29/12/2009

Santo Afonso de Ligório: o modernismo presente em sua Congregação

Na introdução ao livro de Santo Afonso, “A Prática de Amor a Jesus Cristo”, o Pe. Francisco Costa, que é Redentorista, depois de duas ou três páginas de comentários sobre o livro, acrescenta o seguinte: “Agora, é importante que quem lê esse (sic!) livro tenha bem presente que ele foi publicado pela primeira vez em 1768. Por isso certos conceitos expressos nele são daquele tempo.”

Esta frase faz acender uma luz vermelha em meu detector de modernista. Fico esperando o pior. E o pior aparece logo.

O livro de Santo Afonso está traduzido “em quase todas as línguas faladas no mundo” e foi considerado pelo santo como a “mais devota e útil” de suas obras, nos informa Pe. Francisco. Santo Afonso é também o criador da Congregatio Santissimi Redemptoris, ou seja, dos Redentoristas, Congregação a que pertence Pe. Francisco.

O autor da introdução continua: “Vamos perceber que certos conceitos cristológicos que nele aparecem não se ajustam com a cristologia de nosso tempo. Mas quem quiser estudar cristologia deverá buscar outros livros escritos nos tempos de hoje.” Quais seriam estes conceitos o padre não nos informa.

Pe. Francisco avança mais nos dizendo: “é bom alertarmos para a evolução de certos conceitos a respeito das virtudes da humildade, da obediência, do amor ao sofrimento. Tudo isso sofre o condicionamento do tempo.” A luz vermelha agora está piscando e uma sirene começa a tocar. Parece que identificamos um modernista em seu pleno vigor. Um modernista Redentorista impugnando parte da obra de Santo Afonso, criador de sua Congregação.

Vamos escutar Santo Afonso sobre a humildade. Cito alguns trechos da obra.

“Que ama a Deus é verdadeiramente humilde. Não se orgulha vendo em si algumas boas qualidades. Sabe que tudo quanto possui é dom de Deus; de seu, só tem o nada e o pecado. Por isso, conhecendo os dons concedidos por Deus, mais se humilha, sentindo-se indigno e tão favorecido por Deus.”

“Achando-se perto da morte, São João Ávila, que teve uma vida santa desde a juventude, veio assisti-lo um sacerdote que lhe dizia coisas muito sublimes, tratando-o como um grande servo de Deus e como um grande sábio, o que ele era de fato. Mas João lhe disse: ‘Padre, peço-lhe que recomende a minha alma como se faz a um malfeitor condenado à morte; porque eu sou isso’. É isto o que sentem os santos!”

“Para ser humilde não basta ter um baixo conceito de si e da própria fraqueza. Diz Tomás de Kempis que o verdadeiro humilde é aquele que reconhece seu nada e se alegra nas humilhações.”

“Causa admiração e escândalo uma pessoa que comunga com freqüência e depois se ressente com qualquer palavra de desprezo.”

Santo Afonso está desatualizado, nos garante Pe. Francisco. Ele diz que lendo o livro, “às vezes fica a impressão de que a humildade consiste numa negação de si mesmo e de seus valores; numa renúncia aos direitos e à dignidade da pessoa humana.” Padre Francisco contrapõe ao conceito de humildade do grande Santo Afonso os direitos e a dignidade da pessoa humana. Meu Deus! Será isso ignorância invencível? Quem dera fosse! Mas não, isso é um padre corroído de modernismo até a alma. Pe. Francisco! ouça apenas esta frase: o humilde “sabe que tudo quanto possui é dom de Deus; de seu, só tem o nada e o pecado.” Ninguém fica com a impressão de que humildade é negação de si mesmo e de seus valores. Humildade é isso e muito mais. Que direito ou dignidade temos diante de Deus, quando tudo que temos de bom foi ele que nos deu e tudo que temos de ruim nós construímos?

Pe. Francisco continua intrépido: “Também quando fala da obediência, o autor não foge ao pensamento da época: obediência cega. Não se pensava ainda numa obediência co-responsável, na necessidade do diálogo dentro da comunidade para se descobrir a vontade de Deus e assim obedecer conscientemente.” Segundo Pe. Francisco, para saber a vontade de Deus, temos de convocar uma assembléia e decidir numa votação. Será que vale a maioria simples ou qualificada? Vontade de Deus decidida no voto!

Santo Afonso, graças a Deus, discorda de Pe. Francisco. Diz o santo: “Se queremos ser santos, todo o nosso esforço deve ser de nunca seguir nossa vontade, mas sempre a vontade de Deus; o resumo de todos os preceitos e conselhos divinos se reduz em fazer e sofrer aquilo que ele quer e como ele quer. Peçamos, portanto, ao Senhor que nos dê a santa liberdade de espírito.” O santo nos dá uma dica preciosíssima para descobrirmos a vontade de Deus: “Não se preocupa em fazer muitas coisas, mas procura realizar perfeitamente aquilo que acha ser a vontade de Deus. Por isso coloca as menores obrigações de seu estado antes das ações mais grandiosas e gloriosas, porque percebe que nestas pode haver lugar para o amor próprio, enquanto que naquelas se encontra certamente a vontade de Deus.” Comparem agora a assembléia do Pe. Francisco com os conselhos de Santo Afonso e escolham o que acharem melhor.

Há muitas outras coisas similares na introdução ao livro do santo de que pouparei os leitores. Há coisas piores. Padre Gervásio Fábri dos Anjos, também redentorista e tradutor do livro, achou por bem omitir um trecho do livro que traduziu. Isso acontece quanto Santo Afonso está discorrendo sobre como se comungar bem. Note que a preparação para a comunhão é, para nós católicos, de suma importância. Mas a palavra do santo é cortada e uma nota de rodapé nos informa: “Transcreve Santo Afonso neste parágrafo as normas práticas sobre a comunhão freqüente segundo a mentalidade da época. Por serem ultrapassadas, omitimos para não confundir os leitores menos avisados.” [Página 106, nota 68, Editora Santuário, 1982.] Vejam, Pe. Gervásio nos está protegendo contra as palavras de Santo Afonso.

Em primeiro lugar, isso é um absurdo em qualquer caso. Um tradutor tem, por obrigação ética, traduzir o texto do autor, mesmo que nele haja erros. No caso, o absurdo é ainda maior, pois está se cortando a palavra de um Santo e Doutor da Igreja, num assunto que é definido dogmaticamente pelo Concílio de Trento. Caso o padre-tradutor quisesse discordar do santo fundador de sua congregação, que ele o fizesse em nota de rodapé, depois de traduzir a passagem completa. Absurdo dos absurdos!

Fica o conselho que já dei aqui em outro post, quando comentei outros livros: leiam este livro, pois ele é muitíssimo importante, mas não leiam nem a introdução, nem as notas do tradutor.

23/12/2009

Mensagem de Natal de 2009: Por que o Verbo se encarnou?

E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós. (Jo 1, 14)


Deus criou todas as coisas do nada, “mas apiedou-se mais do gênero humano do que dos demais seres existentes; não se contentou com criar os homens, conforme fizera a todos os animais irracionais da terra, mas criou-os à sua imagem, fazendo-nos partícipes do poder de seu próprio Verbo, como uma espécie de sombra do Verbo.” Isto nos diz Santo Atanásio, o santo que venceu Ário, o primeiro dos grandes heresiarcas que quase destruiu a Igreja.

O santo continua ainda dizendo: “Ora, Deus não apenas nos tirou do nada, mas pela graça do Verbo, fez-nos viver segundo Deus. Os homens, contudo, se desviaram dos bens eternos, e por instigação do diabo, voltaram-se para as coisas corruptíveis, tornando-se deste modo para si mesmos causa de morte.” Diz ainda: “Com a presença do Verbo, a corrupção natural não nos teria tocado.”

Com o pecado de Adão e Eva, contra os homens se desencadearam a corrupção e a morte com toda a sua força, não podendo eles contar mais com a presença do Verbo. Com a expulsão do Paraíso, caímos na morte. Depois da Queda, “os homens contudo não se detiveram em certos limites, mas avançando pouco a pouco, ultrapassaram finalmente qualquer medida”, nos diz Atanásio. “Difundiram-se adultérios e roubos e toda a terra se encheu de morticínios e rapinas. ... todos rivalizaram em iniqüidade.”

Continua o santo: “Seria incoerente que a palavra de Deus mentisse no caso de que, promulgada com toda a certeza a lei de morte para o homem transgressor do preceito [não comer da árvore do bem e do mal], este não morresse após a transgressão, mas ficasse sem efeito a sentença divina. Deus não seria verídico, se após ter declarado que haveríamos de morrer, de fato, não morrêssemos. Por outro lado, não convinha que, uma vez criados, seres racionais e partícipes do próprio Verbo perecessem e, corrompidos, voltassem ao nada. Então, o que faria Deus, que é bom, uma vez que seres racionais pereciam e as obras divinas se precipitavam na ruína? (...) Era preferível não ser, do que ser e perecer por abandono.”

Este o dilema do Criador, nas palavras do grande santo que venceu o arianismo. Diz mais: “Por conseguinte, não convinha deixar os homens serem arrebatados pela corrupção, por ser isto impróprio e indigno da bondade de Deus. Por esta razão, o Verbo de Deus incorpóreo, incorruptível, imaterial veio a nossa terra, embora dela não estivesse longe anteriormente. De fato, ele não abandou parte alguma da criação, mas tudo enche, permanecendo, contudo, unido ao Pai. Mas, vem por condescendência, favorecendo-nos com sua filantropia e manifestação.”

Quando então, neste Natal, contemplarmos aquele Menino Deus na manjedoura, tenhamos consciência do momento extraordinário em que o Verbo se encarnou, para nos recuperar da Queda, da corrupção, da morte. Mas como é que o Verbo encarnado pode nos recuperar a incorruptibilidade? Responde Santo Atanásio: “O Verbo, portanto, compreendia que a corrupção dos homens de forma alguma poderia ser destruída, a não ser pela morte. Mas, era impossível que o Verbo morresse por se imortal, ele, do Pai o Filho. Por isso, assume corpo mortal, a fim de que este, partícipe do Verbo, superior a tudo, seja capaz de morrer por todos, e graças ao Verbo que nele habita, permaneça incorruptível e doravante faça cessar em todos a corrupção, pela graça da ressurreição. Por conseguinte, qual sacrifício e vítima imaculada, oferece à morte o corpo que assumiu, e logo faz desaparecer a morte de todos os corpos idênticos ao seu, através da oferta de vítima correspondente. (...) Com efeito, pelo sacrifício de seu próprio corpo, ele pôs termo à lei que pesava sobre nós, renovou-nos o princípio da vida, deu-nos a esperança da ressurreição.”

Assim, Queda, Natal, Paixão e Ressurreição é toda a história de Amor de Deus para conosco. É isto exatamente que devemos festejar neste Natal: Deus nos ama e enviou seu Filho para nos resgatar. O poder do Pecado Original que pesava sobre nós pode ser vencido se colocarmos em prática as palavras de Seu Filho e se participarmos da Sua Vida que jorra através dos Sacramentos da Igreja. Com isso, voltaremos um dia ao Paraíso, à incorruptibilidade, à contemplação beatífica de Deus.

