29/07/2013

Blog entrevista Hilaire Belloc sobre a crise atual da Igreja – Parte II.

 
Blog – Depois do ataque à organização social e política, à moral e à inteligência, se vê que este ataque é realmente descomunal. Surge, então, quase naturalmente, a pergunta: a Igreja resistirá a este ataque? 
 
Belloc - Podemos fazer a esse respeito, de forma clara, uma afirmação de fundamental importância: uma de duas coisas deve acontecer, um de dois resultados deve se tornar definitivo e generalizado no mundo moderno. Ou a Igreja Católica (agora, rapidamente se tornando o único lugar onde as tradições da civilização são compreendidas e defendidas) será reduzida por seus inimigos modernos à impotência política, à insignificância numérica, e, sob o ponto de vista da apreciação pública, ao silêncio; ou a Igreja Católica reagirá, neste caso como no passado, mais fortemente contra seus inimigos do que estes são capazes de reagir contra ela; recuperará e estenderá sua autoridade, e reassumirá, uma vez mais, a liderança da civilização que ela construiu, e assim recuperará e resgatará o mundo. Numa palavra, ou nós (do lado da Fé) nos tornamos uma ilha pequena e perseguida da humanidade, ou seremos capazes de clamar, ao final da luta, o antigo grito Christus Imperat
 
Blog – Mas este primeiro cenário não significará a destruição da Igreja? 
 
Belloc – Muito se pode dizer deste primeiro cenário. A Igreja não desaparecerá, pois a Igreja não é uma coisa mortal; é tão somente uma instituição entre os homens que não está sujeita à lei universal da mortalidade. Portanto, dizemos, não que a Igreja possa ser varrida da face da terra, mas que pode ser reduzida a um pequeno grupo, quase esquecido em meio a um vasto número de seus oponentes, e desprezada como uma coisa vencida. 
 
Blog – O senhor pode avançar um pouco a análise do primeiro cenário, em que a Igreja será, então, reduzida a um pequeno número? 
 
Belloc – Com o risco de me alongar um pouco na descrição, quanto ao primeiro cenário (o definhamento da influência católica, a redução de nosso número e valor político ao nível da extinção) há de ser notada uma crescente ignorância do mundo a nosso respeito, além da perda daquelas faculdades pelas quais os homens poderiam apreciar o que significa o catolicismo e se servir disto para a própria salvação. O nível cultural, inclusive o sentido de passado, afunda visivelmente. A cada década o nível está mais baixo do que na precedente. Com esse declínio, a tradição está se rompendo e derretendo como neve ao final do inverno. Grandes blocos se desprendem vez por outra, derretem e desaparecem. Em nossa própria geração, a supremacia dos clássicos se foi. Encontramos homens de influência, de todas as tendências, que esqueceram de onde viemos; homens para quem o grego e o latim, as línguas fundamentais de nossa civilização, são incompreensíveis, ou, na melhor das hipóteses, curiosidades. 
 
Blog – Perdemos a possibilidade de resgatar nossa herança cultural... 
 
Belloc – Sim, exatamente. E com isso, o espírito da fé ancestral foi, em grande parte arruinado. Arruinado certamente para grande parte dos homens, todos admitirão. Isto é tão verdadeiro que uma maioria (devo dizer uma ampla maioria) já não sabe mais o que significa a palavra fé. Para a maioria dos homens que a ouvem (em conexão com a religião), ela significa ou aceitação cega, ou afirmações irracionais, de lendas que a experiência comum rejeita, ou um hábito meramente herdado de imagens mentais que nunca foram testadas e que ao primeiro toque de realidade se dissolvem como sonhos que são. Todo o vasto corpo de apologética, toda a ciência da Teologia (a rainha exaltada acima de qualquer outra ciência) cessaram de existir, para a massa dos homens modernos. A simples menção dos títulos das várias obras que tratam desses assuntos causa um efeito de irrealidade e insignificância.  Chegamos já a este estranho estágio – em que o corpo católico entende seus oponentes, mas seus oponentes não entendem a Igreja Católica. 
 
Blog – A Igreja já passou por algo parecido... 
 
