11/07/2013

Blog entrevista Hilaire Belloc sobre a crise atual da Igreja – Parte I.

Blog – Muito obrigado Sr. Belloc por nos receber e nos conceder esta entrevista.
Belloc – Em tempos de crise, não podemos nos furtar a trocarmos impressões sobre a Igreja e o mundo, estes dois opositores eternos.
Blog – É verdade. Pois é exatamente sobre isto que gostaríamos de ouvir-lhe. O senhor tem feito muitas antecipações (diríamos profecias?) histórias importantes, justamente por sua precisa análise do momento presente. O que o senhor pode nos dizer da Igreja?
Belloc - Aproximamo-nos do maior de todos os momentos. A Fé está agora na presença, não de uma particular heresia como no passado – a ariana, a maniqueísta, a albigense, a dos muçulmanos – nem tampouco na presença de certa heresia generalizada, como foi a revolução protestante de três ou quatro séculos atrás. O inimigo que a Fé tem agora de enfrentar, é um assalto integral aos fundamentos da Fé – à existência mesma da Fé. E o inimigo que agora avança contra nós está cada vez mais consciente do fato de que não pode haver neutralidade na luta. As forças agora se opõem à Fé para destruí-la. A batalha se dá, daqui em diante, segundo uma linha de clivagem bem definida, envolvendo a sobrevivência ou a destruição da Igreja Católica. E toda – não apenas uma parte – de sua filosofia.
Blog – Muitos dizem que o cristianismo como um todo está sendo perseguido pelo mundo.
Belloc – Ora, não me fale de cristianismo! Não há uma religião chamada “cristianismo” – nunca houve tal religião. Há e sempre houve a Igreja e várias heresias surgidas da rejeição de algumas das doutrinas da Igreja por homens que ainda desejam reter o resto de seu ensinamento e de sua moral. Mas nunca houve e nunca haverá uma religião geral cristã, professada por homens que aceitam algumas doutrinas centrais, ao mesmo tempo em que diferem a respeito de outras. Sempre houve, desde o começo, e sempre haverá, a Igreja, e diversas heresias destinadas ao declínio, ou, como o islamismo, a crescer como uma religião diversa. De um cristianismo comum, nunca houve e nem nunca poderá haver uma definição, pois isso nunca existiu. Não há nenhuma doutrina essencial sobre que podemos concordar e então discordar do resto: como por exemplo, aceitar a imortalidade e negar a Trindade; um homem considerar-se um cristão, apesar de negar a unidade da Igreja cristã; considerar-se cristão, apesar de negar a presença de Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento; considerar-se alegremente cristão, apesar de negar a Encarnação. Não; a luta é entre a Igreja e a anti-Igreja – a Igreja de Deus e a do anti-Deus – a de Cristo e a do anti-Cristo.
Blog – O senhor poderia precisar um pouco mais as características deste ataque à nossa Fé?
Belloc – Perfeitamente. O ataque moderno contra a Igreja Católica, o mais universal que ela sofreu desde sua fundação, até agora progrediu a ponto de produzir formas sociais, morais e intelectuais que, combinadas, têm a silhueta de uma religião. Embora esse ataque não seja uma heresia no antigo sentido do termo, nem uma síntese de heresias, tendo em comum o ódio à Fé (tal como foi o movimento protestante), ele é ainda mais profundo e suas consequências, ainda mais devastadoras que qualquer daquelas heresias. É essencialmente ateu, mesmo quando o ateísmo não é abertamente admitido. Considera o homem como autossuficiente, a oração como mera autossugestão e – um ponto fundamental – Deus como nada além de nossa imaginação, uma imagem do próprio homem lançada pelo homem no universo; um fantasma, uma coisa irreal.  
Blog – Isto é assustador!
Belloc – É, de fato, assustador. Mas este é o inimigo moderno; esta é a inundação crescente; a maior e, talvez, a luta final entre a Igreja e o mundo. Devemos julgá-lo principalmente pelos seus frutos; e esses frutos, apesar de ainda não maduros, já são aparentes.
Blog – E quais são estes frutos?
Belloc - Em primeiro lugar, estamos testemunhando um renascimento da escravidão, o resultado necessário da negação da liberdade quando essa negação vai um passo além de Calvino e nega a responsabilidade perante Deus tanto quanto a falta de poder no interior do homem. Duas formas de escravidão que estão gradualmente aparecendo, e que amadurecerão mais e mais com o passar do tempo sob o efeito do ataque moderno contra a Fé, são a escravidão ao Estado e às corporações privadas e indivíduos. Em segundo lugar, temos o fruto moral; que se estende, claro, sobre toda a natureza moral do homem. E neste campo, sua estratégia até agora tem sido a de destruir toda forma de limitação imposta pela experiência humana agindo através da tradição. Mas há outros males que podem se tornar permanentes.
