Surpresa agradabilíssima ver um livro de crônicas do grande Corção publicado em pleno 2010 (Coleção Melhores Crônicas: Gustavo Corção, Editora Global). A seleção das crônicas e o prefácio da edição foram feitos por Luiz Paulo Horta, que desde 2008, leio em sua biografia no final do livro, é membro da ABL.
No livro, (re)encontramos crônicas que são verdadeiras aulas de catecismo e doutrina católica: Advento, A Primazia do Espiritual, Quaresma, As Duas Vontades, Ressuscitou!, Precisa-se de uma Catarina de Sena, Rue du Bac, A Civilização do Prazer, Quinta-Feira Santa, Marcos de Eternidade, De Profundis, Credo in unum Deum, Morte e Mortificação, E Nós nos Gloriamos na Cruz. Há algumas crônicas que poderíamos classificar como chestertonianas, como Vênus e Natal Interior. Há crônicas de muito lirismo, algumas de crítica literária e musical; há algumas extraídas do grande livro de Corção, O Desconcerto do Mundo, que Manuel Bandeira saudou como digno de Prêmio Nobel, como o texto Machado de Assis e o Eclesiastes (aqui e aqui).
O livro ganharia muito se o Sr. Horta o tivesse acrescido de informações bibliográficas e de um pequeno estudo crítico do Corção cronista. A maioria das crônicas vem sem data e local da publicação original, o que dificulta, para o leitor recente de Corção, a apreensão das circunstâncias sob as quais o cronista escrevia.
No prefácio, o Sr. Horta não consegue esconder sua admiração pelo grande lutador católico e pelo grande escritor, mesmo que esta admiração venha mitigada por críticas às suas posições políticas pós-64 e às sua posições teológico-doutrinais pós-CVII. Já o título do prefácio revela, talvez, o elevado lugar que o Sr. Horta reserva para Corção; Sinal de Contradição.
Mas é exatamente no pequeno texto do prefácio, que o selecionador, e prefaciador, se mostra em confusão, ou mesmo em contradição. Não sei se o Sr. Horta é católico, mas suponho que sim. Sendo católico e um intelectual, membro da mais alta academia literária do país, ele nos surpreende por sua ingenuidade, na melhor das hipóteses, e aparente desconhecimento da gravíssima crise atual da Igreja, que já era anunciada e profundamente sentida por Corção. Ele diz, por exemplo: “João XXIII queria o aggiornamento da Igreja, uma Igreja que prestasse mais atenção aos ventos da modernidade, que se inserisse na vida de todos os dias. E isso de fato aconteceu; já não conseguimos pensar a Igreja sem o Vaticano II, com a sua valorização dos leigos, a reforma da liturgia que acabou com a missa em latim, e assim por diante.” Alguém que conhece minimamente o pensamento de Corção, não consegue deixar de imaginar o que ele diria acerca de tal comentário. O Sr. Horta subscreve certamente as idéias modernistas, condenadas pelo Papa São Pio X como a síntese de todas as heresias. Se ele não consegue pensar a Igreja sem o Vaticano II, é porque ele não consegue pensar a Igreja de forma nenhuma, pois há uma notícia que tem de ser dada ao prefaciador: a Igreja começou uns dois milênios antes desse concílio. Ora, dizer que o concílio “acabou com a missa em latim”, sem dizer, no mínimo, algo sobre o Summorum Pontificum, em pleno ano de 2010, é, desculpem-me a expressão, de lascar! Suponho também que a valorização dos leigos seja o aparecimento dos famigerados ministros da Eucaristia, da Comunhão da mão e de pé, das leituras feitas por leigos e leigas, etc. Isto não tem nada de catolicismo verdadeiro, é preciso dizer.
