25/07/2018

A Wikipédia e nós católicos

Eu consulto sempre a Wikipédia e a considero um instrumento valioso. Mas como sabemos que o mundo está em permanente guerra contra a Igreja, alguns cuidados são necessários. Outro dia, ouvi ou li um comentário do prof. William Bottazzini Resende com o qual eu concordo plenamente. Ele disse também consultar sempre a Wikipédia, mas observou que sua preferência é consultá-la sempre em outra língua. Tenho há muito esse costume. Na verdade, nunca a consulto em português. Vario, conforme o verbete, entre inglês, francês, espanhol e italiano. Descubro a cada dia que a Wikipédia em francês é usualmente muito mais completa que em outras línguas. 

Vou dar um exemplo de uma consulta recente que fiz, para tornar mais claro meu raciocínio. Estava lendo um esboço bibliográfico de José Geraldo Vieira (Impressões e Expressões, ed. Arcadia, 2016), onde consta a informação de que ele foi muito influenciado por um livro, lido na adolescência: O Coração, de Edmondo De Amicis. Livro influente na Itália no final do século XIX e início do século XX, com centenas de edições e traduções. Ainda hoje é editado no Brasil. Consta que esse livro influenciou gerações de escritores em todo o mundo. Bem, como nunca tinha ouvido falar do escritor, consultei a Wikipédia.

Uma informação relevante deste autor e deste livro só encontrei em francês e em italiano. Tanto em inglês quanto em português a informação está ausente. E qual é esta informação? Reproduzo abaixo o trecho em questão (no original e em tradução minha).

Em francês: "Des critiques littéraires considèrent que le Livre-Cœur est un ouvrage fortement inspiré par la morale maçonnique, dans lequel la religion catholique des Italiens est remplacée par la religion laïque de la Patrie, l’Église par l’État, le fidèle par le citoyen, les dix commandements par le Code civil, l’Évangile par la Constitution et les martyres par les héros [1]. En effet, De Amicis a été initié en franc-maçonnerie dans la loge Concordia de Montevideo, à l'obédience de la Grande Loge d'Uruguay[2]." 

Tradução: Os críticos literários consideram que O Coração é uma obra fortemente inspirada pela moral maçônica, na qual a religião católica dos italianos é substituída pela religião laica da Pátria, a Igreja pelo Estado, o fiel pelo cidadão, os dez mandamentos pelo Código Civil, o Evangelho pela Constituição e os mártires pelos heróis[1]. De fato, De Amicis foi iniciado na maçonaria na loja Concordia de Montevidéo, da Grande Loja do Uruguai[2].

Em italiano: "La sua iniziazione alla massoneria non viene considerata certa da alcuni storici, mentre altri lo ritengono iniziato alla Loggia Concordia di Montevideo, presieduta da D. Triani, presumibilmente all'Obbedienza della Gran Loggia dell'Uruguay[1]. Nel 1895 infatti, fu proprio De Amicis a pronunciare il saluto massone al torinese Giovanni Bovio, in occasione della rappresentazione teatrale del dramma San Paolo, a sua volta interpretato da un altro massone, l'attore Giovanni Emanuel. A tal proposito, alcuni critici sostengono che Cuore sia stato un libro di forte ispirazione massonica, dove si sostituiscono la religione cattolica degli italiani con la religione laicista della Patria, la Chiesa con lo Stato, il fedele col cittadino, i Comandamenti coi Codici, il Vangelo con lo Statuto, i martiri con gli eroi.[2]" 

Tradução: Sua iniciação na Maçonaria não é considerada certa por alguns historiadores, enquanto outros o consideram iniciado na Loja de Montevidéu, presidida por D. Triani, presumivelmente na Obediência da Grande Loja do Uruguai [1]. De fato, em 1895 foi De Amicis quem pronunciou a saudação maçônica a Giovanni Bovio, nascido em Turim, por ocasião da representação teatral do drama San Paolo, por sua vez interpretado por outro maçom, o ator Giovanni Emanuel. A esse respeito, alguns críticos argumentam que O Coração foi um livro de forte inspiração maçônica, substituindo a religião católica dos italianos pela religião laica da Pátria, a Igreja pelo Estado, o fiel pelo cidadão, os Mandamentos pelos Códigos, o Evangelho pelo Constituição, os mártires pelos heróis. [2]

Referências
1. Rosario F. Esposito, La Massoneria e l'Italia. Dal 1860 ai nostri giorni, Edizioni Paoline, Roma, 1979, p. 244 n.
2. Vittorio Gnocchini, L'Italia dei Liberi Muratori. Brevi biografie di Massoni famosi, Roma-Milano, Erasmo Edizioni-Mimesis, 2005, p. 93.

Vejam que há uma coincidência de informações, embora a versão italiana traga nuances diferentes. Em todas as versões, há ainda a informação de que De Amici foi membro do partido socialista.

Bem, tudo isso compõe o perfil do autor que qualquer católico deve saber antes de ler o livro (coisa que eu mesmo não fiz). Mas consta que o livro é muito sedutor, de um sentimentalismo exacerbado (segundo Carpeux, em sua História da Literatura Ocidental) o que torna a informação ainda mais relevantes ao leitor católico. 

Eis aqui um exemplo de como procuro consultar a Wikipédia que espero seja útil ao leitor do blog.

2 comentários:

Unknown disse...

Professor Angueth, tomo a liberdade de escrever-lhe provocado pelo que li em seu comentário respeitante à diferença de qualidade das versões da Wikipédia. De minha experiência de leitor um pouco mais atento que o normal, pude perceber que a versão francesa às vezes parece "filtrada" pela péssima pseudo-filosofia iluminista que dominou a França e a reduziu a potência de segunda ordem. Exemplifico com a deliberada e frequente omissão da filiação religiosa e associativa de biografados, omissão observada nas palavras-chaves de classificação. Por mais notório seja o biografado e conhecidos os principais fatos de sua vida, por vezes não se indica que ele foi católico, judeu, santo, rabino, maçon etc. Por que será? Pressões do governo francês? Longe de mim negar a utilidade de enciclopédia virtual sempre em construção e com ligações a meios hipertextuais, mas sinto falta de mais rigor na apuração e apresentação das informações.

Kaíque Leme disse...

Amigo, quanto tu cobras para traduzir Saul Alinsky ?