1.. Corrompa a juventude e dê-lhe liberdade sexual;
2.. Infiltre e depois controle todos os veículos de comunicação de massa;
3.. Divida a população em grupos antagônicos, incitando-os a discussões sobre assuntos sociais;
4.. Destrua a confiança do povo em seus líderes;
5.. Fale sempre sobre Democracia e em Estado de Direito, mas, tão logo haja oportunidade, assuma o Poder sem nenhum escrúpulo;
6.. Colabore para o esbanjamento do dinheiro público; coloque em descrédito a imagem do País, especialmente no exterior e provoque o pânico e o desassossego na população por meio da inflação;
7.. Promova greves, mesmo ilegais, nas indústrias vitais do País;
8.. Promova distúrbios e contribua para que as autoridades constituídas não as coíbam;
9.. Contribua para a derrocada dos valores morais, da honestidade e da crença nas promessas dos governantes. Nossos parlamentares infiltrados nos partidos democráticos devem acusar os não-comunistas, obrigando-os, sem pena de expô-los ao ridículo, a votar somente no que for de interesse da causa socialista;
10.. Procure catalogar todos aqueles que possuam armas de fogo, para que elas sejam confiscadas no momento oportuno, tornando impossível qualquer resistência à causa.
29/08/2005
28/08/2005
Presunção Sociobiológica
Nota: Este artigo de Gene Callahan toca, en passant, numa questão muito polêmica, sobretudo nos EUA, que é a discussão criacionismo versus evolucionismo. Ao que parece, o Brasil está imune a essa discussão. Quando muito, algum sabichão daqui, emite uma opinião considerando o criacionismo um fanatismo religioso da direita americana. Para se ter uma idéia do estado da discussão, pode-se consultar o caso de um editor de uma revista de uma sociedade científica da área biológica que aceitou, para publicação, um artigo científico que defendia, de alguma forma, o criacionismo. O editor afirma que o artigo passou por todo o processo normal de avaliação pelos pares, antes de ser publicado. Seus críticos o acusam de favorecimento e sugerem que ele, sequer, poderia ter acolhido o artigo para revisão. A comunidade científica está se mobilizando para forçar o empregador do editor (ele tem um cargo de pesquisador no Museu de História Natural do Smithsonian Institute) a despedí-lo. Além disso, seus críticos não perdem oportunidade para difamá-lo, pessoal e profissionalmente. Curiosa e inesperada (será?) mistura de ciência, política e ideologia, não acham?
Gene Callahan
Na medida em que o paradigma darwiniano ganhou terreno nas ciências da vida no século seguinte à publicação da Origem das Espécies, alguns tópicos cruciais permaneceram além do seu campo explicativo. Um problema, especialmente, incômodo para os darwinianos foi a freqüência de aparecimento do comportamento, aparentemente, altruísta. Se, por exemplo, os golfinhos, freqüentemente, parecem salvar seres humanos que estão afogando, empurrando-os para a praia, então, de alguma forma, esse comportamento deve promover a própria sobrevivência dos golfinhos. É uma hipótese inconcebível dentro do darwinismo, que os golfinhos, simplesmente, tenham consideração para com o dilema humano.
O comportamento humano, em especial, é um enigma. Pessoas aderem a ordens religiosas celibatárias, fazem caridade, se tornam mártires, arriscam suas vidas em salvamentos ousados de pessoas desconhecidas, morrem por alguma revolução sangrenta. Como o postulado darwiniano fundamental, que todo fenômeno biológico pode ser explicado em termos de mutação e seleção natural, pode ser reconciliado com tais comportamentos?
A partir dos anos 1960, os darwinistas começaram a formular soluções para os problemas do altruísmo. O ponto de vista, geralmente, adotado tentava demonstrar que todo exemplo aparente de altruísmo ou era em proveito próprio, ou era, simplesmente, uma patologia. Por exemplo, alguém se sacrificar para defender seu país era interpretado como uma adaptação, que promovia a sobrevivência da sua própria prole ou de parentes próximos, resultando no aprimoramento de seus próprios genes, mesmo que não, de sua própria vida.
No entanto, há ainda muitos exemplos de comportamento humano que não pode ser, facilmente, atribuído a tais fatores. Um exemplo é o de Madre Teresa ajudando os pobre de Calcutá, que não são geneticamente próximos dela. Os darwinistas procuraram outras explicações. As sugestões incluem os benefícios, em termos de sobrevivência, do “altruísmo” recíproco (coce minhas costas que eu coço as suas), a possibilidade de aprimoramento do status sexual por meio de atos de bravura e sacrifício, e a manipulação do mecanismo genuinamente adaptativo de uma criatura por outra, a fim de melhorar as chances de sobrevivência dessa última. Exemplos do último caso incluem casos de pássaros canoros sendo “enganados” com a presença, em sua prole, de espécies de pássaros não canoros (Schloss, p. 245).
Surgiu, assim, um consenso sociobiológico segundo o qual é ilusão a noção de que uma pessoa aja moral ou altruisticamente. Os darwinistas, freqüentemente, acabam considerando a moral como sendo um truque aplicado sobre os seres humanos pela seleção natural. É uma forma de iludir os seres humanos, a fim de promover a sobrevivência de seus genes. Por exemplo, Edward Wilson, um dos fundadores da sociobiologia, diz que “a moral não tem nenhuma outra função demonstrável” além da de manter “o material genético humano intacto” (citado por Shloss, p. 246). Na mesma linha, Robert Wright argumenta, “O que for no interesse de seus genes parecerá ‘certo’ ... Orientação moral é um eufemismo” (citado por Schloss, p. 248).
A primeira coisa que gostaria de observar sobre o ponto de vista da sociobiologia é que se os sociobiologistas são sinceros em sua crença, então, eles são, por sua própria argumentação, inimigos da sobrevivência humana. Se a moral é, de fato, “uma ilusão coletiva da raça humana, criada e mantida pela seleção natural para promover a reprodução individual” (Ruse, citado por Schloss, p. 248), então, expor essa ilusão seria destrutivo para nossa espécie. Pela visão dos sociobiologistas, qualquer crença de que há princípios morais aos quais os seres humanos devem aderir pôde se tornar difundido porque isso conferia valor de sobrevivência aos genes de quem acreditasse naqueles princípios. Portanto, desacreditar tais crenças deve ameaçar a própria existência humana. Se os sociobiologistas consideram que eles descobriram um fato tão destrutivo, não deveriam, por humanidade, esconder essa descoberta, ao invés de, a todo o momento, divulgá-la?
Entretanto, não acho que os sociobiologistas estão, realmente, ameaçando a raça humana por difundirem suas idéias, pois, seu raciocínio é falho de formas ainda mais fundamentais, de maneira que, ao invés de exporem uma ilusão, ele estão, de fato, vertendo absurdos. Primeiramente, se a seleção natural exige, dos seres humanos, certos modos de comportamento, por que, trazer à tona tal assunto, envolveria qualquer forma de ilusão? Por que tais modos de comportamento não seriam automáticos? A idéia de que os seres humanos deveriam experimentar “uma ilusão coletiva” para se comportar de um modo geneticamente benéfico, implica que há alguma característica comum da humanidade, aquela que necessita da “ilusão moral”, que não promove a sobrevivência genética. Mas, pela teoria darwiniana, como tal característica comum pode ter sobrevivido?
No entanto, o argumento mais decisivo contra tal processo de teorização é sua natureza autocontraditória. Afinal, se as idéias morais são, simplesmente, “ilusão” em nós cultivada por nossos genes, então, também o são todas as nossas outras idéias – incluindo as idéias da sociobiologia!
Portanto, ao invés de divulgar suas teorias como algo “verdadeiro”, como o modo que as coisas realmente são quando enxergamos através de nossas tolas ilusões, os sociobiologistas teriam de admitir que suas próprias teorias são, simplesmente, um produto de seus genes. Longe de serem realidades “científicas” derivadas da observação de “evidências”, as teorias sociobiológicas devem ser algum tipo de “exibição”, muito parecida com o pavão abrindo sua cauda. As teorias sociobilógicas devem aumentar o sucesso reprodutivo dos sociobiologistas – talvez, seu “inflexível realismo” pegue bem nos coquetéis acadêmicos com seus pares mais jovens, ou algo parecido.
Michael Oakeshott chama idéias tais como a “explicação sociobiológica” da moralidade de “categoricamente absurda” (p. 38). Como ele observa:
“Quando um geneticista nos diz que ‘todo comportamento social e todos os eventos históricos são conseqüências inescapáveis da individualidade genética das pessoas envolvidas’ não temos dificuldade em reconhecer o efeito esclarecedor desse teorema nos escritos de Aristóteles, na queda de Constantinopla e na morte de Barbarossa; mas esse brilhante esclarecimento fica, talvez, algo ofuscado quando fica claro que o geneticista não tem nada mais revelador a dizer sobre sua ciência do que afirmar que ela é, também, feita por genes, e que o próprio teorema é o discurso de seus genes” (p. 15).
17 de janeiro de 2003
Referências
Oakeshott, M. (1975) On Human Conduct, Oxford, England: Oxford University Press.
Schloss, J.P. (1998) "Evolutionary Accounts of Altruism & the Problem of Goodness by Design," in Dembski, W.A. (ed.) Mere Creation: Science, Faith & Intelligent Design, InterVarsity Press: Downers Grove, Illinois, 236–261.
Gene Callahan é pesquisador associado do Ludwig von Mises Institute e colunista do LewRockwell.com.
