Nelson Rodrigues, escrevendo sobre o movimento de 68 na França, diz, em 24/05/1968, o seguinte, que cabe muito bem ao Brasil de hoje.
“No passado, o idiota como tal se comportava. Na rua, passava rente às paredes, gaguejante de humildade. Sabia-se idiota e estava ciente da própria inépcia. Só os ‘melhores’ sentiam, pensavam, e só eles tinham as grandes esposas, as grandes amantes, as grandes residências. E, quando um deles morria, logo os idiotas tratavam de erguer um monumento ao gênio.
“E, de repente, tudo mudou. Após milênios de passividade abjeta, o idiota descobriu a própria superioridade numérica. Começaram a aparecer as multidões jamais concebidas. Eram eles, os idiotas. Os ‘melhores’ se juntavam em pequenas minorias acuadas, batidas, apavoradas. O imbecil, que falava baixinho, ergueu a voz; ele, que apenas fazia filhos, começou a pensar. Pela primeira vez, o idiota é artista plástico, é sociólogo, é cientista, é romancista, é prêmio Nobel, é dramaturgo, é professor, é sacerdote. Aprende, sabe, ensina.
“No presente mundo ninguém faz nada, ninguém é nada, sem o apoio dos cretinos de ambos os sexos. Sem esse apoio, o sujeito não existe, simplesmente não existe. E, para sobreviver, o intelectual, o santo ou herói precisa imitar o idiota. O próprio líder deixou de ser uma seleção. Hoje, os cretinos preferem a liderança de outro cretino.”
No parágrafo final, o extraordinário cronista ainda diz magistralmente: “Mas devo fazer uma ressalva. E, de fato, o idiota francês não será nunca trivial. Tem, a seu favor, a língua. A lavadeira parisiense é uma estilista; fala como uma heroína de Racine. E o chofer de táxi descompõe os turistas com o rigor, a melodia, a plasticidade da prosa francesa. Em tal idioma, a pior vulgaridade está a um milímetro do sublime. Nos telegramas, não se cita um grande nome da França. Minto. Vi uma fotografia de Sartre ao lado de grevistas. Estava, ali, fingindo-se de idiota para sobreviver.”
Ai! Que falta nos faz um Nelson Rodrigues!
Nenhum comentário:
Postar um comentário