O interessantíssimo artigo de que me ocupo é O Apóstolo e seus
leitores. O que se discute lá é o conceito de natural e antinatural em São
Paulo, sobretudo em referência a Rom 1:27.
Quem leu – e como eu, apreciou – o artigo e, além disso, é
católico, talvez gostasse de saber o que Santo Tomás pensa a respeito do mesmo
assunto. Sabe-se que este santo escreveu copiosos comentários às Escrituras e
sabe-se também que suas interpretações teológicas foram acolhidas pela Igreja
como pertencentes à Tradição, principalmente depois do Concílio de Trento.
Todos os papas depois disso, até Pio XII, têm como referência os escritos de
Santo Tomás como pertencentes ao Depósito da Fé.
Tenhamos como referência dois versículos: Rom 1:26-27. Eles
dizem: Por isso é que Deus os entregou em
poder de paixões ignominiosas: suas mulheres mudaram o uso natural no que é
contra a natureza. Do mesmo modo os homens, também, deixando o uso natural da
mulher, arderam de libido uns pelos outros, praticando torpezas homens com
homens. E assim receberam em si mesmos a retribuição devida aos seus desvarios.
O aquinate diz, em seus Comentários à Epístola
aos Romanos,[1] na aula 8, §148 e
seguintes:[2]
§148. Então quando ele diz suas
mulheres mudaram, ele explica sua afirmação. Primeiramente, acerca da
mulher; depois acerca dos homens, no trecho Do
mesmo modo os homens, também.
§149. Ele diz, portanto, em primeiro lugar: a razão pela qual eu
digo que eles se entregaram a paixões ignominiosas é que suas mulheres mudaram o uso natural no que é contra a natureza: “E
não nos ensina a própria natureza?” (1 Cor 11:14); “porque transgrediram as
leis, mudaram o direito, romperam a aliança eterna,” i.e., a lei natural. (Is
24:5).
Deve-se notar que algo é contra
a natureza do homem de dois modos: contra a natureza do que constitui homem,
i.e., a racionalidade. Desse modo, cada pecado é considerado contra a natureza
do homem, na medida em que é contra a razão reta. Assim, Damasceno diz que um
anjo em pecado se transformava, do que estava de acordo com a natureza, no que
é contrário à natureza. De outro modo, algo é contra a natureza do homem por
seu gênero, que é animal. Ora, é óbvio que segundo a intenção da natureza, a
união sexual nos animais é ordenada ao ato de geração: assim, cada forma de
união da qual uma geração não pode advir é contra a natureza do animal enquanto
animal. Nesta mesma linha, é afirmado, numa glosa, que “o uso natural é que um
homem e uma mulher se unam numa única cópula, mas é contra a natureza que um
homem corrompa um homem, ou uma mulher, uma mulher.” O mesmo é verdadeiro de
cada ato de intercurso do qual uma geração não possa advir.
§150. Então, quando ele diz, Do
mesmo modo os homens, também, ele explica acerca dos machos, que Do mesmo modo os homens, também, deixando o
uso natural da mulher, arderam, i.e., cobiçaram algo além da intenção da
natureza: “Chamejaram como fogo em espinhos” (Sl 117:12); e isto de libido, i.e., desejos da carne, praticando torpezas homens com homens: “descobrirei
a tua ignomínia diante deles e verão toda a tua torpeza.”(Ez 17:37).
§151. Então ele mostra que a punição é adequada à culpa deles,
quando ele diz, E assim receberam em si
mesmos, i.e., na deformação da sua natureza, a retribuição devida aos seus desvarios, i.e., o erro de trocar a
lei de Deus por uma mentira; a retribuição
devida, i.e., a retribuição que mereceram receber segundo a ordem da
justiça que exige que aqueles que insultam a natureza de Deus por atribuírem às
criaturas o que é somente d’Ele, devem ser insultados em sua própria natureza.
Embora o termo “retribuição”
pareça implicar algo bom, aqui ele é usado para qualquer compensação, mesmo
para o mal: “...o salário do pecado é a morte” (Rom 6:23); “...e tudo que ela [casa
de Israel] tem ganhado será queimado pelo fogo” (Miq 1:7).
Deve-se notar que o Apóstolo
considera, com razão, os vícios contra a natureza, que são os piores vícios
carnais, como punições por idolatria, porque eles parecem ter começado como
idolatria, particularmente, no tempo de Abraão, quando, acredita-se a idolatria
surgiu. Esta parece ser a razão dos primeiros registros de punição a tais
vícios, ocorrida com o povo de Sodoma (Gen 19). Ademais, à medida que a
idolatria ser tornava mais difundida, estes vícios aumentavam. Assim, está
escrito, em 2 Mac 4:12, que Jasão “...fundou um ginásio debaixo da acrópole,
obrigando os mais nobres jovens a ser educados sob o pétaso,” i.e., colocou-os
em bordéis. Mas isso não era o começo, mas um crescimento e progressão dos
costumes pagãos.
Bem, este trecho dos comentários de Santo Tomás dá uma boa
ideia do que devemos considerar natural e antinatural, e em que perspectiva, se
formos católicos. Daí se vê que o conceito paulino de natureza está mesmo longe
de um conceito dito científico, como afirma o prof. Olavo de Carvalho.
As epístolas paulinas se tornaram o centro de um debate
interminável, principalmente depois da Reforma. Isto já tinha sido antevisto
por São Pedro, o primeiro Papa, quando ele diz em 2 Pd 3:15-17: “Assim vos
escreveu o nosso caríssimo irmão Paulo, segundo a sabedoria que lhe foi dada,
falando-vos dessas coisas, como faz também em todas as suas epístolas. Nelas há, porém, algumas coisas difíceis de
compreender, que as pessoas pouco
instruídas e pouco firmes deturpam, como fazem também com as outras
Escrituras, para sua própria ruína. Portanto, vós, caríssimos, assim
prevenidos, acautelai-vos para não vos deixardes arrastar ao erro dos ímpios e
destarte cairdes da vossa firmeza.” (Negrito meus)
As duas frases-chave para o entendimento tomista da passagem
da encíclica paulina é, no meu entender: “Deve-se
notar que algo é contra a natureza do homem de dois modos: contra a natureza do
que constitui homem, i.e., a racionalidade; e contra a natureza do homem por
seu gênero, que é animal.”
Penso que seja nesta perspectiva que um católico deve
refletir sobre o homossexualismo.
[1]
Que ele escreveu como apontamentos para suas aulas sobre as Escrituras.
[2]
Traduzo aqui do inglês.
3 comentários:
Caro Luiz,
Salve Maria!
Suspeito que o aumento do número dessas "opções sexuais", se é que haja de fato um aumento, se dá por uma série de razões, muitas das quais têm sido elucidadas pelo próprio prof. Olavo. Duas despontam para mim como fundamentais: a militância gaysista e a omissão da Igreja como porta-voz da Verdade Eterna.
Ad Iesum per Mariam.
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