04/02/2013

Domingo da Sexagésima

Nota: O Evangelho deste domingo mereceu um grande sermão de Pe. Antônio Vieira. Segue abaixo um comentário apologético de Pe. Júlio Maria.

Evangelho (Lc 8, 4-15)
Comentário Apologético
do Evangelho Dominical, Pe. Júlio Maria

Naquele tempo, tendo-se reunido muito povo, e como os habitantes de várias cidades tivessem ido a Jesus, propôs-lhes Ele esta parábola: Saiu o semeador a semear sua semente; e ao semeá-la, parte caiu junto ao caminho e foi pisada, e as aves do céu a comeram. Outra parte caiu sobre a pedra, e quando nasceu, secou logo, por não haver umidade. Outra parte caiu entre os espinhos, e os espinhos, nascendo com ela, a sufocaram. E outra parte caiu em boa terra, e depois de nascer, deu fruto, cento por um. Dito isto, clamou: Quem tem ouvidos para ouvir, ouça. Seus discípulos perguntaram-Lhe, pois, que significava essa parábola. E Ele lhes respondeu: A vós é dado conhecer o Mistério do Reino de Deus, porém aos outros se fala em parábolas, para que, olhando, não vejam, e ouvindo, não entendam. Este é, pois, o sentido da parábola: A semente é a palavra de Deus. Os que estão ao longo do caminho, são os que a ouvem, mas vindo depois o diabo, tira-lhes a palavra do coração, para que se não salvem, crendo nela. Os de sobre a pedra, são os que recebem com gosto a palavra, quando a ouviram; porém estes não têm raízes; até certo tempo creem, mas no tempo da tentação, desviam-se. A que caiu entre os espinhos: são estes os que ouviram, porém indo, afogam-se com cuidados, riquezas e deleites da vida e não dão fruto. E a que caiu em boa terra: são os que, ouvindo a palavra, guardam-na com o coração bom e perfeito e dão fruto na paciência.
COMMENTARIO APOLOGÉTICO: Constituição da religião

E' outra parábola que o Evangelho de hoje nos apresenta: a do semeador.
O semeador é Deus que lançou a semente divina da religião — a sua palavra, — no terreno das almas que compõem este campo imenso da humanidade.

Esta semente, infelizmente, não caiu toda no bom terreno; uma parte caiu em terreno duro, outra em terreno pedregoso, outra em terreno coberto de espinhos e outra em terreno fértil.
E' o que explica que ao lado da única religião verdadeira, há várias religiões falsas. Todas no fundo, como veremos, provêm da semente divina, o terreno, porém, não era próprio para o seu desenvolvimento: daí nasceram plantas raquíticas, outras disformes, outras quase desconhecíveis.
No fundo de todas estas religiões, encontra-se entretanto, um ponto comum: suas partes constitutivas, que correspondem ás três grandes aspirações do homem: conhecer, amar e servir.
A estas três aspirações correspondem as 3 partes essenciais da religião, que são: 
1. O dogma, que devemos conhecer;
2. A moral, que devemos amar;
3. O culto, que devemos manifestar. 


Já vimos que a religião é a procura e o encontro de Deus e do homem, o seu comércio reciproco; vamos ver agora o modo porque se faz este encontro. 
I. O dogma
O encontro da inteligência divina e da inteligência humana, constitui o dogma da religião.
Que é o dogma
E' a palavra de Deus, publica, dada paternalmente ao homem pela revelação, e aceita filialmente pela submissão à autoridade. 
E' o homem que quer saber, aproximando-se de Deus que sabe; como é Deus aproximando-se do homem que quer saber. 
E' Deus e o homem conversando juntos.
E' o decálogo sublime entre o pai e o filho: entre o pai que revela e o filho que escuta. 
Uma inteligência pequena diz cousas pequenas, uma inteligência grande diz cousas grandes. Uma inteligência divina diz cousas divinas. 
Estas cousas divinas são as verdades sublimes, que constituem a primeira parte da religião: o dogma. A religião não é uma imposição rigorosa, seca, pesada, da parte de Deus, mas sim a união de inteligência, de coração e de vida.
A inteligência divina e a humana correspondem-se admiravelmente: Deus revela ao homem o que este não sabe; e o homem, pelo raciocínio, descobre nestas revelações, a satisfação da sua aspiração de saber.
Estes dois elementos: o divino e o humano, dão-se as mãos, completam-se admiravelmente, e fazem a nossa fé, ao mesmo tempo divina e humana, apoiada sobre a palavra divina que revela e o espirito humano que raciocina.

II. A moral

A segunda aspiração do homem é amar. É o amor que faz uma lei... e a este amor corresponde o amor do homem que aceita esta lei por amor. 

De facto, que é a moral? 

E' o encontro do Coração de Deus e o do homem. E' a regra traçada paternalmente por Deus e aceita filialmente pelo homem. 

É Deus dirigindo o homem porque o ama, e o homem deixando-se dirigir porque se sente amado. 

Tal é a ideia-mãe da moral, e o que se encontra em toda religião. 

