29/05/2010
Objeções à Caridade
26/05/2010
Igreja Santa e Pecadora
Leitor escreve:
Na missa deste domingo o padre disse: A Igreja é Santa e Pecadora.Santa pelo Espírito Santo e pecadora por nós cristãos. Comente a respeito destas palavras do padre e sobre essa coisa de Igreja Santa e Pecadora.
Este padre está propagando uma heresia que veio diretamente de Lutero. Karl Rahnner, teólogo modernista, trouxe de volta a antiga heresia para o seio da Igreja. Leia o texto do professor Orlando Fedeli sobre isso: Igreja Santa e Pecadora?
24/05/2010
Filosofia e impostura
O texto que escrevi sobre Dawkins e o Milagre de Fátima, recebeu um comentário que merece ser discutido em um post separado. O comentário completo foi publicado no post original. Publico abaixo partes dele (em itálico), que comento a seguir.
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Acho que existe uma diferença entre contar uma história e defender uma opinião, é por isso que acredito que um filósofo não precisa de “testemunhos”.
... devemos ter independência diante de um filósofo. Eu tenho diante de David Hume e tenho diante de Tomás de Aquino. Mas isso em nenhum momento os torna “impostores” diante de mim. Isso seria violento e arrogante de minha parte.
Eu lembrei que Hume é um filósofo e que, portanto, escrever que uma opinião dele seria verdadeira porque assim ele quer é uma objeção infantil.
Hawkins em seu artigo parece dizer que o Vaticano tinha a obrigação de demonstrar que o Milagre de Fátima realmente aconteceu. Responsabilidade que viria junto com os “lucros” por assim dizer, que o uso daquela história trouxe à Igreja Católica. Mas provar como? O Milagre de Fátima é objeto de fé, não acho que deve ser alvo da ciência.
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Caro leitor,
Um filósofo, se estiver desempenhando sua função de filósofo, muitas vezes não precisa mesmo de “testemunhos”. Estamos frente a frente com um ser humano que está testemunhando sua luta para desvendar, clarear, penetrar na espessa bruma do desconhecido, da realidade. Sua obra é, muitas vezes, o relato dessa luta. Ela vale pelos insights que ofereceu, pelas idéias claras que deixou para a posteridade, não pelo que provou ou deixou de provar. Mesmo quando não deixa grande coisa, é sempre um testemunho do esforço humano na direção do compreender, um testemunho do cumprimento do que é anunciado na primeira frase da Metafísica de Aristóteles.
Você parece dar muita importância ao título de filósofo; parece respeitar demasiadamente os filósofos, mesmo quando eles falam besteiras. Outra coisa é a seguinte: eu não leio os filósofos procurando por suas opiniões. Quando leio filosofia estou procurando a Verdade.
Vou te dar um exemplo do que é falar besteira. Em seu livro “Investigações sobre o Entendimento Humano” ele diz: “Se tomamos em nossas mãos qualquer tratado, sobre a divindade ou sobre metafísica escolástica, por exemplo, perguntemos: Ele contém algum raciocínio abstrato sobre quantidade ou número? Não. Contém algum resultado experimental com relação à matéria? Não. Jogue-o na fogueira, pois ele não contém nada além de sofisma e ilusão.”
Eu pergunto: Hume está sendo filósofo quando escreve isso? Claro que não! Está sendo impostor! Está sendo irracional! Está sendo manipulador! Está dando provas de suas mais recônditas más intenções! Ademais, pode ser desmascarado muito facilmente. Basta-nos apenas que apliquemos sua regra ao próprio livro que a anuncia. Ou seja, perguntemos: O tratado de Hume contém algum raciocínio abstrato sobre a quantidade ou número? Respondamos: Não! Perguntemos de novo: Contém algum resultado experimental com relação à matéria? Respondamos: Não! Apliquemos aqui a sugestão do filósofo: Joguemos o tratado na fogueira, pois ele não contém nada além de sofisma e ilusão.
Quer outro exemplo de impostura, irracionalismo, manipulação? Alfred Jules Ayer criou o festejado Princípio da Verificabilidade: “Uma proposição só pode ser significativa se for verdade por definição ou for empiricamente verificável.” Perguntemos: O Princípio da Verificabilidade é uma proposição verdadeira por definição? Respondamos: Não! Perguntemos de novo: É uma proposição verdadeira por verificação empírica? Respondamos: Não! Então, apliquemos aqui o Princípio da Verificabilidade: O Princípio da Verificabilidade não é uma proposição verdadeira!
