Pe. Faber
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PENA DOS SENTIDOS
Santa Catarina compara a alma que sofre a pena dos sentidos
com o ouro no crisol. “Vede o ouro; quanto mais ele derrete, melhor fica, e ele
é derretido até que todas as impurezas sejam aniquiladas. Esse é o efeito do
fogo nas coisas materiais. Mas a alma não pode se aniquilar em Deus, mas pode
se aniquilar em si mesma; e quanto mais é purificada, mais se aniquila em si
mesma, até que finalmente ela descanse em Deus, completamente pura. Quando o
ouro, segundo a expressão dos ourives, é purificado a vinte e quatro quilates, não
mais se reduz, qualquer que seja o fogo que lhe seja aplicado, porque, na
realidade, nada é consumido senão as imperfeições. O fogo divino age da mesma
forma na alma. Deus a mantém no fogo até cada imperfeição ser consumida, e até
que Ele a reduza a uma pureza de vinte e quatro quilates; cada um, contudo,
segundo seu próprio grau. Quando a alma é purificada, descansa completamente em
Deus, sem reter nada em si mesma. Deus é a sua vida. E quando Ele traz a Si a alma
assim purificada, ela se torna impassível, pois nada mais há a ser purificado;
e se ela fosse mantida purificada desta forma no fogo, ele não a causaria dor;
não, pois seria o fogo do Amor Divino, a própria vida eterna, no qual a alma já
não poderia experimentar mais contradições.”
A ALEGRIA NO PURGATÓRIO
Tal é o primeiro objeto que surge ante os olhos da alma: um
sofrimento extremo. Agora, examinemos outro objeto: a extrema alegria. Como a
alma ama Deus com a mais pura afeição, e sabe que seus sofrimentos são a
Vontade de Deus para operar sua purificação, ela se conforma perfeitamente ao
divino decreto. Durante sua estada no purgatório, ela nada vê senão o que
agrada a Deus; ela não pensa outra coisa senão na Sua Vontade; nada lhe é mais
claro que a conveniência de sua purificação, a fim de se apresentar bela e
radiosa diante de tão suprema Majestade. Assim fala Santa Catarina: “Se uma
alma, a ser ainda purificada, fosse apresentada à visão de Deus, ela se
consideraria gravemente ferida, e seus sofrimentos seriam piores que os de dez
purgatórios; pois ela seria inteiramente incapaz de suportar aquela excessiva
Bondade e aquela suprema Justiça.” Por isso é que a alma sofredora está
inteiramente resignada à Vontade de seu Criador. Ama suas próprias dores, e
nelas se regozija, porque elas são a única Vontade de Deus. Assim, no meio de
ardente calor, ela desfruta de um contentamento tão completo que excede ao
entendimento da inteligência humana. “Não acredito,” diz Santa Catarina, “que
seja possível encontrar um contentamento comparável ao das almas no Purgatório,
a menos que seja o contentamento dos santos no Paraíso. Esse contentamento
cresce diariamente por meio do influxo de Deus nessas almas, e esse influxo
cresce na proporção em que os obstáculos vão se desvanecendo. De fato, com
relação à vontade, dificilmente podemos dizer que as penas sejam realmente
penas, tal é o contentamento com que as almas descansam na Vontade de Deus, à
qual estão unidas pelo mais puro amor.”
Em outro lugar, Santa Catarina diz que esse inexplicável
júbilo da alma enquanto submetida ao Purgatório se origina da força e pureza de
seu amor a Deus. “Esse amor dá à alma um contentamento que não pode ser
expresso. Mas esse contentamento não alivia nem uma pequena parte do
sofrimento; não, é a demora que o amor experimenta antes de tomar posse do
objeto amado que causa o sofrimento; e o sofrimento é maior na proporção da
perfeição do amor que Deus tornou a alma capaz de Lhe devotar. Assim, as almas
no Purgatório têm, ao mesmo tempo, o maior contentamento e o maior sofrimento;
e um não obstrui o outro.” Quanto às orações, esmolas e Missas, Santa Catarina
afirma que as almas experimentam com elas grande consolação; mas que, nessas e
em outras coisas, a principal solicitude das almas é que tudo se deve “pesar na
justa balança da Vontade Divina, deixando Deus seguir Seu próprio curso em
tudo, satisfazendo a Si mesmo e à Sua Justiça, como Lhe aprouver.”
