23/09/2010

A primeira cabeça visível da Igreja depois da Ascensão de Cristo

Do livro A Igreja PrimitivaA Igreja nos tempos dos Apóstolos,

Rev. D. I. Lanslots. O.S.B

Tradução: Guilherme Ferreira Araújo (Do blog Caminho para Roma)

Nota do blog: Guilherme gentilmente me envia este extraordinário texto, em tradução primorosa, sobre o Primado de Pedro, em função das muitas discussões aqui ocorridas com alguns de meus leitores protestantes. Ficam aí rebatidos um a um os argumentos contrários ao Primado de Pedro.

São Pedro é chamado de Príncipe dos Apóstolos, e assim justamente, porque ele foi designado por Cristo para ser a cabeça visível da Igreja em preferência diante dos outros Apóstolos. A supremacia no colégio dos Apóstolos e no governo da Igreja foi prometida a Pedro e apenas a ele.

A primazia de Pedro é uma das verdades reveladas que foram registradas com mais clareza na Bíblia. Com relação a esse exemplo, há muita importância num nome. O nome de Pedro era Simão anteriormente. Para deixar claro que as palavras da promessa aplicam-se apenas a Simão, Cristo deu-lhe o nome de Pedro (Mat. XVI. 17-19). Quando Cristo falou da pedra sobre a qual Ele construiria Sua Igreja, designou Pedro; Cristo, falando em aramaico, chamou-o de Kephas, querendo dizer tanto Pedro como pedra (Jo. I. 42). Em aramaico, e também em francês, a mesma palavra designa uma pessoa e uma pedra. Nas palavras da promessa a Pedro, a metáfora da fundação é explicada pela metáfora das chaves (Mat. XVI. 18-19). Cristo pretendia recompensar a magnífica profissão de fé da parte de Pedro com um privilégio igualmente esplêndido. Apenas ele faz a profissão: apenas ele recebe a recompensa. Apenas Pedro é chamado de abençoado, porque apenas ele foi favorecido pelo Pai com uma revelação especial. A primazia prometida a Pedro diz respeito à própria constituição e governo da Igreja. Ele não é chamado de fundação da Igreja porque trabalhou mais duro e com maior constância do que os outros, mas para que ele possa provar que é superior a todos os ataques. Nosso Senhor diz claramente: “As portas do Inferno não prevalecerão sobre ela”, isto é, contra a Igreja construída sobre Pedro — a pedra. Essa fundação é tão essencial para a Igreja quanto o é a fundação para uma casa. A fundação vem em primeiro lugar no processo de construção. Se nós considerarmos o início da Igreja, todos aqueles que primeiramente ensinaram as doutrinas da Igreja e aqueles por meio dos quais a Igreja foi difundida são, em certo sentido, fundações dela. Com relação ao ensino, os Apóstolos e os Profetas são chamados de fundação da Igreja (Ef. II. 20). Quanto à propagação, os Apóstolos são chamados de fundações (Apo. XXI. 14). Fundação, todavia, significa mais propriamente o suporte de toda a construção; nesse sentido, apenas Pedro é a fundação; a Igreja deve sua firmeza a Pedro como fundação, de modo que ela não trema de forma alguma por qualquer poder. Nenhum outro Apóstolo é chamado de Pedro-pedra — e, portanto, nenhum outro sustenta toda a igreja como uma pedra.

Cristo, ao prometer a Pedro a primazia da jurisdição, também usa outro símbolo — o das chaves (Mat. XVI. 19). As chaves expressam o poder de administrar e governar. O símbolo das chaves, assim como o da pedra-alicerce, prova que Pedro deveria ser a cabeça e o príncipe dos Apóstolos. A imagem expressa que o poder supremo na Igreja foi prometido a Pedro, ao qual devem se sujeitar todos os outros que possuem chaves. Mais tarde, quando Cristo dá aos outros Apóstolos o poder de ligar e desligar, Ele não usa a metáfora das chaves (Mat. XVIII. 18). Eles realmente tinham o poder de abrir e fechar o céu, mas esse poder não é supremo tal como seria indicado pelas chaves.

O privilégio de Pedro não consistiu em ter ele sido o primeiro a abrir os portões do céu para os judeus (At. II. 34-41) e os gentios, porque isso aconteceu apenas uma vez e não poderia se repetir, assim como a América não poderia ter sido descoberta duas vezes. Parece ridículo imaginar que Nosso Senhor fez a promessa solene a Pedro simplesmente para indicar que ele exerceria o poder que lhe fora confiado pouco tempo antes dos outros Apóstolos.

