23/05/2013

Um pequeno e belo comentário à Salve Regina.

J.-K. Huysmans
A Caminho, primeiro romance
da trilogia autobiográfica do autor

Esta magnífica exortação parece decompor-se no seu conjunto, representar os três estados diferentes da alma, significar a tríplice fase da humanidade, durante a sua juventude, a sua maturidade e o seu declinar; ela é, em uma palavra, o essencial resumo da oração, em todas as idades.
É, a princípio, o cântico de exultação, a saudação jubilosa do ser ainda pequeno, balbuciando carícias respeitosas, acariciando com palavras de doçura, com meiguices de criança que procura amimar a sua mãe; é a Salve Regina, Mater misericordiae, vita, dulcedo et spes nostra, salve.
Depois esta alma, tão cândida, tão simplesmente feliz, cresce e, conhecendo as derrotas voluntárias do pensamento, as perdas repetidas das faltas, ela junta as mãos e pede, soluçando, uma ajuda. Ela já não adora sorrindo, mas chorando; é o Ad te clamamos exsules filii Hevae; ad te suspiramos gementes et flentes in hac lacrymarum vale.
Enfim chega a velhice; a alma jaz, atormentada pela saudade dos avisos desdenhados, pelo pesar das graças perdidas; e, tornando-se mais lamentosa, mais fraca, ela espanta-se diante da sua libertação, diante da destruição da sua prisão carnal que sente próxima; então pensa na eterna inanição daqueles a quem o Juiz condena, e implora de joelhos a Advogada da terra, a Protetora do céu; é o Eia ergo Advocata mostra, illos tuos misericordes oculos ad nos converte et Jesum benedictum fructum ventris tui nobis post hoc exsilium ostende.
E a esta quintessência de oração que Pedro de Compostela ou Hermann Contract compôs, São Bernardo, num acesso de hiperdulia, ajunta as três invocações do fim: O clemens, o pia, o dulcis Virgo Maria. Elas selam a inimitável prosa, como com um tríplice sinete, por estes três gritos de amor que reconduzem o hino à adoração acariciadora do seu começo.

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