24/08/2005
O que é Ciência
Nota: A Neurociência e a Sociobiologia são ciências recentes e estão na moda. Congressos, seminários, livros, artigos etc., sobre esses assuntos abundam. Em dois pequenos artigos (o segundo deles será postado mais tarde) Gene Callahan mostra quão frágeis são os pressupostos dessas ciências que mais sucesso fazem entre os integrantes da intelligentsia mundial.
Gene Callahan
A razão pela qual nosso ego pensante, consciente e sensitivo não encontra lugar no modelo científico de nosso mundo pode ser descrita em sete palavras: ele é o próprio modelo do mundo. Sendo ele idêntico ao todo, não pode estar contido em uma de suas partes.
- Erwin Schrodinger, Físico
Numa entrevista na edição de outubro de Reason, o psicólogo Steven Pinkey defende o materialismo e “desbanca” a idéia da existência da alma humana, da seguinte forma: “A doutrina do espírito no interior da máquina significa que as pessoas são habitadas por uma alma imaterial que é o lócus de toda a vontade e determinação, não podendo ser reduzida a uma função cerebral. Mas a neurociência está mostrando que todos os aspectos da vida mental – cada emoção, cada padrão de pensamento, cada memória – está associada à atividade ou estrutura fisiológica do cérebro.”
A afirmação de Pinker merece uma análise porque, mesmo sendo uma tolice filosófica, é um tipo de tolice que encontramos freqüentemente hoje em dia. Além disso, ela não é uma mera confusão, mas um tipo agressivo de confusão com um objetivo claro: desacreditar a religião. Pinker está vendendo sua crença religiosa, o materialismo, pela apresentação de um argumento pseudo-filosófico sob o disfarce de objetividade científica. Para aqueles leitores religiosos, ou, mesmo para qualquer leitor que esteja, simplesmente, interessado em encontrar algum sentido filosófico ao discutir ciência, é útil perceber o equívoco em tais argumentos.
Para entender o vazio da argumentação de Pinker, será necessário retroceder e considerar por um instante o que é ciência.
A palavra “ciência” tem vários usos: podemos ter a “ciência da culinária”, “a ciência da crítica literária”, e mesmo “a simpática ciência das embalagens para presentes”. Mas aqui eu considerarei a ciência como o caráter ideal do que freqüentemente é chamado de ciência dura: física, química, bioquímica, astronomia, etc. Pelo que entendo, esse caráter é a tentativa de abstração dos dados experimentais na obtenção de uma relação mecânica universal entre as quantidades mensuráveis.
Dada a missão, não há nenhuma razão, a priori, para o estabelecimento de limites sobre o tipo de experiência da qual a ciência possa tentar abstrair um aspecto mecânico. As pessoas religiosas têm, algumas vezes, se equivocado neste aspecto, declarando certas experiências – a mente, o gen, os movimentos da Terra e do Sol, ou a existência da vida na Terra – como estando interditadas à investigação científica. (Este equívoco não tem nada a ver com a questão da moralidade de certos métodos, tais como a clonagem, ou mesmo se eles devem ser usados pelos cientistas em sua busca do conhecimento.) O medo de tais pessoas está baseado numa falsa idéia: a relação mecânica abstraída de uma experiência não reduz, de forma alguma, esta experiência àquela abstração. A abstração deriva da experiência e certamente não a gera.
Se a ciência é a procura por tais abstrações, é errado repreender o cientista por “transformar tudo numa relação mecânica”. Enquanto agindo como cientista, é exatamente isso que ele está fazendo. Mas o outro lado da moeda é que o cientista agindo assim incorre em erro, quando confunde o processo de abstração com a “verdade fundamental” ou com a “forma como as coisas realmente são”. Ciência é uma maneira particular de olhar a experiência, verdadeira tanto quanto possível, não podendo pretender ter nenhum caráter definitivo vis-à-vis outros meios de entendimento do mundo, tais como a história, a religião e a arte. Nada há de surpreendente no fato de que a ciência formule abstrações mecânicas a partir da experiência e esses outros meios não o façam, pois, ela procura por tais abstrações, ao contrário da história, da religião ou da arte.
Tendo atingido tal abstração, constitui erro grave considerá-la como a causa da experiência em questão. A Lei da Gravitação Universal de Newton não é a causa da atração entre objetos físicos; ela é a descrição de um aspecto mecânico dessa atração.
Com nossa definição em mente, podemos identificar a confusão na raiz do argumento de Pinker. É muito possível que, de qualquer atividade mental, os neurocientistas possam abstrair um aspecto mecânico e associá-lo a certos pensamentos, emoções, etc. Mas isso, de forma alguma, “reduz” a atividade mental a uma “função do cérebro”. Tudo o que isso demonstra é que o pensamento também tem um aspecto mecânico. Partir desse fato para a noção de que esses processos mecânicos “causam” nossos pensamentos é similar a afirmar que, já que podemos abstrair certos aspectos de qualquer cidade e chamar essa abstração de “mapa”, os mapas são a causa das cidades!
É absurda a idéia de que a experiência “contemplar um por do sol na Baia Galway ao lado de seu verdadeiro amor”, de alguma forma possa se reduzir a certas respostas fisiológicas a um particular comprimento de onda da luz e à proximidade de um representante do sexo oposto. Pode-se, eventualmente, abstrair tal descrição da experiência, mas a experiência é o que ela significa para a pessoa que a vivenciou. O mecânico e o quantitativo são somente aspectos de nossa experiência, e como nenhuma experiência é sempre meramente mecânica ou quantitativa, tal descrição não pode, de forma alguma, pretender ser completa.
Este artigo foi publicado na página do LewRockwell.com em 07/09/2002. Gene Callahan é pesquisador associado do Ludwig von Mises Institute e colunista do LewRockwell.com.
Gene Callahan
A razão pela qual nosso ego pensante, consciente e sensitivo não encontra lugar no modelo científico de nosso mundo pode ser descrita em sete palavras: ele é o próprio modelo do mundo. Sendo ele idêntico ao todo, não pode estar contido em uma de suas partes.
- Erwin Schrodinger, Físico
Numa entrevista na edição de outubro de Reason, o psicólogo Steven Pinkey defende o materialismo e “desbanca” a idéia da existência da alma humana, da seguinte forma: “A doutrina do espírito no interior da máquina significa que as pessoas são habitadas por uma alma imaterial que é o lócus de toda a vontade e determinação, não podendo ser reduzida a uma função cerebral. Mas a neurociência está mostrando que todos os aspectos da vida mental – cada emoção, cada padrão de pensamento, cada memória – está associada à atividade ou estrutura fisiológica do cérebro.”
A afirmação de Pinker merece uma análise porque, mesmo sendo uma tolice filosófica, é um tipo de tolice que encontramos freqüentemente hoje em dia. Além disso, ela não é uma mera confusão, mas um tipo agressivo de confusão com um objetivo claro: desacreditar a religião. Pinker está vendendo sua crença religiosa, o materialismo, pela apresentação de um argumento pseudo-filosófico sob o disfarce de objetividade científica. Para aqueles leitores religiosos, ou, mesmo para qualquer leitor que esteja, simplesmente, interessado em encontrar algum sentido filosófico ao discutir ciência, é útil perceber o equívoco em tais argumentos.
Para entender o vazio da argumentação de Pinker, será necessário retroceder e considerar por um instante o que é ciência.
A palavra “ciência” tem vários usos: podemos ter a “ciência da culinária”, “a ciência da crítica literária”, e mesmo “a simpática ciência das embalagens para presentes”. Mas aqui eu considerarei a ciência como o caráter ideal do que freqüentemente é chamado de ciência dura: física, química, bioquímica, astronomia, etc. Pelo que entendo, esse caráter é a tentativa de abstração dos dados experimentais na obtenção de uma relação mecânica universal entre as quantidades mensuráveis.
Dada a missão, não há nenhuma razão, a priori, para o estabelecimento de limites sobre o tipo de experiência da qual a ciência possa tentar abstrair um aspecto mecânico. As pessoas religiosas têm, algumas vezes, se equivocado neste aspecto, declarando certas experiências – a mente, o gen, os movimentos da Terra e do Sol, ou a existência da vida na Terra – como estando interditadas à investigação científica. (Este equívoco não tem nada a ver com a questão da moralidade de certos métodos, tais como a clonagem, ou mesmo se eles devem ser usados pelos cientistas em sua busca do conhecimento.) O medo de tais pessoas está baseado numa falsa idéia: a relação mecânica abstraída de uma experiência não reduz, de forma alguma, esta experiência àquela abstração. A abstração deriva da experiência e certamente não a gera.
Se a ciência é a procura por tais abstrações, é errado repreender o cientista por “transformar tudo numa relação mecânica”. Enquanto agindo como cientista, é exatamente isso que ele está fazendo. Mas o outro lado da moeda é que o cientista agindo assim incorre em erro, quando confunde o processo de abstração com a “verdade fundamental” ou com a “forma como as coisas realmente são”. Ciência é uma maneira particular de olhar a experiência, verdadeira tanto quanto possível, não podendo pretender ter nenhum caráter definitivo vis-à-vis outros meios de entendimento do mundo, tais como a história, a religião e a arte. Nada há de surpreendente no fato de que a ciência formule abstrações mecânicas a partir da experiência e esses outros meios não o façam, pois, ela procura por tais abstrações, ao contrário da história, da religião ou da arte.