A primazia do governo é prometida a Pedro do mesmo modo singular que o poder de ligar e desligar. Ligar não significa apenas declarar que algo é ilícito, mas também proibir; desligar não é apenas declarar que algo é lícito, mas também permiti-lo. Nosso Senhor, portanto, indica claramente o poder de governar mais completo.

O conhecido adquirido divinamente e a confissão da divindade de Cristo distinguiram Pedro dos outros Apóstolos; não haveria nenhuma diferença na recompensa se o mesmo poder tivesse sido prometido a todos. As ilustrações usadas por Cristo mostram claramente que um poder maior é dado a Pedro. Mas Cristo não disse a Pedro: “tira-te da minha frente, Satanás”? (Mat. XVI. 23). Quando Pedro desempenhou o papel de um tentador a primazia lhe foi prometida, mas não concedida. Os próprios Apóstolos podem ter pensado que por meio daquelas palavras a promessa tinha sido afetada, mas eventos subsequentes provam que tal não foi o caso. Durante o tempo em que Cristo viveu com Seus Apóstolos de um modo visível, Pedro, embora sendo o primeiro dentre eles, não podia clamar obediência deles. As prerrogativas conferidas a Pedro mostram que em algum dia ele seria sua cabeça visível. Cristo impôs sobre ele o nome de Pedro; ele não pode ter sido dado em vão; ele deve significar algum evento futuro. No Antigo Testamento, o nome divinamente dado a Abraão indicava o que deveria acontecer com ele. Simão, filho de João, é chamado de Pedro, a pedra sobre a qual a Igreja deverá ser construída; o que a fundação é para uma construção também é a cabeça para uma sociedade. Cristo é a pedra angular daquele edifício espiritual; Pedro será de uma maneira visível, como vigário de Cristo, o que Cristo foi na instituição e permanecerá para sempre de um modo invisível.

Aquilo que Pedro fora com relação a pegar peixes, Cristo prometeu que ele seria com relação a pegar homens; Pedro havia sido o principal agente na pesca miraculosa. Na narrativa do Evangelho, o oceano é uma imagem do mundo; os peixes, dos homens, e os pescadores, dos Apóstolos. Ambos Simão e André escutam dos lábios do Mestre: “eu vos farei pescadores de homens (Mat. IV. 19)”. No caso de Pedro, Cristo fez uma promessa especial: “não tenhas medo; desta hora em diante serás pescador de homens” (Lc. V. 10). Simão nos é apresentado como o chefe nesse grupo de pescadores; sua barca está escolhida, ele é ordenado a lançar nas profundezas e deixar que caia a rede. Ao ver o milagre, Pedro caiu diante dos pés de Jesus; os outros Apóstolos são tratados como inferiores; Jesus dirige-se apenas a Simão. Se essa pesca material é uma imagem da pesca espiritual, e se a promessa de Cristo deve ser cumprida, Pedro deve agir como cabeça e chefe na pesca espiritual e entre os pescadores de homens.