A todos os leitores deste blog, desejo um Santo Natal, no seio da Igreja Católica, fora da qual não há Salvação.

19/12/2009

Padre Gelson defende “frei” Betto e dirige doces palavras ao blogueiro

Padre Gelson, sendo admirador de “frei” Betto, escreve ao blog para protestar contra o artigo Ufa! “Frei” Beto, finalmente, confessa não ser católico. A primeira grande lição, sutil é verdade, que o doce padre me dá é que o apelido do “frei” se escreve com “tt”. Fica mais sofisticado mesmo! Não pega bem para alguém tão moderno, com tantas idéias novas – como o aborto, a modernização da Igreja, o ecumenismo, o comunismo, etc. – não pega bem se chamar apenas Beto. Este nome talvez coubesse a um carpinteiro da Galiléia, mas não a pessoa tão sofisticada, de idéias tão avançadas.

Mas vamos à mensagem simpática do padre Gelson: “Olá...leio aqui abaixo que os comentários devem ser aprovados pelo autor do blog: portanto, vc só posta o que te interessa. Mesmo assim, voce lendo meu comentário já basta. Você é analfabeto pois nem sabe que a palavra TEMOR, tem dois sentidos. tire esse lixo de blog do ar e para de publicar idéias ridículas sobre nosso querido frei Betto. Grato! Padre Gelson

É verdade, Pe. Gelson, eu só posto o que me interessa. Foi para isto que criei o blog. Aqui só se publica o que me interessa. Mas veja que seu comentário me interessou. Interessou-me tanto que ele ganhou um post.

Interessou-me primeiro pela sua maneira educada de se dirigir a mim: chamou a mim de analfabeto, ou seria analfabetto?, e ao meu modesto blog de lixo. Analfabeto, considero que não sou, pois escrevo bastante aqui, e em outros lugares, e também leio um bocado. Sua apreciação sobre o blog – lixo foi o adjetivo – é completamente aceitável. Um blog que se objetiva católico não pode agradar a todo mundo, nem à maioria. Não pode nem mesmo agradar a todos os padres, no atual momento da Igreja. E pode de fato ser que ele seja mesmo muito ruim. Aceito sua apreciação com tranqüilidade, creia-me.

Interessou-me, em segundo lugar, pela fúria que lhe causou minhas observações sobre as idéias de seu querido “frei” Betto. Mas, padre, sendo eu católico e sendo o senhor padre, não daria para o senhor, ao invés da fúria – da ira, do descontrole – tentar me explicar o que tem a ver os dois significados da palavra TEMOR, com o que eu disse sobre “frei” Betto? Sua ira lhe impediu de ler um dos comentários que faço no referido post sobre os dois temores: o filial e o servil. O senhor está, por acaso, dizendo que não devemos um desses temores a Deus? Que não Lhe devemos o temor filial? Que não Lhe devemos o temor servil? Não creio que seja isso, pois se o senhor negar quaisquer desses dois temores a Deus, o senhor cometerá falta grave. Creio que o senhor não sendo analfabeto como pensa que sou, e sendo padre e tendo freqüentado algum seminário deve ter lido, pelo menos, os quatro primeiros capítulos do Eclesiástico. Eles são um pequeno tratado sobre o temor de Deus. O temor de Deus de que fala Santo Agostinho, citado no post em questão, é o temor nos dois sentidos, padre. Ele é o fundamento do catolicismo, do amor a Deus, do amor a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Mas, padre, isso são conceitos e idéias de um analfabeto, segundo sua avaliação. O senhor é padre e tem a obrigação de ensinar a Doutrina da Igreja, tem a obrigação de corrigir os fiéis em seus erros. Padre, diga-me, e a todos os meus leitores, onde está a falha no meu raciocínio, onde está o erro em minha análise. Digo que ninguém a que falte o temor a Deus, nos dois sentidos, pode ser considerado ou se considerar católico. Onde isto está errado? Corrija-me, padre, por caridade!

Uma observação sobre analfabetos, padre. À frase “tire esse lixo de blog do ar e para de publicar idéias ridículas” falta, no mínimo, o fundamental paralelismo verbal. Sendo a frase imperativa, ou bem o senhor diz “tire esse lixo de blog do ar e pare de publicar idéias ridículas” – neste caso, o senhor estaria usando a terceira pessoa, você – ou bem o senhor diz “tira esse lixo de blog do ar e para de publicar idéias ridículas” – caso em que o senhor estaria usando a segunda pessoa, tu. Ficaria melhor também que o senhor dissesse “este blog” no lugar de “esse blog”, pois o senhor estava postando um comentário no próprio blog.

Mas, padre, isso não tem importância nenhuma, pois o senhor tornou muito clara a sua confusa fúria.

16/12/2009

AS GRANDES HERESIAS: o livro que não querem que você leia

Isto é o que nos informa Anthony Esolen em seu “The Politically Incorret Guide to WESTERN CIVILIZATION” (Guia Politicamente Incorreto da CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL).

A série dos “Politically Incorret Guide (PIG)” é publicada pela Editora Regnery e se compõe de muitos livros interessantes. Há um sobre a Ciência e as mentiras que se falam em seu nome. Há outro sobre o Islã, cujo autor está em local secreto. Há outro sobre o darwinismo.

Pelo nome, dá para perceber que são obras que vão contra a corrente da cultura esquerdista atual. Todos os livros da série citam obras inconvenientes para a cultura esquerdista. Estas obras são chamadas “aquelas que não querem que você leia”.

Quem são os que não querem que leiamos certos livros? No dizer de Elizabeth Kantor (autora de um PIG sobre literatura inglesa e americana) são “os vândalos que tomaram o controle das universidades e que não querem que os estudantes aprendam. Mais e mais, vivemos com viseiras, ignorantes de tudo exceto as modas atuais.”

Pois bem, Esolen em seu livro sobre a Civilização Ocidental coloca como um dos livros que os vândalos não querem que você leia AS GRANDES HERESIAS, de Belloc. Dentre outros, ele também coloca a Bíblia, O Homem Eterno, de Chesterton, Religion and the Rise of Western Culture, de Christopher Dawson, etc.

Esolen diz sobre o livro de Belloc: “Sempre vale a pena ler Belloc, pois ele é agradável e perspicaz, mas o tratamento que ele dá às heresias – desde a heresia ariana, passando pela catastrófica heresia islâmica, até a aparentemente benigna heresia moderna – é envolvente e magnífico. É uma condenação de todas as coisas contrárias ao bom, ao belo e ao verdadeiro. Como tal, é certo que ele ofenda a muitos – um sinal seguro de que atingiu o alvo.”

Os leitores brasileiros podem ler esta obra que acaba de ser lançada, em português, pela Editora Permanência.

11/12/2009

As superstições do protestante

Do livro "A Coisa", publicado em 1929.

Gilbert Keith Chesterton

Aquele delicioso jogo de adivinhação, que tem há muito tempo causado uma alegria inocente em tantas famílias católicas, o jogo de adivinhar em qual linha de um artigo sobre, por exemplo, paisagem ou Elegia Latina, flagraremos o deão da Catedral de São Paulo[1] apresentando o antídoto ao Anti-Cristo; ou a trama papal revelada – este que é o mais familiar de nossos jogos católicos de salão me entreteve como um tipo de substituto das palavras cruzadas, quando achei que tinha encontrado um feliz exemplo. Escrevi acima sobre “famílias católicas”, mas quase escrevi, por força de associações, “lareiras católicas”. Imagino que o deão realmente pensa que, mesmo com este clima, matemos os fogos domésticos acesos, como o fogo de Vesta, em permanente expectativa de reascender os fogos de Smithfield. Seja como for, esse tipo de jogo de adivinhação ou palavra cruzada é raramente decepcionante. O deão já deve então ter tentado centenas de formas de chegar a seu adorado assunto; e mesmo ocultá-lo, como um canhão disfarçado, até que ele lance o bombardeio numa perfeita explosão de mau humor. Então as palavras cruzadas não são mais um quebra-cabeça, embora as palavras sejam suficientemente apropriadas; especialmente aquelas devotadas o grande processo histórico de desfazer a Cruz.

No caso desse artigo particular, foi somente próximo ao seu final que o assunto real saltou sobre o leitor numa emboscada. Acho que era um artigo geral sobre superstição; e, sendo um artigo jornalístico de um tipo moderno, era claramente devotado a discutir superstição sem defini-la. Num artigo inteligente desse tipo, pareceu suficiente ao escritor sugerir que superstição é algo que ele não gosta. Algumas coisas são também do tipo que eu não gosto. Mas tal escritor não é razoável nem quando está certo. Um homem deve ter uma objeção algo mais filosófica a histórias de má sorte do que chamá-las de credulidade; tanto quanto um homem deve ter uma objeção mais filosófica à Missa do que chamá-la de magia. Dificilmente seria uma refutação aos espiritualistas provar que eles acreditam em espíritos; ou uma refutação aos deístas provar que eles acreditam numa divindade. Credo, crença e credulidade são palavras de mesma origem e podem ser, de muitas formas, jogadas para lá e para cá. Mas quando um homem supõe a absurdidade em algo que todos os outros acreditam, desejamos, em primeiro lugar, saber em que ele acredita; em que princípio ele acredita; e, acima de tudo, em que princípio ele não acredita. Não há traço de algo parecido com isso na peça de jornalismo metafísico do deão. Se ele tivesse parado para definir seus termos, ou, em outras palavras, para nos dizer de que falava, tal análise abstrata teria preenchido algum espaço no artigo. Talvez não sobrasse espaço para todo o alarido contra o Papa.

O deão da Catedral de São Paulo pôs a mão na massa num parágrafo na segunda metade de seu artigo, em que ele revela aos seus leitores todos os horrores de uma citação de Newman; uma passagem muito chocante e vergonhosa em que o apóstata degradado diz que está feliz com sua religião e em estar cercado pelas coisas de sua religião; que aprecia ter objetos que tenham sido abençoados pelos santos e bem-aventurados, que há um sentido em ser protegido por orações, sacramentais, etc.; e que a felicidade de tal tipo satisfaz a alma. O deão, tendo nos dado este apavorante relance da condição espiritual do cardeal, fechou a cortina com um grunhido e diz que isso é paganismo. Que diferença da ortodoxia cristã de Plotino!

É exatamente esse pequeno relance que me interessa; não tanto um relance da alma do cardeal, mas da mente do deão. Pereceu-me repentinamente que vejo, numa forma muito mais simples que anteriormente, a real questão entre ele e nós. E a coisa curiosa sobre a questão é esta: que o que ele pensa sobre nós é exatamente o que pensamos sobre ele. O que eu, por exemplo, sinto mais intensamente, na consideração de um caso como o do deão e sua citação do cardeal, é que o deão é um homem ilustre, inteligente e culto, sempre interessante, algumas vezes justo, ou pelo menos justificado ou justificável; mas que ele é antes de tudo defensor de uma superstição, como esta seria compreendida por alguém que a pudesse definir. O que a faz ainda mais divertida é que ela é, num sentido assaz especial, uma superstição pagã. Mas o que a faz intensamente interessante, pelo menos para mim, é que o deão é devotado ao que pode ser chamado, por excelência, de uma supersticiosa superstição. Quero dizer que ela é, num sentido especial, uma superstição LOCAL.

