Blog – Muito obrigado
Sr. Belloc por nos receber e nos conceder esta entrevista.
Belloc – Em tempos
de crise, não podemos nos furtar a trocarmos impressões sobre a Igreja e o
mundo, estes dois opositores eternos.
Blog – É verdade.
Pois é exatamente sobre isto que gostaríamos de ouvir-lhe. O senhor tem feito
muitas antecipações (diríamos profecias?) histórias importantes, justamente por
sua precisa análise do momento presente. O que o senhor pode nos dizer da
Igreja?
Belloc - Aproximamo-nos
do maior de todos os momentos. A Fé está agora na presença, não de uma
particular heresia como no passado – a ariana, a maniqueísta, a albigense, a
dos muçulmanos – nem tampouco na presença de certa heresia generalizada, como
foi a revolução protestante de três ou quatro séculos atrás. O inimigo que a Fé
tem agora de enfrentar, é um assalto integral aos fundamentos da Fé – à
existência mesma da Fé. E o inimigo que agora avança contra nós está cada vez
mais consciente do fato de que não pode haver neutralidade na luta. As forças
agora se opõem à Fé para destruí-la.
A batalha se dá, daqui em diante, segundo uma linha de clivagem bem definida,
envolvendo a sobrevivência ou a destruição da Igreja Católica. E toda – não apenas uma parte – de sua
filosofia.
Blog – Muitos dizem
que o cristianismo como um todo está sendo perseguido pelo mundo.
Belloc – Ora, não
me fale de cristianismo! Não há uma religião chamada “cristianismo” – nunca
houve tal religião. Há e sempre houve a Igreja e várias heresias surgidas da
rejeição de algumas das doutrinas da Igreja por homens que ainda desejam reter
o resto de seu ensinamento e de sua moral. Mas nunca houve e nunca haverá uma
religião geral cristã, professada por homens que aceitam algumas doutrinas
centrais, ao mesmo tempo em que diferem a respeito de outras. Sempre houve,
desde o começo, e sempre haverá, a Igreja, e diversas heresias destinadas ao
declínio, ou, como o islamismo, a crescer como uma religião diversa. De um
cristianismo comum, nunca houve e nem nunca poderá haver uma definição, pois
isso nunca existiu. Não há nenhuma doutrina essencial sobre que podemos
concordar e então discordar do resto: como por exemplo, aceitar a imortalidade
e negar a Trindade; um homem considerar-se um cristão, apesar de negar a
unidade da Igreja cristã; considerar-se cristão, apesar de negar a presença de
Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento; considerar-se alegremente cristão,
apesar de negar a Encarnação. Não; a luta é entre a Igreja e a anti-Igreja – a
Igreja de Deus e a do anti-Deus – a de Cristo e a do anti-Cristo.
Blog – O senhor
poderia precisar um pouco mais as características deste ataque à nossa Fé?
Belloc –
Perfeitamente. O ataque moderno contra a Igreja Católica, o mais universal que
ela sofreu desde sua fundação, até agora progrediu a ponto de produzir formas
sociais, morais e intelectuais que, combinadas, têm a silhueta de uma religião.
Embora esse ataque não seja uma heresia no antigo sentido do termo, nem uma
síntese de heresias, tendo em comum o ódio à Fé (tal como foi o movimento
protestante), ele é ainda mais profundo e suas consequências, ainda mais
devastadoras que qualquer daquelas heresias. É essencialmente ateu, mesmo
quando o ateísmo não é abertamente admitido. Considera o homem como autossuficiente,
a oração como mera autossugestão e – um ponto fundamental – Deus como nada além
de nossa imaginação, uma imagem do próprio homem lançada pelo homem no
universo; um fantasma, uma coisa irreal.
Blog – Isto é
assustador!
Belloc – É, de
fato, assustador. Mas este é o inimigo moderno; esta é a inundação crescente; a
maior e, talvez, a luta final entre a Igreja e o mundo. Devemos julgá-lo
principalmente pelos seus frutos; e esses frutos, apesar de ainda não maduros,
já são aparentes.
Blog – E quais são
estes frutos?
Belloc - Em primeiro lugar, estamos testemunhando um
renascimento da escravidão, o resultado necessário da negação da liberdade
quando essa negação vai um passo além de Calvino e nega a responsabilidade
perante Deus tanto quanto a falta de poder no interior do homem. Duas formas de
escravidão que estão gradualmente aparecendo, e que amadurecerão mais e mais
com o passar do tempo sob o efeito do ataque moderno contra a Fé, são a
escravidão ao Estado e às corporações privadas e indivíduos. Em segundo lugar,
temos o fruto moral; que se estende, claro, sobre toda a natureza moral do
homem. E neste campo, sua estratégia até agora tem sido a de destruir toda
forma de limitação imposta pela experiência humana agindo através da tradição.