Cristo roga particularmente para que a fé de Pedro não enfraqueça, a fim de que ele confirme seus irmãos na fé após a Ascensão de Cristo. A particular missão visível de Cristo entre Seus Apóstolos é transferida para Pedro. Cristo disse para ele: “Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como o trigo; mas eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça: e tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos” (Lc. XXII. 31, 32). Todos são desejados, mas Cristo roga por um. Rogar por um foi suficiente, se todos foram confirmados naquele um e se todos se sujeitaram a ele; no período de perigo, Cristo confiou todos eles aos cuidados de Pedro. Cristo preparou Pedro mais particularmente para a responsabilidade que depositou nele. Se Pedro deve assumir o lugar de Cristo, cabeça visível da Igreja, ele deve conhecê-Lo mais intimamente e amá-Lo mais ardentemente, porque em sua capacidade oficial ele é, até certo ponto, um e o mesmo com seu Chefe. Pedro foi o companheiro inseparável de Cristo. Ocasionalmente, Cristo levava Pedro, Tiago e João com Ele; muitas vezes, apenas Pedro era escolhido. Cristo sobe na barca de Pedro; ele é ordenado a arremessar um anzol no mar e a pegar uma moeda da boca do peixe que seria pego. A mesma taxa é paga por Cristo e por Pedro (Mat. XVII. 26). Pedro esteve com Cristo sobre a água (Mat. XIV. 29). Esse companheirismo íntimo deve ter impressionado os outros Apóstolos e preparou-os para o reconhecimento do primado prometido a Pedro. Ainda quando Cristo estava na terra, Pedro agiu muitas vezes como líder dos Apóstolos. Em nome deles ele se dirigiu ao Mestre: “Senhor, para quem havemos nós de ir?” (Jo. VI. 69). “Senhor, dizes esta parábola só para nós ou para todos?” (Lc. XII. 41). “Simão e os seus companheiros foram procurá-Lo” (Mc. I. 36). Em Lucas VIII, 45 e IX, 32 a mesma expressão ocorre. Essa maneira de falar indica um líder, um chefe. Sempre que os nomes dos Apóstolos são dados Pedro sempre encabeça a lista. Isso não é assim porque ele era o mais velho ou o primeiro a ser chamado, porque sob ambos os aspectos André era o primeiro; não poderia haver outro motivo a não ser a sua dignidade. Quando Mateus dá os nomes dos doze Apóstolos (X, 2), acrescenta claramente: o primeiro, Pedro. Quando Nosso Senhor censura Seus Apóstolos por sua discussão quanto a quem seria o maior, Ele condena a dominação e a ostentação, mas não a dignidade e a autoridade. Dificilmente podemos supor que tal discussão poderia ter ocorrido, a menos que os Apóstolos tivessem entendido, das palavras de Cristo, que eles não seriam iguais, e que Pedro era preferido em relação aos demais.

Depois de Sua Ressurreição, Cristo dá as provas de que a negação de Pedro não fez com que Cristo anulasse a promessa. No dia da Ressurreição de Cristo, Anjo disse às mulheres: ide, dizei a Seus discípulos e a Pedro (Mc. XVI, 7). Pedro é mencionado pelo nome apenas para que todos possam entender que seu pecado não modificara os planos de Cristo.

A Escritura registrou quando o prometido primado foi de fato concedido a Pedro. Cristo ressuscitado apareceu aos Seus discípulos no lago de Tiberíades, e a seguinte conversa segue-se entre Nosso Senhor e Pedro: “Simão, filho de João, amas-Me mais do que estes? Ele respondeu: Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo. Jesus disse-lhe: Apascenta Meus cordeiros. Voltou a perguntar pela segunda vez: Simão, filho de João, amas-Me? Ele respondeu: Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo. Jesus disse-lhe: Apascenta as Minhas ovelhas. Pela terceira vez disse-lhe: Simão, filho de João, amas-Me? Pedro ficou triste porque, pela terceira vez, lhe disse: Amas-Me?, e respondeu-Lhe: Senhor, Tu sabes tudo; Tu sabes que Te amo. Jesus disse-lhe: Apascenta as Minhas ovelhas” (Jo. XXI. 15-17). É evidente que a promessa de Cristo teve de se cumprir em algum momento; as palavras acima indicam claramente esse cumprimento. Pedro é incumbido de alimentar todo o rebanho, isto é, a Igreja universal. Cristo estava prestes a deixar o mundo e a voltar para o céu. Era oportuno que a suprema cabeça visível da Igreja fosse apontada tão claramente quando lhe fora prometido. Isso não poderia ter sido feito com palavras mais claras do que com aquelas que lemos no Evangelho. Um grupo de pescadores ofereceu a ocasião para a promessa e seu cumprimento.

As palavras citadas acima mostram claramente que foi confiado a Pedro — e apenas para ele — um dever especial; esse dever não poderia ser outro senão o poder supremo como cabeça dos Apóstolos, e de toda a Igreja. Alimentar os cordeiros e as ovelhas é o mesmo que governar. Ele é feito pastor do rebanho, do qual são membros até mesmo os Apóstolos. Eles proferirão a boa-nova a todas as nações; eles terão autoridade sobre todos; Pedro sozinho será seu superior.

