26/10/2006

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Revogada a Lei da Caridade Cristã: leitor questiona posições do autor enviada em 25/10/2006

Prezado Sr Antônio Emílio de Araújo,

Ao ler seu artigo “Revogada a Lei da Caridade Cristã” fui tomado da curiosidade de conhecer melhor seu pensamento.

Para tanto formulei algumas perguntas às quais gostaria imensamente de ver respondidas:
1) O senhor considera realmente como trabalho, a atividade de vender balas nas ruas?
2) O senhor considera que tal atividade ajudará na formação do caráter dessas crianças?
3) O senhor considera que tal atividade trará alguma lição, ou ensinamento, ou aprendizado relevante para a vida futura dessas crianças?
4) O senhor considera realmente que essas crianças sejam filhas de pais zelosos que estão pensando no melhor dos interesses dos seus filhos?
5) O senhor considera que este tipo de caridade seja imprescindível para a sobrevivência dessas crianças?
6) Em caso positivo, o senhor considera errado que o estado assuma a posição de provedor?
7) Por fim: Já que o ato de vender balas nos sinais é um excelente meio disciplinador e formador de caráter, bem como um excelente meio para as pessoas praticarem a caridade; o senhor colocaria seus filhos para vender balas nos sinais?

Peço por caridade, que o senhor tenha a devida paciência para responder aos meus questionamentos.

Atenciosamente

Wolmar Murgel Filho

Caro Sr. Wolmar,

O Sr. usa um tom deveras professoral para um debate de idéias. Além disso, não sem certa ironia, o Sr. responde, indiretamente, algumas das perguntas feitas. Não vou comentar sobre isso e acreditarei que o Sr. esteja realmente interessado em minhas idéias e não em me dar uma lição de moral.

Eu acredito que a vida é injusta, que nem todos nasçam com as mesmas potencialidades ou mesmo num meio ambiente que as faça florescer devidamente. Eu acredito que o homem pode, dentro de suas limitações e dificuldades, se elevar acima de suas circunstâncias, mas com muito trabalho e esforço.O nascido pobre, no sentido econômico, tem de trabalhar desde cedo se quiser se elevar acima da pobreza original. Quanto mais ele atrasar, mais difícil fica seu caminho. Quanto mais convencermos o pobre de que ele deve dançar balé e não tentar ajudar, com alguma atividade remunerada, sua família, mais estamos atravancando seu caminho.

O caminho do trabalho precoce foi o caso, no século XIX, de uma criança órfã que trabalhava, desde os nove anos de idade, nos armazéns de um comerciante inglês muito rico, e que se tornou o Barão de Mauá. Foi também a história de um menino negro, filho de lavadeira, que se tornou Machado de Assis. No século XX, foi o caminho de uma criança de nome Abravanel, que trabalhava como camelô e se tornou Sílvio Santos. Fora do Brasil, podemos citar aquele menino que trabalhava com um encadernador de livros, que de tanto ler os livros que encadernava, se tornou Michael Faraday, um dos maiores físicos que o mundo conheceu. Vou poupar o Sr. e os demais leitores do exemplo daquele lenhador que se tornou presidente dos EUA.

Qual o trabalho cada pobre deve escolher eu não sei. Parece, pelas perguntas feitas, que o Sr. sabe. Digo apenas que considero que lavar privada, carregar compras, vender chicletes, etc. são todos trabalhos relevantes. Não acho, porém, que traficar drogas, se prostituir e roubar sejam trabalhos relevantes.

O Sr. me faz uma pergunta pessoal, pensando talvez em me atemorizar ou em me pegar em contradição. Pergunta se eu deixaria meus filhos venderem chiclete no semáforo. Sr. Wolmar, eu não nasci pobre (nem rico) e não precisei, pela graça de Deus, trabalhar até me formar na universidade. Mas minha esposa trabalha desde os 11 anos de idade (vendia bijuteria em feira de artesanato) e meu filho, às vezes, vende bombom na porta do restaurante de sua escola, na hora do almoço. Se nossa família precisasse (ou precisar), o Sr. fique certo de que meus filhos estariam(estarão) vendendo chicletes nos semáforos da vida.

Quanto ao estado provedor, eu conheço, relativamente bem, a história do século XX, em que a implantação deste tipo de estado levou para a cova 200 milhões de pessoas. Dispenso esse tipo de estado!

Um comentário final sobre a caridade. Ela é para ser praticada com o próximo e não com o distante. Segundo Lewis, uma das estratégias do demônio é nos fazer amar o distante (por exemplo, nos fazer ter a maior compaixão pelas criancinhas famintas da África) e odiar ou desprezar o próximo (por exemplo, nos fazer recusar dar esmolas às crianças em nossos semáforos). Outro exemplo é achar que colaborar com o "Criança Esperança" é meritório ao mesmo tempo em que sentimos o maior desprezo por aquele menino feio e catarrento que se aproxima de nós para vender chicletes.

Sr. Wolmar, espero que o tenha esclarecido melhor sobre as minhas idéias.

Obrigado pelo interesse.

Antônio Emílio Angueth de Araújo

P.S. Talvez seja de seu interesse consultar este (http://www.olavodecarvalho.org/semana/grossura.htm) artigo de Olavo de Carvalho sobre a temática da pobreza em geral. Também este (http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=4481) de Thomas Sowell é muito interessante.

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