O Sr. Horta continua: “No nosso cenário brasileiro, Alceu Amoroso Lima empunhou decididamente a bandeira dos ‘otimistas’, E, desde então, é difícil achar quem ainda sustente a tese de que o Vaticano II foi uma ameaça aos alicerces da Igreja.” É de se perguntar como um “imortal” pode ser tão ... (estou procurando uma palavra mais cordial) ... tão ... vá lá! desconhecedor de uma Fé que ele parece professar? Onde vive o Sr. Horta? Que paróquia freqüenta? Meu Deus! Será que ele já ouviu falar de Michael Davies, de Romano Amério, do cardeal Ottaviani, de Gherardini? Será que ele tem acompanhado as declarações atuais, ao menos, do episcopado brasileiro? (Vejam aqui e aqui, por exemplo.) Não sabe ele que mesmo Roma admite haver muitos, muitos bispos hereges? (Vejam aqui). Não terá o Sr. Horta lido Nelson Rodrigues, outro grande cronistas brasileiro, sobre Alceu Amoroso Lima, D. Hélder Câmara e os padres de passeata, que poucos anos depois do concílio já surgiam no cenário eclesiástico? Será que o Sr. Horta nunca leu Mt 7, 15-20? De um simples leigo católico pode-se desculpar um desconhecimento deste; não de uma intelectual, membro da Academia Brasileira de Letras.
De qualquer forma, o livro com as crônicas de Corção vale pela lembrança do grande católico, do grande escritor e do grande chestertoniano brasileiro. O Sr. Horta e a Editora Global prestam, neste sentido, um serviço à memória do grande cronista e aos seus leitores, já antigos e os mais recentes.
5 comentários:
Caríssimo Prof. Angueth, Laudetur Dominus!
O sr. Luiz Paulo Horta se acha muito católico. Infelizmente tem gente que "compra" essa imagem. Tanto que a aula inaugural da Faculdade São Bento(RJ) em 2009, ano em que eu ingressei na faculdade de teologia, foi pronunciada por ele, a convite da direção da faculdade.
Entre outras coisas, nesta "aula", ele deixou claro achar engraçada a idéia de que uma pessoa em pecado mortal, se morresse durante o sono, iria para o inferno, e que por isso ela deveria se confessar antes de ir dormir. Acredito que todos na platéia riram desta pilhéria infeliz. Todos menos eu...
Dom Lourenço Fleichman já tinha feito semelhante crítica ao mesmo livro (que os interessados podem ler aqui). Creio que por ser presidente da associação que surgiu justamente das aulas do Corção, Dom Lourenço conheça o pensamento deste melhor que muita gente. Pelo menos muito melhor que o sr. Horta!
Pax et Salutis
Caro Captare,
Salve Maria!
Obrigado pelo comentário. Enviei o link do post para Dom Lourenço logo que o publiquei.
Quer dizer então que para o senhor Horta quando morremos dormindo e em pecado mortal, deveríamos ir para o Céu? Santa e acadêmicas ignorância!
Em JMJ.
Qual seria o melhor livro pra começar a ler o Corção, Angueth?
Caro Wendy,
Sugiro a "Descoberta do Outro", a belíssima história da conversão de Corção. É o livro de Corção, excetuando "Três Alqueires e uma Vaca", mais chestertoniano. Leia depois "Dez Anos", um livro de crônicas. Depois leia "Dois Amores e Duas Cidades", o livro mais histórico-filosófico de Corção.
Um abraço.
Que satisfação conhecer esse Blog! Como leitor entusiasmado de Gustavo Corção,cujas ideias me são luminares preciosos, não podia deixar de parabenizar o autor do Blog pela magnífica notícia acerca da publicação de um livro de crônicas de autor e irmão tão querido! Obrigado, professor Angueth! Por fim,gostaria de sugerir ao Senhor Wendy o magnífico romance de Corção Lições de Abismo, além do vigoroso O Século do Nada (ensaios). A paz de Deus e a proteção da Virgem esteja com ambos! Sucesso para o Blog!
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