Mas há outros males que podem se tornar permanentes.
Blog – Meu Deus!
Mas não bastam estes?
Belloc – Há outros
ainda. E para descobrir quais podem ser esses outros efeitos, temos um guia.
Podemos analisar como os homens se comportavam antes que a Igreja criasse a
cristandade. O que descobrimos de importante é que no campo moral uma coisa
sobressaia: a inquestionável prevalência da crueldade no mundo não batizado. A
crueldade será o principal fruto do ataque moderno no campo moral, tal como o
renascimento da escravidão será seu principal fruto no campo social. Há uma
distinção radical entre essa nova e moderna crueldade e a esporádica crueldade
das primeiras épocas cristãs. Não é a vingança cruel, não é a crueldade
cometida no calor da luta, não é a crueldade da punição contra o mal
reconhecido, não é a crueldade na repressão do que admitidamente deve ser
reprimido, não é essa crueldade que é fruto de uma má filosofia; apesar de tais
coisas serem excessos ou pecados, elas não proveem de uma falsa doutrina. Mas a
crueldade que acompanha o abandono moderno de nossa religião ancestral é uma
crueldade nativa do ataque moderno; uma crueldade que é parte de sua filosofia.
Digo novamente: o ataque moderno contra a Fé terá, no campo moral, milhares de
frutos maus, e destes, muitos são aparentes hoje, mas a característica
principal, aquela presumivelmente mais permanente, é a instituição generalizada
da crueldade acompanhada do desprezo pela justiça.
Blog – O senhor
descreveu os frutos do ataque moderno na organização social e política e no
campo moral. Há ainda outros frutos?
Belloc – Há,
infelizmente. A última categoria de frutos pelos quais podemos julgar o caráter
do ataque moderno consiste no fruto que se encontra no campo da inteligência –
o que esse ataque faz com a razão humana. Quando o ataque moderno estava se
formando, algumas gerações atrás, quando ainda estava confinado a um pequeno
número de acadêmicos, o primeiro assalto contra a razão surgiu. No início,
pareceu fazer um pequeno progresso fora de um círculo restrito. O homem comum e
seu senso comum (que são os sustentáculos da razão) não foram afetados. Hoje,
são. A razão é atualmente desacreditada em toda parte. O antigo processo de
convicção por argumentação e prova é substituído por afirmações reiteradas; e
quase todos os termos que eram a glória da razão carregam, agora, consigo uma
atmosfera de desprezo. Mas a Fé e o uso da inteligência estão inextricavelmente
ligados. O uso da razão é a parte principal – ou melhor, o fundamento – de toda
a busca das coisas mais elevadas. Foi precisamente porque à razão foi dada essa
autoridade divina que a Igreja proclamou os mistérios – ou seja, admitiu que a razão
tem seus limites. Tinha de ser assim, senão os poderes absolutos da razão
levariam à exclusão de verdades que a razão devia aceitar mas não poderia
demonstrar. A razão é limitada pelo mistério somente para acentuar mais a sua
soberania em sua própria esfera. Quando a razão é destronada, não somente a Fé
é destronada (as duas subversões andam juntas) mas cada atividade moral e
legítima da alma humana é destronada ao mesmo tempo. Não há Deus. Então, as
palavras “Deus é Verdade” que a mente da Europa cristã usou como um postulado
em tudo que fez, cessam de ter sentido. Assim também, ninguém pode analisar a
justa autoridade de governo, nem lhe impor limites. Na ausência da razão, a
autoridade política que repousa simplesmente na força é ilimitada. E a razão se
torna assim vítima, pois a própria Humanidade é o que o ataque moderno está
destruindo em sua falsa religião da humanidade. Sendo a razão a coroa do homem
e ao mesmo tempo sua marca distintiva, os anarquistas marcham contra ela como
seus inimigos principais.
6 comentários:
Muito bom,Antônio.
Um livro que vou comprar ainda esse ano é o do Belloc sobre as Heresias.
Fique com Deus.
A melhor entrevista do Blog?
Gato, professor.
O que o ilustre entrevistado disse está bem claro no livro de Revelações e II Tessalonicenses.
Se adiei tanto a compra do livro do grande apologeta franco-britânico, agora comprarei assim que possível!
Segundo consta no wikipedia Hilaire Belloc morreu no dia 16 de julho, dia de Nossa Senhora do Carmo. Seria um bom sinal, de uma boa morte, por ele ter prestado serviços à Fé Católica?
Muito bem lembrado, anônimo. É uma graça muito grande para quem andava com um terço no bolso, morrer em dia de Festa de Nossa Senhora!
Ad Iesum per Mariam.
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