Tendo atingido tal abstração, constitui erro grave considerá-la como a causa da experiência em questão. A Lei da Gravitação Universal de Newton não é a causa da atração entre objetos físicos; ela é a descrição de um aspecto mecânico dessa atração.
Com nossa definição em mente, podemos identificar a confusão na raiz do argumento de Pinker. É muito possível que, de qualquer atividade mental, os neurocientistas possam abstrair um aspecto mecânico e associá-lo a certos pensamentos, emoções, etc. Mas isso, de forma alguma, “reduz” a atividade mental a uma “função do cérebro”. Tudo o que isso demonstra é que o pensamento também tem um aspecto mecânico. Partir desse fato para a noção de que esses processos mecânicos “causam” nossos pensamentos é similar a afirmar que, já que podemos abstrair certos aspectos de qualquer cidade e chamar essa abstração de “mapa”, os mapas são a causa das cidades!
É absurda a idéia de que a experiência “contemplar um por do sol na Baia Galway ao lado de seu verdadeiro amor”, de alguma forma possa se reduzir a certas respostas fisiológicas a um particular comprimento de onda da luz e à proximidade de um representante do sexo oposto. Pode-se, eventualmente, abstrair tal descrição da experiência, mas a experiência é o que ela significa para a pessoa que a vivenciou. O mecânico e o quantitativo são somente aspectos de nossa experiência, e como nenhuma experiência é sempre meramente mecânica ou quantitativa, tal descrição não pode, de forma alguma, pretender ser completa.
Este artigo foi publicado na página do LewRockwell.com em 07/09/2002. Gene Callahan é pesquisador associado do Ludwig von Mises Institute e colunista do LewRockwell.com.
17/08/2005
A vida como fabricação de si mesma: técnica e desejos
Nota - Esta é uma das aulas de um curso oferecido pelo autor em 1933 na Universidade de Verão de Santander. A publicação é de 1939 e é um dos capítulos do livro Meditação sobre a técnica, trad. José Francisco P. de Almeida Oliveira, Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1991.
Ortega y Gasset
(...) Em suma, os homens são enormemente desiguais, contrariamente ao que afirmavam os igualitaristas dos dois últimos séculos e continuam afirmando os arcaicos do presente.
Sob essa perspectiva, a vida humana, a existência do homem, consiste formalmente, essencialmente, em um problema. Para os demais entes do universo, existir não é problema – porque existência deve significar efetividade, realização de uma essência --; por exemplo, que “o ser touro” se verifique, aconteça. Pois bem, o touro, se existe, existe já sendo touro. Em troca, para o homem, existir não é já existir, sem mais nem menos, como homem que é, mas é mera possibilidade disso e esforço até consegui-lo. Quem de vocês é efetivamente o que sente que teria de ser, que deveria ser, que aspira a ser? Diferentemente, pois, de todo o resto, o homem, ao existir, tem de resolver o problema prático de realizar o programa em que prontamente consiste. Donde se conclui, que nossa vida é pura tarefa e inexorável que-fazer. A vida de cada um de nós é algo que não é dado pronto, presenteado, mas algo que se tem de fazer. A vida dá muito que-fazer; entretanto, não é senão esse que-fazer que ela dá a cada um, e um que-fazer, repito, não é uma coisa, mas algo ativo, num sentido que transcende todos os demais. Porque, no caso dos outros seres, supõe-se que alguém ou algo que já é, atue; aqui, porém, trata-se precisamente de que, para ser, tem-se que atuar, que apenas se é essa atuação. O homem, queira ou não, tem de fazer-se a si mesmo, autofabricar-se. Esta última expressão não é de todo inoportuna. Ela sublinha que o homem, na raiz mesma de sua essência, se encontra, antes de mais nada, na situação do técnico. Para o homem, viver é – desde logo e antes de tudo – esforçar-se para que haja o que ainda não há; ou seja, ele, ele mesmo, aproveitando para isso o que há, em suma, para o homem, viver é produção. Com isso, quero dizer que a vida não é fundamentalmente como se acreditou durante tantos séculos, contemplação, pensamento, teoria. Não! A vida é produção, fabricação, e somente porque estas o exigem – portanto, depois e não antes --, é pensamento, teoria e ciência. Viver é descobrir os meios para realizar o programa que se é. O mundo, a circunstância, se apresenta desde logo como matéria-prima e como máquina possível. Posto, que, para existir, tem-se que estar no mundo, e isso não realiza por si e totalmente o ser do homem, impõe-lhe, ao contrário, dificuldades, o homem decide buscar em sim mesmo a máquina oculta que encerra, para servir a sim mesmo. A história do pensamento humano se reduz à série de observações que o homem tem feito para trazer à luz, para descobrir essa possibilidade de máquina que o mundo carrega latente em sua matéria. É por isso que o invento técnico é chamado também de descobrimento. E não é, com veremos, uma casualidade que a técnica por antonomásia, a plena maturidade da técnica, se tenha iniciado por volta de 1600; justamente quando, em seu pensamento teórico sobre o mundo, o homem passou a entendê-lo com uma máquina. A técnica moderna começa a ter unidade com Galileu, Descartes, Huygens; em suma, com os criados da interpretação mecânica do universo. Assim se acreditava que o mundo corporal era um ente amecânico, cujo ser último era constituído por poderes espirituais mais ou menos voluntariosos e incoercíveis. O mundo como puro mecanismo é, ao contrário, a máquina das máquinas.
É, portanto, um erro fundamental crer que o homem é tão somente um animal casualmente dotado de talento técnico ou, dito de outra forma, que, se acrescentássemos magicamente a um animal o dom técnico, teríamos simplesmente o homem. A verdade é o contrário; porque o homem, tendo uma tarefa muito diferente da do animal – uma tarefa extranatural --, não pode dedicar todas as suas energias, como aquele, para satisfazer suas necessidades elementares, mas tem de imediatamente poupá-las nesse sentido, para, com elas, poder entregar-se à improvável faina de realizar seu ser no mundo.
Eis aqui por que o homem começa quando começa a técnica. O espaço menor ou maior que esta abre para o homem na natureza é o alvéolo onde ele pode alojar seu excêntrico ser. Por isso, eu insistia, ontem, que o sentido e a causa da técnica estão fora dela; ou seja, no emprego que o homem dá às energia que lhe sobram, energias economizadas pela técnica. A missão inicial da técnica é esta: dar liberdade ao homem para ele poder entregar-se a si mesmo.
Os antigos dividiam a vida em duas zonas: uma, que chamavam de otium, o ócio, que não é a negação do fazer, mas é dedicar-se a ser o humano do homem, que eles interpretavam como autoridade, organização, trato social, ciências, artes. A outra zona, em que se dava pleno esforço para satisfazer as necessidades elementares, isto é, tudo o que tornava possível aquele otium, chamavam-na de nec-otium, assinalando muito bem o caráter negativo que tem para o homem.
Em vez de viver ao acaso e combater seu próprio esforço, o homem necessita atuar segundo um plano para obter segurança em seu choque com as exigências naturais e dominá-las com um máximo de rendimento. Este é seu fazer-técnico frente ao fazer-ao-bel-prazer do animal, ao fazer do pássaro do bom Deus, por exemplo.
Todas as atividades humanas que têm recebido ou merecem especialmente o nome de técnicas não são mais que especificações, concretizações desse caráter geral de autofrabricação próprio do nosso viver.
Se nossa existência não fosse, desde o princípio, a obrigação de construir com o material da natureza a pretensão extranatural que é o homem, nenhuma dessas técnicas existiria. O fato absoluto, o puro fenômeno do universo que é a técnica, só pode acontecer nessa estranha, patética, dramática combinação metafísica, na qual dois entes heterogêneos – o homem e o mundo – se vêem obrigados a unificar-se, de modo a que um deles, o homem, consiga inserir seu ser extramundano no outro, que é precisamente o mundo. Esse problema, quase de engenharia, é a existência humana.
E, sem dúvida, ou pelo mesmo motivo, a técnica não é, a rigor, o primeiro fenômeno. Ela vai idealizar e executar a tarefa que é a vida; vai conseguir obter, numa ou noutra medida limitada, está claro, que o programa humano se realize. Mas, por si só ela não define o programa; quero dizer que à técnica não é preestabelecida a finalidade que ela deve alcançar. O programa de vida é pré-técnico. O técnico ou capacidade técnica do homem tem como encargo inventar os procedimentos mais simples e seguros para conseguir as necessidades do homem. Estas, porém, como vimos, são também uma invenção; são o que, em cada época, povo ou pessoa, o homem pretende ser; há, pois, uma primeira invenção pré-técnica, a invenção por excelência, que é o desejo original.
Não se creia que se trata de desejar tarefa tão fácil. Observem vocês a angústia específica que experimenta o novo rico. Tem nas mãos a possibilidade de obter a consecução de seus desejos, mas se percebe como quem não saber ter desejos. No fundo mais secreto de sim mesmo nota, que não deseja nada, que sozinho é incapaz de orientar seu apetite e decidir entre as inumeráveis coisas que o meio lhe oferece. Por isso busca um mediador que o oriente e o descobre nos desejos que predominam sobre os demais. Eis por que a primeira coisa que o novo rico compre é um automóvel, um piano e uma aparelhagem de som. Encarregou os outros de desejarem por ele. Como há o princípio do pensamento, que consiste na idéia que não é pensada originalmente por aquele que a pensa, mas é tão somente repetida por ele, cegamente, mecanicamente reiterada, há também um determinado desejo que é bem mais a ficção e o simples gesto de desejar.