Pedro compreendeu sua missão; os Apóstolos a compreenderam, e seus atos o confirmam. Pedro preside a eleição de um sucessor para Judas (At. I. 15). Pedro é o primeiro a pregar o Evangelho. A eficácia de suas palavras e o dom dos milagres reúne os primeiros convertidos no rebanho. Pedro exerce o papel de chefe no trabalho visitando todos (At. IX. 32). Pedro é o primeiro a ser advertido — numa visão — de que havia chegado o momento de receber os gentios na Igreja. O grande Apóstolos dos gentios, São Paulo, tendo sido ensinado pelo próprio Cristo, não precisava da instrução de Pedro ou dos outros Apóstolos e, no entanto, foi prestar honras a Pedro e permaneceu com ele por duas semanas. Dentre os outros Apóstolos, ele não tinha visto ninguém senão Tiago, que então era bispo de Jerusalém. Pedro agiu como cabeça da Igreja no concílio dos Apóstolos em Jerusalém, e foi considerado como tal pelos Apóstolos; Pedro falou e toda a multidão manteve-se calma e aprovou sua decisão; Paulo e Tiago falam, mas apenas para sustentar o juízo infalível de Pedro e matéria de fé e moral (At. XV. 7-12). Cristo deu à Igreja uma cabeça visível na pessoa de Pedro para produzir e preservar sua unidade. Ao fazer de Pedro a fundação, Ele fez dele seu governante supremo; ao dar a ele as chaves do reino do céu Ele fez dele o dispensador supremo; ao confiar todo o rebanho aos seus cuidados Ele fez dele o pastor chefe. Pedro é de tal modo designado, que ele pode fazer de maneira visível o que Cristo faz por Sua Igreja de maneira invisível. Já que a Igreja deve durar até o fim dos tempos tal como Cristo a estabeleceu, então sempre deve haver uma cabeça visível.

As considerações acima mencionadas são muito importantes, pois sem elas seria impossível formar uma idéia da Igreja tal como Cristo a fundou.

Alguns acontecimentos dos dias dos quais nós escrevemos, se mal interpretados, lançam uma sombra sobre o primado de Pedro.

O primeiro dentre eles é a missão de Pedro na Samaria. O diácono Filipe, quando foi expulso de Jerusalém na perseguição que se seguiu à morte de Santo Estevão, foi para o norte e converteu para a fé vários samaritanos. Quando os Apóstolos, que permaneceram em Jerusalém, ouviram falar disso, enviaram até eles Pedro e João (At. VIII. 14). Podemos argumentar, a partir desse fato, que o colégio dos Apóstolos era superior a Pedro? Devemos distinguir uma missão por via da autoridade de uma missão por requerimento. Se Pedro foi enviado por um superior, devemos admitir que Pedro não era o superior. Para compreender como ele foi enviado, devemos nos lembrar de sua posição tal como explicada acima. A Bíblia prova abundantemente que todas as missões não implicam inferioridade. Qual cristão admitiria que o Filho é inferior ao Pai porque Aquele foi enviado a este mundo por Este? Nós lemos no livro de Josué (XXII) que os filhos de Israel enviaram em uma missão o sacerdote Fineias e outros dez, cada um deles chefe de uma das tribos. Nós lemos novamente (At. XV) que quando a questão da circuncisão fora levantada pelos gentios convertidos, os fieis de Antioquia enviaram Paulo e Barnabé para consultar os Apóstolos em Jerusalém. O grande historiador judeu Josefo registra que os judeus enviaram seu sumo sacerdote Ismael, em uma missão, ao imperador Nero em Roma. Por que os Apóstolos pediram Pedro para ir, quando outros Apóstolos poderiam ter ido da mesma forma? O texto sagrado não dá as razões, mas nós podemos supor que o antigo ressentimento entre os samaritanos e os judeus exigiu a presença do chefe dos Apóstolos para superar toda resistência e objeções de cada lado. É como na ordem física; quando mais os vários elementos tendem repelir-se mutuamente, maior deve ser o poder no princípio para obter coesão. Outra razão pode ter sido que a presença do chefe foi requerida para compensar os esforços nefandos de Simão Mago. Simão precedeu Filipe na Samaria e anunciou a si mesmo como alguém grande (At. VIII). Simão foi um dos convertidos de Filipe; mas seu desejo de comprar o poder de dar o Espírito Santo mostrou que não se podia confiar nele. Seu coração não era justo aos olhos de Deus. Alguém dotado de autoridade suprema foi solicitado para paralisar as seduções desse supremo impostor. Supondo, todavia, que Pedro fora por meio de solicitação, por que João foi enviado com ele? João certamente não era o superior dos outros Apóstolos. Esse não é o primeiro caso em que Pedro e João foram juntos. Eles aparecem juntos na cura do homem coxo e, depois disso, diante do sinédrio; Pedro representa o papel principal, até mesmo quando está na companhia de João. Longe de provar qualquer coisa contra o primado, a missão na Samaria o confirma.

