15/07/2011

Chesterton e o Concílio Vaticano II

Leio e, até certo ponto, me divirto com uma afirmação de Andrew Greeley – na Introdução à nova edição de Gilbert Keith Chesterton, de Maise Ward, Rowman & Littlefield Publishers, Inc., 2006 – que diz: “G.K.C. teria amado as energias repletas de esperança geradas pelo Vaticano II, embora tivesse se chocado pelo irrefletido entusiasmo de alguns daqueles cuja imaturidade foi liberada por excessivos goles do inebriante vinho da mudança.” De certo, o Sr. Greely pensa que os problemas do Vaticano II estão na excessiva sede com que se foi ao pote. Aparentemente, não há problemas com o pote em si.

Concedo que Chesterton inicialmente pudesse ter ficado um pouco aturdido. Conheço três exemplos de proeminentes católicos que não conseguiram de pronto ter a dimensão do desastre. Michael Davies conta no Pope John’s Council, que ainda em 1972, “eu, como Dr. Von Hildebrand, mantinha a opinião de que os documentos do Concílio eram impecáveis e que o caos atual era o resultado de eles estarem sendo negados ou ignorados”. Davies candidamente admite que só depois de ter lido O Reno se lança no Tibre, isto em 1973, é que “um claro padrão começou a emergir” em sua mente. Ou seja, depois de quase 10 anos de promulgado o Concílio dois grandes católicos ainda estavam iludidos sobre o Concílio.

O terceiro exemplo é Gustavo Corção, que em Dois Amores, Duas Cidades, de 1967, diz: “Não creio, sinceramente, que o principal desse Concílio foi a renovação que trouxe, e que a Igreja sempre procura de tempos em tempos; creio antes que a magnífica, a principal mensagem do Concílio foi a da continuidade, da afirmação da identidade da Igreja consigo mesma, ou da maior consciência dessa identidade que resiste a todos os solavancos do século.”

Davies, von Hildebrand e Corção se recuperaram do torpor inicial e viram a verdadeira face do Concílio e o desastre que ele semeou na Igreja. Numa carta a Michael Davies, em 1976, von Hildebrand, por exemplo, já com as idéias no lugar diz: “Enfatizo sempre em minhas conferências e artigos que felizmente nenhuma palavra do Concílio – a menos que seja uma repetição de definições de fide anteriores – nos obriga de fide. Não precisamos aprovar – ao contrário, devemos desaprovar.”

Assim também Chesterton, se vivo fosse, talvez se enganasse inicialmente também. Mas depois ...

Fico pensando qual teria sido a reação de Chesterton, um tomista de quatro costados, com a atitude quase anti-metafísica e humanista do Concílio. Fico pensando o que o grande escritor inglês teria a dizer sobre as seguintes palavras:

“... A Igreja do Concílio [Vaticano II] se ocupou bastante do homem, do homem tal qual ele se apresenta em nossa época, o homem vivo, o homem todo ocupado consigo mesmo, o homem que se faz centro de tudo aquilo que o interessa, mas que ousa ser o princípio e a razão última de toda a realidade... O humanismo laico e profano, enfim, apareceu na sua terrível estatura, e, em certo sentido, desafiou o Concílio. A religião de Deus que se fez homem encontrou-se com a religião do homem que se fez Deus. Que aconteceu? Um choque, uma luta, um anátema? Isso poderia ter acontecido, mas isso não aconteceu. A antiga história do samaritano foi o modelo da espiritualidade do Concílio. Uma imensa simpatia o [o Concílio] investiu inteiramente. A descoberta das necessidades humanas absorveu a atenção deste Concílio. Reconhecei-lhe ao menos este mérito, ó vós humanistas modernos, que haveis renunciado à transcendência das coisas supremas, que saibais reconhecer o nosso novo humanismo: também nós, Nós, mais que qualquer outro, nós temos o culto do homem.” (Paulo VI, Discurso de Encerramento do Vaticano II, 7 de Dezembro de 1965).

Fico pensando o que Chesterton diria e penso que sei o que ele teria dito exatamente; teria dito o que disse em seu ensaio Será o humanismo uma religião?, do livro “A Coisa”, que ele escreveu depois de sua conversão. Aqui ele diz: a questão “é se o que ele (Norman Foerster) chama de humanismo pode satisfazer a humanidade. (...) Temo que respondê-la seriamente deva significar respondê-la pessoalmente. A questão é realmente se o humanismo pode desempenhar todas as funções da religião; e não posso evitar considerá-la em relação à minha própria religião. (...) Todavia, minha primeira obrigação é responder à questão a mim colocada; e eu a devo responder negativamente.”

