22/03/2015

Leitor não entende as citações tão ecléticas do blog. Blog responde.

Um leitor, de nome Sérgio, escreve ao blog o que se segue.

Prezado Prof. Angueth,
Gostaria de entender como o senhor consegue citar e recomendar ao mesmo tempo, pessoas de opiniões tão dispares e divergentes, vejamos:
- Cita e recomenda Dom Sarda e a leitura de seu livro "O liberalismo é Pecado" e ao mesmo tempo cita Olavo de Carvalho, um liberal ao estilo Yanke, tanto em política quanto em economia...
- Cita o professor Orlando Fedeli, o qual demonstrou a gnose guenoniana do referido Olavo...
- Cita Chesterton e Belloc que combateram o liberalismo com o distribuitismo, mas nada fala sobre essa corrente...
- Recomenda o padre Villa, mas sem as devidas ressalvas como o fato dele ser favorável a missa nova e nunca tê-la criticado, afora o sensacionalismo de alguns de seus livros e/ou de seus colaboradores vide: "A Mitra satânica de Bento XVI"...
- Elogia o padre Vieira, mas esquece que ele era sebastianista, um milenarista...
- E outros casos mais...
Obrigado.

Vou mencionar alguns dos “outros casos mais”. Cito Pascal, que teve fortíssimas simpatias jansenistas. Como não citar o autor de tais pensamentos:
- É preciso amar só a Deus e odiar só a si mesmo;
- Não somente nós não conhecemos a Deus senão por Jesus Cristo, mas não nos conhecemos a nós mesmos senão por Jesus Cristo; não conhecemos a vida, a morte senão por Jesus Cristo. Fora de Jesus Cristo não sabemos o que é nem nossa vida, nem nossa morte, nem Deus, nem nós mesmos;
- Quereis chegar à Fé e não sabeis o caminho. Quereis sarar da infidelidade e pedis os remédios para isso, aprendei daqueles que estiveram atados como vós e que apostam agora todo o seu bem. São pessoas que conhecem aquele caminho que gostaríeis de seguir e que foram curadas de um mal de que quereis sarar; segui a maneira pela qual eles começaram. Foi fazendo tudo como se acreditassem, tomando água benta, mandando rezar missas, etc.

Cito também C.S. Lewis, o cristão anglicano. Conheço muitas pessoas que se converteram ao catolicismo lendo este extraordinário anglicano.

Cito Nelson Rodrigues, um católico assumido, mas também autor de, por exemplo, “Bonitinha, mas Ordinária”. Esse católico foi o único grande intelectual brasileiro a reconhecer o valor essencial de Gustavo Corção, enquanto muitos outros católicos procuravam desacreditá-lo. Ele percebeu como poucos, o grande cataclismo que atingiu a Igreja no pós-Concílio Vaticano II. Quem lia suas crônicas podia acompanhar a surpreendente degradação interna da Igreja.

Cito Santo Afonso Maria de Ligório que, para escrever Glórias de Maria, se valeu de alguns dos evangelhos apócrifos para relatar alguns acontecimentos da vida de Nossa Mãe.

Cito Santo Agostinho, que foi platônico, e em cuja obra muitos agostinianos posteriores encontraram argumentos para desacreditar Santo Tomás e depois para lançar a Reforma, que cindiu toda a cristandade.

Cito Santo Tomás que, em sua época, foi enormemente pressionado a abandonar aquele perigoso pagão que ele insistia em ler e citar, mas não só. Ele ousou até a entende-lo e a ensiná-lo para nós. Trata-se obviamente do grande Aristóteles, a quem Santo Tomás chamava de O Filósofo, como chamava São Paulo de O Apóstolo; e, horrores dos horrores, chamava Averróis, sim o árabe, de O Comentador de Aristóteles. O que pensaria o leitor Sérgio do nosso Santo Tomás, o Doutor Comum, se vivesse em sua época?

Sobre Olavo de Carvalho e minhas opiniões sobre ele, sugiro a leitura de Olavo de Carvalho e eu. Sobre o prof. Orlando, sugiro a leitura de Orlando Fedeli e eu. Quando da morte do prof. Orlando, que outro intelectual brasileiro, senão exatamente Olavo de Carvalho, fez uma pequena homenagem ao morto ilustre? Sim, a morte do prof. Orlando foi também comentada e sentida por Sidney Silveira.