Outra objeção pode ser encontrada na repreensão dirigida a Pedro pelos judeus recém-convertidos em Jerusalém, depois de ele ter recebido os gentios na Igreja sem circuncisão: “Tu entraste em casa de incircuncisos e comeste com eles” (At. XI. 3). Pedro explica-lhes a visão de Cornélio e a sua. Pedro é repreendido; ele se submete humildemente e, portanto, ele não era o chefe; essa conclusão representa boa lógica? Quem são os queixosos neste caso? Não os Apóstolos, mas os novos convertidos do judaísmo, os quais não haviam abandonado suas visões de superioridade em relação aos gentios. Pedro é inferior a eles? A repreensão dirigida a ele foi uma repreensão no sentido detestável da palavra? Isso não fica claro a partir do texto. Supondo que ela tivesse sido tomada de forma muito séria, a rebelião provaria alguma coisa contra o primado? Isso é apenas uma repetição do que acontecera com Aarão (Num. XVI). Ele havia sido designado por Deus como o sumo sacerdote e, no entanto, houve alguns que com Coré, Datã e Abiron contestaram e cobiçaram a dignidade para eles mesmos. Mas a objeção ao feito de Pedro foi tão séria que seus acusadores, depois de escutarem sua explicação, mantiveram-se calmos e glorificaram a Deus dizendo: “Logo, Deus concedeu também aos gentios o arrependimento, a fim de que tenham a vida” (At. XI. 18). Você pode dizer ainda: de qualquer forma, Pedro teve de dar uma razão e isso não poderia ser exigido senão por um inferior ou por um igual. Eu lhe responderia: então, você faz de Pedro um inferior ou igual em relação aos primeiros convertidos da Igreja em Jerusalém; você prova muito e, portanto, você não prova nada. Quando Maria e José perderam Jesus, ao encontrá-Lo no templo, disseram-Lhe: “Filho, por que procedeste assim conosco?” (Lc. II. 48). Jesus explica seu ato. Isso faz Dele um inferior ou um semelhante de Maria e José? Muitas vezes no Antigo Testamento Deus mesmo deu razão de Seus atos por meio da boca de Seus profetas.