A filosofia, caro leitor, está repleta desse tipo de impostura. Recomendo a leitura de uma obra de Mário Ferreira: “A Origem dos Grandes Erros Filosóficos”. Você verá uma galeria de ditos “filósofos” cometendo os mais grosseiros erros, que não podem ser considerados apenas enganos bem intencionados. Portanto, acautelemo-nos com os filósofos!
Dawkins não cobra nenhuma prova do Vaticano, como você diz. Mas chama a atenção sua menção a lucros do Vaticano. Este é um argumento sempre levantado pelos inimigos da Igreja. Que lucros? Lucro de ser difamada por impostores como Dawkins? Ou você quer dizer que a Igreja aufere grandes lucros com a peregrinação à Fátima? Ou pior: que o Vaticano só reconheceu o milagre do sol para auferir lucros?
Se o lucro de fato ocorrer, o que você propõe? Que os peregrinos devotos de Nossa Senhora de Fátima não devam ir a Fátima? Que o Vaticano financie a viagem dos milhares de peregrinos? Você tem a mesma preocupação com a peregrinação a Meca?
O milagre de Fátima não é matéria de fé; é um fato e fato não é matéria de fé e nem matéria de demonstração. Por exemplo, a Crucificação de Nosso Senhor não é matéria de fé; é fato. O que é matéria de fé é a Redenção, ou seja, a crença de que pela Sua Crucificação estamos redimidos de nossos pecados, se fizermos parte de seu Corpo Místico. As curas que Jesus abundantemente fez são fatos, não são matéria de fé.
Para terminar, quero sugerir dois textos sobre milagres. Um é um ensaio de Olavo de Carvalho: What is a miracle? O outro é o livro de C.S. Lewis: Miracles.
20/05/2010
A EMANCIPAÇÃO DA DOMESTICIDADE
G.K. Chesterton
Nota: Este é o Capítulo III do livro “O que está errado com o mundo” que Chesterton publicou em 1910. Expressa a sua visão da importância da mulher no esquema geral da sociedade humana, numa época em que ela estava se emancipando de suas funções naturais para assumir as funções que a modernidade estava exigindo. Este tema será retomado em outro livro de Chesterton publicado em 1929, “A Coisa”.
E deve ser observado, de passagem, que esta exigência para que o homem desenvolva apenas uma habilidade não tem nada a ver com o que é comumente chamado nosso sistema competitivo, mas existiria igualmente sob qualquer tipo racionalmente concebido de coletivismo. A menos que os socialistas estejam totalmente preparados para uma queda no padrão de seus violinos, telescópios e lâmpadas elétricas, eles devem de alguma forma criar uma demanda moral sobre os indivíduos de maneira que eles mantenham a atual concentração em tais coisas. Foi apenas porque os homens se tornaram, em algum grau, especialistas é que surgiram os telescópios; eles devem ser, em algum grau, especialistas para continuarem a construí-los. Não é fazendo um homem ser um assalariado estatal que se possa impedi-lo de pensar principalmente sobre como é difícil ganhar seu salário. Há apenas uma maneira de preservar no mundo aquela superior leveza e aquela serena perspectiva contidas na antiga visão de universalismo. E esta é permitir a existência de uma metade da humanidade parcialmente protegida; uma metade a que o assédio da demanda industrial inquieta, mas inquieta apenas indiretamente. Em outras palavras, há de haver em cada centro da humanidade um ser humano preocupado com um plano mais amplo; um ser humano que não “dê o seu melhor”, mas que se dê integralmente.