Com relação a Pe. Villa, não faço nenhuma ressalva porque não a tenho. Se você tiver, você mesmo, Sérgio, faça-a onde você quiser. Apresente argumentos que provem que os símbolos da Mitra de Bento XVI não são como diz Pe. Villa, mas não tente desacreditar seu trabalho simplesmente chamando-o de sensacionalista. Lembro, como se isso fosse necessário, que ser favorável à Missa Nova não é pecado! Eu não sou, não assisto a Missa Nova, pela graça de Deus, mas não digo que quem a assista está em pecado!

Bem, de Chesterton e Belloc e suas ideias econômicas, leiam (leitores e leitor) meu artigo na última Chesterton Review em português intitulado Três Alqueires e uma Vaca. Não preciso dizer que já traduzi alguns livros de Chesterton que estão repletos de suas ideias econômicas. Começarei a traduzir, no mês que vem, um livro de Belloc sobre economia.

Bem, agora vem Pe. Vieira. Ai, meu Deus! Sérgio nos lembra que Pe. Vieira foi sebastianista. E daí, Sérgio? Você quer dizer que o Sermão da Quarta-feira de Cinzas está eivado de sebastianismo? Você quer dizer que os trinta sermões que ele fez sobre o Rosário são inadequados, deveriam ser proibidos, por causa do seu sebastianismo? O que você quer dizer?

Desafio você a me apontar a gnose dos artigos que cito de Olavo de Carvalho, o sebastianismo dos sermões que cito de Pe. Vieira, o anglicanismo dos trechos que cito e traduzo de C.S. Lewis e a pornografia no que cito de Nelson Rodrigues.

Aponto, para terminar, sua profunda ignorância do que pensa Olavo de Carvalho, chamando-o de liberal yankee. É típico nos críticos tupiniquins de Olavo demonstrar ignorância logo no começo de seus arremedos de argumento. Vá estudar um pouco mais a obra dele, depois tente algo além de papo-de-boteco sobre esse pensador.


Sugiro que você edite um Index Librorum Prohibitorum para orientar católicos ignorantes como este blogueiro.

5 comentários:

Anônimo disse...

Prof. Angueth

Meus parabéns por este excelente artigo, concordo com tudo o que você escreveu.
Parece que você tem que concordar com 100 % do que o autor afirma, se houver um único erro, o trabalho inteiro do autor não presta.
O problema é que esse raciocínio só vale para os adversários, para os amigos se faz vistas grossas para todas as besteiras proferidas.
O caso do Olavo é típico, quando interessa a pessoa o chama de Filósofo, mas quando quer criticar ele, a primeira coisa que fazem é chamá-lo de astrólogo. Como se o fato dele ter estudado e dado aulas sobre astrologia desqualificasse todo o trabalho dele. A maioria das pessoas criticam o Olavo sem nunca ter lido o trabalho dele, mas com base apenas em comentários que leram sobre o que ele supostamente teria dito na internet.
O pessoal esquece que o único homem perfeito que existiu foi Jesus Cristos, qualquer outro ser humano errou inúmeras vezes na vida.

Abraços

Marcelo

Sérgio disse...