A carta de São Paulo aos Gálatas apresenta outra dificuldade: o propósito dessa carta é duplo; primeiramente, refutar o erro comum dos judeus convertidos que se apegavam às suas tradições; em segundo lugar, reivindicar para si mesmo as prerrogativas de um verdadeiro Apóstolo, como os Doze escolhidos por Cristo. Esses convertidos nutriam receio a respeito de Paulo e sua missão. Paulo se compara a Pedro, e alega que tal como Pedro é o Apóstolo da circuncisão, do mesmo modo ele é o Apóstolo dos gentios. Alguns fingiam que Paulo não era um verdadeiro Apóstolo e que seu ensino não se conformava ao dos outros Apóstolos. Paulo refuta ambas as asserções. Tendo recebido seu apostolado pouco tempo depois de sua conversão a partir do próprio Cristo, ele não sentiu necessidade de instrução ou missão dos Apóstolos em Jerusalém. Imediatamente, ele foi trabalhar na Arábia, depois retornou a Damasco e somente depois de três anos foi ver Pedro em Jerusalém. Depois de catorze anos ele voltou a Jerusalém com Barnabé e Tito, por meio de uma ordem divina. Alguns convertidos recusaram-se a receber Tito porque ele não era circuncidado. Paulo, porém, foi recebido, o que prova que não havia diferença de opinião entre Paulo e os outros Apóstolos. A discussão de Paulo não foi com Pedro ou os outros Apóstolos, mas com alguns convertidos do judaísmo. Até agora, nada foi provado contra o primado de Pedro; mas naquela mesma carta Paulo escreve o seguinte: “Mas, tendo vindo Cefas a Antioquia, eu resisti-lhe frente a frente, porque merecia repreensão” (Gal. II. 11). Essas palavras não argumentam contra o primado de Pedro? O Concílio de Jerusalém havia dispensado os gentios da observância da lei Mosaica, e também havia reconhecido o apostolado de Paulo, mas algumas questões não foram apaziguadas, tais como se a lei de Moisés ainda era vinculante para os judeus depois da vinda de Cristo; se os gentios tinham de se tornar judeus antes de serem admitidos na Igreja. Os sentimentos dos judeus convertidos eram bem conhecidos e, em interesse do argumento, é secundário se o encontro de Pedro e Paulo ocorreu antes ou depois do Concílio de Jerusalém. Pedro costumava comer com os gentios, mas quando alguns mensageiros vieram da parte de Tiago, bispo de Jerusalém, Pedro interrompeu a prática, por medo de escandalizar aqueles da circuncisão. Aqui estava a causa da dissimulação da parte de Pedro. Paulo menciona o acontecimento com o único propósito de convencer os fieis da Galácia de que o evangelho da liberdade, que ele pregava, era o verdadeiro evangelho, ao qual se rendera até mesmo Pedro após alguns momentos de fraqueza. Não há discussão quanto a uma divergência dogmática entre os dois Apóstolos. Como poderia haver, já que o próprio Pedro tivera uma revelação divina sobre o assunto? Pedro batizara o pagão Cornélio sem submetê-lo a qualquer rito judeu; no Concílio de Jerusalém ele proclamara a salvação pela graça, não pela lei; ele havia resistido à alegação dos judeus convertidos de que Tito deveria ser circuncidado; ele havia reconhecido o apostolado de Paulo. Pedro talvez estivesse esperando por uma oportunidade para apaziguar a questão da circuncisão definitivamente e para sempre. É fácil imaginar a situação desagradável de Pedro, quando ele teve de escolher entre a oposição de Paulo e a dos zelotes que haviam vindo recentemente de Jerusalém. Pedro parecia oscilar e era culpado; Paulo ganhou a discussão, mas não havia nenhum questionamento de primado ou doutrina; foi simplesmente uma questão de conveniência, até que ela foi finalmente apaziguada. O oponente de Pedro é o mesmo Paulo que, depois do Concílio de Jerusalém, passou por Icônio e Listra com Timóteo e o circuncidou, por causa dos judeus que estavam naqueles lugares (At. XVI. 3). Paulo sabia por sua própria experiência que há uma diferença entre princípios e sua aplicação; ele sabia que as circunstâncias devem ser levadas em consideração. É inegável que Paulo tenha repreendido Pedro. Ele assim o fez porque se considerava o superior de Pedro? Certamente não. Paulo chamava a si mesmo de o menor dos Apóstolos. Mas uma correção fraterna pode e deve ser feita algumas vezes, até mesmo por um inferior. Paulo pode ser louvado por sua coragem; Pedro, por sua sincera humildade. O acontecimento mostra que Paulo via Pedro como um homem extraordinário.

10 comentários:

Anônimo disse...

"Qual cristão admitiria que o Filho é inferior ao Pai porque Aquele foi enviado a este mundo por Este?"

Ouvistes que eu vos disse: Vou, e venho para vós. Se me amásseis, certamente exultaríeis porque eu disse: Vou para o Pai; porque meu Pai é MAIOR do que eu. João 14;28

O que significa a afirmação acima? O que significa a afirmação do próprio Jesus de que nem o Filho sabe o dia de sua volta, pois esse conhecimento é exclusivo do Pai?

Significa, apenas, que a interpretação é sempre problemática, e que cada um, no fundo, interpreta segundo lhe convém. Para evitar isso é razoável aceitar que, nos casos de dúvida, o significado seja afirmado como dogma pela autoridade da Igreja Católica.

Porém, Pedro foi repreendido por São Paulo, além do fato de ter sido enviado a missões por um colegiado. E isso lhe tira a autoridade absoluta e a ideia de infalibilidade. A autoridade, pois, é da Igreja, e não do Papa. Mas, se a autoridade é da Igreja, ela pode transferir sua autoridade ao Papa, o que de fato ocorreu.

Consulte-se o desabafo de Pedro Abelardo em A História da Filosofia Cristão, de Gilson e Boehner, Editora Vozes, 2009, página 309. Ali Abelardo afirma que, diante das contradições quanto à interpretação, é preciso que cada um use a própria razão. Abelardo era protestante? Lutero alegou o mesmo mais tarde.

Concluo que Cristo não quis deixar uma mensagem de significado único. Se Ele quisesse, certamente o faria. Porém, cabe à Igreja definir o significado da mensgem onde houver possibilidade de confusão.

Anônimo disse...

Objeção razoável

Se Cristo estava se referindo apenas à pessoa de Pedro, o próprio Pedro:

1. ou deveria ser imortal,
2. ou deveria escolher diretamente o seu sucessor.

