28/07/2008

Nota sobre uma nota a respeito da santidade

Leio na recém lançada Dicta&Contradicta uma edição das últimas três aulas de Bruno Tolentino, poeta falecido em 2007. Bem no início, encontro o seguinte. “Como complemento, há também umas palavras de Giussani, que dizia simplesmente: ‘Os homens levam a sério o trabalho, o amor, a família, os filhos, vai ver até a santidade. Levam mil coisas a sério, mas não parecem ter tempo livre para levar a sério a vida.’ Levar a sério a vida é uma coisa muito curiosa: significa que você não pode jogar fora um só segundo dela, pois é um tesouro que lhe foi dado, que lhe é dado e que volta a lhe ser dado todo santo dia.” Continuando, Tolentino diz: “Estas duas coisas completam-se: a visita da santidade e a pergunta ‘mas será que levo a vida a sério?’ Foi em torno delas que se criou toda uma coisa extraordinária, que foi a cultura Ocidental. Construímos toda a assim chamada civilização em torno deste problema do ser.”

Há aqui uma nota do editor que diz: “Classicamente, entende-se a santidade como a plenitude do ser, do ser-homem.”

A cultura Ocidental foi criada pela cristandade católica. A Igreja foi a mãe da civilização Ocidental, que vem descendo uma ladeira desde o nominalismo de Occam e da Reforma. A civilização em que vivemos ainda conserva alguns valores daquela civilização, mas apenas de uma forma degradada. Chesterton dizia que, na modernidade, as virtudes cristãs enlouqueceram. Cito aqui apenas duas obras que podem nos convencer disso: Religion and the Rise of Western Culture, de Chistopher Dawson e Dois Amores, Duas Cidades, de Gustavo Corção. A cultura Ocidental foi, portanto, criada pela Teologia e não por uma ontologia.

A nota do editor é intrigante: a santidade é a plenitude do ser, do ser-homem. Que significa isso? Talvez que o santo seja um homem pleno, o que é verdade. Mas, santidade tem muito mais a ver com Deus do que com o homem. De qualquer forma, de santidade entende a Igreja, pois só existe santo na Igreja Católica. Então, recorro à Enciclopédia Católica e procuro a palavra santidade. O que ela diz? Vejamos (traduzo livremente do inglês partes do texto da enciclopédia. Quem quiser ler o original clique aqui.)


Sanctitas na Vulgata do Novo Testamento é tradução de duas palavras distintas, hagiosine (1 Tess., III:13) e hosiotes (Luc., 1:75; Ef., 4:24) Essas duas palavras gregas expressam respectivamente as duas idéias conotadas por santidade: aquela referente a separação, como em hagios, que vem de hagos, que denota ‘qualquer coisa sagrada, venerável’ (do latim sacer); e aquela referente a sancionado (sancitus), aquele que é hosios recebeu o selo de Deus.

“Santidade, diz o Doutor Angélico, é o termo usado para tudo o que é dedicado ao serviço Divino, seja pessoa ou coisa. O santo deve ser puro e separado do mundo, pois a mente tem de ser retirada da contemplação das coisas inferiores para que ela possa considerar a verdade suprema, e isso deve ser feito com firmeza e estabilidade. Santo Tomás define santidade como aquela virtude pela qual o homem aplica sua mente e todos os seus atos em direção de Deus; ele coloca a santidade entre as virtudes morais infusas, na qual fazemos todas as coisas subservientes a Deus. (...) Assim, santidade é o resultado da santificação, aquele ato divino pelo qual Deus livremente nos justifica, e pelo qual Ele nos adota; por nossa santidade resultante, tanto nos atos quanto nos hábitos, nós os consideramos o Começo e o Fim para o qual tendemos. Portanto, na ordem moral, a santidade é uma asserção dos supremos direitos de Deus; sua manifestação é a obediência aos Mandamentos.”