Prezado Professor Angueth,
Obrigado pela resposta. Só não sei por que o senhor ficou tão nervoso...Como professor deve ser natural o senhor explicar e responder as dúvidas de seus alunos...Não sou seu aluno, mas como um cavalheiro fiz uma interpelação...
Acho que o senhor é um católico sincero, mas, não há como servir a dois senhores...
Os santos que o senhor citou eram defensores da fé e católicos sinceros, citavam passagens pagãs úteis à defesa da fé.
Mas não há como tampar o sol com a peneira, Olavo de Carvalho, até onde eu sei, não é um católico, sincero...Eu li os livros dele e sou da opinião do Professor Orlando Fedeli e outros de autoridade, Olavo é um enganador, um gnóstico... Nunca fez um "Mea culpa" sobre o seu passado...
Sobre Pascal veja os escritos dos jesuítas sobre ele no auge da polêmica jansenista...
Sobre o padre Vieira veja os escritos dos dominicanos da época sobre ele...
Os símbolos geométricos citados no Mitra de Bento XVI, pentagrama, hexagrama, número de ouro e etc... podem ser explorados de mil e uma maneiras vide: Matila Gyka, o "Número de ouro" e a "Estética das proporções na Natureza".
Nelson Rodrigues... como o Sr. disse... um pornográfico...
Conversões ao Catolicismo são muito importantes, lembrando o caso citado de Lewis, mas há de se avaliar o grau de ortodoxia nessa conversões...
O Inimigo é sutil... no meio de obras, aparentemente boas, ele pode inserir o seu veneno...
Devemos dizer Sim.. Sim, Não... Não...
No sonho de Dom Bosco uma parte dos ataques a Nau da Igreja era com livros...
Daí o cuidado há se ter com eles...
O Senhor escreveu um bom livro sobre os Erros da Missa de Paulo VI...
Quem sou eu para criar um Index, a Igreja já o fez no passado... acho que seria importante Ela criar um hoje...
Na caso de autores heterodoxos e suspeitos... Creio que o correto seria a indicação da leitura dos seus livros ou das passagens úteis com reservas, citando os eventuais erros ou vieses em sua obra, a luz da sã doutrina e do magistério...
Respeitosamente,
Sérgio.

Frederico disse...

Sérgio,

sem muita conversa: deixe de ser presunçoso, rapaz! O professor Angueth foi muito paciente com você!

Uma sugestão: leia e medite bastante sobre "De Modo Studenti" de São Tomás: http://www.monergismo.com/textos/educacao/modo_estudar.htm (ops, link de um site herético!)

Principalmente:
9. Não atentes a quem disse, mas ao que é dito com razão e isto, confia-o à memória.

Antônio Emílio Angueth de Araújo disse...

Caros Sérgio e Fred,

Pois é, Sérgio, não fiquei nem um pouco nervoso com você. Apenas lhe respondi, tentando esclarecer meus pontos de vista.

Conheço sua posição, que é a de muitos católicos ditos tradicionalista. É que não sou católico tradicionalista, sou apenas católico, sem adjetivos. Aliás, tento ser, o que é apenas o que Nosso Senhor nos pede.

Minhas leituras e citações não se baseiam em supostos impedimentos doutrinários. Sei que livros fazem muito mal, mas mesmo São João Bosco deve ter lido muitos livros ruins para a alma para emitir tal opinião. Só a oração e a procura da santidade pode nos proteger contras as más influências, vindo elas na forma escrita ou não. Respeito suas opiniões, mas elas divergem das minhas.

Agradeço seu elogio ao livro que escrevi; note apenas que não condeno a quem vai à Missa Nova. Penso que, no meu caso, ela atenta contra Fé.

Caro Fred, acho que você me entendeu direitinho. Obrigado.

Ad Iesum per Mariam.

P.S. Não há forma de considerar os símbolos da Tiara de Bento XVI como algo católico ou pertencente à Tradição. Isso é um contorcionismo brutal!

Nik disse...

Professor, boa tarde. Acabei de reler, pela terceira vez, As Grandes Heresias. Desta vez, iluminado por um artigo do Chesterton publicado em uma Gilbert do ano passado, cujo título é The Heretic. Sou-lhe agora ainda mais grato pela esplendorosa tradução.

Mas, o que quero na verdade informar de útil é que na Gilbert deste bimestre, que acabei de receber. Padre Schall trata do mesmo livro, em um belíssimo artigo cujo gancho é o que parece ser um exemplar do original e a questão muçulmana, tão estranha aos novos ocidentais.

Sobre o leitor que lhe motivou este post, me parece um exagero sermos tão literais, falo por experiência própria. E me lembra de uma passagem do Lewis, que me despertou para o assunto:

"Essa é estratégia do diabo para nos pegar. Ele sempre envia ao mundo erros aos pares - pares de opostos. E sempre nos estimula a desperdiçar um tempo precioso na tentativa de adivinhar qual deles é o pior. Sabe por quê? Ele usa o fato de você abominar um deles para levá-lo aos poucos a cair no extremo oposto. Mas não nos deixemos enganar. Temos de manter os olhos fixos em nosso objetivo, que está bem à nossa frente, e passar reto no meio de ambos os erros. Nem um nem outro nos interessam."

PAX!