Belloc – Sim, foi no quarto ou quinto século. Os pagãos, especialmente os educados e instruídos, cujo número então diminuía permanentemente, conheciam muito bem as altas tradições a que se ligavam e compreendiam (apesar de odiarem) aquela nova coisa, a Igreja, que crescera no meio deles e estava prestes a descartá-los. Mas os católicos, que estavam para suplantar os pagãos, entendiam cada vez menos a mente pagã, negligenciavam suas grandes obras artísticas e consideravam demônios seus deuses. Assim hoje, a antiga religião é respeitada, mas ignorada. 
 
Blog – Poderíamos dizer então que estamos sendo sobrepujados por um novo paganismo. 
 
Belloc – Sim. O futuro provável é um futuro pagão, e um futuro pagão com uma nova e repulsiva forma de paganismo: poderoso e onipresente com toda a sua repulsividade. 
 
Blog – Sobre o segundo cenário: a Igreja reagirá?  
 
Belloc - A Igreja sempre reagiu fortemente no sentido de sua própria ressurreição nos momentos dos mais profundos perigos. A luta contra o Islam chegou muito perto; ela quase nos afundou. Somente a reação armada na Espanha, seguida pelas Cruzadas, impediu a completo triunfo dos muçulmanos. O ataque violento dos bárbaros, os piratas do norte, as hordas de mongóis, trouxe a cristandade para muito próximo da destruição. Mesmo assim, os piratas do norte foram expulsos, derrotados e batizados a força. O barbarismo dos nômades orientais foi derrotado finalmente; muito tardiamente, mas não tarde demais para salvar o que pudesse ser salvo. O movimento chamado Contra-Reforma se contrapôs ao até então triunfante avanço dos hereges do século XVI. Mesmo o racionalismo do século XVIII foi, em seu próprio terreno e em sua própria época, enfrentado e repelido. É verdade que ele alimentou algo pior que si mesmo; algo do que agora sofremos. Mas houve reação; e aquela reação foi suficiente para manter a Igreja viva e mesmo para restabelecer para si elementos do poder que fora perdido para sempre. Reação sempre haverá; e há a respeito da reação católica certa vitalidade, um certo modo de aparecimento com uma força inesperada, através de novos homens e novas instituições. A história e a lei geral do surgimento e do declínio orgânico levam, em suas linhas mais gerais, à primeira conclusão, ao rápido fenecimento do catolicismo no mundo; mas a observação do caso particular da Igreja Católica não leva a tal conclusão. A Igreja parece ter uma vida orgânica, nativa, muito incomum: um modo de ser único, e poderes de recrudescência a ela peculiares. 
 
Blog – Então estamos agora num momento grandioso? 
 
Belloc - Estamos agora na presença da questão mais momentosa que já se apresentou à mente do homem. Assim, estamos numa encruzilhada, da qual o futuro de nossa raça dependerá.
 
Blog – O blog agradece vossa disponibilidade e esta longa entrevista. 
 
Belloc – You are welcome!

2 comentários:

Nik disse...

Professor, gostaria de lhe pedir a gentileza de encaminhar ao Sr. Belloc umas dúvidas, na esperança de que sejam merecedoras da atenção dele. Ei-las.

1. Sr. Belloc, A Igreja reagiu de uma forma contra os mouros e de outra contra os Protestantes. A partir destes dois extremos houve uma terceira via, como o senhor mesmo nos ensina, na reação ao Iluminismo, que não foi tão bem sucedida, mas por fatores alheios ao nosso desejo. Qual é, sem sua opinião e em acordo com nossos tempos, a reação que teria lugar no segundo cenário? Uma destas três ou uma quarta via? De que forma seria implementada? Pelo poder político, cultural ou bélico?

2. Os dois cenários são incompatíveis entre si, compreendi corretamente? Quero dizer, se pequena a Igreja verá o fim de uma cultura e de uma civilização, que será também seu fim de alguma forma. Mas para reagir terá que ser grande em fiéis e poder político? Ou estes momentos podem se encadear no tempo histórico, novamente, como no passado, no início da Igreja?

3. Ainda, senhor Belloc, como o senhor percebe, a partir das idéias expostas em sua entrevista, um acontecimento como a JMJ? Parte do Primeiro Cenário ou do Segundo ou de ambos, em acordo com a primeira e segunda perguntas acima?

Sou antecipadamente grato por qualquer ajuda. Fraternalmente, N.

Anônimo disse...

Talvez para que aconteça a recuperação da Igreja Católica, seja necessário uma grande tragédia, como tantas vezes aconteceu ao longo da história. Será uma guerra, ou uma gigantesca crise econômica?
Robson di Cola