Isso acontece, pois, mesmo na esfera do desejar referente ao que já existe por aí, às coisas que já temos em nosso horizonte antes de desejá-las. Imagine-se até que ponto será difícil o desejo propriamente criador, o que postula o inexistente, o que antecipa o que ainda é irreal. Definitivamente, os desejos referentes a coisas se movimentam sempre dentro do perfil do homem que desejamos ser. Este é, portanto, o desejo radical, fonte de todos os demais. E quando alguém é incapaz de desejar-se a si mesmo, porque não tem bem claro um si mesmo a realizar, é evidente que não tem senão pseudodesejos, espectros de apetites sem sinceridade nem vigor.
Talvez a doença básica de nosso tempo seja uma crise dos desejos e, por isso, toda a fabulosa potencialidade de nossa técnica parece não nos servir para nada. Hoje, a coisa começa a tornar-se patente, mas, já em 1921, me ocorria anunciar o grave fato: “A Europa padece de um extremo cansaço em sua faculdade de desejar”. (España invertebrada). E essa inibição do programa de vida trará consigo uma interrupção ou retrocesso da técnica, que acabará por não saber bem a quem ou a que servir. E esta é a incrível situação à qual chegamos e que confirma a interpretação aqui sustentada: a herança, quer dizer, o repertório com que o homem conta hoje para viver não é apenas incomparavelmente superior ao repertório de que jamais ele desfrutou (as forças criadas com a técnica equivalem a dois bilhões e meio de escravos, ou seja, dois para cada cidadão), mas nos dá a consciência clara de que tais forças são superabundantes e de que, sem dúvida, a irracionalidade é enorme; e acontece que o homem atual não sabe o que ser, falta-lhe imaginação para inventar o argumento de sua própria vida.
Por que? Ah! Isso não faz parte deste ensaio. Apenas nos questionaremos: o que é o homem, ou que tipo de homens são os especialistas do programa de vida? O poeta, o filósofo, o fundador de religião, o político, o descobridor de valores? Não o decidamos. Basta advertir que o técnico supõe todos eles e que isso explica uma diferença hierárquica que sempre existiu e contra a qual não adianta protestar.
Talvez tenha algo a ver com isso o estranhíssimo fato de que a técnica é quase sempre anônima, ou, pelo menos, que os seus criadores não gozem da fama nominativa que sempre acompanhou aqueles outros homens. Um dos inventos mais formidáveis dos últimos sessenta anos foi o motor a explosão. Pois bem, quantos de vocês, sem ser por seu ofício técnico, se lembram, nesse momento, da lista dos egrégios nomes de seus inventores?
Conclui-se daí, também, a enorme improbabilidade de que se venha a constituir uma “tecnocracia”. Por definição, o técnico não pode comandar, dirigir em última instância. Seu papel é magnífico, venerável, mas irremediavelmente de segundo plano.
Resumamos:A reforma da natureza ou técnica, como toda troca ou mutação, é um movimento com seus dois pólos, a quo e ad quem (de que e para que). O pólo a quo é a natureza como está aí. Para modificá-la tem-se que fixar o outro pólo ao qual a natureza deve se adequar. Este pólo ad quem é o programa de vida do homem. Como denominaríamos a plena consecução deste programa? Evidentemente, bem-estar do homem, felicidade. Eis que com isso, encerramos aqui as idas-e-vindas de todas as considerações tecidas anteriormente.
Ortega y Gasset
(...) Em suma, os homens são enormemente desiguais, contrariamente ao que afirmavam os igualitaristas dos dois últimos séculos e continuam afirmando os arcaicos do presente.
Sob essa perspectiva, a vida humana, a existência do homem, consiste formalmente, essencialmente, em um problema. Para os demais entes do universo, existir não é problema – porque existência deve significar efetividade, realização de uma essência --; por exemplo, que “o ser touro” se verifique, aconteça. Pois bem, o touro, se existe, existe já sendo touro. Em troca, para o homem, existir não é já existir, sem mais nem menos, como homem que é, mas é mera possibilidade disso e esforço até consegui-lo. Quem de vocês é efetivamente o que sente que teria de ser, que deveria ser, que aspira a ser? Diferentemente, pois, de todo o resto, o homem, ao existir, tem de resolver o problema prático de realizar o programa em que prontamente consiste. Donde se conclui, que nossa vida é pura tarefa e inexorável que-fazer. A vida de cada um de nós é algo que não é dado pronto, presenteado, mas algo que se tem de fazer. A vida dá muito que-fazer; entretanto, não é senão esse que-fazer que ela dá a cada um, e um que-fazer, repito, não é uma coisa, mas algo ativo, num sentido que transcende todos os demais. Porque, no caso dos outros seres, supõe-se que alguém ou algo que já é, atue; aqui, porém, trata-se precisamente de que, para ser, tem-se que atuar, que apenas se é essa atuação. O homem, queira ou não, tem de fazer-se a si mesmo, autofabricar-se. Esta última expressão não é de todo inoportuna. Ela sublinha que o homem, na raiz mesma de sua essência, se encontra, antes de mais nada, na situação do técnico. Para o homem, viver é – desde logo e antes de tudo – esforçar-se para que haja o que ainda não há; ou seja, ele, ele mesmo, aproveitando para isso o que há, em suma, para o homem, viver é produção. Com isso, quero dizer que a vida não é fundamentalmente como se acreditou durante tantos séculos, contemplação, pensamento, teoria. Não! A vida é produção, fabricação, e somente porque estas o exigem – portanto, depois e não antes --, é pensamento, teoria e ciência. Viver é descobrir os meios para realizar o programa que se é. O mundo, a circunstância, se apresenta desde logo como matéria-prima e como máquina possível. Posto, que, para existir, tem-se que estar no mundo, e isso não realiza por si e totalmente o ser do homem, impõe-lhe, ao contrário, dificuldades, o homem decide buscar em sim mesmo a máquina oculta que encerra, para servir a sim mesmo. A história do pensamento humano se reduz à série de observações que o homem tem feito para trazer à luz, para descobrir essa possibilidade de máquina que o mundo carrega latente em sua matéria. É por isso que o invento técnico é chamado também de descobrimento. E não é, com veremos, uma casualidade que a técnica por antonomásia, a plena maturidade da técnica, se tenha iniciado por volta de 1600; justamente quando, em seu pensamento teórico sobre o mundo, o homem passou a entendê-lo com uma máquina. A técnica moderna começa a ter unidade com Galileu, Descartes, Huygens; em suma, com os criados da interpretação mecânica do universo. Assim se acreditava que o mundo corporal era um ente amecânico, cujo ser último era constituído por poderes espirituais mais ou menos voluntariosos e incoercíveis. O mundo como puro mecanismo é, ao contrário, a máquina das máquinas.
É, portanto, um erro fundamental crer que o homem é tão somente um animal casualmente dotado de talento técnico ou, dito de outra forma, que, se acrescentássemos magicamente a um animal o dom técnico, teríamos simplesmente o homem. A verdade é o contrário; porque o homem, tendo uma tarefa muito diferente da do animal – uma tarefa extranatural --, não pode dedicar todas as suas energias, como aquele, para satisfazer suas necessidades elementares, mas tem de imediatamente poupá-las nesse sentido, para, com elas, poder entregar-se à improvável faina de realizar seu ser no mundo.
Eis aqui por que o homem começa quando começa a técnica. O espaço menor ou maior que esta abre para o homem na natureza é o alvéolo onde ele pode alojar seu excêntrico ser. Por isso, eu insistia, ontem, que o sentido e a causa da técnica estão fora dela; ou seja, no emprego que o homem dá às energia que lhe sobram, energias economizadas pela técnica. A missão inicial da técnica é esta: dar liberdade ao homem para ele poder entregar-se a si mesmo.
Os antigos dividiam a vida em duas zonas: uma, que chamavam de otium, o ócio, que não é a negação do fazer, mas é dedicar-se a ser o humano do homem, que eles interpretavam como autoridade, organização, trato social, ciências, artes. A outra zona, em que se dava pleno esforço para satisfazer as necessidades elementares, isto é, tudo o que tornava possível aquele otium, chamavam-na de nec-otium, assinalando muito bem o caráter negativo que tem para o homem.
Em vez de viver ao acaso e combater seu próprio esforço, o homem necessita atuar segundo um plano para obter segurança em seu choque com as exigências naturais e dominá-las com um máximo de rendimento. Este é seu fazer-técnico frente ao fazer-ao-bel-prazer do animal, ao fazer do pássaro do bom Deus, por exemplo.
Todas as atividades humanas que têm recebido ou merecem especialmente o nome de técnicas não são mais que especificações, concretizações desse caráter geral de autofrabricação próprio do nosso viver.
Se nossa existência não fosse, desde o princípio, a obrigação de construir com o material da natureza a pretensão extranatural que é o homem, nenhuma dessas técnicas existiria. O fato absoluto, o puro fenômeno do universo que é a técnica, só pode acontecer nessa estranha, patética, dramática combinação metafísica, na qual dois entes heterogêneos – o homem e o mundo – se vêem obrigados a unificar-se, de modo a que um deles, o homem, consiga inserir seu ser extramundano no outro, que é precisamente o mundo. Esse problema, quase de engenharia, é a existência humana.