Como o sucessor de Pedro é escolhido por um colegiado, que representa a Igreja, então o poder foi dado à Igreja.

Pedro, pois, foi apenas um veículo da declaração do Pai Celestial de Jesus. E essa é a pedra sobre a qual foi constituída a Igreja.

Antonio Emilio Angueth de Araujo disse...

Eis aqui uma demonstração de como os protestantes implementam a Sola Scriptura. Não conseguem interpretrar e discutir com um texto tão simples e querem se arvorar em interpretar as Escrituras Sagradas.

O anônimo está precisando tomar leite diluído, mas acha que já pode comer picanha com muita gordura. Está precisando ler coisa mais simples, como a historinha do lobo mau e os três porquinhos, mas quer já pegar o Apocalipse e sair dando suas opiniões.

Isso acontece com a maioria dos protestantes (não todos, é claro): são ignorantes presunçosos, que sabem de cor alguns versículos da Bíblia e já querem se tornar exegetas.

Rezemos por eles.

Anônimo disse...

"Rezemos por eles."

Caro professor,

Embora o senhor não tenha tentado refutar os argumentos diretamente, foi feliz em sua reputação indireta quando disse: Rezemos por eles.

Assim, o senhor demonstra ser um católico/cristão que merece o respeito até mesmo de um protestante contra o erro e o engano.

Que Deus mantenha o seu coração em estado de mansidão! Assim, poderá ser bem-sucedido em sua apologética.

Anônimo disse...

Comentaristas, por favor antes de querer responder, estudem bastante. Os brasileiros, em geral, tem opinião para tudo. Mas opinião é diferente de ESTUDAR COM AFINCO. Infelizmente, os protestantes são assim. E quando querem confrontar Angueth, que é um estudioso, com meras opinões é evidente que este revide com um pai olha para um filho de 5 anos e diga: "meu filho, você ainda não sabe nada da vida".

Ricardo

Gederson disse...

Caro Anônimo, a autoridade de São Pedro lhe foi conferida por Cristo, quando este chamou a ele de pastor e a todos os outros de ovelhas. A autoridade de São Pedro, vem diretamente de Cristo do qual ele é vigário, não da Igreja.
O fato de São Paulo ter corrigido São Pedro, não lhe tira a autoridade e muito menos a infalibilidade. São Pedro errou em uma questão de prática que ele mesmo havia decidido no Concílio de Jerusalém. Se o Papa fosse infalível enquanto praticasse qualquer doutrina que seja, ele seria impecável, o que é um absurdo pela tradição da Igreja.
Quanto a São Pedro ser enviado, a grande maioria dos reis e césares da antiguidade possuíam conselhos e seguiam estes em assunto de primeira importância. Isto não quer dizer que o Rei não tenha autoridade ou que seus conselheiros lhe são superiores...
Veja-se testemunhos dos Pais da Igreja:
São João Crisostomo:
"Jesus disse [a Pedro] ‘Alimenta minhas ovelhas’. "Por que Jesus não leva em conta aos demais Apóstolos e fala do rebanho somente a Pedro? "Porque ele foi escolhido entre os Apóstolos, ele foi a boca de seus discípulos, o líder do coro. Foi por essa razão que Paulo foi procurar a Pedro antes que aos demais. E também o Senhor fez isso para demonstrar que ele devia ter confiança, uma vez que a negação de Pedro havia sido perdoada. Jesus lhe confia o governo sobre seus irmãos... Se alguém perguntar "Por que então foi Santiago quem recebeu a Sé de Jerusalem?", eu lhe responderia que Pedro foi constituído mestre não de uma Sé, mas do mundo todo” (Homilia 88 (87) in Joannem, I. Cf. Orígenes, “In epis. Ad Rom.”, 5, 10; Efrén de Siria “Humn. In B. Petr.”, en “Bibl.Orient. Assemani”, 1, 95; León I, “Sermo IV de Natale”, 2. Apud Enciclopédia Católica, verbete Primado, artigo de G. H. JOYCE).

Gederson disse...

São Cipriano de Cartago:
"a fonte dessa unidade episcopal é a Sé de Pedro. Conforme ele dizia, Roma desempenhava o mesmo ofício que desempenhou Pedro durante sua vida: ser princípio da unidade. Manter a comunhão com um antipapa como Novaciano seria cair em cisma (Ep. 68, 1). Ele sustenta ainda que o Papa tem autoridade para depor um bispo herege. Quando Marciano de Arles caiu na heresia, Cipriano, a pedido dos bispos dessa província, escreveu ao Papa Estevão para solicitar que ele “escrevesse cartas para excomungar a Marciano e fazer que alguém tomasse seu lugar” (Ep. 68, 3). (Apud artigo de G. H. JOYCE sobre o primado do Papa na Enciclopédia Católica).