FALSA CONFIANÇA
A Santa conclui seu Tratado
lançando seu olhar ao seu próximo e a si mesma. Ao próximo, ela diz: “Ah! se eu
pudesse elevar minha voz tão alto para assustar todos os homens sobre a terra e
dizer-lhes: Ó homens miseráveis! Por que se deixaram cegar por este mundo de
modo a não fazer nenhuma provisão para aquelas imperiosas necessidades que
encontrarão no momento da morte? Vós, todos vós, esperais encontrar abrigo sob
a esperança da misericórdia de Deus. Mas não vedes que a própria bondade de
Deus testemunhará contra vós por terdes se rebelado contra a Vontade de Senhor
tão bom? Não descanseis numa falsa confiança, dizendo: Quanto chegar a hora de
minha morte, farei uma boa confissão, e então, eu ganharei a indulgência
plenária, e assim, naquele último momento, eu serei limpo de todos os meus
pecados, e então serei salvo. Confissão e contrição (perfeita) são necessárias
para uma indulgência plenária; e (essa) contrição é coisa tão difícil de
conseguir que se soubésseis da dificuldade, tremeríeis de tanto temor, não
ousando crer que tal graça vos possa jamais ser concedida, em vez de a
esperardes com uma confiança temerária, como agora fazeis.”
Quando se examinava a si própria com a luz da iluminação
sobrenatural, ela via que Deus a escolhera para ser na Igreja a expressão e a
imagem viva do Purgatório. Ela diz: “Essa forma de purificação, que observo nas
almas no Purgatório, eu a percebo agora em minha própria alma. Vejo que minha
alma habita em seu corpo num purgatório inteiramente conforme ao verdadeiro
Purgatório, com a diferença de que meu corpo pode suportar sem morrer. Não
obstante, os sofrimentos estão pouco a pouco aumentando, até que alcancem um
ponto em que meu corpo realmente morrerá.”
A doutora do
Purgatório
Sua morte foi verdadeiramente maravilhosa, e tem sido sempre
considerada um martírio do Amor Divino. A missão da santa, como a grande
Doutora do Purgatório, foi tão verdadeiramente apreciada, desde o princípio,
que na sua antiga vida, a vita antica,
que foi examinada por teólogos em 1670 e aprovada no processo de sua
Canonização, processo este composto por Marabotto, seu confessor, e Vernazza,
seu filho espiritual, está dito: “Verdadeiramente, parece que Deus escolheu Sua
criatura como um espelho e um exemplo das dores da outra vida, que as almas
sofrem no Purgatório. É como se Ele a tivesse colocado num alto muro a dividir
esta da outra vida; de modo que ao ver qual sofrimento nos espera na vida além
tumulo, ela pudesse manifestar-nos, ainda nesta vida, o que devemos esperar
quando cruzarmos a fronteira.” Este é um simples resumo de seu maravilhoso e
superlativamente belo Tratado, que
colocou Santa Catarina dentre os teólogos da Igreja.
A mesma visão do Purgatório de Santa Catarina é exposta
brevemente, embora de modo tocante, por Dante, naquela bela cena em que ele e Virgílio
vagueiam pelos arredores do Purgatório. O poeta se torna subitamente fascinado
pela luz brilhante de um Anjo que desliza pelo mar, empurrando um barco repleto
de novas almas para o Purgatório; e ele descreve o barco deslizando na direção
das margens tão suavemente que não produz nenhuma onda na água, enquanto as
almas que deixaram a vida, a terra, e o julgamento há poucos minutos, penosa e,
ao mesmo tempo, alegremente cantam o salmo In
exitu Israel de Egypto. Foi, certamente, uma bela concepção de Dante; e
como ele era tanto teólogo quanto poeta, julguei oportuno mencioná-la aqui como
prova da visão que tinham os intelectuais no tempo de Dante.
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