E, sem dúvida, ou pelo mesmo motivo, a técnica não é, a rigor, o primeiro fenômeno. Ela vai idealizar e executar a tarefa que é a vida; vai conseguir obter, numa ou noutra medida limitada, está claro, que o programa humano se realize. Mas, por si só ela não define o programa; quero dizer que à técnica não é preestabelecida a finalidade que ela deve alcançar. O programa de vida é pré-técnico. O técnico ou capacidade técnica do homem tem como encargo inventar os procedimentos mais simples e seguros para conseguir as necessidades do homem. Estas, porém, como vimos, são também uma invenção; são o que, em cada época, povo ou pessoa, o homem pretende ser; há, pois, uma primeira invenção pré-técnica, a invenção por excelência, que é o desejo original.
Não se creia que se trata de desejar tarefa tão fácil. Observem vocês a angústia específica que experimenta o novo rico. Tem nas mãos a possibilidade de obter a consecução de seus desejos, mas se percebe como quem não saber ter desejos. No fundo mais secreto de sim mesmo nota, que não deseja nada, que sozinho é incapaz de orientar seu apetite e decidir entre as inumeráveis coisas que o meio lhe oferece. Por isso busca um mediador que o oriente e o descobre nos desejos que predominam sobre os demais. Eis por que a primeira coisa que o novo rico compre é um automóvel, um piano e uma aparelhagem de som. Encarregou os outros de desejarem por ele. Como há o princípio do pensamento, que consiste na idéia que não é pensada originalmente por aquele que a pensa, mas é tão somente repetida por ele, cegamente, mecanicamente reiterada, há também um determinado desejo que é bem mais a ficção e o simples gesto de desejar.
Isso acontece, pois, mesmo na esfera do desejar referente ao que já existe por aí, às coisas que já temos em nosso horizonte antes de desejá-las. Imagine-se até que ponto será difícil o desejo propriamente criador, o que postula o inexistente, o que antecipa o que ainda é irreal. Definitivamente, os desejos referentes a coisas se movimentam sempre dentro do perfil do homem que desejamos ser. Este é, portanto, o desejo radical, fonte de todos os demais. E quando alguém é incapaz de desejar-se a si mesmo, porque não tem bem claro um si mesmo a realizar, é evidente que não tem senão pseudodesejos, espectros de apetites sem sinceridade nem vigor.
Talvez a doença básica de nosso tempo seja uma crise dos desejos e, por isso, toda a fabulosa potencialidade de nossa técnica parece não nos servir para nada. Hoje, a coisa começa a tornar-se patente, mas, já em 1921, me ocorria anunciar o grave fato: “A Europa padece de um extremo cansaço em sua faculdade de desejar”. (España invertebrada). E essa inibição do programa de vida trará consigo uma interrupção ou retrocesso da técnica, que acabará por não saber bem a quem ou a que servir. E esta é a incrível situação à qual chegamos e que confirma a interpretação aqui sustentada: a herança, quer dizer, o repertório com que o homem conta hoje para viver não é apenas incomparavelmente superior ao repertório de que jamais ele desfrutou (as forças criadas com a técnica equivalem a dois bilhões e meio de escravos, ou seja, dois para cada cidadão), mas nos dá a consciência clara de que tais forças são superabundantes e de que, sem dúvida, a irracionalidade é enorme; e acontece que o homem atual não sabe o que ser, falta-lhe imaginação para inventar o argumento de sua própria vida.
Por que? Ah! Isso não faz parte deste ensaio. Apenas nos questionaremos: o que é o homem, ou que tipo de homens são os especialistas do programa de vida? O poeta, o filósofo, o fundador de religião, o político, o descobridor de valores? Não o decidamos. Basta advertir que o técnico supõe todos eles e que isso explica uma diferença hierárquica que sempre existiu e contra a qual não adianta protestar.
Talvez tenha algo a ver com isso o estranhíssimo fato de que a técnica é quase sempre anônima, ou, pelo menos, que os seus criadores não gozem da fama nominativa que sempre acompanhou aqueles outros homens. Um dos inventos mais formidáveis dos últimos sessenta anos foi o motor a explosão. Pois bem, quantos de vocês, sem ser por seu ofício técnico, se lembram, nesse momento, da lista dos egrégios nomes de seus inventores?
Conclui-se daí, também, a enorme improbabilidade de que se venha a constituir uma “tecnocracia”. Por definição, o técnico não pode comandar, dirigir em última instância. Seu papel é magnífico, venerável, mas irremediavelmente de segundo plano.
Resumamos:A reforma da natureza ou técnica, como toda troca ou mutação, é um movimento com seus dois pólos, a quo e ad quem (de que e para que). O pólo a quo é a natureza como está aí. Para modificá-la tem-se que fixar o outro pólo ao qual a natureza deve se adequar. Este pólo ad quem é o programa de vida do homem. Como denominaríamos a plena consecução deste programa? Evidentemente, bem-estar do homem, felicidade. Eis que com isso, encerramos aqui as idas-e-vindas de todas as considerações tecidas anteriormente.
14/08/2005
A tragédia da África II
Thomas Sowell
A natureza e o homem – negro ou branco -- têm feito da África o mais trágico dos continentes.
O grande historiador francês Fernand Braudel disse que “Para entender a África negra, a geografia é mais importante que a história.” Muito da história da África foi moldada por sua geografia.
Quase toda grande cidade do mundo nasceu às margens de rios navegáveis – e tais cursos d’água são mais escassos na África do que em qualquer outro continente. Um porta-aviões pode ancorar no rio Hudson no coração de Manhattan, mas não há um só rio onde isso é possível em todo o vasto continente africano, que é maior que a Europa ou a América do Norte.
Mesmo navios menores só podem navegar pequenas distâncias na maioria dos rios africanos, por causa das cascatas e cachoeiras. A maior parte do continente está a mais de 300 metros acima do nível do mar e mais da metade da África está a mais de 600 metros. Isso significa que seus rios e cursos d’água têm de despencar dessas alturas nos seus caminhos para o mar.
O transporte fluvial foi crucial nos milhares de anos antes dos trens e automóveis. Foi crucial para o desenvolvimento da economia e crucial para o desenvolvimento de uma cultura que mantivesse contato com um número suficiente de outras culturas, amplamente espalhadas ao redor do globo, para fazer uso dos avanços do resto do mundo. Mas, muitas sociedades africanas ficaram isoladas pela escassez continental de rios e ancoradouros.
Regiões isoladas, invariavelmente, se atrasam em comparação com regiões em contato com um universo cultural mais amplo. Um dos muitos sinais do isolamento e da fragmentação cultural da maior parte da África sub-saariana é que o número de línguas africanas chega a um terço do número de línguas existentes em todo o mundo, enquanto que a população africana é aproximadamente 10% da população mundial.
Sociedades pequenas e tribais são uma outra conseqüência do isolamento geográfico – sendo outra, a vulnerabilidade de tais sociedades à conquista externa.
Se a diversidade cultural fosse tudo o que afirmam os multiculturalistas, a África seria um paraíso na terra. Muito freqüentemente e em muitos lugares, ela tem sido um inferno.
Muitos tinham a esperança de grandes feitos na África quando as novas nações africanas independentes começaram a emergir do controle colonial nos anos 1960, sempre governadas por líderes educados na Europa e nos EUA.
Infelizmente, o que esses novos líderes trouxeram de volta para a África não foram as coisas que fizeram a prosperidade e o poder do Ocidente, mas as teorias não testadas dos ideólogos e intelectuais ocidentais dos quais foram alunos. A tais líderes africanos, na sua maioria, faltavam o senso comum das massas africanas e a experiência econômica e tecnológica do Ocidente.
O resultado foi que os líderes africanos, cheios de confiança pela sua educação e pela adulação da intelligentsia ocidental, fizeram de seus povos ratos de laboratórios para imaturas teorias que não contribuíram, em nada, para o crescimento do Ocidente e, sim, para muito de sua degeneração social.
A empobrecida África tinha uma capacidade muito menor para suportar esses desastres econômicos e sociais que os países afluentes do ocidente. No entanto, os líderes africanos não foram julgados pelo Ocidente pelos seus resultados, mas por suas retóricas e visões que tinham ressonância com a retórica e a visão da intelligentsia ocidental.
Assim, Julius Nyerere se tornou, virtualmente, um santo na mídia ocidental, enquanto ele levava o povo da Tanzânia, cada vez mais profundamente, para a pobreza e a tirania. E ele não foi o único.
Contrariamente, quando Felix Nouphouet-Boigny fez da Costa do Marfim um oásis de avanço econômico e paz social, ele, ou foi ignorado, ou desdenhado. Ele foi um dos poucos líderes africanos com uma preciosa experiência em negócios e uma compreensão de Economia. Seus sucessores arruinaram o país.
Quaisquer que sejam os danos que o colonialismo europeu promoveu na África durante seu, relativamente, breve reino, eles foram, provavelmente, menores do que os danos posteriores perpetrados pelos bem-intencionados e pretensos salvadores ocidentais da África. Os africanos não precisam ser tratados como mascotes, mas como pessoas, cujos esforços, habilidades e iniciativas próprios necessitam ser liberados das tiranias de seus líderes e do paternalismo de presunçosos ocidentais.
13/07/2005
Notas
1) Para ler mais sobre a África e a história de seus vários países, ver Conquest e Cultures: An International
History, Thomas Sowell, Basic Books, New York, 1998
2) Este artigo foi originalmente publicado em
http://www.townhall.com/columnists/thomassowell/archive.shtml.