O deão Inge é uma pessoa supersticiosa porque está adorando uma relíquia; uma relíquia no sentido de uma coisa remanescente. Ele está idolatricamente adorando o fragmento de algo; simplesmente porque aquele algo casualmente sobreviveu num lugar chamado Inglaterra; numa forma assaz surrada chamada protestantismo cristão. É como se um patriota local venerasse a estátua de Nossa Senhora de Walsingham somente porque ela estivesse em Walsingham e sem nem mesmo lembrar que ela está no Paraíso. É ainda mais como se ele venerasse um fragmento lascado do dedo da estátua e esquecesse de onde ele tinha vindo e ignorasse completamente a Nossa Senhora. Não penso que seja supersticioso respeitar a lasca em relação à estátua, ou a estátua em relação ao santo, ou o santo em relação ao esquema da teologia e filosofia. Mas penso ser supersticioso venerar, ou mesmo aceitar, o fragmento porque ele casualmente está lá. E o deão Inge aceita o fragmento chamado protestantismo porque ele casualmente está lá.

Consideremos, por um momento, toda a questão, como fazem os filósofos; envoltos num ar universal acima de todas as superstições locais como a do deão. É óbvio que há três ou quatro filosofias ou cosmovisões possíveis aos homens razoáveis; e, em grande parte, elas estão incorporadas nas grandes religiões ou no amplo campo da irreligião. Há o ateu, o materialista ou monista ou qualquer nome que ele se dê, que acredita que tudo é, em última análise, material, e tudo que é material é mecânico. Esta é enfaticamente uma cosmovisão; não muito brilhante ou animadora, mas é uma em que é possível encaixar muitos fatos da existência. Então há o homem normal com sua religião natural, que aceita a idéia geral de que o mundo tem um projeto e portanto um projetista; mas sente que o Arquiteto do universo é inescrutável e remoto, tão remoto em relação ao homem quanto o é em relação ao micróbio. Esse tipo de teísmo é perfeitamente são; e é realmente a antiga base da sólida e algo estagnada sanidade do Islã. Há ainda o homem que sente o peso da vida tão amargamente que deseja renunciar a todo desejo e toda divisão e restituir um tipo de unidade e paz espiritual da qual nossos eus individuais nunca deveriam ter se separado. Esse é o temperamento ao qual o budismo, e muitos místicos e metafísicos, responde. Então há um quarto tipo de homem, algumas vezes chamado místico, que talvez devesse ser chamado mais propriamente de poeta; na prática ele pode muito freqüentemente ser chamado de pagão. Sua posição é esta: este é um mundo crepuscular e não sabemos quando ele termina. Se não sabemos o suficiente para abraçarmos o monoteísmo, muito menos o sabemos para abraçarmos o monismo. Pode haver um mundo além; mas podemos apenas perceber algumas pistas dele; podemos nos deparar com uma ninfa na floresta; podemos ver fadas nas montanhas. Não sabemos o suficiente sobre o natural para NEGAR o preternatural. Esse foi, nos tempos antigos, o mais saudável aspecto do paganismo. Esse é, nos tempos modernos, a parte racional do espiritualismo. Todas essas são possíveis como visões gerais da vida; e há uma quarta que é, pelo menos, igualmente possível, embora certamente mais positiva.

Toda a questão dessa última posição pode ser expressa no verso de um belo poema de M. Cammaerts sobre jacintos; LE CIEL EST TOMBE PAR TERRE. O Céu desceu ao mundo da matéria; o poder espiritual supremo está agora operando através da máquina da matéria, ocupando-se milagrosamente com os corpos e almas dos homens. Ele abençoa todos os cinco sentidos; tal como os sentidos do bebê são abençoados pelo batismo católico. Ele abençoa até mesmo os presentes e as lembranças, como relíquias e rosários. Ele opera através da água e do óleo, ou do pão e do vinho. Ora, esse tipo de materialismo místico pode agradar ou não o deão, ou qualquer outra pessoa. Mas não posso de forma alguma entender porque o deão, ou qualquer outra pessoa, não VÊ que a Encarnação é tão parte dessa idéia quanto a Missa; e que a Missa é tão parte dessa idéia quando a Encarnação. Um puritano pode considerar blasfêmia que Deus possa se tornar uma hóstia. Um muçulmano pode considerar blasfêmia que Deus possa se transformar num trabalhador na Galiléia. E ele está perfeitamente certo, de seu ponto de vista; e dado seu princípio primário. Mas se o muçulmano tem um princípio, o protestante tem apenas um preconceito. Isto é, ele tem somente um fragmento; uma relíquia, uma superstição. Caso seja profano que o miraculoso deva descer ao plano da matéria, então o catolicismo é certamente profano; e o protestantismo é profano; e o cristianismo é profano. De todos os credos e conceitos humanos, nesse sentido, o cristianismo é o mais completamente profano. Mas porque um homem deveria aceitar um Criador que era um carpinteiro e então se preocupar com a água benta, porque ele deveria aceitar uma tradição protestante local de que Deus nasceu em algum lugar particular mencionado na Bíblia, meramente porque a Bíblia foi deixada em algum lugar na Inglaterra, e então dizer que não se pode acreditar que uma benção possa permanecer nos ossos de um santo, porque ele deve aceitar a primeira e mais estupenda parte da história do Céu descendo sobre a Terra e então furiosamente negar algumas poucas e pequenas deduções a partir disso – esta é a coisa que eu não entendo; nunca pude entender; cheguei à conclusão de que nunca poderei entender. Posso apenas e tão somente atribuí-la à superstição.

[1] Ver RAÍZES DA SANIDADE. (N. do T.)

07/12/2009

Festa da Imaculada Conceição – Oração de Santo Afonso de Ligório

Fato histórico – Pelos fins do século VII apareceram alguns hinos, e, a partir do século VIII, celebravam-se em vários conventos do Oriente festas em louvor da Imaculada Conceição. Em 1166, o imperador Manuel Comneno declarou a festa como feriado nacional. Do Oriente veio ela para o sul da Itália, donde passou para a Normandia. Mais tarde, tornaram-se os franciscanos inconfundíveis beneméritos da propagação e popularização da festa. Veio depois o período das discussões teologais nas escolas. Nelas ficaram bem assentadas e esclarecidas as noções e as provas. Pôde assim Pio IX declarar dogma de fé a doutrina que ensina ter sido a Mãe de Deus concebida sem mancha, por um especial privilégio divino. Dava-se isto aos 8 de dezembro de 1854, pela Bula Ineffabilis. Pio IX, ao declarar S. Afonso doutor da Igreja, afirmou “que nos escritos do santo encontrara, belamente exposto e irrefutavelmente provado”, o que definira como Chefe da Cristandade.


Oração – Ó minha Senhora, minha Imaculada, alegro-me convosco por ver-vos enriquecida de tanta pureza. Agradeço e proponho agradecer sempre a nosso comum Criador por ter-vos ele preservado de toda mancha de culpa. Disso tenho plena convicção, e para defender este vosso tão grande e singular privilégio da Imaculada Conceição, juro dar até a minha vida. Estou pronto a fazê-lo, se preciso for. Desejaria que o mundo universo vos reconhecesse como aquela formosa aurora, sempre adornada da divina luz; como aquela arca eleita de salvação, livre do comum naufrágio do pecado; como aquela perfeita e imaculada pomba, qual vos declarou vosso divino Esposo; como aquele jardim fechado, que foi as delícias de Deus; como aquela fonte selada, na qual o inimigo jamais pôde entrar para turvá-la; como aquele cândido lírio, finalmente, que, brotando entre os espinhos dos filhos de Adão, enquanto todos nascem manchados da culpa e inimigos de Deus, vós nascestes pura e imaculada, amiga de vosso Criador.

Consenti, pois, que ainda vos louve, como vos louvou vosso próprio Deus; Toda sois formosas e em vós não há mancha. Ó pomba puríssima, toda cândida, toda bela, sempre amiga de Deus! Dulcíssima, amabilíssima, imaculada Maria, vós que sois tão bela aos olhos do Senhor, não recuseis olhar com vossos piedosíssimos olhos as chagas tão asquerosas de minha alma. Olhai-me, compadecei-vos de mim, e curai-me. Ó belo irmã dos corações, atraí para vós também este meu miserável coração. Tende piedade de mim, que não só nasci em pecado, mas ainda depois do batismo manchei minha alma com novas culpas, ó Senhora, que desde o primeiro instante de vossa vida aparecestes bela e pura aos olhos de Deus. Que, graça vos poderá negar o Deus que vos escolheu para sua Filha, sua Mãe e sua Esposa, e por essa razão vos preservou de toda mancha? Virgem Imaculada, a vós compete salvar-me, dir-vos-ei com S. Filipe Néri. Fazei que me lembre de vós; e não vos esqueçais de mim. Parece tardar mil anos o momento de ir contemplar vossa beleza no Paraíso, para melhor louvar-vos e amar-vos, minha Mãe, minha Rainha, minha Amada, belíssima, dulcíssima, puríssima, imaculada Maria. Amém.

03/12/2009

Richard Lindzen e o aquecimento global

Richard Lindzen

Nota do tradutor: Traduzi este artigo para o MSM em 2007. Bem antes, portanto, do atual escândalo do aquecimento global. Note que o Dr. Richard Lindzen antecipa quase tudo sobre este escândalo. O alarmismo, a tentativa de esconder dados originais, a revisão polarizada de trabalhos científicos pelos pares, etc. Todas estas coisas são componentes do atual escândalo. Quem quiser saber das credenciais científicas do Dr. Lindzen pode consultar suas publicações constantes em sua página pessoal. Lá aparecem também, sob o nome de “outras publicações”, artigos em jornais e depoimentos prestados perante o Senado e a Câmara dos Deputados dos EUA em várias oportunidades.


Tem havido repetidas alegações de que os furacões do ano passado foram um outro sinal de mudanças climáticas induzidas pelo homem. Tudo, da onda de calor em Paris às fortes nevascas em Búfalo, tem sido debitado na conta de quem queima gasolina em seus carros e carvão e gás natural para aquecer, refrigerar e eletrificar suas casas. Há de se perguntar, como um aumento de um mísero e mal discernível grau centígrado na temperatura média global desde o século XIX ganha aceitação pública como a fonte das recentes catástrofes climáticas?

A resposta tem muito a ver com mal-entendidos a respeito da ciência do clima, além da intenção de se depreciar essa ciência por meio de um triângulo de alarmismo. Afirmações científicas ambíguas sobre o clima são injetadas diariamente na mídia pelos interessados no alarmismo, fazendo crescer o suporte político dos “policy makers” que, como num moto-perpétuo, irão suprir os fundos necessários para mais pesquisas científicas e alimentar mais alarmes para incrementar o suporte político. Afinal, quem colocará dinheiro em ciência – não importa se para a AIDS, o espaço ou o clima – onde não houver nada realmente alarmante? Realmente, o sucesso do alarmismo climático pode ser avaliado pelo aumento dos gastos federais em pesquisas climáticas: de umas poucas centenas de milhões de dólares pré-1990 para US$ 1.7 bilhão hoje. Isto pode ser visto também nos altos investimentos em pesquisas por tecnologias alternativas, tais como energia solar, eólica, hidrogênio, etanol e carvão, assim como na área energética em geral.

Mas há um lado mais sinistro ainda em todo esse frenesi. Cientistas que não concordam com o clima de alarmismo têm visto seus fundos de pesquisa desaparecerem, seu trabalho ser escarnecido, além de serem acusados de serviçais da indústria petrolífera, “hackers” da ciência ou coisa pior. Conseqüentemente, mentiras sobre mudanças climáticas ganham credenciais científicas mesmo que sejam frontalmente contrárias à ciência em que, supostamente, elas se baseiam.

Para entender os mal-entendidos perpetuados sobre a ciência do clima e o clima de intimidação, é necessário ter uma idéia sobre questões científicas complexas que perpassam toda a discussão. Primeiramente, comecemos onde há concordâncias. O público, imprensa e “policy makers”, têm sido repetidamente informados do fato de que três alegações têm amplo apoio científico: que a temperatura global subiu um grau desde o final do século XIX; que os níveis de CO² na atmosfera subiu aproximadamente 30% no mesmo período; e que o CO² deve contribuir para um futuro aumento do aquecimento global. Essas alegações são verdadeiras. Contudo, o que o público não percebe é que as alegações nem constituem razão para alarme, nem estabelecem a responsabilidade humana sobre o pequeno aumento do aquecimento global que ocorreu. De fato, aqueles que fazem as mais alarmantes alegações demonstram, com isso, seu ceticismo sobre a própria ciência em que eles afirmam confiar. Não se trata apenas de que os alarmistas estão trombeteando resultados de modelos que sabemos estarem errados. Mas é que eles estão trombeteando catástrofes que não poderiam acontecer, mesmo que os modelos estivessem corretos, justificando assim investimentos custosos a fim de prevenir o aquecimento global.

Se os modelos estivessem certos, o aquecimento global reduziria a diferença de temperatura entre os pólos e o equador. Quando você tiver menor diferença de temperatura você terá menos estímulo para tempestades extra-tropicais, não mais. E, de fato, os resultados do modelo apóiam essa conclusão. Os alarmistas contam a favor de suas alegações a respeito das tempestades tropicais um comentário informal de Sir John Houghton do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), de que um mundo mais aquecido teria uma maior evaporação, com o calor latente provendo mais energia para os distúrbios. O problema com isso é que a habilidade da evaporação em produzir tempestades tropicais não depende só da temperatura, mas também da umidade – que quando menor, melhor para a produção de tempestades. Alegações de intenso aumento de temperatura são baseadas em que haja mais umidade, não menos – o que dificilmente explicaria um maior número de tempestades com o aquecimento global.

Mas, então, por que não temos mais cientistas denunciando abertamente essa ciência vagabunda?(1) Acredito que muitos cientistas têm se intimidado não meramente por dinheiro, mas por medo. Um exemplo: no início deste ano [2006], Joe Barton, deputado pelo Texas, enviou cartas ao paleoclimatologista Michael Mann e alguns de seus co-autores a procura de detalhes de uma análise, financiada por fundos públicos, que alega ter sido os anos 1990 a década mais quente e 1998 o ano mais quente do último milênio. A preocupação do Sr. Barton está baseada no fato de que o IPCC singularizou o trabalho do Sr. Mann com um meio de encorajar os “policy makers” a agirem. E eles assim agiriam, depois que seu trabalho pudesse ser replicado e testado – uma tarefa que tornou-se difícil por causa da recusa do Sr. Mann, um eminente autor do IPCC, em liberar detalhes de seu trabalho para análise. A defesa do Sr. Mann pela comunidade científica, apesar de tudo, foi imediata e ríspida. O presidente da Academia Nacional de Ciências – e também da Sociedade Americana de Meteorologia e da Associação Americana de Geofísica – formalmente protestou, dizendo que o deputado Barton ter singularizado o trabalho de um cientista tinha um cheiro de intimidação.

Tudo isso contrasta fortemente com o silêncio da comunidade científica quando anti-alarmistas estavam na mira do então Senador Al Gore. Em 1992, ele liderou duas audiências públicas no Congresso Americano, durante as quais tentou intimidar cientistas dissidentes, inclusive a mim, para que mudassem de posição e apoiassem seu alarmismo climático. Nem tampouco a comunidade científica reclamou quando o Sr. Gore, como vice-presidente, tentou envolver Ted Koppel (2) numa caça às bruxas para desacreditar os cientistas anti-alarmistas – o que o Sr. Koppel considerou, publicamente, inapropriado. E todos permaneceram mudos quando vários artigos e livros de Ross Gelbspan difamaram os cientistas que discordavam do Sr. Gore, chamando-os de pombos-correio da indústria do combustível fóssil.

Infelizmente, esta é apenas a ponta de um não derretido iceberg. Na Europa, Henk Tennekes foi demitido como diretor de pesquisas da Royal Dutch Meteorological Society depois de questionar os fundamentos do aquecimento global. Aksel Winn-Nielsen, ex-diretor da World Meteorological Organization da ONU foi pichado por Bert Bolin, primeiro presidente do IPCC, como um instrumento da indústria do carvão por questionar o alarmismo climático. Os respeitados professores italianos Alfonso Sutera e Antonio Speranza desapareceram do debate em 1991, aparentemente por perderem o financiamento para suas pesquisas, por levantarem questões inconvenientes.

E, além de tudo isso, há padrões peculiares em funcionamento nos periódicos científicos para aqueles artigos cujos autores levantam questões sobre a sabedoria científica da moda. Na Science and Nature tais artigos são comumente recusados sem passar por revisão, como sendo sem interesse. Contudo, mesmo quando tais artigos são publicados, os padrões mudam. Quando eu, juntamente com alguns colegas da NASA, tentamos determinar como as nuvens se comportam sob um regime de temperatura variável, descobrimos o que denominamos então “Efeito Iris”, por meio do qual nuvens superiores do tipo cirrus se contraem com o aumento de temperatura, propiciando uma retro-alimentação climática negativa muito forte, suficiente para reduzir a resposta ao aumento de CO². Normalmente a crítica aos artigos aparecem na forma de cartas aos periódicos, às quais os autores podem responder imediatamente. No entanto, neste caso (e em outros) um fluxo de artigos preparados apressadamente apareceram, alegando erros em nosso estudo, com nossas respostas demorando meses para aparecerem publicadas. A demora permitiu que nosso artigo fosse referido como “desacreditado”. De fato, há uma estranha relutância em se descobrir como o clima realmente se comporta. Em 2003, quando o relatório do U.S. National Climate Plan recomendava uma alta prioridade para o aprimoramento de nosso conhecimento sobre a sensibilidade climática, o National Reserch Council recomendava, ao invés disso, o apoio à pesquisa sobre o impacto do aquecimento – e não à pesquisa sobre se isso realmente acontecia.

Alarme, ao invés de curiosidade científica genuína é, ao que tudo indica, essencial para manter o financiamento. E somente os cientistas seniores podem hoje enfrentar essa tempestade alarmista e desafiar o triângulo de ferro dos cientistas alarmistas, dos seus apoiadores e dos “policy makers”.

Publicado por The Wall Street Journal em junho de 2006

Notas do Tradutor:

[1]. “Junk science” no original.

[2]. Influente âncora, de 1980 a 2005, do jornal Nigthline da rede de televisão ABC.

02/12/2009

Aquecimento Global: mais farsa e safadeza.

Vejam como o Deputado Henry Waxman, da Califórnia, presidente da poderosa Comissão de Energia e Meio-Ambiente da Câmara dos EUA, reage à pergunta se ele leu a restritíssima lei de Meio-Ambiente que a comissão tinha aprovado. A reportagem é de Glen Beck da Fox News.





Vejam também os personagens principais do escândalo do Clima, que está sendo chamado de Climagate.


27/11/2009

Belloc em português, pela primeira vez

O grande Hilaire Belloc encontra sua casa no Brasil. A Editora Permanência acaba de lançar As Grandes Heresias, livro por ele escrito em 1938. A Permanência foi fundada, entre outros, por Gustavo Corção e Júlio Fleishman. Dom Lourenço, filho do Dr. Júlio, acolhe agora Belloc na casa de Corção, um grande chestertorniano e certamente admirador de Belloc, embora nunca tenha lido menção a Belloc na obra de Corção.

Tocou a mim a tarefa da tradução da obra. Comecei-a no blog até que surgiu o interesse da Permanência. Para mim é muito significativo a publicação do livro, pois ele é o primeiro rebento do blog, rebento que sai do blog e ganha o mundo. Espero que o livro tenha para os leitores o mesmo impacto que teve para mim.

Em primeiro lugar, vê-se um verdadeiro historiador em pleno domínio de sua técnica. Em segundo lugar, vê-se um verdadeiro católico em pleno domínio de sua fé. Uma parte muito significativa da história da Igreja é contada no livro, mas não só. No livro, um período crucial do Império Romano ganha vida perante nossos olhos. Toda a trágica vida européia, do século VII ao século XVI, passa a desfilar à nossa frente. Quase participamos das Cruzadas com aqueles heróicos católicos nossos ancestrais. Sentimos todos os golpes desfechados contra a Igreja pelas sucessivas e diferentes heresias. Lutamos contra os cátaros que desejavam destruir a humanidade. Vemos o desenrolar de toda a Reforma e depois o amadurecimento de todos os seus frutos. Por fim, acompanhamos Belloc em sua análise da situação da Igreja no século XX, antes do Concílio Vaticano II, concílio este que realizou muitas das mais temerárias suspeitas do grande escritor.

Uma coisa posso garantir a todos os leitores do livro: nossa Fé será fortalecida com a leitura do livro.

Boa leitura a todos.

Auxilium Christianorum, ora pro nobis!

A farsa do aquecimento global desmascarada

É assim que se desenvolve o consenso científico no mundo. Agora, começamos a ter uma pequena idéia da estatura moral desses verdadeiros inimigos da humanidade, forjadores do consenso sobre mudanças climáticas e outras balelas ditas com pretensa autoridade científicas.

Quem quiser ver o bando de safados combinando a enganação da população mundial, clique aqui. Este site poderá sair do ar. Se isso acontecer, eu tenho o arquivo em PDF e o disponibilizarei para download.



24/11/2009

Imitação de Cristo: conselhos para o estudante de filosofia e teologia

Suspeito que entre os leitores deste blog há alguns que fazem filosofia em faculdades espalhadas pelo Brasil, os que fazem o curso do Prof. Olavo, imperdível e os que fazem o curso do Prof. Carlos Nougué, também imperdível. Os dois últimos valem muito mais do que qualquer curso universitário. Há de haver também estudantes de teologia.

