09/08/2010

Chesterton e a Ciência Cristã

 

O Sr. Jackson Guterres encaminha a este blogueiro um e-mail com uma resposta a um artigo de Chesterton publicado pelo blog: Um artigo comum. Agradeço os esclarecimentos e a visita a meu blog. Faço abaixo alguns comentários a respeito da missiva do Sr. Guterres, de que cito alguns trechos.

Na introdução ao artigo de Chesterton eu dizia: com este texto, Chesterton usa seu magistral conjunto de instrumentos literários para, de uma forma simples, talvez até simplória – dada a audiência a que ele se dirigia – para nos mostrar que qualquer sistema mais ou menos auto-sustentável de crença – seja ele político ou religioso –, usa, senão todos, alguns procedimentos do único sistema realmente auto-sustentável e indestrutível de crença jamais criado, a Igreja Católica – pois Quem a criou é a fonte da sua sustentação e força. Todos eles se reúnem em concílios, todos editam seus anátemas, todos excomungam hereges, todos são altamente sensíveis às heresias. Contudo, só a Igreja é acusada de fazer tudo isso.

No artigo, Chesterton usa como exemplos tanto a Igreja Anglicana quanto a Ciência Cristã. Eu sugiro que se leia o artigo antes de continuar a leitura deste post.

O Sr. Guterres, para corrigir Chesterton (ai, meu Jesus Cristinho!) e talvez a mim, e falando em nome de um Comitê de Publicação da Ciência Cristã no Brasil, diz: A Igreja da Ciência Cristã é uma igreja de leigos, não há sacerdotes, nem credos, encíclicas, excomunhão e heresias num movimento religioso aberto, engajado com a cura cristã e com o Cristianismo primitivo. Sua teologia está explicitada no livro: Ciência e Saúde com a Chave das Escrituras; os detalhes organizacionais e essenciais, aos membros e à instituição, estão no Manual d'A Igreja Mãe - ambos de autoria da Sra. Eddy.

Não percebe o Sr. Guterres a ironia da situação. Com o trecho acima, ele declara exatamente o credo e os dogmas da sua religião. Quem concordar com isso é membro da religião, quem discordar é de outra religião. Agora, quem discordar disso e ainda assim afirmar ser um cientista cristão, quem discordar da Sra. Eddy e ainda assim afirmar que professa a verdadeira ciência cristã, este é um herege e será declarado assim por todos os comitês que lá existirem. Eu afirmo isso, mesmo sem conhecer profundamente a tal denominação dita cristã, porque assim acontece com qualquer religião no mundo. Nenhuma delas consegue conviver com quem, em seu seio, negue seus principais dogmas. Por isso, não acredito quando o Sr. Guterres diz que não há hereges para a Ciência Cristã; isso não pode ser verdade. Sobre dissidentes (hereges?) da Ciência Cristã, ver aqui e aqui.

Há, é verdade, uma menção ao cristianismo primitivo. Todos os hereges cristãos falam de cristianismo primitivo, querendo se referir a uma pureza que existia antes e não existe mais. Mas, antes de quê? Eles responderiam sem pestanejar: antes de o malvado Constantino ter criado a Igreja Católica, que pôs tudo a perder. É a mesma lenga-lenga de sempre. E note que a Ciência Cristã, tendo nascido em 1866, fala com toda a pompa de cristianismo primitivo. Bem, o que ela tem a ver com o cristianismo primitivo é só o fato de ser uma heresia moderna que tem ligações com as heresias do tempo do cristianismo primitivo, sobretudo o gnosticismo. O gnosticismo apareceu na história dos ataques à Igreja Católica com vários nomes e tendências. Apareceu, em primeiro lugar, como maniqueísmo, depois como catarismo, apareceu ainda, depois da Reforma, como puritanismo principalmente, embora todas as denominações protestantes tenham sabores gnósticos; e a Ciência Cristã é apenas mais uma filha da Reforma.

O Sr. Guterres não informa, não se sabe a razão, que a Sra. Eddy, depois de afirmar ter tido uma revelação de Deus para escrever seu manual teológico, começou a dar aulas a US$300 (dólar de 1881, que equivale a aproximadamente U$S 6.000, a preço de hoje) por 12 lições sobre sua metafísica. Não informa também que ela morreu milionária em 1910.

É curioso que o Sr. Guterres se mobilize para responder Chesterton no citado artigo, pois ele faz alusão a esta religião em um sem número de escritos. Por exemplo, para citar livros dele traduzidos para o português, em Ortodoxia, o grande católico inglês diz, ao final do capítulo “Paradoxos do Cristianismo”: “Ser arrastado por qualquer dessas teorias novas, desde o Gnosticismo até a Ciência Cristã, teria, sem dúvida, sido óbvio e fácil.” Cito o trecho da edição de 2001 da LTr, trad. de Cláudia A. Tavares. Há uma nota de rodapé (nota 162), não sei se da tradutora ou do editor, que diz apropriadamente: “O gnosticismo foi uma das primeiras heresias no cristianismo, contra o qual já alertava S. João, por pregar que os ensinamentos de Cristo eram apenas para determinados eleitos, como uma ciência superior e secreta, revelada só a uns privilegiados. A Ciência Cristã é uma variação moderna da mesma doutrina.