Nossa antiga analogia do fogo continua sendo a mais viável. O fogo não precisa resplandecer como a eletricidade nem se agitar como a água fervente; a questão é que ele resplandece mais que a água e aquece mais que a luz. A esposa é como o fogo, ou para colocar as coisas na perspectiva adequada, o fogo é como a esposa. Como o fogo, espera-se que a mulher cozinhe; não de forma excelente, mas cozinhe; que cozinhe melhor que seu marido, que está conseguindo a lenha lecionando botânica ou quebrando pedras. Como o fogo, espera-se que a mulher conte histórias para seus filhos, não histórias originais e artísticas, mas histórias – histórias melhores do que as possivelmente contadas pelos cozinheiros de primeira classe. Como o fogo, espera-se que a mulher ilumine e esclareça, não pelas mais espantosas revelações ou as mais selvagens agitações do pensamento, mas melhor que um homem pode fazer depois de quebrar pedras ou lecionar. Mas não se pode esperar que ela suporte tal responsabilidade universal se for suportar também a crueldade do trabalho competitivo e burocrático. A mulher deve ser uma cozinheira, mas não uma cozinheira competitiva; uma decoradora, mas não uma decoradora competitiva, uma costureira, mas não uma costureira competitiva. Ela não deve ter nenhum negócio, mas vinte hobbies; ela, ao contrário do homem, deve desenvolver tudo que faz sem se preocupar em atingir a perfeição. Isto é o que foi sempre buscado a princípio no que é chamado reclusão, ou mesmo opressão, da mulher. As mulheres não foram mantidas em casa para que fossem limitadas, foram mantidas em casa para que fossem amplas. O mundo do lado de fora é uma massa de limitações, um labirinto de caminhos estreitos, um hospício de monomaníacos. Foi por esta parcial limitação e proteção da mulher que ela era capaz de desempenhar-se em cinco ou seis profissões e assim se aproximar tanto de Deus quanto a criança que brinca de ter cem profissões. Mas as profissões da mulher, ao contrário das da criança, eram todas verdadeira e, quase, terrivelmente frutíferas; tão tragicamente reais que nada exceto sua universalidade e equilíbrio impediam que elas se tornassem meramente mórbidas. Esta é a substância da alegação que ofereço sobre o papel histórico da mulher. Não nego que as mulheres foram ofendidas ou mesmo torturadas; mas duvido que elas tenham sido torturadas tanto quanto o são agora pela moderna tentativa absurda de fazê-las ao mesmo tempo rainhas do lar e funcionárias competitivas. Não nego que mesmo sob a antiga tradição, as mulheres tivessem vidas mais difíceis que a dos homens; esta é a razão porque tiramos nossos chapéus. Não nego que todas essas várias funções femininas fossem exasperantes; mas digo que havia algum objetivo e significado em mantê-las variadas. Não tento nem mesmo negar que a mulher fosse uma criada; mas pelo menos era a criada principal.
A forma mais breve de resumir a questão é dizer que a mulher é a responsável pela idéia da Sanidade; aquele lar intelectual para o qual a mente retorna depois de cada excursão pela extravagância. A mente que se dirige a lugares extravagantes é a do poeta; mas a mente que não retorna é a do lunático. Deve haver em cada máquina uma parte que move e uma parte imóvel; deve haver em tudo que muda uma parte imutável. E muitos dos fenômenos que os modernos apressadamente condenam são realmente partes dessa posição da mulher como centro e pilar da saúde. Muito do que é chamada sua subserviência, e mesmo sua docilidade, é meramente a subserviência e docilidade de um remédio universal; ela varia como um remédio varia, conforme a doença. Ela tem de ser uma otimista para um marido mórbido, uma pessimista salutar para um marido excessivamente otimista. Ele tem de impedir que o Quixote seja abusado pelos outros, e que o valentão abuse dos outros. O Rei da França escreveu
“Toujours femme varie Bien fol qui s'y fie”
mas a verdade é que a mulher sempre varia, e esta é a razão de sempre confiarmos nela. Corrigir cada aventura e extravagância com seu antídoto, usando o senso comum, não é (como os modernos parecem pensar) estar na posição de um espião ou de um escravo. É estar na posição de Aristóteles ou (no nível mais baixo) de Herbert Spencer, ser uma moral universal, um completo sistema de pensamento. O escravo lisonjeia; o moralista repreende. É ser, em resumo, um trimmer[1] no verdadeiro sentido deste honroso termo, que por alguma razão, é sempre usado no sentido oposto. Parece realmente que consideram um trimmer uma pessoa covarde que sempre escolhe o lado mais forte. Mas este termo significa realmente uma pessoa altamente cavalheiresca que sempre escolhe o lado mais fraco; como aquele que equilibra a carga de um barco sentando-se onde há poucas pessoas sentadas. A mulher é um trimmer, e isso é uma função generosa, perigosa e romântica.
