidade. Que a “justiça” deve envolver mais do que a mera “liberdade de escolha”, incluindo no termo a idéia, e sua concreta realidade história, de uma ordem superior e de obrigações mais essenciais e fundamentais, é testemunho do fato de que a psicologia espiritual da cristandade era profundamente diferente da que encontramos em todos os que rejeitam a forma antiga, quer sejam eles socialistas, globalistas ou libertários. Para aqueles que procuram corretamente por uma vida além do espiritualmente sufocante totalitarismo libertário em que nos encontramos imersos, Penty os adverte que qualquer tentativa de realizar o sonho de uma existência rural independente sem o controle de preços em funcionamento, resultaria, para a maioria, em suicídio econômico para famílias e indivíduos. Estas são palavras sensatas. Nossa luta deve então tomar uma mais abrangente dimensão religiosa, moral e mesmo política, se for para nossos filhos e os filhos de nossos filhos terem uma vida mais rica, e portanto mais tradicional, do que a nossa.


Dr. Peter E,. Chojnowski é graduado em Ciência Política e em Filosofia pelo Christendom College. Ele é mestre e doutor em Filosofia pela Fordham University. Ele e sua esposa Kathleen são pais de seis filhos. Ele ensina na Gonzaga University em Spokane, Washington, e na Society of Saint Pius X na Immaculate Conception Academy em Post Falls, Idaho.


[1] Ibid., pp.22-23.
[2] Ibid., p. 25.
[3] Santo Antonino de Florença, Summa Theologica, Part II, tit. I, cap. 17, n.8. Este texto é citado no livro de De Roover, San Bernadino, p. 25.
[4] De Roover, San Bernadino, p.27. Esta citação é uma paráfrase da Summa Theologica de Santo Antonino, Part III, tit. 8, cap.l, n.l.
[5] Ibid., p.25.

Nenhum comentário: