04/09/2019

Diário de um velho professor

Certa vez, fui abordado por um aluno da universidade com uma dúvida. Estava saindo de meu gabinete para ir não sei onde. Pensei que a dúvida se referia a alguma disciplina que lecionava então. Fitei o rosto do aluno para associá-lo às disciplinas que lecionava no momento. O rosto me era familiar, sabia-o aluno do curso. Com certa pressa pedi-lhe que me acompanhasse no corredor e me formulasse sua dúvida. 

Ele, candidamente, me perguntou: professor, o que é livre-arbítrio? Como eu lecionasse engenharia, parei imediatamente de caminhar e me encostei na parede e me pus a pensar a razão da pergunta. Concluí, numa fração de segundo, que ele certamente conhecia a outra faceta daquele velho professor; talvez fosse leitor do blog católico que eu mantinha. Respondi-lhe simplesmente o seguinte: livre-arbítrio é a liberdade que Deus nos deu de não acreditar n'Ele, de recusá-l'O. 

Essa resposta nasceu sem considerações teológicas e filosóficas; nasceu, por assim dizer, de meu coração. Não procurei apoio dos Padres da Igreja, nem em, por exemplo, Santo Tomás de Aquino. E confesso que até hoje não procurei.

Sei que o conceito tem repercussões em muitas áreas do conhecimento, mas não consigo me desvencilhar da idéia de que a liberdade de refutarmos Deus é o que nos dá dignidade de aceitá-l'O. Faz-nos suportar, segundo Bernanos, “assustadora presença do divino” em nossas vidas. 

Não aceitarmos o livre-arbítrio como graça de Deus é cair no erro de tantos, como o de Lutero. É nos colocar impotentemente diante de um deus perverso, que tanto pode nos levar ao bem quanto ao mal. Negar o livre-arbítrio é uma posição anti-metafíca. É a negação do ser. 

Toda a nossa salvação, toda a bem-aventurança que nos aguarda, depende de um sim da nossa vontade. Este sim é o sim às graças de Nosso Senhor, mas é um sim à Sua Cruz. Se não fôssemos livres para dizer este sim, não haveria nele nenhum mérito e ele não mereceria nenhuma recompensa.





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