Um fato final que determina isso é de natureza muito simples. Supondo que a humanidade agiu de forma não artificial dividindo-se em duas metades, respectivamente tipificando os ideais de talento especial e sanidade geral (uma vez que eles são genuinamente difíceis de combinar completamente em uma única mente), não é difícil ver porque a linha de clivagem seguiu a linha do sexo, ou porque a fêmea tornou-se o emblema do universal e o macho do especial e superior. Dois fatos gigantes da natureza demonstraram isso: primeiro, que a mulher que freqüentemente cumprisse literalmente suas funções não poderia ser especialmente proeminente no experimento e na aventura; e segundo, que a mesma operação natural a rodeava de crianças muito jovens, que exigiam não o ensino de alguma coisa, mas o ensino de todas as coisas. Bebês não precisam aprender uma profissão, mas precisam que se lhe apresentem um mundo. Para resumir, a mulher é geralmente encerrada numa casa com um ser humano numa época em que ele pergunta todas as questões que existem e algumas que não existem. Seria estranho que ela retivesse qualquer traço da estreiteza de um especialista. Ora, se alguém diz que essa tarefa de esclarecimento geral (mesmo quando livre dos horários e das regras modernas, e exercido espontaneamente por uma pessoa mais protegida) é em si excessivamente exigente e opressiva, consigo entender esse ponto de vista. Posso apenas responder que nossa raça considerou que vale a pena colocar este peso sobre a mulher a fim de manter o senso comum no mundo. Mas quando as pessoas começam a falar sobre esse trabalho doméstico como não simplesmente difícil, mas trivial e monótono, eu simplesmente desisto da discussão. Pois, eu não consigo, com o máximo poder de imaginação, entender a respeito do que estão falando. Quando a domesticidade, por exemplo, é chamada de lida penosa, toda a dificuldade surge do duplo sentido da expressão. Se penosa significar trabalho duro, admito que a mulher labute em casa, como o homem pode labutar na Catedral de Amiens ou atrás de um canhão em Trafalgar. Mas se penosa significar que o trabalho duro é mais pesado porque é insignificante, sem graça e sem importância para a alma, então, como disse, eu desisto; não sei o que as palavras significam. Ser a Rainha Elizabete dentro de uma área definida, decidindo salários, banquetes, tarefas e feriados; ser Whiteley[2] dentro de certa área, suprindo brinquedos, sapatos, bolos e livros; ser um Aristóteles dentro de certa área, ensinando moral, boas maneiras, teologia e higiene; posso entender como isso pode exaurir uma mente, mas não posso imaginar como pode estreitá-la. Como pode ser uma larga carreira ensinar a Regra de Três a crianças dos outros, e uma estreita carreira ensinar à sua própria criança sobre o universo? Como pode ser amplo ensinar a mesma coisa a todo mundo, e estreito ensinar tudo a alguém? Não; a função de uma mulher é trabalhosa, mas porque é gigantesca, não porque é minúscula. Tenho pena da Sra. Jones pela enormidade da sua tarefa, não pela sua pequenez.
Mas embora a tarefa essencial da mulher seja a universalidade, isso não a impede, claro, de ter um ou dois fortes, mas grandemente saudáveis, preconceitos. Ela tem sido, em geral, mais consciente do que o homem de que ela é apenas uma das metades da humanidade; mas ela tem expressado isso (se alguém pode dizer isso de uma senhora) agarrando com unhas e dentes duas ou três coisas que considera ser suas responsabilidades. Eu observaria aqui, entre parêntesis, que muito do recente problema oficial sobre a mulher surgiu do fato de que elas transferem para as coisas da razão e da dúvida aquela sagrada obstinação apenas apropriada às coisas primárias que foram confiadas à guarda da mulher. O próprio filho, o próprio altar, deve ser uma questão de princípio – ou se se preferir, uma questão de preconceito. Por outro lado, a dúvida sobre quem escreveu as Cartas de Junius[3] não deve ser uma questão de princípio ou preconceito, deve ser uma questão de investigação livre e quase indiferença. Mas tome uma garota moderna e cheia de vida, secretária de uma associação e dê-lha a função de mostrar que George III escreveu tais cartas, e em três meses ela acreditará nisso também, por mera lealdade a seus empregadores. As mulheres modernas defendem seu escritório com toda a ferocidade da domesticidade. Elas lutam pela mesa e pela máquina de escrever como pelo lar, e desenvolvem um tipo de selvagem atitude doméstica para com o chefe invisível da empresa. Esta é a razão de elas fazerem o trabalho de escritório tão bem feito; e esta é a razão porque elas não devem fazê-lo.
