Nota: Não costumo
transcrever artigos de Olavo de Carvalho aqui no blog. Contento-me em indicar
os links dos mais importantes. Mas este eu não resisti. É ignorância demais do
tal intelectual e é admirável a calma e caridade do filósofo.
Pelo seu currículo de cientista político membro de não sei
quantas associações e outras tantas comissões, o sr. Alberto Carlos Almeida é
um típico representante da classe de consultores iluminados a que as nossas
elites políticas e empresariais concedem atenção reverente e sólida
remuneração.
Tão típico que, em entrevista ao programa Marília Gabriela,
ele mostrou mais uma vez que o exercício de tão altas funções, neste país,
independe de qualquer domínio das matérias sobre as quais se opina.
Não digo que todos os seus pareceres sobre o que quer que
seja ilustrem esse fenômeno. Não li, por exemplo, o seu livro “A Cabeça do
Brasileiro”, que juram que é bom, coisa em que vou continuar acreditando sob
palavra até que um exemplar dessa obra me caia nas mãos e mostre se ela é, ou
não, capaz de se defender sem apoio externo.
Mas, quando um cidadão investido de autoridade científica,
consultado em público nessa qualidade, emite sobre matéria grave uma opinião
que ameaça lançar o descrédito sobre uma instituição milenar e todas as pessoas
que a representam, espera-se que o faça, pelo menos, com algum senso de
responsabilidade e conhecimento de causa. Se ele falha a esse dever elementar
em circunstância tão exigente, não é demasiado supor que o fará mais ainda em
assuntos de menor conseqüência, como, por exemplo, “a cabeça do brasileiro”.
Perguntado pela entrevistadora sobre quais as causas do
atraso brasileiro, e em especial do desprezo do nosso povo pela educação, o
distinto não hesitou em lançar todas as culpas sobre um único suspeito: a
Igreja Católica. E fez isso não no tom de quem arriscasse um palpite informal,
mas de quem transmitisse a platéia uma certeza científica bem provada.
Sua tese, em resumidas contas, foi esta: a Igreja Católica,
ao longo da História européia, e também nas Américas desde a descoberta, só se
ocupou da educação da elite, da aristocracia, deixando o povo na ignorância.
Foi a Reforma protestante que inaugurou a educação popular, datando daí o
progresso com que as nações assim beneficiadas sobrepujaram suas concorrentes
católicas. No Brasil em especial, os grandes malvados foram os jesuítas, que só
davam instrução às elites e nada para o povo.
O sr. Almeida, com toda a evidência, jamais leu uma história
da educação. Eis aqui algumas coisinhas que ele teria a obrigação de saber para
poder opinar a respeito:
1. Ao longo de toda a História medieval, a Igreja não educou
aristocracia nenhuma. Os nobres, os barões, consideravam que só a guerra era
atividade à sua altura, o estudo sendo bom apenas para as mulheres, os futuros
padres e alguns empregados subalternos.
2. Desde o começo da Idade Média até épocas bastante
avançadas para dentro da modernidade, as escolas elementares fundadas pela
Igreja funcionavam ou nas catedrais, ou nos templos paroquiais, ou nos
monastérios. O sr. Almeida acredita realmente que os nobres, abandonando seus
palácios, iam freqüentá-las, submetendo-se ao vexame de nivelar-se aos padrecos
e escreventes?
3. Quanto às universidades, elas não formavam os nobres e
sim médicos, advogados, professores, funcionários: eram uma via de ascensão
social para quem vinha de baixo. A aristocracia reinante só passou a se
interessar por elas quando se tornaram centros de uma influência política
independente. Começou então, entre os governos monárquicos e a Igreja, a
disputa pelo domínio sobre a massa universitária. Como a Igreja levou a melhor,
o que se seguiu foi um dos fenômenos mais característicos da modernidade: a
criação de uma nova intelectualidade
composta quase que inteiramente de nobres, alheia e não raro hostil às
universidades. Os nomes de Descartes, Bacon, Montaigne e Newton representam-na
exemplarmente, assim como a criação da Royal Society. A história real é
exatamente inversa à história imaginária do sr. Almeida.
4. Em meados do século XVIII, decorridos nada menos que dois
séculos da Reforma protestante, a França católica ainda era o país mais
próspero e culto da Europa, enquanto a Alemanha, berço de Lutero, jazia no
atraso econômico e cultural mais abjeto, ao ponto de que o alemão não tinha
sequer se consolidado como língua de alta cultura (os intelectuais escreviam em
francês ou latim). Ainda em meados do século XIX, foi em Paris que pela
primeira vez um governante alemão, Otto von Bismarck, percebeu que era importante
para cada nação ter uma classe média educada, modelo que ele então procurou
implantar no seu país, apenas com signo religioso invertido, perseguindo os
católicos e fomentando a educação protestante.
5. Porém o mais bonito na entrevista foi o que o sr. Almeida
disse dos jesuítas. Quem quer que tenha estudado um pouquinho a história deles
sabe que seu principal esforço foi educar índios, que estavam no fundo do poço
social.[1] Nas Missões, os nativos brasileiros receberam educação muito superior àquela
de que dispunha, nas capitais, uma classe alta notabilizada pela mais
acachapante indolência intelectual e que, quando desejava educar seus filhos,
os enviava à Europa e não aos jesuítas.
6. Desde a Independência até o advento da República, a
Igreja esteve proibida de abrir escolas, de modo que a população urbana em
expansão se viu cada vez mais privada de uma instrução comparável, pelo menos,
àquela que os índios haviam recebido nas Missões. A incultura popular no Brasil
não resultou da educação católica, mas do estrangulamento dela ao longo de
quase um século.
O sr. Almeida jura que o problema do Brasil é a educação. É
sim. A começar pela dele próprio. E pela dos consultores iluminados em geral.
Fonte: Consultores
Iluminados
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[1] Imagina Pe. Antônio Vieira educando a nobreza brasileira lá no Maranhão ou mesmo na Bahia!?
3 comentários:
O Brasil é o país mais fantástico do mundo, eu vejo, para o meu desassossego, um pouco da minha própria pedanteria nesse senhor entrevistado. Todo lugar do mundo tem a sua estupidez, mas o Brasil é admirável.
Essa informação de que a Igreja foi proibida de abrir escolas achei estranha. De onde o Olavo tirou isso? Alguem sabe?
Abraços, Alexandre
Se sabe que os imperadores eram maçons, e que, se não me engano, o reinado de dom Pedro II coincidiu com algum conflito ou tensão maior entre a maçonaria e a Igreja. Me parece até que os padres eram considerados e pagos como funcionários públicos até certo período, o que já é indício da vulnerabilidade do clero em relação ao Estado. Aquela história do São Thomas Beckett, bispo de canterbury, sendo assassinado pelo melhor amigo, o rei da Inglaterra, vem à mente.
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