Nota: O Evangelho deste domingo
mereceu um grande sermão de Pe. Antônio Vieira. Segue abaixo um comentário apologético
de Pe. Júlio Maria.
Evangelho (Lc 8, 4-15)
Comentário Apologético
do Evangelho Dominical, Pe. Júlio Maria
Naquele
tempo, tendo-se reunido muito povo, e como os habitantes de várias cidades
tivessem ido a Jesus, propôs-lhes Ele esta parábola: Saiu o semeador a semear
sua semente; e ao semeá-la, parte caiu junto ao caminho e foi pisada, e as aves
do céu a comeram. Outra parte caiu sobre a pedra, e quando nasceu, secou logo, por não haver
umidade. Outra parte caiu entre os espinhos, e os espinhos, nascendo com ela, a
sufocaram. E outra parte caiu em boa terra, e depois de nascer, deu fruto,
cento por um. Dito isto, clamou: Quem tem ouvidos para ouvir, ouça. Seus
discípulos perguntaram-Lhe, pois, que significava essa parábola. E Ele lhes
respondeu: A vós é dado conhecer o Mistério do Reino de Deus, porém aos outros
se fala em parábolas, para que, olhando, não vejam, e ouvindo, não entendam.
Este é, pois, o sentido da parábola: A semente é a palavra de Deus. Os que
estão ao longo do caminho, são os que a ouvem, mas vindo depois o diabo,
tira-lhes a palavra do coração, para que se não salvem, crendo nela. Os de sobre
a pedra, são os que recebem com gosto a palavra, quando a ouviram; porém estes
não têm raízes; até certo tempo creem, mas no tempo da tentação, desviam-se. A
que caiu entre os espinhos: são estes os que ouviram, porém indo, afogam-se com
cuidados, riquezas e deleites da vida e não dão fruto. E a que caiu em boa
terra: são os que, ouvindo a palavra, guardam-na com o coração bom e perfeito e
dão fruto na paciência.
COMMENTARIO APOLOGÉTICO: Constituição da religião
E' outra parábola que o Evangelho de hoje nos apresenta: a do
semeador.
O semeador é Deus que lançou a semente divina da religião — a
sua palavra, — no terreno das almas que compõem este campo imenso da
humanidade.
Esta semente, infelizmente, não caiu toda no bom terreno; uma
parte caiu em terreno duro, outra em terreno pedregoso, outra em terreno
coberto de espinhos e outra em terreno fértil.
E' o que explica
que ao lado da única religião verdadeira, há várias religiões falsas. Todas no fundo,
como veremos, provêm da semente divina, o terreno, porém, não era próprio para
o seu desenvolvimento: daí nasceram plantas raquíticas, outras disformes,
outras quase desconhecíveis.
No fundo de
todas estas religiões, encontra-se entretanto, um ponto comum: suas partes
constitutivas, que correspondem ás três grandes aspirações do homem: conhecer,
amar e servir.
A estas três
aspirações correspondem as 3 partes essenciais da religião, que são:
1. O dogma,
que devemos conhecer;
2. A moral, que
devemos amar;
3. O culto,
que devemos manifestar.
Já vimos que a
religião é a procura e o encontro de Deus e do homem, o seu comércio reciproco;
vamos ver agora o modo porque se faz este encontro.
I. O dogma
O encontro da
inteligência divina e da inteligência humana, constitui o dogma da religião.
Que
é o dogma?
E' a palavra de
Deus, publica, dada paternalmente ao homem pela revelação, e aceita filialmente
pela submissão à autoridade.
E' o homem que
quer saber, aproximando-se de Deus que sabe; como é Deus aproximando-se do
homem que quer saber.
E'
Deus e o homem conversando juntos.
E' o decálogo
sublime entre o pai e o filho: entre o pai que revela e o filho que escuta.
Uma inteligência
pequena diz cousas pequenas, uma inteligência
grande diz cousas grandes. Uma inteligência divina diz cousas divinas.
Estas cousas
divinas são as verdades sublimes, que constituem a primeira parte da religião:
o dogma. A religião não é uma imposição rigorosa, seca, pesada, da parte de
Deus, mas sim a união de inteligência, de coração e de vida.
A inteligência
divina e a humana correspondem-se admiravelmente: Deus revela ao homem o que
este não sabe; e o homem, pelo raciocínio, descobre nestas revelações, a satisfação
da sua aspiração de saber.
Estes dois
elementos: o divino e o humano, dão-se as mãos, completam-se admiravelmente, e
fazem a nossa fé, ao mesmo tempo divina e humana, apoiada sobre a palavra
divina que revela e o espirito humano que raciocina.
II. A moral
A segunda aspiração do homem é amar. É o amor que faz uma lei... e a este amor corresponde o amor do homem que aceita esta lei por amor.
De
facto, que é a moral?
E' o encontro do
Coração de Deus e o do homem. E' a regra traçada paternalmente por Deus
e aceita filialmente pelo homem.
É Deus dirigindo
o homem porque o ama, e o homem deixando-se dirigir porque se sente amado.
Tal é a ideia-mãe
da moral, e o que se encontra em toda religião.