[1] Trimmer tem dois significados principais: estivador (aquele que equilibra a carga das embarcações) e oportunista. Chesterton brinca com estes dois significados. (N. do T.)
[2][2] Grande loja de departamentos da Londres de Chesterton. (N. do T.)
[3] Junius era o pseudônimo de um indivíduo, cuja a identidade é desconhecido, que escreveu uma série de cartas para um jornal londrino, Public Advertiser, entre 21 de janeiro de 1769 e 21 de janeiro de 1772. De eminentemente político, tiveram grande repercussão no reinado de George III. (N. do T.)
18/05/2010
O Convertido
Quando minha cabeça inclinei, O mundo girou e ereto ficou, Na antiga estrada luzente entrei, Pelos caminhos andei e o que todos diziam ouvi, Florestas de línguas, tal folhas outonais por cair, Desagradáveis não eram, mas estranhas e leves; Antigos mistérios e novos credos, não enganosos, Mas suaves, como homens rindo dos mortos. Os sábios têm centenas de mapas a dar Que traçam como uma árvore seu cosmos a rastejar, Passam a razão por peneiras que a fazem debilitar Pois retêm a areia e o ouro deixam passar: Tudo isso é para mim como poeira no ar; Meu nome é Lázaro e a viver vou recomeçar. | After one moment when I bowed my head And the whole world turned over and came upright, And I came out where the old road shone white, I walked the ways and heard what all men said, Forests of tongues, like autumn leaves unshed, Being not unlovable but strange and light; Old riddles and new creeds, not in despite But softly, as men smile about the dead. The sages have a hundred maps to give That trace their crawling cosmos like a tree, They rattle reason out through many a sieve That stores the sand and lets the gold go free: And all these things are less than dust to me Because my name is Lazarus and I live. |
12/05/2010
A Carta do Além
08/05/2010
Milagres e a Moderna Civilização
Gilbert Keith Chesterton
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Nota do tradutor: Este ensaio é um dos quatro que fazem parte da tremenda batalha travada entre Chesterton e Robert Blatchford, em 1903-04. Blatchford escrevera um livro intitulado Deus e Meu Próximo, que era um credo racionalista, ao estilo do século que acabara havia pouco tempo. Como editor do jornal Clarion, Blatchford generosamente abriu as páginas do jornal para os que dele discordavam, entre os quais, e principalmente, se incluía G.K. Chesterton. Os textos do grupo liderado por Chesterton veio a ser publicado num volume intitulado As Dúvidas da Democracia, mas os textos de Chesterton foram depois reunidos e publicados, pela Ignatius Press, sob o título Controvérsias com Blatchford. Há um delicioso trecho em Hereges em que Chesterton se refere à controvérsia dizendo: “... o Sr. Blatchford, que começou uma campanha contra o cristianismo e mesmo sendo advertido por muitos que isso arruinaria seu jornal, continuou por causa de um senso honorável de responsabilidade intelectual. Ele descobriu, contudo, que enquanto chocava indubitavelmente seus leitores, seu jornal muito prosperava. Passou a ser comprado – primeiramente, por todos que concordavam com ele e o queriam ler; depois, por todos que discordavam dele e queriam escrever-lhe cartas. Tais cartas eram volumosas (eu ajudei, fico feliz em dizer, a engordar o jornal) e eram geralmente publicadas quase sem cortes. A grande máxima do jornalismo foi assim acidentalmente descoberta (como aconteceu com a máquina a vapor): que se um editor conseguir enfurecer as pessoas suficientemente, elas escreverão, de graça, metade do jornal para ele.” Outro dos ensaios da controvérsia já foi traduzido por este blog: Por que acredito no cristianismo.
