03/08/2007

Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte III

Ver Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte I, Corporação Cristã: a verdadeira Escola de Salamanca - Parte II e Opondo-se à heresia austríaca


Dr. Peter Chojnowski


B) Os freis espanhóis e o sistema bancário renascentista

Para provar que os escolásticos, tardios ou não, não aderiram aos princípios libertários da vida econômica, é melhor citar os trabalhos históricos dos próprios neo-liberais. Os dois que nos chamam a atenção são A Escola de Salamanca: a Teoria Monetária Espanhola 1544-1605, de Marjorie Grice-Huntchinson [1] e São Bernardino de Siena e Santo Antonino de Florença: Os dois Grandes Pensadores Econômicos Medievais, de Raymond de Roover.[2] Nossa tarefa pode ser simplificada se pudermos demonstrar, usando a pesquisa dos próprios estudiosos neo-liberais, que os escolásticos tardios espanhóis de Salamanca, assim como os santos mencionados acima, estavam totalmente imersos dentro da grande tradição intelectual, social e econômica da cristandade católica, mais particularmente no que diz respeito à questão do “preço justo”. Se o “preço justo” for formulado de uma forma que inclua vários fatores além das exigências da “oferta e procura” (i.e., se houver um aspecto moral e social na determinação do preço), e, especialmente, se houver um papel para o “príncipe” na determinação dos “preços de mercado”, então podemos seguramente rejeitar a noção de que aqueles estudiosos católicos do passado aceitaram uma concepção peleo-capitalista de determinação do preço e, portanto, da vida econômica da sociedade como um todo.

Mesmo sendo a Universidade de Salamanca o lugar mais proeminente de ensino superior da Europa naquele tempo, foi a posição da Espanha de líder do Novo Mundo que preparou o ambiente para uma concentração de problemas de Economia estudados pelos escolásticos de Salamanca. O ouro e a prata vindos das Américas fez de Sevilha, o porto das embarcações cheias de tesouro, o centro econômico e o principal mercado financeiro da Europa Continental, em meados do século XVI.[3] Temos aqui um lugar onde havia uma grande circulação de dinheiro e um alto nível de preços. Tomas de Mercado (d. 1585), um dominicano mexicano que morou em Sevilha e pregava sobre a moralidade comercial, descreve a situação financeira e mercantil que lá se estabeleceu. Segundo Mercado, quando a frota chegava, cada mercador depositava no banco todo o tesouro que era trazido, para ele, das Índias e os banqueiros davam garantia às autoridades da cidade sobre o que estava depositado em seus estabelecimentos.[4] Os banqueiros prestavam esse serviço de graça e usavam os bens depositados para financiar suas próprias operações. A maior parte do ouro e da prata aportada pela frota passava, desta forma, pelas mãos dos banqueiros e servia como base do crédito. Essas transações ocasionavam a oportunidade para a usura. Como Mercado, então, reclamava, “os trocadores de dinheiro sugavam todo o dinheiro para suas instituições e quando, um mês depois, os mercadores precisavam de recursos, eles lhes emprestavam seu próprio dinheiro a uma taxa exorbitante.” Na Espanha, conclui Mercado, “um banqueiro abarca o mundo todo e abraça mais do que o Oceano, apesar de, algumas vezes, ele não conseguir manter estável todo o sistema e tudo cai por terra.” [5]

Essa crítica de Mercado (que morreu num navio em 1585 no caminho de volta ao México) contra as transações comerciais de banqueiros e comerciantes era a articulação de uma idéia que tinha uma origem antiga. O pagamento de juros pelo simples uso do dinheiro por um certo período de tempo era considerado usura e universalmente condenado. Muito do pensamento moral espanhol sobre Economia neste período era, especialmente, uma tentativa de atacar considerações morais surgidas para evitar a condenação da usura pelo Estado e pela Igreja.

A tentativa de lograr as leis da usura ocorreu de uma forma muito sutil. Ela se originou de uma tentativa aparentemente legítima de tratar de duas dificuldades encontradas pelos comerciantes de então. Primeiramente, havia, de modo geral, falta de moeda na época, o que exigia que os comerciantes contraíssem dívidas uns com os outros nas “feiras” comerciais, que ocorriam em vários lugares, em várias datas ao longo do ano. Em segundo lugar, os comerciantes do período, nas várias feiras, tinham de agir como trocadores de dinheiro, pois, freqüentemente, um débito era contraído num lugar, digamos Sevilha, e quitado em outro, digamos Flanders. A esse respeito, era geralmente aceito, que um comerciante que emprestava o dinheiro num lugar e o recebia em outro, tinha direito a um pagamento por seus serviços. Mesmo em relação a esse tipo de “serviço financeiro,” cobrar uma taxa similar para transferências de dinheiro de uma feira espanhola para outra era proibido por um decreto real de 1551.[6] A Coroa Católica Espanhola estava até mesmo disposta a “desarranjar todo o negócio das feiras” a permitir que os comerciantes se envolvessem com o desnecessário “serviço financeiro.” Havia também situações nas quais o dinheiro emprestado não seria devolvido na próxima feira, mas um ano depois. Devido às “taxas” de tais “serviços financeiros,” estes se tornaram empréstimos camuflados de taxas de serviço e envolviam altos juros. Segundo Grice-Hutchinson, isso gerou “vários decretos tanto da Igreja quanto do Estado.”[7]

É no momento de tratar da questão de transferência de fundos de uma feira a outra, que Grice-Hutchinson, como representante da escola econômica neo-liberal, se atém à questão do “preço” e nos fatores determinantes dos “preços”, tanto do dinheiro quanto dos bens.
[1] Marjorie Grice-Hutchinson, The School of Salamanca: Readings in Spanish Monetary Theory 1544-1605 (Oxford: Clarendon Press, 1952).
[2] Raymond de Roover, San Bernadino of Siena and Sant' Antonino of Florence: The Two Great Economic Thinkers of the Middle Ages (Boston: Harvard University Printing Office, 1967).
[3] Hutchinson, School of Salamanca, pp. 1-6.
[4] Ibid., p8.
[5] De Tomas de Mercado, Tratos y contratos de mecaderes publicado em Salamanca en 1569 citado em Hutchinson, pp.4-8.
[6] Ibid., pp.9-11.
[7] Ibid., p. l&.

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