Erros e abusos podem ter-se introduzido nas minúcias, porém, no fundo de todas as religiões há esta verdade básica de: Deus dirigindo o homem, e o homem submetendo-se direção de Deus
É o amor que faz as leis morais e é o amor que as executa.
A moral é o encontro do Coração de Deus e do coração do homem, para tornar o coração do homem digno do Coração de Deus.
III. O culto 

E' a terceira parte constitutiva da religião, o culto, o rito, as preces e cerimonias. 

Que é o culto? 

E' o auxilio filialmente pedido a Deus, e paternalmente dado por Deus ao homem. 

E' a fraqueza humana que chama em seu auxilio a força divina! 

E’ a força que vem em auxilio da fraqueza. 

E' a vida poderosa e infinita de Deus que se une á vida vacilante e limitada do homem para sustentai-a. 

E' a oração particular, publica, social do homem, e a fé inabalável nesta verdade que Deus atende as preces da humanidade, como um pai atende as suplicas de um filhinho. 

IV. Conclusão 

Esta concepção da religião em sua natureza intima, em suas partes constitutivas, parece quase uma novidade, entretanto é a única concepção verdadeira. Toda religião é constituída de dogma, moral e culto, porque ela deve corresponder ás três grandes aspirações do homem: conhecer, amar, servir. 

Digo que tal é o fundo necessário de todas as religiões. 

Afastai pelo pensamento, os erros, as superstições que são a obra do homem, e vereis resplandecer, no meio de todas as religiões, a religião verdadeira, imutável e universal, pois só pode haver uma só religião, como há uma só aritmética, uma justiça, uma lógica, e esta religião única tem por fim uma função única: unir o homem a Deus, e Deus ao homem. 

Nenhuma religião foi inventada pelos homens: todas elas são derivadas, da única religião universal e eterna. Há só um tipo donde foram copiadas imitações mais ou menos perfeitas, completas ou grotescas. 

Um estudo comparado das religiões demonstra que o tipo único de religião, dado por Deus, tem as suas raízes nas profundezas da alma humana. 

Sob formas diversas, há um mesmo fundo divino, atos idênticos que levam o homem a Deus, e inclinam Deus para o homem. 

Não há religião, por falsa que seja, que no fundo não tenha um dogma, uma moral, um culto. 

Nenhum erro, nenhuma superstição pode tirar esta constituição essencial da obra divina: a religião verdadeira e eterna. 

EXEMPLO 

1. O culto exterior 

Um dia, uma senhora de alta sociedade, que se ufanava de ser livre-pensadora, quis discutir religião com o publicista católico, Raymundo Brücker. 

Não podendo refutar o seu interlocutor, ela terminou, dizendo: 

— «Pois bem, seja, Sr. Brücker, estou de acordo que no dogma e na moral católica há cousas boas, mas o culto!... estas práticas exteriores, orações e cerimonias públicas, acho tudo isso muito mesquinho! Creio que a Igreja podia dispensar-se destas cousas: a religião ganharia muito com uma tal supressão!» 

Brücker que se havia mostrado até ai da mais fina cortesia para com esta senhora, levanta-se, de repente, como movido por umas mola, e pondo-lhe pesadamente a mão sobre o ombro, lhe diz de chofre: 

— Ah! minha gordona, como tu tens espirito! 

— Senhor! bradou a senhora indignada, recuando três passos, quem me julgas, então? Ignoras os primeiros elementos de civilidade?
— Desculpa-me, senhora, retornou Brücker, não ter compreendido que exiges para ti um culto exterior que julgas de tão pouca importância nas relações com Deus. 

O culto exterior, minha senhora, não é outra cousa, senão as formas da civilidade e do respeito que devemos a Deus. 

2. Confissão de um protestante 

O incrédulo Frederico II, rei da Prússia, acabava de assistir na catedral de Breslau a uma missa solene pontificai, cantada pelo Cardial Zenzendorff. 

Na saída disse ao Prelado: Eminência, a sua Missa me fez refletir e tirar a seguinte conclusão: 

Os calvinistas tratam Deus como si fosse um criado, os luteranos O tratam como igual, os católicos tratam-nO como Deus.

3. Uma tradição judaica 

Há entre os judeus a seguinte tradição: Quando Deus havia criado o mundo, perguntou aos anjos o que pensavam da sua obra. Um deles respondeu: 

— A obra é grande e perfeita, porém falta qualquer cousa: precisava criar uma voz clara, poderosa e harmoniosa, que de continuo enchesse todas as partes do mundo com seus sons, cantando dia e noite ao Criador, um hino de gratidão por todos os seus benefícios. 

Esta voz existe: é a do culto público, prestado a Deus pela humanidade, em nome da Criação inteira.

Um comentário:

Anônimo disse...

Prezado Angueth, caso tenha interesse, os Comentários Apologéticos do Evangelho Dominical do Pe. Julio Maria estão disponíveis em: www.saopiov.org. Lá também estão as meditações de Santo Afonso. Procure no Índice Analítico.