Por essa definição de santidade, dizer que ela apenas nos visita seria impróprio, apesar de poético. Sendo virtude, nós a alcançamos por meio nossos próprios esforços, de nossa vontade firme e estável. Sendo virtude infusa, nós precisamos da graça de Deus para que nos tornemos santos. Nesse aspecto o poeta tem certa razão. Precisamos que algo nos visite: a graça de Deus, que sopra onde quer. Mas a visita tem de ser querida, almejada, solicitada, desejada em seu mais alto grau.

Para terminar, é preciso sempre lembrar que a santidade não é escolha, é obrigação: “Sede perfeitos, como meu Pai é perfeito”. E a perfeição é a santidade suprema.

4 comentários:

Anônimo disse...

Assisti ao debate sobre ateísmo entre o Dawkins e o Dinesh no youtube.

Uma das alfinetadas do Dawkins me deixou em duvida.

Ele afirmou que nenhum papa excomungou Hitler ou qq dos nazistas. (exceto goebbels por ter se casado com uma protestante)

Pesquisei nos site católicos, mas não encontre resposta.

Afinal, um papa pode excomungar um leigo ? A excomunhão não é apenas para religiosos (ex. Lutero, Mestre Eckhart etc)?

Antonio Emilio Angueth de Araujo disse...

Caro anônimo,

Eu não sei se Hitler se dizia católico. Mas, os motivos de excomunhão são vários, e o pecado, seja capital, seja venial, não está entre eles. Ou seja, um pecador, por seu pecador, não será excomungado pela Igreja, que pode sim excomungar leigos, claro. Se pecado fosse motivo de excomunhão eu, e muita gente, estaria excomungado. Para o pecado a o sacramento da penitência.

O mais frio assassino, caso ele se arrependa verdadeiramente, se confesse e receba o perdão, ele será salvo.

Note que há também a excomunhão automática, que não precisa de manifestação papal. Por exemplo, todo comunista está excomungado automaticamente. Essa excomunhão se chama "latae sententiae".

Outro exemplo do Código Canônico:

Cân. 1370 § 1. Quem usa de violência física contra o Romano
Pontífice incorre em excomunhão latae sententiae.

A malícia de Dawkins só é menor que sua ignorância. Antes de cobrar algo da Igreja e dos papas é preciso conhecer a doutrina e a história da Santa Madre Igreja.

Antônio Emílio.

Anônimo disse...

Procurei na internet sobre o assunto. De fato a excomunhão do Goebbles é lenda urbana.

A excomunhão que incorreu foi aquela automática por ter casado com mulher divorciada

Segue o texto.

"Maybe this helps, from David Irving's Goebbels. Mastermind of the Third Reich. ISBN 11872197132


The Goebbels wedding was fixed for December 19, 1931. As a divorcee and convert to protestantism, Magda could not marry under the rites of the catholic church. Goebbels’ plea to the bishop of Berlin for a waiver was denied. Marrying as a protestant, he would be excommunicated. ‘He thereupon saw no further reason to pay their church tax,’ said Hitler years later, mocking the church’s hypocrisy. ‘But the church informed him that excommunication … did not affect the obligation to pay up as before.’

Hitler acted as one witness, and General von Epp as the other. Since a Berlin wedding was out of the question—the communists would have raised mayhem—it was solemnized at Severin, the Quandt estate in Mecklenburg. Quandt did not hear about this until afterwards. The village notary of Goldenbow performed the legal ceremony, then Dr Wenzel, pastor from Berlin, officiated at the protestant ceremony in the chapel at nearby Frauenmark; a swastika banner draped the altar. Magda’s mother came, but not her father who disapproved of Goebbels; she had stitched together a little brown S.A. uniform for her son Harald to wear as a pageboy. ‘We accept the obligation to bring up our children in the evangelical-lutheran faith,’ the couple affirmed."

Anônimo disse...

Anônimo das 11:44,

Não é uma resposta ao argumento idiota de Dawkins, mas este texto certamente lhe interessará:

http://salterrae.org/2008/08/06/igreja-catolica-e-estatolatria/