O que dizer da reação do escritor ao ato de devolução, aos turcos, das bandeiras gloriosamente conquistadas por combatentes católicos em Lepanto, sob a proteção de Nossa Senhora, invocada na oração do Rosário pelo grande Papa São Pio V. Lepanto, não por coincidência, é o título de um poema de Chesterton, que Belloc considerava um dos mais belos jamais escritos.

Entretenho ainda o pensamento do grande escritor tendo a notícia acerca da Teologia da Libertação, filha dileta do Vaticano II. Diriam a ele que hordas de bispos e padres consideravam Cristo um Marx avant la lettre; que finalmente havia um sistema político-econômico-religioso que implementava todas as virtudes pregadas por Cristo: era o comunismo tornado doutrina religiosa. Como ficaria o pequeno coração do imenso Chesterton? Como ele ficaria ao saber do famigerado acordo de Metz, em que Papa Paulo VI se comprometeu a não condenar o comunismo para que a União Soviética permitisse a presença, no Concílio, de uns poucos ortodoxos russos?

Lamento informar, mas não concordo nem um pouco com o Sr. Greely. Penso que Chesterton deploraria os acontecimentos, as energias e grande parte dos documentos do Vaticano II. Penso que ele escreveria um livro da espécie que Michael Davies escreveu: Apologia Pro Marcel Lefebvre. Penso que ele faria a mesma comparação que Michael Davies faz, no prefácio de seu Saint Athanasius: Defender of the Faith, entre Dom Lefebvre e Santo Atanásio: “Ambos, o santo e o arcebispo, agiram do lado de fora das estruturas hierárquicas normais a fim de sustentar o que afirmavam ser a tradição católica verdadeira, ambos encontraram apoio em fiéis leigos remanescentes, ambos fossem repudiados por quase todos os seus companheiros bispos, e ambos sofressem a agonia de terem sido excomungados pelo papa de seus dias.”

Penso que ele concordaria com a análise de von Hildebrand sobre o Concílio. Penso que ele concordaria com Marcel de Corte em seu “A Inteligência em Perigo de Morte”: “Jamais se poderão medir as conseqüências para a Igreja e a humanidade dessa catástrofe provocada por uma gangue de Padres conciliares que tinham uma inteligência sem bússola.”

Penso que ele concordaria com Gustavo Corção: “Bem sei que nesse período conturbado continua a existir, na terra, a Igreja Católica dita militante. Ora, minha sofrida e firme convicção, tantas vezes sustentada aqui, ali e acolá é que existe, entre a Religião Católica professada em todo o mundo católico até poucos anos atrás e a religião ostensivamente apresentada como "nova", "progressista", "evoluída", uma diferença de espécie ou diferença por alteridade. São portanto duas as Igrejas atualmente governadas e servidas pela mesma hierarquia: a Igreja Católica de sempre, e a Outra.”

Lembro, para finalizar, uma frase de Chesterton que mostra um aspecto às vezes oculto da crise da Igreja: “Muitos são os convertidos que chegaram a um estágio em que nenhuma palavra vinda de protestantes ou pagãos pode contê-los mais. Somente a palavra de um católico pode afastá-los do catolicismo. Uma única palavra estúpida vinda desde dentro pode causar mais dano do que centenas de milhares vindas desde fora.”

Não, Chesterton não cerraria fileiras com os modernistas!

3 comentários:

Fábio Graa disse...

Muito interessante, professor, saber que o Dietrich Von Hildebrand terminou por recusar o concílio. Até onde eu o li, ele fazia justamente esta separação: todo problema está na interpretação e aplicação das normas conciliares; o Concílio em si, porém, não teria tido nenhum erro, estritamente falando.

Não sabia, inclusive, que o Gustavo Corção tinha passado por uma fase de "defesa do Concílio" também, rsrs... Já o conheci na fase "desperta" rsrs...

Abraço, professor.

Anônimo disse...

Prof. Angueth, já viu a repercussão da atitude satânica CNBB?

http://fratresinunum.com/2011/07/15/cnbb-recebe-dirigentes-de-sua-co-irma-comunista-separada-associacao-patriotica-catolica-chinesa/#comments

Jucken disse...

"Quem quer que visse no Concílio um relaxamento dos compromissos anteriores da Igreja para sua fé, a sua tradição,a sua ascese, a sua caridade, o seu espírito de sacrifício e a sua adesão à palavra e à cruz de Cristo, ou ainda uma indulgente concessão à frágil e versátil mentalidade relativista de um mundo sem princípios e sem fim transcendente, a uma espécie de cristianismo mais cômodo e menos exigente, estaria cometendo um erro." (Papa Paulo VI)