12/08/2013

Um amigo esclarece o blog sobre a misteriosa afirmação do Papa Francisco

Nota: Gederson Falcometa, amigo e irmão na Fé, me escreve esclarecendo o mistério. Vale a pena ler. Deus lhe pague, Gederson.
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Sobre a "Misteriosa fala do Papa Francisco" quanto a "proposta pelagiana", ela também me chamou a atenção. No texto "Papa Francisco critica o "pelagianismo dos devotos" - tese de Ratzinger!",  publicado pela Montfort, a coisa fica mais clara. Veja o que diz nele o modernista Tornielli (citando palavras que diz terem sido atribuídas ao Papa Francisco): 
 
"Francisco, segundo as palavras que lhe foram atribuídas pela síntese do diálogo com a CLAR publicadas no sítioReflexión y Liberación, falou, assim, de uma “corrente pelagiana que existe na Igreja neste momento”, aplicando-a aos grupos “restauracionistas”. “Eu conheço alguns – teria dito o papa –, eu tive que recebê-los em Buenos Aires. E sentimos que é como voltar 60 anos atrás! Antes do Concílio…”."
 
A princípio Francisco dá a entender que há 60 anos atrás, a Igreja era pelagiana. Continuemos com Tornielli citando o Papa:
 
"Francisco, então, teria relatado este episódio: “Quando me elegeram, eu recebi uma carta de um desses grupos, e me diziam: ‘Santidade, oferecemos-lhe este tesouro espiritual: 3.525 rosários’. Por que não dizem ‘rezamos pelo senhor, pedimos’… mas isso de fazer contas…”. O papa referiu esse episódio advertindo que não pretendia, de modo algum, ridicularizá-lo."
 
Certamente contar os rosários que se reza por alguém e entregar a esta pessoa um "tesouro espiritual", não é algo propriamente católico. Mas daí confundir isso com o pelagianismo, não tem sentido algum, porque nisso se pode entrever sinais de farisaísmo, que é outra coisa. Se colocamos lado a lado farisaísmo e pelagianismo, tendo em mente a parábola do fariseu e do publicano,  encontraremos pontos comuns entre as duas heresias. Só que esses pontos comuns me parecem insuficientes para dizer que as duas são uma e a mesma coisa.  Difícil é saber as razões pelas quais a heresia judia não foi mencionada. De qualquer forma, uma vez reconhecendo o erro neste grupo religioso, a caridade pede a correção: corrigiu os Papa Francisco?
 
Tornielli lembrou bem o significado do pelagianismo:
 
"Segundo a heresia pelagiana, o pecado original não teria realmente contaminado a natureza humana e, portanto, o ser humano seria capaz de escolher o bem e de não pecar por si mesmo, sem a ajuda da graça". 
 
Se rezaram por ele, sem dúvidas é porque acreditavam que ele tinha a necessidade da graça. Mas o que expressou Francisco ma quela recente homília, esta mais próximo do pelagianismo que tudo aquilo que os "grupos restauracionistas" fizeram ou poderiam fazer, conforme pode se ler:
 
"O Senhor remiu a todos, redimiu todos nós com o sangue de Cristo: todos, não só os católicos. Todos! 'Padre, e os ateus?’. Os ateus também. Todos! E este sangue nos torna filhos de Deus de primeira classe! Nós fomos criados filhos à imagem de Deus e o sangue de Cristo redimiu todos nós! E todos nós temos o dever de fazer o bem. E este mandamento para todos nós de fazer o bem eu acho que é um bom caminho para a paz. Se nós, cada um de nós, fizer o bem aos outros, pouco a pouco, lentamente, realizamos aquela cultura do encontro: aquela cultura de que tanto precisamos. Encontrar-se fazendo o bem. ‘Mas eu não acredito, padre, eu sou ateu!’. Mas faça o bem: vamos nos encontrar lá"O Senhor remiu a todos 
 
Recordo me que esta homília do Papa causou algum alvoroço no blog do sr.. Na ocasião colocaram que o Papa se referia a redenção objetiva, mas parece que não perceberam que o Papa aplicou-a subjetivamente aos ateus. De fato, todos nós fomos criados a imagem e semelhança de Deus, mas o pecado original fez com que perdêssemos essa imagem e semelhança, por isso Cristo mandou os apóstolos pregarem a todas criaturas, como explica o Padre Antônio Vieira:
 