A natureza e o homem – negro ou branco -- têm feito da África o mais trágico dos continentes.
O grande historiador francês Fernand Braudel disse que “Para entender a África negra, a geografia é mais importante que a história.” Muito da história da África foi moldada por sua geografia.
Quase toda grande cidade do mundo nasceu às margens de rios navegáveis – e tais cursos d’água são mais escassos na África do que em qualquer outro continente. Um porta-aviões pode ancorar no rio Hudson no coração de Manhattan, mas não há um só rio onde isso é possível em todo o vasto continente africano, que é maior que a Europa ou a América do Norte.
Mesmo navios menores só podem navegar pequenas distâncias na maioria dos rios africanos, por causa das cascatas e cachoeiras. A maior parte do continente está a mais de 300 metros acima do nível do mar e mais da metade da África está a mais de 600 metros. Isso significa que seus rios e cursos d’água têm de despencar dessas alturas nos seus caminhos para o mar.
O transporte fluvial foi crucial nos milhares de anos antes dos trens e automóveis. Foi crucial para o desenvolvimento da economia e crucial para o desenvolvimento de uma cultura que mantivesse contato com um número suficiente de outras culturas, amplamente espalhadas ao redor do globo, para fazer uso dos avanços do resto do mundo. Mas, muitas sociedades africanas ficaram isoladas pela escassez continental de rios e ancoradouros.
Regiões isoladas, invariavelmente, se atrasam em comparação com regiões em contato com um universo cultural mais amplo. Um dos muitos sinais do isolamento e da fragmentação cultural da maior parte da África sub-saariana é que o número de línguas africanas chega a um terço do número de línguas existentes em todo o mundo, enquanto que a população africana é aproximadamente 10% da população mundial.
Sociedades pequenas e tribais são uma outra conseqüência do isolamento geográfico – sendo outra, a vulnerabilidade de tais sociedades à conquista externa.
Se a diversidade cultural fosse tudo o que afirmam os multiculturalistas, a África seria um paraíso na terra. Muito freqüentemente e em muitos lugares, ela tem sido um inferno.
Muitos tinham a esperança de grandes feitos na África quando as novas nações africanas independentes começaram a emergir do controle colonial nos anos 1960, sempre governadas por líderes educados na Europa e nos EUA.
Infelizmente, o que esses novos líderes trouxeram de volta para a África não foram as coisas que fizeram a prosperidade e o poder do Ocidente, mas as teorias não testadas dos ideólogos e intelectuais ocidentais dos quais foram alunos. A tais líderes africanos, na sua maioria, faltavam o senso comum das massas africanas e a experiência econômica e tecnológica do Ocidente.
O resultado foi que os líderes africanos, cheios de confiança pela sua educação e pela adulação da intelligentsia ocidental, fizeram de seus povos ratos de laboratórios para imaturas teorias que não contribuíram, em nada, para o crescimento do Ocidente e, sim, para muito de sua degeneração social.
A empobrecida África tinha uma capacidade muito menor para suportar esses desastres econômicos e sociais que os países afluentes do ocidente. No entanto, os líderes africanos não foram julgados pelo Ocidente pelos seus resultados, mas por suas retóricas e visões que tinham ressonância com a retórica e a visão da intelligentsia ocidental.
Assim, Julius Nyerere se tornou, virtualmente, um santo na mídia ocidental, enquanto ele levava o povo da Tanzânia, cada vez mais profundamente, para a pobreza e a tirania. E ele não foi o único.
Contrariamente, quando Felix Nouphouet-Boigny fez da Costa do Marfim um oásis de avanço econômico e paz social, ele, ou foi ignorado, ou desdenhado. Ele foi um dos poucos líderes africanos com uma preciosa experiência em negócios e uma compreensão de Economia. Seus sucessores arruinaram o país.
Quaisquer que sejam os danos que o colonialismo europeu promoveu na África durante seu, relativamente, breve reino, eles foram, provavelmente, menores do que os danos posteriores perpetrados pelos bem-intencionados e pretensos salvadores ocidentais da África. Os africanos não precisam ser tratados como mascotes, mas como pessoas, cujos esforços, habilidades e iniciativas próprios necessitam ser liberados das tiranias de seus líderes e do paternalismo de presunçosos ocidentais.
13/07/2005
Notas
1) Para ler mais sobre a África e a história de seus vários países, ver Conquest e Cultures: An International
History, Thomas Sowell, Basic Books, New York, 1998
2) Este artigo foi originalmente publicado em
http://www.townhall.com/columnists/thomassowell/archive.shtml.
13/08/2005
O Espírito dos Tempos II
Nossa geração tem sido forçada a perceber quão frágeis e inconsistentes são as barreiras que separam a civilização das forças destrutivas. Temos aprendido que o barbarismo não é um mito pitoresco ou uma tênue memória de um passado distante da história humana, mas uma hedionda realidade subjacente que pode emergir com força avassaladora tão logo a autoridade moral de uma civilização perde o controle.
Religion and the Rise of Western Culture, Christopher Dawson, Image Books, New York, 1991.
___________________________________________________________________
Essa vertigem permanente da razão, mergulhando-a em seu abismo interior, tece uma seqüência infinita de variações sobre a morte de Deus e, correspondentemente, sobre a morte do homem, como reconheceu Nietzsche passando do “insensato” da Gaia Ciência ao “último homem” do Zaratustra. A sombra dessa morte anunciada planou sobre um século inteiro de guerras mundiais, de execuções em massa e de apocalipse nuclear, balizada pelas figuras obscuras da barbárie: Dachau, Gulag ou Hiroshima.
(...) Que deus é esse que assim que o cortejo se põe em marcha não matem a promessa feita a Israel: “Invoca-me no dia da desgraça; eu te libertarei, tu me glorificas”? (Salmos, 50, 15)
Ou então, se nos afastamos de Deus esquecendo a Arca da Aliança que talvez comprometesse apenas os homens, que homem é esse, então só no mundo, que precipitou no cadinho da história as piores alianças da barbárie para aniquilar outros homens em nome da razão racial ou social?
A barbárie interior, Jean-François Mattéi, Editora Unesp, 1999
Religion and the Rise of Western Culture, Christopher Dawson, Image Books, New York, 1991.
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Essa vertigem permanente da razão, mergulhando-a em seu abismo interior, tece uma seqüência infinita de variações sobre a morte de Deus e, correspondentemente, sobre a morte do homem, como reconheceu Nietzsche passando do “insensato” da Gaia Ciência ao “último homem” do Zaratustra. A sombra dessa morte anunciada planou sobre um século inteiro de guerras mundiais, de execuções em massa e de apocalipse nuclear, balizada pelas figuras obscuras da barbárie: Dachau, Gulag ou Hiroshima.
(...) Que deus é esse que assim que o cortejo se põe em marcha não matem a promessa feita a Israel: “Invoca-me no dia da desgraça; eu te libertarei, tu me glorificas”? (Salmos, 50, 15)
Ou então, se nos afastamos de Deus esquecendo a Arca da Aliança que talvez comprometesse apenas os homens, que homem é esse, então só no mundo, que precipitou no cadinho da história as piores alianças da barbárie para aniquilar outros homens em nome da razão racial ou social?
A barbárie interior, Jean-François Mattéi, Editora Unesp, 1999
Budismo e Cristianismo
Nota - É impressionante perceber a profundidade de um texto de jornal da década de 20 do século passado na Inglaterra. Se compararmos com os jornais de hoje no Brasil, podemos perceber que nossa pobreza intelectual é desoladora. Pretendo postar mais textos de Chesterton, publicados em jornais ingleses do início do século XX.
G.K. Chesterton
Publicado no Illustrated London News, 2 de março de 1929
Um distinto cavalheiro militar anunciou recentemente neste jornal que um budista chinês visitará proximamente a Inglaterra com a firme intenção de, finalmente, abolir a guerra. Ele, o cavalheiro militar, explicou que Budismo é uma palavra que significa Iluminação e que somente ela pode abolir a guerra. Isso parece, em si mesmo, um simples processo de razão e reforma. Mas, eu não seria movido a criticar uma intenção tão nobre, se o missivista não tivesse recorrido ao fatigante e velho truque de comparar a condição de iluminação do Budismo com a situação de ignorância dos Cristãos. É verdade que, como muitos homens na atual confusão mental, ele, desnecessariamente, se desnorteou usando a mesma palavra em dois sentidos e em ambos os lados, além de colocar o Cristianismo contra si próprio. Budismo é Cristianismo, o Budismo é melhor do que o Cristianismo e o Cristianismo nunca será ele mesmo até que ele seja a tal ponto iluminado de forma a se tornar diferente. Mas, essa mera logomaquia não altera o essencial da opinião que muitos de nós temos visto, de uma forma ou de outra, há muito tempo. A chave da situação é que o crítico militar diz que “os Cristãos fracassaram” em abolir a guerra e que isso é devido ao lamentável fato que eles não são iluminados, ou, em outras palavras, ao curioso fato de que os Cristãos não são Budistas.