Resolvi, então, publicar os conselhos do livro IMITAÇÃO DE CRISTO para quem estuda filosofia ou teologia. São eles os capítulos 29, 39, 41 e 47 do Livro III.


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Capítulo 29 – Como se deve invocar a Deus, durante a tribulação

1. Alma fiel: – Senhor, bendito seja para sempre o vosso santo nome, porque quisestes que sobre mim viesse esta prova e tribulação. Não posso evitá-la; mas é necessário que a vós recorra, para que me ajudeis e convertais tudo em meu proveito.

Senhor, estou agora atribulado e não está bem o meu coração; muito me atormenta o presente sofrimento.

E, agora, Pai amantíssimo, que direi? Estou mergulhado em angústias; livrai-me desta hora.

E cheguei a este extremo, para que sejais glorificado, quando eu, depois de muito abatido, for por vós libertado.

Dignai-vos, Senhor, salvar-me; porque, pobre de mim, que farei e aonde irei sem vós?

Dai-me paciência, Senhor, ainda por esta vez.

Socorrei-me, Deus meu, e nada temerei por mais que esteja atribulado.

2. E agora, neste estado, que direi? Senhor, faça-se a vossa vontade. Bem mereço essas tribulações e angústias.

Convém que eu sofra e oxalá com resignação o faça, até que passe a tormenta e venha a bonança.

Poderosa é vossa mão onipotente para desviar de mim esta tentação e moderar-lhe a violência, para que eu não sucumba de todo; assim como muitas vezes tendes feito comigo. Deus meu, misericórdia minha.

E quanto mais difícil para mim, tanto mais fácil é para vós esta mudança da dextra do Altíssimo.


Capítulo 39 – Da calma que se deve conservar nos negócios

1. Cristo: – Filho, confia-me sempre a tua causa, disporei tudo bem, a seu tempo.
Espera pela minha decisão e disso tirarás proveito.

2. A alma fiel: – Senhor, de mui boa vontade, deponho em vossas mãos todos os meus negócios; porque pouco pode aproveitar a minha diligência.

Oxalá não me inquietasse com os sucessos futuros, mas, prontamente me entregasse ao vosso beneplácito!

3. Cristo: -- Filho, muitas vezes procura o homem, ansiosamente, alguma coisa que deseja; quando, porém, a alcança, começa a pensar de outro modo; porque as afeições não são duráveis e passam, facilmente, de um a outro objeto.

Não é, pois, pequena coisa, mesmo nas coisas mínimas, cada um renunciar-se a sim mesmo.

Mas o antigo adversário de todo o bem não deixa de tentar; ao contrário, dia e noite, arma cruéis ciladas, para precipitar o incauto nos laços do seu engano.

Vigiai e orai, diz o Senhor, para que não entreis em tentação.


Capítulo 41 – Do desprezo de toda honra temporal

1. Cristo: – Filho, não te entristeças, se vires que outros são honrados e exaltados, ao passo que tu és desprezado e humilhado.

Levanta para mim nos céus o teu coração e não te afligirá o desprezo dos homens na terra.

2. A alma fiel: – Senhor, somos cegos e facilmente nos deixamos seduzir pela vaidade.

Se bem me examinar, verei que nunca recebi injúria de criatura alguma; não tenho, pois, justo motivo de queixa contra vós.

Como, porém, tenho pecado, freqüente e gravemente, contra vós, é justo que se armem contra mim todas as criaturas.

Confusão e desprezo, eis o que, justamente, a mim cabe; a vós, porém, louvor, honra e glória.

E enquanto não estiver disposto a querer, de bom grado, ser desprezado e abandonado por todos e ser tido absolutamente por nada, não poderei adquirir a paz e estabilidade interior. Não serei espiritualmente iluminado, nem perfeitamente unido a vós.


Capítulo 47 – Como se devem suportar todos os trabalhos pela vida eterna

1. Cristo: – Filho, não esmoreças nos trabalhos empreendidos por amor de mim; não te desalentes nas tribulações; mas em todos os acontecimentos a minha promessa te fortaleça e console.

Posso recompensar-te acima de todas as medidas e limites. Não trabalharás aqui muito tempo, nem estarás sempre acabrunhado de dores.

Espera um pouco, e verás o término dos teus males.

Virá uma hora em que cessarão as tuas penas e angústias todas.

Pouco e breve é tudo que se passa com o tempo.

2. Faze bem o que fazes; trabalha fielmente na minha vinha; serie eu mesmo o tem galardão.

Escreve, lê, canta, geme, guarda silêncio, fala, sofre varonilmente as adversidades; de tudo isso é digna a vida eterna e de maiores combates ainda.

A paz virá um dia, que do Senhor é conhecido e não haverá mais dias e noites, como no tempo presente; senão perpétua luz, infinita claridade, firme paz e seguro repouso.

Então não dirá: Quem me livrará deste corpo de morte? Nem exclamarás: Pobre de mim, que se prolonga o meu desterro!

Porque a morte será destruída e eterna será a salvação; livre de toda ansiedade, gozarás de jubilosa ventura, em meio de agradável e brilhante companhia.

3. Oh! Se visses as coroas imarcessíveis dos santos do céu, com quanta glória exultam agora aqueles que, outrora, o mundo desprezava julgava indignos de viver! Por certo que logo te prostrarias até o chão e preferirias estar sujeito a todos os homens, que mandar a um só.

Não cobiçarias os dias felizes desta vida; ao contrário, folgarias de ser atribulado por amor de Deus e considerarias grande vantagem ser tido por nada entre os homens.

4. Oh! Se gostasses dessas coisas e penetrassem elas, profundamente, no teu coração, com ousarias, uma vez sequer, queixar-te?

Será pequena coisa perder ou ganhar o reino de Deus?

Levanta, pois, os olhos para o céu. Eis-me aqui com todos os meus santos, que, neste mundo, sustentaram grandes combates e agora se sentem consolados, agora estão seguros, agora repousam e permanecerão para sempre comigo, no reino de meu Pai.

20/11/2009

Inge versus Barnes

Do livro "A Coisa", publicado em 1929.

Gilbert Keith Chesterton

Nenhum de nós, espero, jamais desejou ser injusto com o deão Inge:[1] embora em tais lutas às vezes cai a proteção da espada.[2] E uma cruel injustiça está sendo feita, na sugestão amplamente ventilada de que ele concorda com o Dr. Barnes. Tais coisas não deveriam ser ditas levianamente de qualquer cavalheiro. De acordo com a atual lenda, pelo menos, o Soturno Deão, mesmo quando decide abençoar, acaba amaldiçoando. Mas se há um único ser humano a quem se possa imaginar que ele queira abençoar, este é seu aliado, o bispo Barnes de Birmingham.[3] Mesmo assim, a aliança serve somente para amenizar a maldição, não para assegurar a benção. Se pudéssemos usar termos populares a respeito de tais dignatários eclesiásticos, seriamos tentados a dizer que o deão considerou necessário desancar o bispo. Uma interessante resenha do deão sobre o recente livro de sermões do bispo contém, claro, certo número de elogios assaz convencionais e certo número de grosserias, poderíamos dizer implicâncias, com várias outras pessoas incluindo grande parte da cristandade. Mas nas duas questões notáveis e surpreendentes em que o bispo Barnes foi condenado pelos católicos, ele é quase tão fortemente condenado pelo Deão da Catedral de São Paulo. O deão Inge é muito inteligente e culto para fingir ter muita paciência com o contra-senso de testar a Transubstanciação por experimentos químicos ou psíquicos. Ele tenta revelar para seu colega da “Broad Church”[4], tão gentilmente quanto possível, que este caiu no ridículo. Mesmo levando em conta tais delicadezas entre parceiros, a verdade não poderia ter sido dita mais simplesmente e melhor. Ele sumariamente indicou ao bispo a responsável definição da doutrina encontrada no livro de Padre Rickaby sobre metafísica; e secamente observa que ela é muito mais sutil e plausível do que parece se dar conta o bispo. Ele também acrescenta, com uma amarga e muito atraente franqueza, que é muito desastroso desafiar os católicos sobre se a Missa lhes faz qualquer bem espiritual, pois eles certamente se uniriam na resposta afirmativa. Depois destas admissões francas e interessantes, é uma questão de mera rotina, e quase de respeitabilidade, que o deão devesse concordar com o bispo de que todo esse sacramentalismo é grandemente deplorável; que pessoas inteligentes que ele conhece que dizem encontrar Cristo na Missa e não no Serviço Matinal devem ser “idólatras naturais” e que é “óbvio” que o Santíssimo Sacramento tem uma afinidade com as religiões inferiores. Também com as classes inferiores. Isso, imagino, é o que o deão realmente considera tão desagradável.

A questão é, contudo, que o deão definitivamente desdenha o bispo em relação à única grande questão em que os jornais lhe têm dado grande repercussão. E ele faz exatamente o mesmo, num grau menor, numa questão secundária e menor que tem similar repercussão. Falo, é claro, da questão da evolução. O deão, evidentemente, acredita na evolução, como o faz muitas pessoas, católicas, protestantes e agnósticas. Mas embora acredite em evolução, ele não acredita na evolução do bispo Barnes. Ele comenta com admirável clareza e decisão sobre a tolice de identificar progresso com evolução; ou mesmo mera complicação com progresso. Nada poderia ser melhor do que as breves e picantes frases em que ele demonstra totalmente aquela idealização da teoria científica, que é de fato simples ignorância a seu respeito. Em palavras simples, o bispo Barnes, apesar de toda sua pompa, sabe tão pouco de evolução quanto de Transubstanciação. O Deão da Catedral de São Paulo não revelou toda esta verdade em palavras simples, é claro; mas ele conseguiu fazê-lo muito simplesmente. Sua franqueza neste caso tem também de ser contrabalançada com expressões gerais de concordância com o bispo, e com expressões mais fortes de discordância com todos os demais, especialmente com os inimigos do bispo. O deão alude desdenhosamente ao mundo ortodoxo, como se este mundo necessariamente repudiasse certas teorias biológicas; ou como se importasse muito se ele o fizesse. A diferença entre a Broad Church e a Igreja Católica não é que aquela considere a evolução verdadeira e esta considere-a falsa. É que aquela considera a evolução uma explicação e esta sabe que ela não é uma explicação. Assim, aquela a considera de importância capital; e esta algo sem importância. Sendo incapaz de perceber este princípio, o deão tem de voltar-se para o antigo jargão vitoriano; e dizer que uma nova descoberta científica passa por três estágios: o de ser considerada um absurdo; o de ser considerada anti-Escrituras; e o de ser descoberta muito antiga e familiar. Ele poderia ter acrescentado que há ainda um quarto estágio; o de ser descoberta muito falsa.