Santo Agostinho:

295,2: Entre estes somente Pedro mereceu representar toda a Igreja. Por causa desta representação da Igreja, que somente ele conduziu, mereceu escutar "Eu te darei as chaves do reino dos Céus"
Carta 53, 2: Desta forma, se a linha sucessória dos apóstolos deve ser levada em consideração, com que maior certeza e benefício à Igreja devemos retornar até alcançar o próprio Pedro, a quem, como uma figura que comporta toda a Igreja, o Senhor disse "Sobre esta pedra edificarei e minha Igreja, e os portões do inferno não prevalecerão contra ela".

Gederson disse...

Sermão número 26, sobre Mt 14,25, diz que:
1. O Evangelho que acabou de ser lido ensina que o Senhor Cristo, que andou sobre as águas, e o apóstolo Pedro, com quem Ele estava caminhando, e que cambaleou através do medo, e começou a afundar pela falta de confiança, reerguido pela confissão, nos traz o entendimento que o mar é o nosso mundo ao redor, e o apóstolo Pedro a imagem da Igreja. Pois Pedro, o primeiro entre os apóstolos, e que confessa grande amor a Cristo, responde na maior parte das vezes sozinho pelos outros. Novamente, quando o Senhor Jesus Cristo perguntou quem os homens diziam que ele era, e quando os discípulos deram várias definições dos homens, e o Senhor perguntou de novo quem ele era, para os homens, Pedro respondeu: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo". Um, entre todos, respondeu, a unidade entre vários. Então disse o Senhor a ele "Feliz és tu, Simão, filho de Jonas,porque isso não te foi revelado por alguém de carne e sangue, e sim meu Pai do céu". E Ele acrescentou, "Pois eu te digo", como se estivesse dizendo "Assim como tu disseste de mim "Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo", eu te digo "Tu és Pedro"", pois antes ele era chamado Simão.

Comentário ao Evangelho do III domingo da Páscoa - ano C (Jo 21,1-19)
Quando interrogava a Pedro, o Senhor interrogava também a nós
Quando ouves o Senhor dizendo: Pedro, tu me amas? (Jo 21,16), lembra-te de um espelho e procura ver-te nele. Pois que outra coisa Pedro aí fazia se não representar a Igreja? Por isso, quando interrogava a Pedro, o Senhor nos interrogava também a nós, interrogava a Igreja. Para saberes que Pedro era figura da Igreja, recorda aquela passagem do Evangelho: Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei minha Igreja e as portas do inferno não a vencerão. Eu te darei as chaves do Reino dos céus (Mt 16,18-19).
É um homem só que as recebe. Quais sejam as chaves do Reino dos céus ele explicou assim: O que ligares na terra será ligado nos céus e o que desligares na terra será desligado nos céus (Mt 16,19).
Mas, se apenas a Pedro é que isso se disse, somente Pedro é que fez isso: morreu e partiu. Quem, portanto, liga e quem desliga? Ouso afirmar que também nós temos essas chaves.

As citações dos Pais da Igreja, foram extraídas do site da Associação Cultural Montfort

Anônimo disse...

"Mas, se apenas a Pedro é que isso se disse, somente Pedro é que fez isso: morreu e partiu. Quem, portanto, liga e quem desliga? Ouso afirmar que também nós temos essas chaves." (Santo Agostinho)

Creio que a chave ficou com a Igreja!

Em NSJC

Anônimo disse...

Anônimo de 15:41

Santo Agostinho estava obviamente se referindo ("Ouso afirmar que também nós temos essas chaves.") aos sacerdotes que e~stão em comunhão com o Santo Papa e a Santa Igreja.

Se seguir o seu raciocinio, hereges que foram ordenados sacerdotes, como "Frei" Betto ou Leonardo Boff, tem poder de ligar e desligar!

O que é um absurdo!

Lutero, e outros hereges protestantes foram sacerdotes católicos (os Boffs daquela época), mas claramente não tinham masi comunhão com a Santa Igreja e o Santo Papa. Então esses não tem poder de ligar e desligar nada.