Erros e abusos podem
ter-se introduzido nas minúcias, porém, no fundo de todas as religiões há esta
verdade básica de: Deus dirigindo o homem, e o homem submetendo-se direção de
Deus
É o amor que faz as
leis morais e é o amor que as executa.
A moral é o
encontro do Coração de Deus e do coração do homem, para tornar o coração do
homem digno do Coração de Deus.
III. O culto
E' a terceira parte constitutiva da religião, o culto, o
rito, as preces e cerimonias.
Que é o culto?
E' o auxilio filialmente
pedido a Deus, e paternalmente dado por Deus ao homem.
E' a fraqueza
humana que chama em seu auxilio a força divina!
E’
a força que vem em auxilio da fraqueza.
E' a vida
poderosa e infinita de Deus que se une á vida vacilante e limitada do homem
para sustentai-a.
E' a oração
particular, publica, social do homem, e a fé inabalável nesta verdade que Deus atende
as preces da humanidade, como um pai atende as suplicas de um filhinho.
IV. Conclusão
Esta concepção
da religião em sua natureza intima, em suas partes constitutivas, parece quase
uma novidade, entretanto é a única concepção verdadeira. Toda religião é
constituída de dogma, moral e culto, porque ela deve corresponder ás três
grandes aspirações do homem: conhecer, amar, servir.
Digo que tal é o
fundo necessário de todas as religiões.
Afastai pelo pensamento, os erros, as superstições que são a
obra do homem, e vereis resplandecer, no meio de todas as religiões, a religião
verdadeira, imutável e universal, pois só pode haver uma só religião, como
há uma só aritmética, uma justiça, uma lógica, e esta religião única tem por
fim uma função única: unir o homem a Deus, e Deus ao homem.
Nenhuma religião
foi inventada pelos homens: todas elas são derivadas, da única religião
universal e eterna. Há só um tipo donde foram copiadas imitações mais ou menos
perfeitas, completas ou grotescas.
Um estudo
comparado das religiões demonstra que o tipo único de religião, dado por
Deus, tem as suas raízes nas profundezas da alma humana.
Sob formas
diversas, há um mesmo fundo divino, atos idênticos que levam o homem a Deus, e
inclinam Deus para o homem.
Não há religião,
por falsa que seja, que no fundo não tenha um dogma, uma moral, um culto.
Nenhum erro,
nenhuma superstição pode tirar esta constituição essencial da obra divina: a
religião verdadeira e eterna.
EXEMPLO
1. O culto exterior
Um dia, uma
senhora de alta sociedade, que se ufanava de ser livre-pensadora, quis discutir
religião com o publicista católico, Raymundo Brücker.
Não podendo
refutar o seu interlocutor, ela terminou, dizendo:
— «Pois bem, seja, Sr. Brücker, estou de acordo que no dogma
e na moral católica há cousas boas, mas o culto!... estas práticas exteriores,
orações e cerimonias públicas, acho tudo isso muito mesquinho! Creio que a Igreja
podia dispensar-se destas cousas: a religião ganharia muito com uma tal supressão!»
Brücker que se
havia mostrado até ai da mais fina cortesia para com esta senhora, levanta-se,
de repente, como movido por umas mola, e pondo-lhe pesadamente a mão sobre o ombro,
lhe diz de chofre:
—
Ah! minha gordona, como tu tens espirito!
— Senhor! bradou
a senhora indignada, recuando três passos, quem me julgas, então? Ignoras os
primeiros elementos de civilidade?
— Desculpa-me,
senhora, retornou Brücker, não ter compreendido que exiges para ti um culto
exterior que julgas de tão pouca importância nas relações com Deus.
O culto
exterior, minha senhora, não é outra cousa, senão as formas da civilidade e do
respeito que devemos a Deus.
2. Confissão de um protestante
O incrédulo
Frederico II, rei da Prússia, acabava de assistir na catedral de Breslau a uma
missa solene pontificai, cantada pelo Cardial Zenzendorff.
Na saída disse
ao Prelado: Eminência, a sua Missa me fez refletir e tirar a seguinte
conclusão:
Os calvinistas
tratam Deus como si fosse um criado, os luteranos O tratam como igual, os católicos
tratam-nO como Deus.
3. Uma tradição judaica
Há
entre os judeus a seguinte tradição: Quando Deus havia criado o mundo,
perguntou aos anjos o que pensavam da sua obra. Um deles respondeu:
— A obra é
grande e perfeita, porém falta qualquer cousa: precisava criar uma voz clara,
poderosa e harmoniosa, que de continuo enchesse todas as partes do mundo com
seus sons, cantando dia e noite ao Criador, um hino de gratidão por todos os
seus benefícios.
Esta voz existe: é a do culto público,
prestado a Deus pela humanidade, em nome da Criação inteira.
Um comentário:
Prezado Angueth, caso tenha interesse, os Comentários Apologéticos do Evangelho Dominical do Pe. Julio Maria estão disponíveis em: www.saopiov.org. Lá também estão as meditações de Santo Afonso. Procure no Índice Analítico.
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