31/10/2008

Sobre o que dizem os dicionários

Dia desses um colega me passou o link do dicionário Aulete Digital, supostamente o sucessor do Caldas Aulete, um dicionário legendário no Brasil, editado até a década de 1980, como nos informa o link do Aulete Digital.

A versão digital do famoso dicionário é uma “construção coletiva”. Quem quiser pode colaborar. Os parceiros principais são o Estado de São Paulo e a Rede Globo de Televisão, que “têm na língua seu instrumento de comunicação, e que representam um universo de seu uso real em praticamente todos os setores da vida contemporânea, no Brasil e no mundo”, segundo dizem.
Quando vejo coisa assim sempre desconfio. Essa tal de construção coletiva é normalmente um palavrório bonitinho para nos enganar. É como a história do software livre, cujos idealizadores gostam mesmo é de mamar em verbas governamentais.

Mas será que tem dinheiro nosso no tal dicionário coletivo? Vejam lá os patrocinadores: Ministério da Cultura (Lei de Incentivo à Cultura), CEMIG e Petrobrás, dentre outros. Nosso rico dinheirinho está indo embora.

Por trás da coisa toda está a Lexikon Editora Digital que faz apologia da Lei Rouanet e, acreditem, oferece por meio de um link, um vídeo de Gilberto Gil. Que doçura, não é?!
Fui dar uma olhada nos verbetes. Escolhi para começar “comunismo” e já bastou para ver que construção coletiva é essa que suga nosso dinheiro. Vejam o que encontramos no dicionário:

(co.mu.nis.mo)
sm.
1. Econ. Pol. - Sistema e ideologia política, social e econômica que se baseiam na propriedade coletiva e propõem-se a distribuir os bens segundo as necessidades individuais e a abolir as classes sociais
2. Pol. - O conjunto dos comunistas e sua atividade política
3 Qualquer grupo coletivo em que os bens são divididos segundo a necessidade de cada um.

[F.: comun (i)- + -ismo]
Comunismo primitivo
1. Hist. Econ. Pol. - Sistema de organização social da Idade da Pedra, no qual a propriedade dos meios de produção (relativos à caça, á coleta e a uma agricultura primitiva) eram coletivos, e os produtos divididos entre todos os membros da coletividade.

Viram que coisa mais delicada. Comunismo para o Aulete Digital é um sistema político que propõe distribuir os bens segundo as necessidades de cada um. Se não conhecemos a respeito dos cem milhões de mortos do comunismo, ainda assim, para preservar um pouco de lógica, deveríamos perguntar à tal construção coletiva, como é que o “sistema político” ficaria sabendo sobre minhas necessidades ou as suas leitor amigo. Poderíamos perguntar também se onde foi implantado tão nobre sistema as coisas funcionaram bem.

Mas o melhor vem depois, quando o dicionário define um “comunismo primitivo”. Veja bem, se você pensava que o comunismo foi uma criação de alguns desequilibrados, na melhor das hipóteses, lá pelo século XIX, você está redondamente enganado. Na Idade da Pedra, todos éramos comunistas.

Isso é tão estapafúrdio que chega a ser cômico. A tal construção coletiva não percebeu que há uma relação entre o comunismo e a Idade da Pedra, mas não é essa que está no dicionário. A relação verdadeira é que toda comunidade que adota esse sistema político volta para a Idade da Pedra. Esta sim é a relação correta entre os dois termos.

Aqui me ocorre uma passagem do livro de Luis Pazos, Lógica Econômica, em que ele diz:

“Alguns pensadores, entre eles Marx e Engels, criaram a dúvida, em muitos legisladores, políticos e estudiosos das ciências sociais, sobre a legitimidade da propriedade. Partiram da premissa de que o oferecido pela natureza é de todos e a apropriação de terras e de bens é um ato arbitrário. A partir dessa idéia se concluiu que se a propriedade era, originalmente, ilegítima, os governantes tinham o direito de apoderar-se dela e redistribuí-la com um critério mais justo.

“A origem da propriedade é muito anterior à época em que o homem se torna sedentário e começa a cercar pedaços de terra. A propriedade é uma atitude racional a respeito dos bens que nos rodeiam. Normalmente, o ser humano descobre ou acrescenta uma utilidade aos bens naturais, mediante sua transformação ou transporte.

“O ser humano, na maior parte da história - talvez, excetuando-se a época da coleta de frutos -, tem utilizado a razão para reunir as coisas que o satisfaça. Na medida em que o ser humano progride, é menor a proporção do consumo de bens oferecidos espontaneamente pela natureza e prontos para serem consumidos.

“O erro dos marxistas, como assinala Eudocio Ravines, que foi marxista durante grande parte de sua vida, estava em situar a origem da propriedade numa época histórica caracterizada pelos 'cercamentos' ou pela repartição de terras.

“A primeira manifestação social da propriedade não está em cercar um terreno, como pensavam Engels e Marx, mas na fabricação de ferramentas, desde o alvorecer da humanidade, como demonstram os restos do chamado Homo habilis, que datam de um milhão e oitocentos mil anos atrás.”

Veja que é a origem da propriedade que está na pré-história do homem e não a do comunismo.
Depois disso, fechei o programa e desisti de usar essa “maravilhosa” construção coletiva para qual, pelo jeito, vou continuar colaborando com meu imposto de renda. Talvez seja esta a “necessidade” que o sistema descobriu que tenho.

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