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O Sr. Blatchford resumiu tudo o que lhe é importante em três frases. Elas são perfeitamente honestas e claras. Tampouco elas são menos honestas e claras por serem as duas primeiras falsas e a terceira uma falácia. Ele diz: “O cristão nega os milagres do muçulmano. O muçulmano nega os milagres do cristão. O racionalismo nega todos os milagres igualmente.”
Com o erro histórico das duas primeiras observações me ocuparei daqui a pouco. Concentro-me no momento na corajosa admissão do Sr. Blatchford de que o racionalista nega todos os milagres igualmente. Ele não os questiona. Ele não pretende ser agnóstico em relação a eles. Ele não suspende o juízo até que eles sejam postos á prova. Ele os nega. Frente a tal extraordinário dogma, perguntei ao Sr. Blatchford porque ele pensa não existirem milagres. Ele respondeu que o Universo é governado por leis. Obviamente, esta resposta é completamente inútil. Pois, não podemos considerar algo impossível porque o mundo seja governado por leis, a menos que conheçamos quais leis. Conhecerá o Sr. Blatchford todas as leis do Universo? E se ele não conhecer todas as leis, como será possível que ele conheça algo sobre as exceções?
Pois, obviamente, o mero fato de que uma coisa aconteça raramente, sob circunstâncias estranhas e que não haja nenhuma explicação que conheçamos, não é prova de que ela seja contra a lei natural. Isto se aplica aos gêmeos siameses, a um novo cometa, ou ao Radium três anos atrás.
O argumento filosófico contrário aos milagres pode ser facilmente considerado. Não há argumento filosófico contra milagres. Existem as leis da natureza, racionalmente falando. O que todo mundo conhece é o seguinte: há repetição na natureza. O que todo mundo sabe é que abóboras produzem abóboras. O que ninguém sabe é porque elas não produzem elefantes ou girafas.
Há uma e apenas uma questão filosófica sobre milagres. Muitos racionalistas modernos competentes não podem sequer admiti-la para si mesmos. O estudante mais pobre de Oxford na Idade Média teria entendido a questão. (Nota: como a última frase parecerá estranha em nossa época “iluminada”, posso explicar que sob “o reino cruel da superstição medieval” jovens pobres eram educados em Oxford. Graças a Deus, vivemos em melhores dias!) [1]
A questão sobre os milagres é esta: você sabe como uma abóbora se transforma numa abóbora? Se não, você não pode dizer se uma abóbora pode ou não se transformar numa carruagem. Isto é tudo.
Todas as outras expressões científicas que você está habituado a usar no café da manhã são palavras vazias. Você diz: “É uma lei da natureza que abóboras devam continuar sendo abóboras.” Isto apenas significa que abóboras, em geral, continuam sendo abóboras, o que é óbvio; mas não se diz por quê. Você diz: “A experiência nega tal coisa.” Isto apenas significa: “Tenho conhecido intimamente muitas abóboras e nenhuma delas se transformou em carruagem.”
Há um grande racionalista irlandês dessa escola (possivelmente relacionado ao Sr. Lecky) que quando soube que uma testemunha o vira cometer um assassinato, disse que poderia apresentar uma centena de testemunhas que não o viram cometê-lo.
Você diz: “O mundo moderno é contra isso.” Isto significa que uma turba em Londres, Birmingham e Chicago, num estado mental completamente “aboborado”, não pode fazer milagre por meio da fé.
Você diz: “A ciência é contra isso.” Isto significa que contanto que abóboras sejam abóboras, a conduta delas será “aboborada”, e não mantém nenhuma semelhança com uma carruagem. Isto é extremamente óbvio.
O que o cristianismo diz é apenas isto: que essa repetição na Natureza tem sua origem não numa coisa que lembra uma lei, mas numa coisa que lembra uma vontade. A expressão Pai Celeste do cristianismo é derivada de um pai terrestre. De maneira absolutamente idêntica, a expressão “lei universal” é uma metáfora de uma lei do Parlamento. Mas o cristianismo afirma que o mundo e sua repetição surgem por vontade ou Amor, tal como as crianças são geradas por um pai, e, portanto, que outras coisas podem surgir pelo mesmo motivo. Em resumo, o cristianismo acredita que um Deus que pode fazer algo tão extraordinário quanto abóboras continuarem sendo abóboras, é, como o profeta Habbakuk, capable de tout. Se você não considera extraordinário que uma abóbora seja sempre uma abóbora, pense de novo. Você sequer chegou às portas da filosofia. Você sequer viu uma abóbora.