Para começar, um europeu normal não precisa nutrir nenhum sentimento negativo para com os asiáticos para sentir um moderado ressentimento ou mesmo revolta sobre esse tipo de coisa. Se o cavalheiro chinês está vindo com um infalível talismã para terminar toda a luta na Inglaterra, não deveria ser sugerido que ele ficasse onde está e acabasse com todas as lutas na China? Lutas e discórdias nunca foram hábitos apenas cristãos, nem as guerras totalmente desconhecidas fora da Cristandade. Pode ser que eremitas e homens santos, no ocidente e no oriente, tenham, individualmente, abandonado a guerra. Mas, não estamos falando sobre abandonar a guerra, mas sobre abolir a guerra. Em qual sentido os Cristãos fracassaram e os Budistas não? Em que aspecto o Budismo, que pode contemplar as lutas asiáticas por quatro mil anos, é mais eficiente do que o Cristianismo, que pode meramente olhar para dois mil. Eu não considero que isso desacredite nem o Budismo nem o Cristianismo. Mas, se barulhentos palestrantes e jornais, dez vezes por semana, nos contam que o Cristianismo fracassou por não ter sido capaz de acabar com a guerra, o que diríamos das chances do cavalheiro chinês fazer isso na Europa com uma nova religião, quando ele não conseguiu fazê-lo na Ásia com uma velha. De passagem, devo dizer que o apelo Cristão para a paz tem sido, freqüentemente, mais próximo da prática política do que a iluminação metafísica do Budismo. Sem fazer uma aposta muito alta nas chances de ambos, eu diria que seria algo remotamente mais provável um santo franciscano influenciar a política de um Ricardo Coração de Leão do que um monge budista (com sua mente embebida de Nirvana), parar uma marcha de um Genghis Khan. Mas, essa é uma conjectura menor e não tem importância. O mais importante é que, se o Cristianismo for acusado de fracasso por não ter abolido a guerra, o Budismo dificilmente poderá ser considerado uma garantia sólida de sucesso nesse mister. A verdade é, claramente, que toda essa conversa de abolir isso ou aquilo, dentre as muitas incompreensões e tentações da humanidade, mostra uma essencial ignorância sobre a natureza mesma da humanidade. Com isso não se deixa espaço para as centenas de inconsistências, dilemas, reparações desesperadas e ao devotamento imperfeito e parcial dos homens. Um homem pode ser, em todos os aspectos, um homem bom e um crente verdadeiro e, ainda assim, errar. De fato, o cavalheiro militar que escreveu a carta sobre o Budismo e a guerra, não precisa procurar muito por um tal exemplo. Por seus próprios padrões, ele é inconsistente em ser um soldado Cristão e ainda mais inconsistente em ser um soldado Budista.
Tomei esse texto de jornal diário porque, todos sabemos, a religião de nossos pais está sendo permanentemente apedrejada por tais textos. E mesmo independentemente de qualquer lealdade à minha fé, tenho lealdade suficiente a meus pais e à reputação e os feitos do homem Inglês e Europeu para sentir que é tempo para que tais insultos sejam tratados como eles merecem. Não é nenhuma desgraça para o Cristianismo, não é nenhuma desgraça para alguma grande religião, que seus conselhos de perfeição não tenham feito uma só pessoa perfeita. Se depois de séculos, uma disparidade é ainda encontrada entre seus ideais e seus seguidores, isso somente significa que essa religião ainda mantém vivo o ideal e que seus seguidores ainda precisam dele. Mas, isso não deve surpreender um filósofo em toda a sua sabedoria. De fato, seria muito mais razoável usar esse insulto contra o sem religião que o usa, do que contra o religioso, contra o qual ele é usado. É exatamente o pessoal que mais faz uso desse insulto, os secularistas e humanitários, que promete milênios de paz e prosperidade. São os novelistas e ensaístas da escola cética que anunciam, periodicamente, a Guerra que Acabará com a Guerra, ou o Estado Mundial que imporá a paz universal (1). O Cristianismo nunca prometeu que imporia a paz universal. Ele tinha um respeito excessivo à liberdade individual. Aos teóricos céticos é permitida a criação de uma Utopia atrás da outra, sem serem repreendidos quando elas são contrariadas pelos fatos, ou uma pela outra. O infeliz crente é considerado o único responsável, e tem de pagar, por quebrar uma promessa que nunca fez.
Sem dúvida, esse tipo de sarcasmo é tão injusto ao Budismo quanto ao Cristianismo. O ideal de Buda pode ainda ser o melhor para os homens, mesmo que milhões de homens continuem a preferir algo inferior. Se o ideal de Buda é melhor para os homens é uma questão muito mais ampla, que não pode ser, devidamente, desenvolvida aqui (2). De fato, há muita opinião divergente sobre o que era, realmente, o ideal de Buda, especialmente, entre os Budistas. Esse é, também, um insulto vulgarmente usado contra os seguidores de Cristo, que pode muito bem ser usado contra os seguidores de Buda. O misterioso cavalheiro chinês pode impor a todas as nações da terra a mesma definição de paz e, ainda, ter uma tarefa delicada quando tentar impor a todos os Teosofistas a mesma definição de Teosofia. Mas, pelo menos alguns dos discípulos do grande Gautama interpretam seu ideal, tanto quanto posso entender, como o da absoluta liberação de todo o desejo ou esforço, ou de tudo que os seres humanos chamam de esperança. Nesse sentido, a filosofia apenas significará o abandono das armas, porque significará o abandono de quase tudo. Ela não desencoraja a guerra mais do que o trabalho. Ela não desencoraja o trabalho mais do que o prazer. Ela diria ao guerreiro que o desapontamento o espera quando ele se tornar o conquistador e que não vale a pena vencer a sua guerra. Mas, também e presumivelmente, dirá ao amante que seu amor não vale a pena ser conquistado e que a rosa murchará tanto quanto o laurel. Ela dirá, provavelmente, ao poeta que seu poema não vale a pena ser escrito, que pode (em certos casos, cuja identificação é desnecessária) ser, de fato, o caso. Mas, ela, dificilmente, pode ser considerada uma filosofia inspiradora da criação de bons, mais do que da a criação de maus poemas. Pode ser que essas pessoas estejam enganadas sobre o que é ameaçado pelo Budismo. Pode ser, também, que essas pessoas estejam enganadas sobre o que é prometido pelo Cristianismo. Espero que essa tenha sido a última vez que ouvimos algo de pessoas confusas, descontentes e mundanas, que amaldiçoam a Igreja por não salvar o mundo que não quer ser salvo e que estão prontas a aceitar, contra ela, qualquer teoria – mesmo a louca teoria pela qual o mundo seria destruído.
1. Qualquer semelhança com a ONU terá sido mera profecia.
2. Para uma discussão mais profunda sobre o tema, ver o Capítulo VII de Ortodoxia, de G.K. Chesterton, Editora LTR, São Paulo, 2001.
12/08/2005
A tragédia da África
Thomas Sowell
As declarações oficiais das últimas reuniões do G8 na Escócia, assim como as demonstrações dissonantes que as envolveram, falam sobre salvar a África. Mas, se olharmos retrospectivamente para as décadas e gerações passadas, a África tem sido salva tantas vezes que nos faz pensar sobre a razão de ela ainda precisar de salvação.
Condições trágicas e desesperadas afligem milhões na África hoje e qualquer pessoa sensível gostaria de ajudar. Mas, os fracassos repetidos das tentativas anteriores devem nos fazer refletir sobre a maneira particular na qual a África deve ser ajudada.
O perdão de débitos externos está sempre no topo da agenda dos que estão à esquerda do espectro político. Num momento determinado, isso liberaria, é claro, dinheiro que os governos poderiam utilizar para o alívio do infortúnio que aflige os povos – supondo que é nisso que os governos pretendem aplicar os recursos. Mas, como pode alguém pensar que a promoção do endividamento irresponsável, através do perdão periódico aos débitos governamentais, irá ajudar os países africanos, a longo prazo?
Quanto aos povos da África, eles têm de sobreviver a curto prazo para chegar ao longo prazo. Assim, uma ajuda emergencial para condições emergenciais faz muito mais sentido do que programas de ajuda externa de longo prazo, programas estes que possuem um registro inequívoco de fracassos, não só na África como no mundo todo.
Há alguns anos atrás, um corajoso economista indiano alertou que, por mais útil que tenha sido, para a Índia, receber doações de alimentos do exterior em épocas de crise de fome, a política de longo prazo de doação de trigo àquele país, simplesmente, inibiu os agricultores indianos a cultivarem trigo e vendê-lo a um preço que cobrisse seus custos. Num determinado momento, a política de envio de trigo para a Índia chegou ao fim e hoje o país produz tanto trigo que é capaz de doar quantidades do cereal aos países africanos em ocasiões de crise.
A promoção de dependência e de endividamento irresponsável não é a maneira de ajudar os pobres nem internacionalmente, nem em casa. Tais políticas beneficiam as burocracias que administram as ajudas estrangeiras e possibilitam que presunçosos se passem por salvadores, mesmo quando eles fazem mais mal do que bem.
A África sub-saariana possui uma das mais trágicas situações geográficas do mundo. Os cursos fluviais navegáveis, que são cruciais ao desenvolvimento de nações e culturas, são muitíssimos limitados na maior parte da África.
Ideólogos adoram pensar que a pobreza da África é causada pela “exploração” dos países ocidentais. Mas, com poucas exceções notáveis, a África tem oferecido muito pouco a ser explorado. Mesmo no ápice do imperialismo europeu, havia muito menos investimento estrangeiro em todo o vasto continente africano do que num minúsculo país como a Bélgica.
Em tempos mais recentes, a tal “ajuda externa” tem deixado muitos monumentos à futilidade na África, de máquinas enferrujadas e ruínas de muitos projetos ao gado enviado da Europa que tombaram no calor africano.