Pois esse é o fato muito simples que ambos, o deão Inge e o bispo Barnes, omitiram; e que parece ser tão completamente desconhecido pelo racionalismo lúcido de um quanto pelo secularismo mais rude do outro. O arcebispo de Canterbury não está apenas certo em sugerir que velhos cavalheiros como ele tiveram a evolução como uma coisa familiar durante toda a vida; mas ele poderia ter adicionado que eles estavam muito mais certos sobre ela na parte inicial de suas vidas do que estarão no final delas. Aqueles dentre eles que realmente leram as mais recentes investigações e especulações européias sabem que aquele darwinismo está cada dia mais se tornando muito menos um dogma e muito mais uma dúvida. Aqueles que não leram as especulações e dúvidas simplesmente continuam repetindo o dogma. Enquanto o Dr. Barnes estava pregando sermões cuidadosamente fundamentados na biologia de 50 anos atrás, o Sr. Belloc estava provando conclusivamente perante todo o mundo que o Sr. H.G. Wells e o Sr. Arthur Keith desconheciam a biologia de 5 anos atrás. Em resumo, é muito justo, como dissemos, insistir na diferença entre o deão Inge e o Dr. Barnes; que é análoga à diferença entre Huxley e Haeckel. Todo mundo estaria melhor e mais feliz se o deão Inge fosse conhecido como professor Inge; e se o Dr. Barnes não fosse somente um professor, mas um professor prussiano. Então ele poderia ser alardeado juntamente com outros bárbaros que atacam a cristandade, sem ter o privilégio eclesial de realmente perseguir cristãos. Mas há pagãos e pagãos e há perseguidores e perseguidores. O deão é um pagão romano do Senado. O bispo é um pagão teutão dos pântanos e brejos. O deão desgosta da tradição cristã com o mesmo espírito de Diocleciano e Juliano. O bispo desgosta dela com o espírito mais simples de um pirata dinamarquês fitando o rígido mistério da Igreja Romana britânica. Mesmo a causa comum e a máxima geral de CHRISTIANI AD LEONES nem sempre, imagino, reconciliou romanos e godos. Essas comparações históricas podem parecer irreais; e de fato, num certo sentido ambos estão muito ligados aos seus respectivos períodos históricos. Eles são ambos muito vitorianos; mas mesmo aqui há uma diferença e uma superioridade. A superioridade do deão é que ele sabe disso e o diz. Ele é homem o suficiente para gabar-se de ser vitoriano e não ligar de ser chamado de reacionário. Enquanto que o bispo parece realmente cultivar a verdadeiramente extraordinária noção de que suas noções são novas e atualizadas.

É claro que eles têm uma filosofia em comum; e seria uma simplificação barata chamá-la de materialismo. De fato, seríamos quase tão superficiais em falar de materialismo quanto eles de falarem de mágica. A verdade é que o estranho fanatismo, que leva o bispo a bradar contra e atacar todo sacramentalismo como se fosse mágica, é em sua essência interior o próprio reverso do materialismo. Realmente, não é nem um pouco tão saudável quanto o materialismo. A raiz desse preconceito não é tanto uma crença na matéria, mas um tipo de horror à matéria. O homem com essa filosofia está sempre pedindo para que a adoração seja totalmente espiritual, ou mesmo totalmente intelectual; porque ele sente realmente um desgosto com a idéia de coisas espirituais tendo um corpo e uma forma sólida. É provável que a suposição de que Deus possa se tornar pão e vinho lhe cause um tremor místico; embora eu nunca tenha entendido porque dizer que Deus poderia se tornar carne e sangue não deveria lhe causar o mesmo tremor. Mas esses pensadores sendo ou não lógicos em sua filosofia, penso que isso é a sua filosofia. Ela tem uma longuíssima história e um antigo nome. Não é materialismo, mas maniqueísmo.

O deão verdadeiramente expressou uma verdade inconsciente quando disse que os sacramentalistas são “idólatras naturais”. Ele recua diante disso não somente porque é idolátrico, mas porque é natural. Ele não suporta pensar quão natural é o anseio pelo sobrenatural. Ele não tolera a idéia do sobrenatural realmente trabalhar através dos elementos da natureza. Inconscientemente, sem dúvida, mas muito teimosamente, esse tipo de intelectual sente realmente que sua alma pode pertencer a Deus, mas seu corpo somente ao demônio ou à besta. Esse horror maniqueísta da matéria é a única razão INTELIGENTE para qualquer rejeição abrangente das maravilhas sobrenaturais e sacramentais. O resto é jargão, repetição e argumentação em círculo; todo o insustentável dogmatismo sobre a ciência impedir os homens de acreditar em milagres; como se a CIÊNCIA pudesse impedir os homens de acreditar em algo que a ciência não professa investigar. Ciência é o estudo de admitidas leis da existência; ela não pode provar uma negativa universal sobre se aquelas leis podem ser suspensas por algo admitidamente acima delas. É como se disséssemos que um advogado conhece tão bem a onstituição americana que sabe que não pode nunca haver uma revolução nos EUA. Ou como se um homem dissesse que é um estudante tão íntimo do texto de Hamlet que está autorizado a negar que um ator possa deixar cair o crânio e sair correndo quando o teatro pegar fogo. A constituição segue certo curso, contanto que esteja lá para segui-lo; a peça segue certo curso, contanto que seja encenada; a ordem visível da natureza segue certo curso se não há nada por trás que possa impedi-la. Mas esse fato não joga nenhuma luz sobre se HÁ algo por trás para impedi-la. Esta é uma questão de filosofia e metafísica e não de ciência material. E por respeito à inteligência de ambos reverendos cavalheiros, e especialmente em respeito à alta inteligência do Deão da Catedral de São Paulo, prefiro pensar que eles se opõem ao que chamam de mágica como filósofos consistentes e não como cientistas inconsistentes. Prefiro pensar que eles estão pensando como os grandes gnósticos, budistas e outros místicos da obscura mas digna tradição histórica; ao invés de estarem cometendo erros lógicos elementares no interesse da ciência popular mais rasteira. Posso até entender ou imaginar o tremor de repulsão que os domina na presença do divino materialismo da Missa. Mas ainda penso que eles seriam mais consistentes e completos se declarassem abertamente seguirão seu princípio até o fim; e dissessem, como os mussulmanos dizem sobre o Natal, “Longe Dele ter um filho”,[5] ou os aterrorizados discípulos que clamavam, “Longe de Ti esteja isso”[6], quando Deus estava subindo para ser crucificado.




[1] Ver RAÍZES DA SANIDADE. (N. do T.)

[2] Chesterton refere-se aqui à esgrima, em que as espadas tem uma proteção na ponta, para impedir o ferimento do oponente. (N. do T.)

[3] Ernest William Barnes, eminente matemático inglês, Fellow da Real Sociedade de Londres e também bispo da Igreja da Inglaterra. Embora grande matemático, foi uma figura pública controvertida. Pacifista, foi contra a participação da Inglaterra na II Grande Guerra. Mantinha também idéias favoráveis à eugenia. (N. do T.)

[4] Um dos três segmentos da Igreja da Inglaterra. A Broad Church é o segmento ecumênico. (N. do T.)

[5] Q 4:171 (N. do T.)

[6] 1 Sam 20, 9. (N. do T.)


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Leiam, do livro "A Coisa": Por que sou católico, A Revolta contra as Idéias, A lógica e o tênis, Um pensamento simples, Raízes da Sanidade, A Máscara do agnóstico .

13/11/2009

Pequeno exercício de metafísica

Há na Universidade Federal de Minas Gerais, universidade em que sou professor, uma campanha muito meritória de preservação do acervo de livros de suas bibliotecas. Contudo, a campanha veicula uma frase que, desde a primeira leitura, me pareceu estranha e não me saiu da cabeça. Alguém poderia dizer que a campanha foi um sucesso, pois permaneceu na cabeça da comunidade e isso é, de fato, o objetivo da campanha.

Mas, na verdade, ela me ficou na cabeça por um descompasso metafísico nela contido. A campanha diz: PRESERVE A NATUREZA DO LIVRO. Pensei com meus botões: como posso preservar O livro? "O" livro não existe na natureza e, portanto, não pode ter sequer natureza a ser preservada.

De metafísica entende Aristóteles e não eu. Daí, diz o filósofo, na Metafísica (logo no Livro I, capítulo I): "a experiência é conhecimento dos particulares, enquanto a arte é conhecimento dos universais; ora, todas as ações e as produções referem-se ao particular. De fato, o médico não cura o homem a não ser acidentalmente, mas cura Cálias ou Sócrates ou qualquer outro indivíduo que leva um nome como eles, ao qual ocorra ser homem." (Tomo aqui a edição bilíngue da Metafísica de Giovanni Reale, vol. II, tradução para o português de Marcelo Perini, Edições Loyola, 2005).

Podemos dizer, com Aristóteles, que o leitor não preserva o livro, mas tal ou qual livro, tal ou qual objeto que ocorra ser livro e estar sob sua responsabilidade. Em seguida, o filósofo nos alerta: "Portanto, se alguém possui a teoria sem a experiência e conhece o universal mas não conhece o particular que nele está contido, muitas vezes errará o tratamento, porque o tratamento se dirige, justamente, ao indíviduo particular."

Assim, sejamos rápidos em corrigir a frase da campanha: PRESERVE A NATUREZA DOS LIVROS. Aí sim, preservemos a natureza (isto é, a integridade) dos livros individuais que existem nas bibliotecas da UFMG. Estes têm natureza a ser preservada.

A Igreja e o mundo

Hilaire Belloc, em As Grandes Heresias, defende a idéia de que não existe uma religião chamada cristianismo. Existe apenas a Igreja Católica e seus inimigos. O livro é a história da luta entre ela e eles.

Quem quiser ter um exemplo prático disto, leia, nos links abaixo, um capítulo desta luta. Esta fase da luta Belloc chamou de "A fase moderna". Dizia ele, no livro citado, que preferiria chamá-la de Anti-Cristo, pois era isso que ela parecia ser.

Todos os links são de FRATRES IN UNUM.

Proibição do crucifixo nas escolas européias
Reação da Itália
O crucifixo é, antes de tudo, o sinal distintivo da única e verdadeira religião, a católica, depois vem o resto

12/11/2009

Lições das missas dominicais pós-Vaticano II - Parte XXVII

Comento aqui o artigo do Sr. Domingos Zamagna intitulado “A Renovação da Catequese”, n’O DOMINGO de 20/09/2009.

O Sr. Zamagna começa seu artigo atacando a “mera repetição” no ensino catequético: “Repetição nunca foi sinal ou prova de ortodoxia. Noutras palavras, quem quiser ser fiel à Igreja não precisa ficar o tempo todo repetindo frases da Bíblia, fórmulas dos concílios, expressões dos santos Padres, das autoridades, dos teólogos. O que representa conquista da teologia, da catequese, da liturgia, da história, da espiritualidade etc. merece ser conhecido, estudado, respeitado. Mas o que adianta mera repetição?

A fala do Sr. Zamagna, não sei se ele próprio sabe disto, vem diretamente do Sínodo dos Bispos de 1977. Este sínodo não só apoiou fortemente uma variedade de catecismos, em contraposição a um único e universal catecismo da Igreja, como também atacou fortemente o método tradicional de memorização das fórmulas da Fé.

