1. Para ascender desde o vale do pranto devemos perseguir e
aspirar sempre o sublime. Terra deserta,
intransitável e sem água.[1]
Existem três desertos: o da vaidade momentânea, que devemos desprezar com a
sobriedade de vida. Convém-nos sair desse deserto, como está escrito: Quem é esta, que sobe do deserto inebriada
de delícias, apoiada sobre o seu amado?[2]
Inebriamo-nos de delícias com a prática de muitas virtudes. Apoiamos-nos no
amado quando atribuímos a Deus nossas boas ações. Há outro deserto: o da
humildade pela simplicidade cristã, chamada deserto, porque quase nenhum
imitador de Cristo se preocupa em praticá-la. Necessitamos nos adentrar nesse
deserto. Por isso se diz: Que é isto, que
sobe do deserto, entre colunas de fumaça, exalando mirra e incenso, e toda a
sorte de aromas?[3]
Subimos como coluna de incenso quando nos adestramo-nos na prática das virtudes
e da disciplina e, ademais, animamos os outros a fazer o mesmo. Existe ainda
outro deserto: o da integridade ou simplicidade da inocência mais pura. A ele
devemos subir, já que temos de suspirar pela verdadeira pureza para sermos
santos de corpo e espírito. Subamos, portanto, desde o deserto da vaidade
momentânea através do deserto da mais humilde simplicidade, até o deserto da
mais irrepreensível pureza.
2. Nosso Senhor dispõe de flechas com que fere seus inimigos e
os vence com a força de Seu braço. Há três classes de flechas que atravessam os
inimigos: o desencanto do dinheiro perdido, porque muito se consome aquele que
perdeu as riquezas como meio de vida e promotor de prazeres. Em seguida, há a
peste das moléstias corporais que açoitam com a dor física. Assim se fecha todo
o caminho a quem quer se precipitar no pecado. Em seguida, vem o martírio da representação
infernal. Quando alguém se imagina rodeado por todos os lados com o peso das
penas corporais, estende os olhos até essa angústia sem fim e considera com
temor o horrível forno de fogo.
3. Há outras três flechas; com elas Deus traspassa inclusive a
quem convida a participar da doçura de seu amor. A primeira é o temor casto.
Assim se chama porque ordena o escravo que tema ao Senhor, e o persuade,
advertindo-o sem cessar, a que evite o ilícito por respeito ao Senhor. Segue o
amor de veneração, que coroa a inteligência e a inflama com o fogo de um amor
suavíssimo. Por fim, a força do desejo, que, com uma tênue brisa a soprar na
capacidade da consciência, se consome esquecendo-se de tudo, e suspira só pelo
rosto do Criador, o único que satisfaz o alcance de seus desejos.
4. As sentenças e exortações dos Santos Padres nos admoestam a
bem pensar, a bem falar e a bem fazer. Porque quem pensa bem goza de uma
inteligência honesta, humilde e piedosa, que não se mancha nunca, não se
compraz em nada soberbo e não constrói nada cruel. Se aquele que se expressa o
faz com correção, humildade e transparência, quem escuta o faz com agrado; e
aquele que fala não se incha com as habilidade de sua eloquência, nem pretende
encobrir nada com o adereço da dissimulação ao longo da conversação. Toda obra
reta, piedosa e recatada supõe já algo puro que exala inocência, destila
misericórdia e não ofende nem molesta a quem a observa.
[1]
Sl 62,3.
[2]
Ct 8,5.
Um comentário:
Professor, estou lendo a nova autobiografia de Chesterton lançada a pouco pela ecclesiae. Esse Senhor me surpreende muito. Meu Deus, que inteligência é esta? É espelho do divino. Esse homem é verdadeiramente obra do Espirito Santo. Deo gratias!
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