Esta frase faz acender uma luz vermelha em meu detector de modernista. Fico esperando o pior. E o pior aparece logo.
O livro de Santo Afonso está traduzido “em quase todas as línguas faladas no mundo” e foi considerado pelo santo como a “mais devota e útil” de suas obras, nos informa Pe. Francisco. Santo Afonso é também o criador da Congregatio Santissimi Redemptoris, ou seja, dos Redentoristas, Congregação a que pertence Pe. Francisco.
O autor da introdução continua: “Vamos perceber que certos conceitos cristológicos que nele aparecem não se ajustam com a cristologia de nosso tempo. Mas quem quiser estudar cristologia deverá buscar outros livros escritos nos tempos de hoje.” Quais seriam estes conceitos o padre não nos informa.
Pe. Francisco avança mais nos dizendo: “é bom alertarmos para a evolução de certos conceitos a respeito das virtudes da humildade, da obediência, do amor ao sofrimento. Tudo isso sofre o condicionamento do tempo.” A luz vermelha agora está piscando e uma sirene começa a tocar. Parece que identificamos um modernista em seu pleno vigor. Um modernista Redentorista impugnando parte da obra de Santo Afonso, criador de sua Congregação.
Vamos escutar Santo Afonso sobre a humildade. Cito alguns trechos da obra.
“Que ama a Deus é verdadeiramente humilde. Não se orgulha vendo em si algumas boas qualidades. Sabe que tudo quanto possui é dom de Deus; de seu, só tem o nada e o pecado. Por isso, conhecendo os dons concedidos por Deus, mais se humilha, sentindo-se indigno e tão favorecido por Deus.”
“Achando-se perto da morte, São João Ávila, que teve uma vida santa desde a juventude, veio assisti-lo um sacerdote que lhe dizia coisas muito sublimes, tratando-o como um grande servo de Deus e como um grande sábio, o que ele era de fato. Mas João lhe disse: ‘Padre, peço-lhe que recomende a minha alma como se faz a um malfeitor condenado à morte; porque eu sou isso’. É isto o que sentem os santos!”
“Para ser humilde não basta ter um baixo conceito de si e da própria fraqueza. Diz Tomás de Kempis que o verdadeiro humilde é aquele que reconhece seu nada e se alegra nas humilhações.”
“Causa admiração e escândalo uma pessoa que comunga com freqüência e depois se ressente com qualquer palavra de desprezo.”
Santo Afonso está desatualizado, nos garante Pe. Francisco. Ele diz que lendo o livro, “às vezes fica a impressão de que a humildade consiste numa negação de si mesmo e de seus valores; numa renúncia aos direitos e à dignidade da pessoa humana.” Padre Francisco contrapõe ao conceito de humildade do grande Santo Afonso os direitos e a dignidade da pessoa humana. Meu Deus! Será isso ignorância invencível? Quem dera fosse! Mas não, isso é um padre corroído de modernismo até a alma. Pe. Francisco! ouça apenas esta frase: o humilde “sabe que tudo quanto possui é dom de Deus; de seu, só tem o nada e o pecado.” Ninguém fica com a impressão de que humildade é negação de si mesmo e de seus valores. Humildade é isso e muito mais. Que direito ou dignidade temos diante de Deus, quando tudo que temos de bom foi ele que nos deu e tudo que temos de ruim nós construímos?
Pe. Francisco continua intrépido: “Também quando fala da obediência, o autor não foge ao pensamento da época: obediência cega. Não se pensava ainda numa obediência co-responsável, na necessidade do diálogo dentro da comunidade para se descobrir a vontade de Deus e assim obedecer conscientemente.” Segundo Pe. Francisco, para saber a vontade de Deus, temos de convocar uma assembléia e decidir numa votação. Será que vale a maioria simples ou qualificada? Vontade de Deus decidida no voto!
Santo Afonso, graças a Deus, discorda de Pe. Francisco. Diz o santo: “Se queremos ser santos, todo o nosso esforço deve ser de nunca seguir nossa vontade, mas sempre a vontade de Deus; o resumo de todos os preceitos e conselhos divinos se reduz em fazer e sofrer aquilo que ele quer e como ele quer. Peçamos, portanto, ao Senhor que nos dê a santa liberdade de espírito.” O santo nos dá uma dica preciosíssima para descobrirmos a vontade de Deus: “Não se preocupa em fazer muitas coisas, mas procura realizar perfeitamente aquilo que acha ser a vontade de Deus. Por isso coloca as menores obrigações de seu estado antes das ações mais grandiosas e gloriosas, porque percebe que nestas pode haver lugar para o amor próprio, enquanto que naquelas se encontra certamente a vontade de Deus.” Comparem agora a assembléia do Pe. Francisco com os conselhos de Santo Afonso e escolham o que acharem melhor.
Há muitas outras coisas similares na introdução ao livro do santo de que pouparei os leitores. Há coisas piores. Padre Gervásio Fábri dos Anjos, também redentorista e tradutor do livro, achou por bem omitir um trecho do livro que traduziu. Isso acontece quanto Santo Afonso está discorrendo sobre como se comungar bem. Note que a preparação para a comunhão é, para nós católicos, de suma importância. Mas a palavra do santo é cortada e uma nota de rodapé nos informa: “Transcreve Santo Afonso neste parágrafo as normas práticas sobre a comunhão freqüente segundo a mentalidade da época. Por serem ultrapassadas, omitimos para não confundir os leitores menos avisados.” [Página 106, nota 68, Editora Santuário, 1982.] Vejam, Pe. Gervásio nos está protegendo contra as palavras de Santo Afonso.
Em primeiro lugar, isso é um absurdo em qualquer caso. Um tradutor tem, por obrigação ética, traduzir o texto do autor, mesmo que nele haja erros. No caso, o absurdo é ainda maior, pois está se cortando a palavra de um Santo e Doutor da Igreja, num assunto que é definido dogmaticamente pelo Concílio de Trento. Caso o padre-tradutor quisesse discordar do santo fundador de sua congregação, que ele o fizesse em nota de rodapé, depois de traduzir a passagem completa. Absurdo dos absurdos!
Fica o conselho que já dei aqui em outro post, quando comentei outros livros: leiam este livro, pois ele é muitíssimo importante, mas não leiam nem a introdução, nem as notas do tradutor.