"(...) Quando Cristo mandou pregar os Apóstolos pelo Mundo, disse-lhes desta maneira: Euntes in mundum universum, praedicate omni creaturae: «Ide, e pregai a toda criatura». Como assim, Senhor?! Os animais não são criaturas?! As árvores não são criaturas?! As pedras não são criaturas?! Pois hão os Apóstolos de pregar às pedras?! Hão-de pregar aos troncos?! Hão-de pregar aos animais?! Sim, diz S. Gregório, depois de Santo Agostinho. Porque como os Apóstolos iam pregar a todas as nações do Mundo, muitas delas bárbaras e incultas, haviam de achar os homens degenerados em todas as espécies de criaturas: haviam de achar homens, haviam de achar homens brutos, haviam de achar homens troncos, haviam de achar homens pedras.(...)" [Sermão da sexagésima - Pe Antônio Vieira]
 
Enquanto os homens não acreditam na Trindade e não são batizados, eles não tem a imagem e semelhança de Deus restaurada, permanece neles o pecado original e não se pode dizer propriamente que são filhos de Deus (repare que mesmo aos homens homens, o Padre Antônio Vieira chama de criaturas, não os chama de filhos de Deus). Então, evidentemente para fazer o bem, o ateu necessita da fé e do batismo para apagar a mácula do pecado original. Sobretudo da fé, pois "sem fé é impossível agradar a Deus" e sem ela nossas ações não são verdadeiras perante Deus, como ensina o Padre Garrigou-Lagrange : 
 
 "A ação verdadeira se define em relação ao verdadeiro fim ultimo a que essa se diz ordenada e não vice-versa; de outra forma nós não sairemos do subjetivismo, do relativismo e do pragmatismo". [Atualidade do tomismo] 
 
Uma vez que o ateu não acredita em Deus, o fim último, ele não poderá ter ações verdadeiras. O fim ultimo de suas ações sempre será algo natural. Disso se pode concluir que, enquanto Francisco atribui pelagianismo a uns, ele o ensina a outros, porque apenas na compreensão pelagiana, o homem pode fazer o bem sem a necessidade da graça de Deus (tal como o ateu de Francisco). Na minha opinião trata-se do neo-pelagianismo que aplica os méritos da paixão, morte e ressurreição de Nosso Senhor na própria natureza humana, apagando a mancha do pecado original e  lhe confere uma dignidade intrínseca a sua natureza sem o batismo. O texto de Tornielli, lembra que a tese também é de Ratzinger, como pode se ler: 
 
“O outro rosto do mesmo vício é o pelagianismo dos piedosos. Eles não querem ter nenhum perdão e, em geral, nenhum verdadeiro dom de Deus. Eles querem estar em ordem: não perdão, mas sim justa recompensa. Eles querem não esperança, mas sim segurança. Com um duro rigorismo de exercícios religiosos, com orações e ações, eles querem obter um direito à bem-aventurança. Falta-lhe a humildade essencial para todo amor, a humildade de receber dons para além do nosso agir e merecer. A negação da esperança em favor da segurança diante da qual agora nos encontramos se fundamenta na incapacidade de viver a tensão com relação ao que deve vir e de se entregar à bondade de Deus. Assim, esse pelagianismo é uma apostasia do amor e da esperança, mas, em profundidade, também da fé”.
 
Tendo em mente São João Maria Vianney, Santo Inácio de Loyola e São Bruno, pode se dizer que vários Santos praticaram rigorosamente exercícios religiosos, com orações e ações. É preciso estar em ordem para se predispor a graça e aos dons de Deus (senão expomos novamente o Filho de Deus a ignomínia), sabendo que os exercícios religiosos são um meio para isso, não se corre o risco de torná-los um fim em si mesmo e assim cair no farisaísmo, não no pelagianismo. Nenhum religioso entra para uma ordem religiosa com o pensamento de que não tem o pecado original ou de que não necessita da graça para alcançar a salvação. Os exercícios religiosos se dão como uma cooperação da graça para a santificação dos religiosos, ser santo também significa estar em ordem. 
 
A ausência da distinção entre meios e fins, naquilo que diz respeito aos exercícios religiosos em um teólogo da altura de Ratzinger, é impressionante. Mesmo nele a confusão entre farisaísmo e pelagianismo aparece evidente e no caso desse trecho do texto de Tornielli, não dá para saber seu ensinamento sobre a nossa cooperação da graça de Deus. Acrescente-se ao texto de Tornielli as afirmações de que o cristianismo é a religião da felicidade e não da mortificação* (C.S. Lewis afirmava que se quisesse a felicidade não seria cristão, mas tomaria um copo de vinho do porto) e que ao termo aliança ele dá o significado "não “um acordo recíproco”, mas de «uma disposição em que não são duas vontades a colocarem-se de acordo, mas onde há uma vontade que estabelece um ordenamento»" e se poderá concluir que sua doutrina da salvação é a sola fides. Mas com certeza em toda sua obra deve se encontrar também a doutrina católica da salvação. É lamentável que o conjunto de escritos das autoridades católicas, como doutores privados, não forme um sistema doutrinal homogêneo, mas pelo contrário um sistema doutrinal heterogêneo.

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