Blog – Meu Deus! Mas não bastam estes?
Belloc – Há outros ainda. E para descobrir quais podem ser esses outros efeitos, temos um guia. Podemos analisar como os homens se comportavam antes que a Igreja criasse a cristandade. O que descobrimos de importante é que no campo moral uma coisa sobressaia: a inquestionável prevalência da crueldade no mundo não batizado. A crueldade será o principal fruto do ataque moderno no campo moral, tal como o renascimento da escravidão será seu principal fruto no campo social. Há uma distinção radical entre essa nova e moderna crueldade e a esporádica crueldade das primeiras épocas cristãs. Não é a vingança cruel, não é a crueldade cometida no calor da luta, não é a crueldade da punição contra o mal reconhecido, não é a crueldade na repressão do que admitidamente deve ser reprimido, não é essa crueldade que é fruto de uma má filosofia; apesar de tais coisas serem excessos ou pecados, elas não proveem de uma falsa doutrina. Mas a crueldade que acompanha o abandono moderno de nossa religião ancestral é uma crueldade nativa do ataque moderno; uma crueldade que é parte de sua filosofia. Digo novamente: o ataque moderno contra a Fé terá, no campo moral, milhares de frutos maus, e destes, muitos são aparentes hoje, mas a característica principal, aquela presumivelmente mais permanente, é a instituição generalizada da crueldade acompanhada do desprezo pela justiça.
Blog – O senhor descreveu os frutos do ataque moderno na organização social e política e no campo moral. Há ainda outros frutos?
Belloc – Há, infelizmente. A última categoria de frutos pelos quais podemos julgar o caráter do ataque moderno consiste no fruto que se encontra no campo da inteligência – o que esse ataque faz com a razão humana. Quando o ataque moderno estava se formando, algumas gerações atrás, quando ainda estava confinado a um pequeno número de acadêmicos, o primeiro assalto contra a razão surgiu. No início, pareceu fazer um pequeno progresso fora de um círculo restrito. O homem comum e seu senso comum (que são os sustentáculos da razão) não foram afetados. Hoje, são. A razão é atualmente desacreditada em toda parte. O antigo processo de convicção por argumentação e prova é substituído por afirmações reiteradas; e quase todos os termos que eram a glória da razão carregam, agora, consigo uma atmosfera de desprezo. Mas a Fé e o uso da inteligência estão inextricavelmente ligados. O uso da razão é a parte principal – ou melhor, o fundamento – de toda a busca das coisas mais elevadas. Foi precisamente porque à razão foi dada essa autoridade divina que a Igreja proclamou os mistérios – ou seja, admitiu que a razão tem seus limites. Tinha de ser assim, senão os poderes absolutos da razão levariam à exclusão de verdades que a razão devia aceitar mas não poderia demonstrar. A razão é limitada pelo mistério somente para acentuar mais a sua soberania em sua própria esfera. Quando a razão é destronada, não somente a Fé é destronada (as duas subversões andam juntas) mas cada atividade moral e legítima da alma humana é destronada ao mesmo tempo. Não há Deus. Então, as palavras “Deus é Verdade” que a mente da Europa cristã usou como um postulado em tudo que fez, cessam de ter sentido. Assim também, ninguém pode analisar a justa autoridade de governo, nem lhe impor limites. Na ausência da razão, a autoridade política que repousa simplesmente na força é ilimitada. E a razão se torna assim vítima, pois a própria Humanidade é o que o ataque moderno está destruindo em sua falsa religião da humanidade. Sendo a razão a coroa do homem e ao mesmo tempo sua marca distintiva, os anarquistas marcham contra ela como seus inimigos principais.
 

6 comentários:

Unknown disse...

Muito bom,Antônio.

Um livro que vou comprar ainda esse ano é o do Belloc sobre as Heresias.

Fique com Deus.

Nik disse...

A melhor entrevista do Blog?
Gato, professor.

Anônimo disse...

O que o ilustre entrevistado disse está bem claro no livro de Revelações e II Tessalonicenses.

Junior Ribeiro disse...

Se adiei tanto a compra do livro do grande apologeta franco-britânico, agora comprarei assim que possível!

Anônimo disse...

Segundo consta no wikipedia Hilaire Belloc morreu no dia 16 de julho, dia de Nossa Senhora do Carmo. Seria um bom sinal, de uma boa morte, por ele ter prestado serviços à Fé Católica?

Antônio Emílio Angueth de Araújo disse...

Muito bem lembrado, anônimo. É uma graça muito grande para quem andava com um terço no bolso, morrer em dia de Festa de Nossa Senhora!

Ad Iesum per Mariam.