Romano Amério diz o seguinte em Iota Unum.

“A forma de pergunta e resposta foi adotada pela Conferência Episcopal Alemã em seu catecismo, mas foi rejeitada pela maioria dos bispos no sínodo de 1977. Este método é bem adaptado à forma didática, ao invés de heurística, da catequese católica, que responde diretamente com a verdade, e não formula perguntas com a pressuposição metodológica que suas respostas possam ser duvidosas. Mesmo no método socrático, tão a gosto dos oponentes da tradição, é Sócrates quem conhece a verdade, e o discípulo o sujeito a quem ela é descrita.

“A memorização é desprezada e desdenhada pelos teóricos modernos da educação como mera repetição sem sentido, quando ela é, na verdade, a fundação de toda cultura, como os antigos mostraram através de Minemósine (memória), a mãe das Musas [deusas do canto e da memória]. A memorização é muito adequada à catequese, desde que seja considerada como uma comunicação de conhecimento e não uma atividade social. Para um bispo do Equador, ‘catequese consiste não tanto no que é ouvido, mas no que é visto na pessoa que catequisa’. Isto faz a verdade percebida pelo intelecto menos importante que a experiência pessoal do discípulo, e vincula o entendimento do Evangelho à excelência de seu pregador em vez de aos seus próprios méritos”.

Assim, desprezar a memorização das verdades de fé e considerá-la “mera repetição” no ensino catequético foi um dos pilares do que Amério chama de “dissolução da catequese”.

Se na catequese as verdades em si ficam em segundo plano, aí o Sr. Zamagna tem razão em dizer: “A catequese, por isso, deve se renovar, alargar seu próprio conteúdo, descobrir novas metodologias, utilizar tecnologias contemporâneas, beneficiar-se dos avanços das ciências da comunicação, servir-se dos conceitos e imagens compreensíveis pelas crianças, pelos jovens e pelas famílias de hoje.”

O que vale são as metodologias, as tecnologias contemporâneas, em síntese, o show. Quando ao conteúdo, notem bem, quanto ao conteúdo catequético que é o fundamento da Fé, bem, este pode ser até “alargado”. Ou seja, para o Sr. Zamagna, não basta a Revelação. Ele quer alargá-la. Não basta o Antigo e o Novo testamentos e a Tradição da Igreja, deve haver um alargamento de conteúdo.

Fico imaginando se o Sr. Zamagna estará incluindo neste alargamento os “ensinamentos” do Pe. Fábio de Melo sobre a não-presença de Cristo na Eucaristia e sobre a impossibilidade da prova da existência de Deus. Quem sabe o Sr. Zamagna não está tentando alargar a Suma Teológica de Santo Tomás, ou o Catecismo Romano, do Concílio de Trento?

O Sr. Zamagna ainda nos fala do “aggiornare” do Papa João XXIII. Diz ele que, entre outras coisas, este verbo significa “tornar a mensagem cristã compreendida pelo homem moderno”. Lembro, a propósito, de uma crônica de Nelson Rodrigues em que ele comenta uma entrevista do então jovem ator Paulo José, sobre as inovações da Igreja, introduzidas pelo CVII. Ele falou tanta besteira que Nelson pergunta estupefato (cito de memória): “Será que este menino não tem algum amigo ou parente para ensiná-lo que a Igreja tem quase 2000 anos de idade, que ela não nasceu agora?” Esta é a pergunta que faço em relação ao Sr. Zamagna. Será que ele acha que a Igreja converteu o Império Romano falando uma linguagem que ninguém entendia? Será que ele acha que a Igreja converteu os bárbaros que invadiram o Império falando grego, literalmente? Será que ele pensa que nestes dois casos a Igreja deixou de ensinar as verdades de fé para adaptar-se ao mundo moderno de então? Para adaptar-se ao paganismo romano ou ao barbarismo dos povos invasores?

Uma coisa é falar de forma compreensível a cada época e lugar sobre as Verdades Eternas e outra, bem diferente, é falar sobre as mentiras e meias-verdades que cada época ou lugar deseja considerar como verdades.

Catequese não é show-business. Ensinar catequese não é conformar as Verdades Eternas às modas passageiras.

Termino aqui com um trecho da ACERBO NIMIS, do Papa São Pio X: “Esta afinal, e não outra, é a tarefa do catequista: tratar de uma verdade de fé ou de moral cristão e explicá-la em cada uma de suas partes; e porque o objetivo do ensinamento é sempre a reforma da vida, é necessário que ele faça um confronto entre o que de nós exige o Senhor e o que de fato se opera; então, por meio de exemplos oportunos, extraídos sapientemente das Sagradas Escrituras, da História eclesiástica ou das vidas dos santos, persuadir e com que aditar como se devam conformar os costumes; e concluir com exortação eficaz, a fim de que os ouvintes sejam levados a detestar e fugir do vício e a exercitar a virtude.”

1. Para fazer DOWNLOAD DO LIVRO com os primeiros 19 posts sobre a Missa de Paulo VI (e algumas coisas mais) clique aqui.

2. Para ver outros comentários sobre a Missa nova, clique: Parte XX, ParteXXI, ParteXXII, ParteXXIII, Parte XXIV, A dissolução da catequese: Romano Amério conta como foi, Parte XXV, Parte XXVI.





07/11/2009

A MÁSCARA DO AGNÓSTICO

Do livro "A Coisa", publicado em 1929.

Gilbert Keith Chesterton

Sir Arthur Keith,[1] em suas recentes observações sobre a alma, “deixou o gato escapar da maleta”. Ele o deixou escapar daquela maleta elegante e profissional que é usada pelo “médico” a quem ele descreve como conscienciosamente compelido a afirmar que a vida da alma cessa com o último suspiro do corpo. Talvez a figura do gato não se adéqüe muito bem à maleta; o gato é um animal místico, cujas nove vidas podem muito bem representar a imortalidade, pelo menos na forma da reencarnação. De qualquer forma, ele “deixou o gato escapar da maleta”, no sentido de revelar um segredo que tais homens sábios deveriam sabiamente guardar. O segredo é que tais cientistas não falam como cientistas, mas simplesmente como materialistas.

Não faz muito tempo, em sua famosa conferência sobre antropóides no Congresso de Leeds, Sir Arthur Keith disse que falava simplesmente como o primeiro jurado de um júri. É verdade que ele aparentemente não consultou o júri; e rapidamente se tornou claro que o júri violentamente discordou; o que é pouco usual num júri, depois que o primeiro jurado entrega o veredito. Mesmo assim, usando essa imagem, ele quis alegar a completa imparcialidade de tipo jurídico. Ele quis dizer que um jurado está obrigado, por juramento, a considerar inteiramente os fatos e a evidência, sem medo ou favorecimento. E esse efeito seria centenas de vezes mais efetivo se tivéssemos a liberdade de imaginar que as simpatias pessoais do jurado estivessem do outro lado; ou, pelo menos, se não soubéssemos que elas estavam muito intensamente de um único lado. Sir Arthur deveria ser cuidadoso em preservar a impressão de que, falando estrita e unicamente como antropólogo, ele foi forçado a aceitar a seleção natural de antropóides. Ele deveria então deixar que se inferisse que, como um simples cidadão, ele estaria ansiando por visões seráficas e esperanças celestiais; estaria pesquisando as Escrituras e esperando pelo apocalipse. Ele, na vida privada, seria um mórmon multiplicando as estrelas em sua coroa celestial ou um carismático continuamente convulsionado pelo Espírito Santo. O problema foi que os fatos forçaram-no na direção da conclusão darwiniana. E um homem desse tipo, sendo forçado a aceitá-los, seria uma testemunha confiável, porque relutante. No julgamento de Darwin, o homem poderia ter simpatias para com o acusador, mas como jurado, seria forçado a apoiar o réu.

E agora, Sir Arthur Keith jogou fora toda aquela imparcialidade imperial. Ele fez um grande esforço para dogmatizar e estabelecer a lei sobre a alma; que não tem nada a ver com o assunto de sua especialidade, exceto na medida em que é assunto de todos. Mas mesmo não tendo relação com sua especialidade, serviu para mostrar a todos qual é o lado de Sir Arthur. Transformou o primeiro jurado num inequívoco advogado daquele lado. De fato, tal apoiador está mais para uma das partes da acusação do que de um advogado; pois toda a questão é que sendo um ser humano particular, ele, há muito tempo, tem um preconceito particular. De agora em diante, é óbvio que Keith decidir em favor de Darwin é simplesmente como Bradlaugh[2] decidir em favor de Darwin, ou Ingersoll[3] decidir em favor de Darwin, ou qualquer ateu, num banco no Hyde Park, decidir em favor de Darwin. Quando ELES escolhem o lado da seleção natural, podemos concordar que isso é uma seleção muito natural.

Quanto à conclusão em si, parece quase inacreditavelmente inconclusiva. A menos que as palavras de Sir Arthur Keith tenham sido muito distorcidas, ele afirmou especialmente que a existência espiritual acaba juntamente com as funções físicas; e que nenhum médico poderia conscienciosamente dizer nada diferente. Por mais que seja grave o ferimento chamado morte (que é, de fato, freqüentemente fatal), este é um caso em que, surpreendentemente, é desnecessário chamar um médico. Há sempre uma ironia, mesmo nas páginas simples de minhas histórias de detetive favoritas, no fato de que todo mundo corre para um médico tão logo estejam certos de que um homem está morto. Mas na história de detetive pode haver pelo menos algo a ser aprendido, pelo médico, a partir do cadáver. Na especulação doutrinal não há absolutamente nada; apenas a eterna história de detetive é confundida pelo doutor em medicina fingindo ser um doutor em divindade. A verdade é que toda essa história é mero blefe e mistagogia. O médico “vê” que a mente desapareceu com a morte. O que o médico vê é que o corpo não pode mais chutar, falar, espirrar, assobiar ou dançar. E um homem não precisa ser médico para perceber isso. Mas se o princípio de energia – aquele que o fez chutar, falar, espirrar, assobiar e dançar – existe ou não existe em algum outro plano de existência, disso o médico não sabe mais do que qualquer homem. E quando os médicos estão lúcidos, alguns deles (como um ex-cirurgião chamado Thomas Henry Huxley[4]) dizem não acreditar que médicos, ou quaisquer outros homens, sabem algo a respeito. Esta é uma posição inteligível; mas não parece ser a de Sir Arthur Keith. Ele se manifestou publicamente para NEGAR que a alma sobreviva ao corpo; e para fazer a extraordinária observação de que qualquer médico deve dizer o mesmo. É como se disséssemos que qualquer competente construtor ou sobrevivente devesse negar a possibilidade da Quarta Dimensão; porque ele aprendeu o segredo técnico de que um edifício é medido pela largura, profundidade e altura. A pergunta óbvia é: Por que mencionar um sobrevivente? Todo mundo sabe que tudo é, de fato, medido por três dimensões. Qualquer um que pense existir uma quarta dimensão o faz apesar de estar muito consciente que as coisas são medidas por três. Ou é como se um homem fosse responder a um metafísico berkeliano, que assegura que toda a matéria é uma ilusão da mente, dizendo: “Posso usar a evidência de um operário inteligente que realmente tenha de trabalhar com concreto sólido ou aço; e ele lhe dirá que eles são muito reais.” Devemos naturalmente responder que não precisamos de um operário para nos dizer que as coisas sólidas são sólidas; e é num outro sentido que o filósofo diz que elas não são sólidas. Igualmente, não há nada que possa fazer um médico materialista, exceto o que possa fazer qualquer homem materialista. E é quando um homem absorveu todo aquele materialismo óbvio que ele começa a usar sua mente. E, como alguns afirmam, ele não para mais.

