Outro dia, publiquei um post, Frutos do Concílio Vaticano II, sobre um padre herege vociferando contra a Tradição da Igreja. As eleições no Brasil mostraram muito bem o quanto a heresia já penetrou no conjunto de padres e bispos brasileiros, de forma que talvez possamos concordar com Chesterton quando ele diz: “No passado, o herege se orgulhava de não ser herege. (...) O homem orgulhava-se de ser ortodoxo, orgulhava-se de estar certo. (...) Mas umas poucas frases modernas o fizeram vangloriar-se disso. Ele diz, com um sorriso consciente, “Acho que sou muito herético”, e olha para os lados à procura de aplauso. A palavra “heresia” não somente significa não estar errado; praticamente significa ser inteligente e corajoso.” É claro que a eleição só deixou a situação mais clara para quem não acompanha mais de perto a crise da Igreja depois do CVII.
Agora, um leitor, de nome Ricardo, me envia um comentário, com várias perguntas, no post A Igreja primitiva, uma vez mais. Ele começa o comentário com essas afirmações: “Angueth, sou católico-romano, mas faço uma pergunta aos leitores do blog: em que podemos basear essa exclusividade da Igreja Católica Romana? Muitos talvez pensem que, por eu estar fazendo este questionamento, não sou mais católico-romano. Pode ser, mas a pergunta continua: qual o fundamento desse exclusivismo?”
Muitas coisas ocorrem a quem lê tais afirmativas. Primeiramente, ele admite que talvez não seja católico – “pode ser, mas a pergunta continua”. De outro lado, vemos que está disposto a deixar de ser católico por não saber responder a si mesmo a razão de a Igreja ser verdadeira e seus inimigos, falsos. Um católico assim é de fato um ser muito estranho.
Mas como condenar nosso pobre leitor, que é um fruto maduro do CVII? Como condenar seu protestantismo que já aparece bem nítido, quando tudo isso era previsível já logo depois do Concílio? De fato, os cardeais Ottaviani e Bacci escreveram ao Papa Paulo VI, dizendo sobre a nova liturgia (Novus Ordo): “Quiseram passar uma esponja em toda a teologia da Missa. Terminou como algo muito próximo da teologia protestante que destruiu o sacrifício da Missa”. Vários eminentes teólogos e observadores protestantes comemoravam o Concílio como uma capitulação da Igreja ao protestantismo, como o fim da era tridentina, como a negação do Concílio de Trento. Michael Davies cita vários destes depoimentos em seu livro “Pope John’s Council”. Por exemplo, Oscar Cullman, importante teólogo suíço, declarou: “As esperanças dos protestantes com relação ao Vaticano II não só foram cumpridas, mas as realizações do Concílio foram muito além do que se acreditava possível”.
Quem frequenta as missas modernas e principalmente lê o folheto O DOMINGO, tem uma grande chance de se tornar protestante, ou algo parecido ao leitor Ricardo. Sugiro a todos que lêem meus comentários a este famigerado folheto nos links aqui do lado direto. Daí vem a segunda forte impressão das frases inicias do comentário do Ricardo: o que ele pensará da Sagrada Comunhão? Como ele a recebe, todas as vezes que ele comunga? Será que ele relativiza a Eucaristia da mesma forma que ele relativiza a verdade? É muito possível que sim. Mas, de novo, como condená-lo? Como condená-lo, quando os próprios padres não respeitam a Presença Real na Hóstia Consagrada? Como condená-lo, se todos recebem a Comunhão na mão?
A situação terrível em que se encontra o leitor Ricardo é a da maioria dos católicos de hoje. É a situação terrível da crise monumental da Igreja. Neste ambiente, de que adianta dizer ao Ricardo que a Igreja é o único verdadeiro depósito da Fé, em contraposição com as mais de 30.000 denominações protestantes espalhadas pelo mundo? De que adianta dizer-lhe que a Presença Real, assim como todos os outros Sacramentos, está SOMENTE, na Santa Igreja Católica? Os católicos já não têm capacidade de acreditar, não na Igreja, não no Poder das Chaves, mas que existe verdade. Pois a mais poderosa arma contra o catolicismo não é a destruição da Fé em si, mas a destruição da Razão. Com a destruição da Razão, que foi promovida pelo Racionalismo, filho da Reforma, destruiu-se, na mente de todos, o conceito de Verdade. Sem este conceito, não há como ascender do imanente ao transcendente, da matéria ao espírito, do natural ao sobrenatural. O homem é assim desligado de sua essência transcendente e então, só então, todas as religiões podem ser comparáveis.
Quem tem a razão destruída pelo racionalismo não percebe as mínimas contradições lógicas das várias doutrinas e é incapaz de contemplar com admiração a extraordinária coesão lógica do edifício da Igreja Católica Apostólica Romana. Por exemplo, o leitor cita, de passagem, a doutrina da “sola scriptura”. Esta doutrina é logicamente auto-contraditória. Alguém que afirme que só acredita doutrinariamente no que está literalmente dito na Bíblia e em nada mais, desconhecendo como ilegítimo tudo o que a Tradição da Igreja declara, não percebe que para fazer isto sem contradição, seria preciso que a doutrina da “sola scriptura” estivesse expressa literalmente na Bíblia, o que não é verdade. Ou seja, ele acredita, em termos doutrinários, em algo externo à Bíblia, o que contraria sua afirmação inicial. Não é surpresa que o racionalismo trouxe uma era de misticismo irracional sem precedentes. Todas as mais loucas crenças orientais e também ocidentais invadiram nossa civilização, depois do ataque do racionalismo.
A confusão mental que se instalou transparece claramente no comentário do leitor, que depois de fazer uma quase declaração protestante, critica, ao final de seu comentário, os modernistas e liberais católicos, não percebendo que o modernismo (se é que ele está falando de modernismo na concepção de São Pio X) entrou na Igreja justamente por meio daqueles que subscreviam a heresia protestante, via doutrina do liberalismo. Ele não percebe que é MODERNISTA, até a medula.
Que dizer ao leitor, exceto sugerir-lhe que reze a Nossa Senhora para que ela lhe ilumine com a Graça da Santíssima Trindade, que cuide para que sua Razão não seja tragada pelo liberalismo protestante, que cuide para que sua Fé não seja destruída pelos padres modernistas e pela Missa Nova, para que ele perceba que antes de doutrina, antes de teoria, o catolicismo é uma PRESENÇA, que se atualiza em cada HÓSTIA SAGRADA e que garante que a Igreja Católica é a ÚNICA verdadeira, por onde, através dos Sacramentos, flui a graça de Deus?