Em “O Homem Eterno”, Chesterton diz: “Todos temos ouvido dizer que o cristianismo levantou-se em uma época de barbarismo. O mesmo se podia afirmar que a Ciência Cristã ergueu-se, nasceu, em uma época de barbárie. Podem pensar que o Cristianismo foi um sintoma de decadência social, como eu penso que a Ciência Cristã é um sintoma de decadência mental.” (Cito este trecho de uma edição sem data, sem editora e sem tradutor que adquiri da Editora Quadrante).

Não só Chesterton se refere à Ciência Cristã. Hilaire Belloc, em seu livro As Grandes Heresias, diz, referindo-se à heresia de nosso tempo, que ele chama de ataque moderno: “O ataque moderno é materialista porque em sua filosofia só considera causas materiais. É supersticioso somente como um subproduto desse estado mental. Nutre, em sua superfície, os tolos caprichos do espiritualismo, o contra-senso vulgar da “Ciência Cristã,” e, sabe Deus quantas outras fantasias.

O Sr. Guterres informa ainda que: “Os cientistas cristãos amam e praticam a regra áurea, alteridade e boas relações com as diferentes religiões e crenças. A fé na onipotência divina, cumpre o primeiro mandamento e pode ser vivenciada em bons frutos e no amor ao próximo.

Toda heresia, nos ensina Belloc, toma uma verdade católica, a exagera ao máximo, e a adorna com outras coisas não católicas. A heresia só sobrevive pela verdade católica que mantém. Parece que é o caso da onipotência divina dos cientistas cristãos.

O Sr. Guterres também não nos informa que a Ciência Cristã, embora se diga cristã, nega (ver aqui):

1. A Trindade;

2. A Encarnação;

3. A Ressurreição;

4. A Redenção, portanto;

5. A existência do Inferno;

6. Etc.

Com esta lista de negações, não admira que tanto Chesterton quanto Belloc tenham escrito, como bons católicos, contra a Ciência Cristã.

2 comentários:

Anônimo disse...

Caríssimo e pacientíssimo prof. Angueth, o fenômeno descrito abundante e exaustivamente pelos exemplos fornecidos pelos "críticos leitores" do blog, dá-nos bem um panorama da coisa: cada um "monta" uma religião ao gosto do "crente".
Se por um lado temos as insignías da cientificidade do "cristianismo", por outro temos o resgate do "cristianismo primitivo" - ou um hibridismo meia-boca disso aí...
Todos eles são frutos do estilhaçamento do dogma: a heresia, o mal sempre presente no coração humano, a recusa de uma dádiva ofertada por Deus, é mais recorrente nesses tempos de esclarecimento e informação.
É tão difícil conversar e converter uma pessoa "inteligente" e "livre", já que ela terá mil argumentos, duas mil razões, três mil motivos , quatro mil justificativas para continuar errando - além, é claro, da pedra-de-toque moderna que é o "eu quero"...
A História, essa dama tão deprezada, nos fornece provas cabais que a Tradição é salvaguardada por uma única Mãe zelosa: é a Igreja Católica Apostólica Romana.
Esses verdadeiros orfãos, filhos da chocadeira do orgulho, se incham e inflamam de sua indigência e acham que estão bem situados no seu castelinho de cartas, mas estão sitiados pela sua prórpia soberba. Bradam com altaneira empáfia "como é grande a minha prisão!" - patético...
Isso não se trata de um insulto, mas de uma triste constatação: com um pouco de ciência o homem se afasta de Deus; com um pouco mais ele se aproximaria.
Todos os gurus, todos os embusteiros, todos os mentores são verdadeiros imãs para os tolos: preferem agarrar-se à uma ilusão de independência e auto-nomia do que ficarem cativos à verdade.
O seu cabeção é imenso; se têem em alta conta: pensam muito, mas errado; tomam a quantidade ou a vacuidade por iluminação, mas esquecem-se de pensar pouco e certo na humildade da pequenez, na fidelidade Àquele que se esvaziou de Sua divindade para nos mostrar o caminho do espírito.
São esses rastros de Sangue, Amor e Sabedoria que nos conduzem à Igreja.

MMLPimenta

Anônimo disse...

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI161499-15228,00-A+NOVA+REFORMA+PROTESTANTE+TRECHO.html

Que lindo!!!
É a sugestão e a propaganda à serviço da burrice e da má fé.

MMLPimenta