A questão histórica contra os milagres é muito simples. Ela consiste em considerar os milagres impossíveis, e então afirmar que apenas um idiota acredita em impossibilidades: então declarar que não há nenhuma clara evidência a favor dos fatos miraculosos. Todo o truque é feito por meio do uso alternado da objeção filosófica e da objeção histórica. Se dizemos que os milagres são teoricamente possíveis, eles dizem: “Sim, mas não há evidência deles.” Quando coletamos todos os registros da raça humana e dizemos “Eis nossa evidência”, eles dizem: “Mas esses povos eram supersticiosos, eles acreditavam em coisas impossíveis.”
A questão real é se nossa pequena civilização da Rua Oxford está seguramente certa e o resto do mundo está seguramente errado. O Sr. Blatchford pensa que o materialismo dos ocidentais do século XIX é uma de suas maiores descobertas. Eu o considero tão tedioso quanto seus casacos, tão sujo quanto suas ruas, tão feio quanto suas calças e tão estúpido quando seu sistema industrial.
O próprio Sr. Blatchford, contudo, resumiu sua fé patética na civilização moderna. Ele escreveu uma divertida descrição do quão difícil seria persuadir um juiz inglês, numa corte de justiça moderna, da verdade da Ressurreição. É claro que ele está absolutamente certo; seria impossível. Mas não parece ocorrer a ele que nós cristãos podemos não sentir tão extravagante reverência aos juízes ingleses como aquela que o próprio Sr. Blatchford sente.
As experiências do Fundador do cristianismo talvez nos tenham imprimido uma vaga dúvida sobre a infalibilidade das cortes de justiça. Sei muito bem que nada induziria um juiz inglês a acreditar que um homem ressurgira dos mortos. Mas também sei muito bem que há muito pouco tempo nada induziria um juiz inglês a acreditar que um socialista pudesse ser um bom homem. Um juiz recusaria acreditar em milagres espirituais. Mas isso não seria porque ele fosse juiz, mas porque, além de juiz, ele é um cavalheiro inglês, um racionalista moderno, e algo como um antigo idiota.
E o Sr. Blatchford está completamente errado em supor que os cristãos e os muçulmanos negam os milagres uns dos outros. Nenhuma religião que se pensa verdadeira se preocupa com os milagres de outra religião. Ela nega as doutrinas da religião; ela nega sua moral; mas nunca considera útil negar seus símbolos e milagres.
E por que não? Porque essas coisas sempre foram consideradas possíveis por alguns homens. Porque qualquer cigano pode ter poderes psíquicos. Porque a existência do mundo dos espíritos ou de estranhos poderes mentais faz parte do senso comum de toda a humanidade. Os fariseus não questionaram os milagres de Cristo; diziam que eles eram feitos pelo demônio. Os cristãos não questionavam os milagres de Maomé. Diziam que eles eram feitos pelo demônio. O mundo romano não negava a possibilidade de Cristo ser um Deus. Isso era muito “inteligente” para eles.
Na medida em que a Igreja (principalmente durante o corrupto e cético século XVIII) insistia em que os milagres fossem uma razão para a fé, seu erro é evidente; mas não é o que supõe o Sr. Blatchford. Não é que ele pedia aos homens que acreditassem em algo tão inacreditável; é que ele pedia aos homens que se convertessem por algo tão corriqueiro.
O que importa numa religião não é que ela faça milagres como qualquer esfarrapado conjurador indiano, mas que ela tenha a verdadeira filosofia do Universo. Os romanos estavam muito dispostos a aceitar que Cristo fosse um Deus. O que eles negavam é que Ele fosse o Deus – a mais alta verdade do cosmos. E este é o único aspecto que vale a pena discutir sobre o cristianismo.
[1] É verdadeiramente irônico Chesterton estar se referindo a Universidade de Oxford nestes termos, quando sabemos que Richard Dawkins é professor desta instituição. Ou seja, um professor de Oxford atualmente tem uma menor compreensão filosófica que um estudante medieval da mesma Oxford. Veja Dawkins e o Milagre de Fátima.