Essa grande erupção anti-filosófica no campo filosófico foi, contudo, esclarecedora em certo sentido. Jogou alguma luz nas afirmações prévias do conferencista em áreas que ele tinha mais direito de fazê-las. Mesmo nestas coisas ele traiu uma curiosa simplicidade comum entre os cientistas oficiais. A verdade é que eles se tornam constantemente menos cientistas e mais oficiais. Eles desenvolvem aquele fino disfarce usado diariamente pelos políticos. Eles realizam diante de nós os mais habilidosos truques com a mais desastrada transparência. É como assistir a uma criança tentando esconder alguma coisa. Eles estão perpetuamente tentando nos enganar com grandes palavras e sábias alusões; na suposição de que nunca nos tornaremos sábios – nem mesmo da forma divertida e apequenada deles. Todo escritor famoso que nos troveja “Galileu” supõe que saibamos ainda menos que ele sobre Galileu. Todo pregador da ciência popular que nos atira uma longa palavra pensa que iremos consultar o dicionário e espera que não a estudemos seriamente, nem mesmo numa enciclopédia. O uso que eles fazem da ciência é assaz parecido com o uso que dela faz os heróis de certas histórias de aventura, em que o homem branco amedronta os selvagens com a previsão de um eclipse ou com a produção de um choque elétrico. Estas são, em certo sentido, verdadeiras demonstrações de ciência. Eles estão, em certo sentido, certos em dizer que são cientistas. Onde talvez estejam errados seja em supor que somos selvagens.

Mas é muito divertido para nós que assistimos a preparação que fazem para nos dar o choque elétrico, quando estamos seriamente esperando ser chocados pelo choque. É como uma piada, quando nós, os selvagens ignorantes, somos não só capazes de prever o eclipse, mas capazes de prever a previsão. Dentre os fatos que nos são familiares por um longo tempo está o de que os homens de ciência encenam e preparam seus efeitos como o fazem os políticos. Eles também o fazem muito mal – exatamente como os políticos. Nenhum desses modernos mistagogos perceberam quão transparentes se tornaram seus truques. Um dos mais familiares e transparentes deles é o que é chamado de uma “contradição oficial”. É uma estranha forma simbólica de declarar que algo ocorreu pela negação de que tenha ocorrido. Assim, reportagens sobre a ilibada reputação dos políticos são sempre publicadas depois de escândalos políticos de forma tão regular quanto a publicação dos “bluebooks”.[5] Assim, o “Right Honourable Gentleman”[6] espera que não lhe seja necessário contradizer o que o “Honourable Member”, com certeza, não poderia ter pretendido insinuar. Portanto, um membro do Gabinete do Primeiro Ministro nega publicamente que não há qualquer alteração na política do governo em relação a Damasco. E então, Sir Arthur Keith nega publicamente que não há nenhuma alteração na atitude científica em relação a Darwin.

E quando ouvimos isso, damos um suspiro de satisfação; pois todos sabemos o que ISSO significa. Significa mais ou menos o oposto. Significa que houve uma briga dos diabos dentro do partido sobre Damasco, ou, em outras palavras, que está começando a acontecer um escândalo dos diabos sobre os desacreditados darwinistas dentro da comunidade científica. A coisa curiosa é que no último caso, as autoridades não estão apenas solenemente expressando a contradição oficial, mas muito mais simplesmente supondo que ninguém perceberá que seja oficial. No caso da similar ficção política, os políticos não somente sabem a verdade, mas sabem que nós também sabemos. Todos sabem, pela fofoca que é repetida em todos os lugares, exatamente o que significa o acordo absoluto em tudo que se relaciona ao Primeiro Ministro e seus colegas. O Primeiro Ministro não espera realmente que acreditemos que ele é o sagrado e amado rei de uma irmandade de cavaleiros que lhe juraram fé e lhe entregaram seus corações, a ele somente. Mas Sir Arthur Keith realmente espera que acreditemos que ele é o primeiro jurado de um júri contendo todos os diferentes homens de ciência, todos em absoluta concordância que a opinião particular de Darwin seja “eterna”. Isto é o que chamei de segredo infantil e de truque desastradamente transparente. Esta é a razão de eu dizer que eles nem sequer sabem o quanto sabemos.

Pois o político é menos pomposamente absurdo que o antropólogo, mesmo que os testemos pelo que eles chamam de Progresso; que é apenas e principalmente uma outra palavra para Tempo. Todos conhecemos o otimismo oficial que sempre defende o governo atual. Mas isso é como uma defesa oficial de todos os governos passados. Se um homem dissesse que a política de Palmerston[7] é eterna, o acharíamos um pouco desatualizado. Ora, Darwin era figura proeminente no tempo de Palmerston; e está igualmente desatualizado. Se o Sr. Lloyd George[8] se levantasse e dissesse que o grande Partido Liberal não recuou de uma única posição assumida por Gobden e Bright,[9] os únicos Tribunos do Povo, concluiríamos relutantemente (se tal coisa fosse concebível) que ele falava asneiras a um povo ignorante em relação à história do partido. Se um reformador social afirmasse solenemente que toda filosofia social ainda procedesse estritamente dos princípios de Herbert Spencer, deveríamos saber que isto não é verdade e que somente uma autoridade absolutamente fossilizada poderia pretender que fosse. Ora, Darwin e Spencer não eram somente contemporâneos, mas camaradas e aliados; e a biologia darwiniana e a sociologia spenceriana foram consideradas como partes de um mesmo movimento, que nossos avós consideraram um movimento muito moderno. Mesmo considerada a priori como uma questão de probabilidade, parece portanto assaz improvável que a ciência daquela geração fosse algo mais infalível que sua ética ou política. Mesmo baseado nos princípios que Sir Arthur professa, parece muito estranho que não haja agora nada mais a ser dito sobre o darwinismo do que o que ele disse. Mas não precisamos apelar para aqueles princípios ou para aquelas probabilidades. Podemos apelar para os fatos. Por acaso, sabemos alguma coisa sobre os fatos; e Sir Arthur Keith não parece saber que sabemos.

Foi num jornal católico que certas afirmações foram feitas sobre o atual darwinismo; afirmações que o próprio Sir Arthur Keith se esforçou em contradizer; e sobre as quais o próprio Sir Arthur Keith se mostrou sensacional e desastrosamente errado. É provável que a história seja agora conhecida de todos os leitores do jornal; mas é provável que ela nunca chegue ao conhecimento da maioria dos jornalistas, e ela certamente não será comentada na maioria dos outros jornais. Ao tocar sobre essa controvérsia cômica, a maioria dos jornais são jornais de partido; e apóiam o líder do partido quando publicam a contradição oficial. Eles não deixam o público saber quão triunfantemente suas outras contradições foram contraditadas.

Quando o Sr. Belloc afirmou que esses darwinistas estavam desatualizados e desconheciam os avanços recentes da biologia, ele citou, dentre muitas autoridades recentes, o biólogo francês Vailleton, que nega a possibilidade da seleção natural num caso particular relacionado a répteis e aves. Sir Arthur Keith, vindo resgatar o Sr. H. G. Wells, e ansioso por provar que ele e o Sr. Wells não estavam desatualizados ou desconheciam a recente biologia, contraditou o Sr. Belloc categoricamente.[10] Disse que não havia tal afirmação no livro de Vialleton; em outras palavras, ele acusou o Sr. Belloc de ter citado erroneamente ou de ter mal-entendido o livro de Vialleton. Revelou-se assim, para a surpresa de todos, especialmente do Sr. Belloc, que Sir Arthur Keith não conhecia a existência do livro. Ele se referia a um trabalho anterior e preliminar do mesmo autor, publicado muito tempo atrás. Este foi o último trabalho de Vialleton que ele leu. A notícia do importante livro, do qual eu, um mero homem da rua, ignorante e não-científico, tinha ouvido falar pelo menos alguma coisa, não tinha caído aos ouvido de Sir Arthur. Em resumo, a acusação geral, que os darwinistas estão desatualizados, foi provada tão completamente quanto teria sido possível a qualquer controvérsia existente no mundo.

Agora, quando uma coisa dessas acontece, sobretudo quando acontece a nós, nas páginas de um jornal em que escrevemos, com um de meus próprios amigos, como se pode esperar que pessoas em nossas posições levem seriamente em consideração o discurso na abertura da Associação Britânica em Leeds? Como podemos manter um rosto sério, quando o Presidente faz uma pose, apontando para as estrelas, e declara que o darwinismo é igualmente eterno? Essa coisa não é dirigida a nós; mas aos repórteres; da mesma forma que a verdadeira história de Wells e Belloc é geralmente mantida fora das reportagens.

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[1] Sir Arthur Keith (1866 – 1955) foi um eminente anatomista e antropólogo escocês. (N. do T.)
[2] Charles Bradlaugh (1833 – 1891) foi o mais famoso ateu militante do século XIX na Inglaterra. (N. do T.)
[3] Robert G. Ingersoll (1833 – 1899), veterano da Guerra Civil americana, político, ateu militante e grande defensor do racionalismo científico e humanista. (N. do T.)
[4] Médico e biólogo inglês, principal defensor da teoria da evolução de Darwin. (N. do T.)
[5] Relatórios do governo inglês que são publicados regularmente. (N. do T.)
[6] Título aplicável à nobreza inglesa e também aos membros do Conselho Privado do Reino Unido. (N. do T.)
[7] Henry John Temple, 3º Visconde de Palmerston (1784 – 1865) – Político inglês que foi Primeiro Ministro de 1855 a 1858. (N. do T.)
[8] Político liberal inglês, único Primeiro Ministro inglês nascido no País de Gales. (N. do T.)
[9] Políticos radicais ingleses do séc. XIX. O Partido Liberal inglês surgiu de grupos radicais como os de Cobden e Bright. (N. do T.)
[10] Em contraposição ao livro “Outline of History”, a dupla Chesterton/Belloc escreveu vários livros. Chesterton escreveu uma de suas obras-primas, O Homem Eterno. Belloc manteve com Wells, na década de 1920, uma polêmica, que é aqui mencionada, que gerou vários livros: “Um complemento ao livro Outline of History do Sr. H.G. Wells”; “As Objeções do Sr. Belloc Ainda Persistem”, uma resposta ao livro-reposta de H.G. Wells, “As Objeções do Sr. Belloc”.

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Leiam, do livro "A Coisa": Por que sou católico, A Revolta contra as Idéias, A lógica e o tênis, Um pensamento simples, Raízes da Sanidade.