Com todas as suas desvantagens, a África conseguia se alimentar e mesmo exportar produtos agrícolas para a Europa. Em algumas das partes mais geograficamente favorecidas da África sub-saariana, o ferro era fundido há milhares de anos.
Durante as duas primeiras décadas depois da independência das nações africanas nos anos 1960, uma nação sub-saariana que se ateve à sua prosperidade econômica e estabilidade política, em meio às catástrofes sociais e desastres econômicos de seus vizinhos, foi a Costa do Marfim, governada pelo presidente Felix Houphouet-Boigny.
Mesmo assim, nem a Costa do Marfim, nem seu líder atraíram tanta atenção, muito menos adulação, que Julius Nyerere na Tanzânia, que Kwame Nkrumah em Gana, ou que outros famosos líderes africanos que levaram seus países à ruína.
A Costa do Marfim, naquele tempo, confiava nos mercados, ao invés de confiar em políticas defendidas, e da retórica usada, pela intelligentsia. Quando a política mudou, aquele país se tornou apenas um outro item do menu africano.
Atualmente, a maioria no Ocidente continua a enxergar o continente africano como um escoadouro das visões e políticas da esquerda, que fracassaram no Ocidente e que tendem, com muito maior probabilidade, fracassar na África.
12/07/2005
Este artigo foi originalmente publicado em http://www.townhall.com/columnists/thomassowell/archive.shtml. Aguardem A tragédia da África II
As declarações oficiais das últimas reuniões do G8 na Escócia, assim como as demonstrações dissonantes que as envolveram, falam sobre salvar a África. Mas, se olharmos retrospectivamente para as décadas e gerações passadas, a África tem sido salva tantas vezes que nos faz pensar sobre a razão de ela ainda precisar de salvação.
Condições trágicas e desesperadas afligem milhões na África hoje e qualquer pessoa sensível gostaria de ajudar. Mas, os fracassos repetidos das tentativas anteriores devem nos fazer refletir sobre a maneira particular na qual a África deve ser ajudada.
O perdão de débitos externos está sempre no topo da agenda dos que estão à esquerda do espectro político. Num momento determinado, isso liberaria, é claro, dinheiro que os governos poderiam utilizar para o alívio do infortúnio que aflige os povos – supondo que é nisso que os governos pretendem aplicar os recursos. Mas, como pode alguém pensar que a promoção do endividamento irresponsável, através do perdão periódico aos débitos governamentais, irá ajudar os países africanos, a longo prazo?
Quanto aos povos da África, eles têm de sobreviver a curto prazo para chegar ao longo prazo. Assim, uma ajuda emergencial para condições emergenciais faz muito mais sentido do que programas de ajuda externa de longo prazo, programas estes que possuem um registro inequívoco de fracassos, não só na África como no mundo todo.
Há alguns anos atrás, um corajoso economista indiano alertou que, por mais útil que tenha sido, para a Índia, receber doações de alimentos do exterior em épocas de crise de fome, a política de longo prazo de doação de trigo àquele país, simplesmente, inibiu os agricultores indianos a cultivarem trigo e vendê-lo a um preço que cobrisse seus custos. Num determinado momento, a política de envio de trigo para a Índia chegou ao fim e hoje o país produz tanto trigo que é capaz de doar quantidades do cereal aos países africanos em ocasiões de crise.
A promoção de dependência e de endividamento irresponsável não é a maneira de ajudar os pobres nem internacionalmente, nem em casa. Tais políticas beneficiam as burocracias que administram as ajudas estrangeiras e possibilitam que presunçosos se passem por salvadores, mesmo quando eles fazem mais mal do que bem.
A África sub-saariana possui uma das mais trágicas situações geográficas do mundo. Os cursos fluviais navegáveis, que são cruciais ao desenvolvimento de nações e culturas, são muitíssimos limitados na maior parte da África.
Ideólogos adoram pensar que a pobreza da África é causada pela “exploração” dos países ocidentais. Mas, com poucas exceções notáveis, a África tem oferecido muito pouco a ser explorado. Mesmo no ápice do imperialismo europeu, havia muito menos investimento estrangeiro em todo o vasto continente africano do que num minúsculo país como a Bélgica.
Em tempos mais recentes, a tal “ajuda externa” tem deixado muitos monumentos à futilidade na África, de máquinas enferrujadas e ruínas de muitos projetos ao gado enviado da Europa que tombaram no calor africano.
Com todas as suas desvantagens, a África conseguia se alimentar e mesmo exportar produtos agrícolas para a Europa. Em algumas das partes mais geograficamente favorecidas da África sub-saariana, o ferro era fundido há milhares de anos.
Durante as duas primeiras décadas depois da independência das nações africanas nos anos 1960, uma nação sub-saariana que se ateve à sua prosperidade econômica e estabilidade política, em meio às catástrofes sociais e desastres econômicos de seus vizinhos, foi a Costa do Marfim, governada pelo presidente Felix Houphouet-Boigny.
Mesmo assim, nem a Costa do Marfim, nem seu líder atraíram tanta atenção, muito menos adulação, que Julius Nyerere na Tanzânia, que Kwame Nkrumah em Gana, ou que outros famosos líderes africanos que levaram seus países à ruína.
A Costa do Marfim, naquele tempo, confiava nos mercados, ao invés de confiar em políticas defendidas, e da retórica usada, pela intelligentsia. Quando a política mudou, aquele país se tornou apenas um outro item do menu africano.
Atualmente, a maioria no Ocidente continua a enxergar o continente africano como um escoadouro das visões e políticas da esquerda, que fracassaram no Ocidente e que tendem, com muito maior probabilidade, fracassar na África.
12/07/2005
Este artigo foi originalmente publicado em http://www.townhall.com/columnists/thomassowell/archive.shtml. Aguardem A tragédia da África II
O Espírito dos Tempos
Nota - Este texto é o último parágrafo da Introdução do livro Heretics de G.K.Chesterton. A tradução foi feita por mim que, também, lhe dei um título.
Suponha que uma grande comoção surja, numa rua, sobre alguma coisa, digamos um poste de iluminação a gás, que muitas pessoas influentes desejam derrubar. Um monge de batina cinza, que é o espírito da Idade Média, começa a fazer algumas considerações sobre o assunto, dizendo à maneira árida da Escolástica: “Consideremos primeiro, meus irmãos, o valor da Luz. Se a Luz for em si mesma boa –”. Nessa altura, ele é, compreensivelmente, derrubado. Todo mundo corre para o poste e o põe abaixo em dez minutos, cumprimentando-se mutuamente em sua praticalidade nada medieval. Mas, com o passar do tempo, as coisas não funcionam tão facilmente. Alguns derrubaram o poste porque queriam a luz elétrica; alguns outros, porque queriam o ferro do poste; alguns mais, porque queriam a escuridão, pois, seus objetivos eram maus. Alguns se interessavam pouco pelo poste, outros muito; alguns agiram porque queriam destruir os equipamentos municipais; alguns outros porque queriam destruir alguma coisa. E acontece uma guerra noturna, ninguém sabendo a quem atinge. Então, gradualmente, hoje, amanhã, ou depois de amanhã, forma-se a convicção de que o monge estava certo, afinal, e que tudo depende de qual é a filosofia da Luz. Mas, o que podíamos discutir sob o lâmpada a gás, agora temos de discutir no escuro.
Suponha que uma grande comoção surja, numa rua, sobre alguma coisa, digamos um poste de iluminação a gás, que muitas pessoas influentes desejam derrubar. Um monge de batina cinza, que é o espírito da Idade Média, começa a fazer algumas considerações sobre o assunto, dizendo à maneira árida da Escolástica: “Consideremos primeiro, meus irmãos, o valor da Luz. Se a Luz for em si mesma boa –”. Nessa altura, ele é, compreensivelmente, derrubado. Todo mundo corre para o poste e o põe abaixo em dez minutos, cumprimentando-se mutuamente em sua praticalidade nada medieval. Mas, com o passar do tempo, as coisas não funcionam tão facilmente. Alguns derrubaram o poste porque queriam a luz elétrica; alguns outros, porque queriam o ferro do poste; alguns mais, porque queriam a escuridão, pois, seus objetivos eram maus. Alguns se interessavam pouco pelo poste, outros muito; alguns agiram porque queriam destruir os equipamentos municipais; alguns outros porque queriam destruir alguma coisa. E acontece uma guerra noturna, ninguém sabendo a quem atinge. Então, gradualmente, hoje, amanhã, ou depois de amanhã, forma-se a convicção de que o monge estava certo, afinal, e que tudo depende de qual é a filosofia da Luz. Mas, o que podíamos discutir sob o lâmpada a gás, agora temos de discutir no escuro.
11/08/2005
Para começar
Ter um espaço onde escrever urbi et orbi é não só pretensioso, como assustador. A tecnologia nos facilita a pretensão.
Mas, este será um blog despretensioso, onde vou procurar escrever pouco e deixar outros falarem por mim. Outros a quem admiro e respeito. Outros muito mais capazes que eu. Procurarei dar voz a quem mais me toca com suas idéias e incluirei, aqui e ali, alguns comentários meus.
Mas, este será um blog despretensioso, onde vou procurar escrever pouco e deixar outros falarem por mim. Outros a quem admiro e respeito. Outros muito mais capazes que eu. Procurarei dar voz a quem mais me toca com suas idéias e incluirei, aqui e ali, alguns comentários meus.
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