Bem, esta é a fala atual de nossos bispos; quando não pastosa, francamente herética. Não assim com Dom Antônio Castro Mayer, bispo de Campos e um grande homem de Deus. Nas décadas de 1970 e 1980, o pastor procurou ensinar suas ovelhas tudo sobre a crise conciliar e sobre a sua dimensão. Ensinar de modo simples, de modo claro, de modo preciso; estes os objetivos de Dom Mayer. Abaixo transcrevo um de seus textos em que ele explica a relação do Papa com a Igreja. Faço isso em conexão com recentes discussões no blog a respeito do assunto.
Insisto com os leitores que a crise é grande, complexa e de difícil compreensão, pois envolve discussões doutrinárias e teológicas de peso. Já comentei uma lista de livros que dá ao leitor a correta compreensão da crise. Aos pouquinhos, vou publicando alguns artigos de Dom Mayer para clarear a confusão na cabeça de muitos.
Note, sobre o artigo que vai abaixo, que ele é anterior ao famigerado Encontro de Assis de 1986, que tanto escândalo provocou na Igreja, mas menciona o já então evidente “interconfessionalismo” de João Paulo II.
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Papa-Igreja
Monitor Campista, 22/07/1984
O Pensamento de Dom Antônio Castro Mayer: textos selecionados (1972-1989)
Editora Permanência, 2010.
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Os aforismos são uma espécie de comprimidos. Concentram numa frase curta todo um corpo de doutrina. Mas, por seu próprio laconismo, podem dar margem a concepções errôneas. Em Eclesiologia, é conhecido o adágio ubi Petrus ibi Ecclesia – onde Pedro, aí a Igreja – que se completa com outro, ubi Papa, Petrus – onde o Papa, aí Pedro. Estas duas simples expressões compendiam a Revelação sobre a Igreja de Deus, constante das palavras proferidas por Jesus Cristo, em Cesaréia de Felipe: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” acrescidas destas outras ditas pelo Salvador, ao se despedir dos apóstolos: “Eu estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos” (Mt. 28, 30).
Nem sempre se atenta para o significado preciso dos termos Pedro e Papa. Esta negligência pode levar a conclusões absurdas. Se, sem atenuante alguma, identifica-se a pessoa física de Pedro com a rocha, sobre a qual Jesus edificou a sua Igreja, de maneira que sempre onde se tivesse a pessoa física do Príncipe dos Apóstolos aí estivesse a Igreja, chegar-se-ia à conclusão que, já no seu nascedouro, a Igreja teria apostatado de sua pedra angular, Cristo Jesus. Pois foi, conforme narra São Marcos (14, 71), o que fez São Pedro, amedrontado pela porteira do Sinédrio quando ali compareceu o Divino Mestre, preso diante de Anás e Caifás. E São Pedro apostatou de maneira solene: com juramentos e anátemas!
A conclusão semelhante se chega, se se admite, de modo absoluto, que onde está o Papa, aí está Pedro, aí está a Igreja. A grande prerrogativa do Papa, como chefe da Igreja, é a infalibilidade. Ora, a infalibilidade não torna o Papa impecável, e ela está sujeita a umas condições que, uma vez não verificadas, deixam o Sumo Pontífice sujeito aos azares da fragilidade humana; de maneira que, mesmo agindo como Papa, pode enganar-se e levar outros ao erro. Cita-se, neste ponto, a atitude de São Pedro, repreendido publicamente por São Paulo, porque Antioquia, então, era a sede primacial da Igreja (daí é que ela passou para Roma). Mais concludente é o exemplo de Honório I, Papa de 625 a 638, que foi censurado pelo Terceiro Concílio de Constantinopla (DS. 552) e pelo Papa São Leão II porque “(...) permitiu, por uma profana traição, que se maculasse a imaculada Fé desta Igreja apostólica” (DS. 563 [grifo nosso]).
Estas reflexões, tenha-as o fiel presentes, especialmente nos dias que correm, em que o Concílio Vaticano II teria aberto uma “nova etapa” para a Igreja, do conúbio amigável com a heresia! Servem também para elidir as acusações, fruto da ignorância ou má fé, ou de ambas, contra os que rejeitam o interconfessionalismo de João Paulo II, porque crêem no dogma da Fé: fora da Igreja não há salvação (Conc. Latrão IV, DS. 802).