16/03/2012

Purgatório: Devoção às Almas no Purgatório – Parte II

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Santa Teresa de Ávila

Quanto esta devoção é aceitável ao Deus Todo Poderoso, e o quando Ele consente em parecer, por assim dizer, impaciente pela libertação das almas, e ainda assim deixar a coisa ao sabor de nossa caridade, nos é ensinado pela incontestável autoridade de Santa Teresa. No seu livro, As Fundações, ela nos conta que de D. Bernardino di Mendoza lha deu uma casa, com jardim e vinha para servir de convento em Valhadolid. Dois meses depois disso, e antes de ocorre a fundação do convento, ele caiu subitamente doente e perdeu a fala, de modo que ele não pode se confessar, embora tenha dado muitos sinais de contrição. Ele “morreu,” diz Santa Teresa, “dentre em pouco, em lugar distante daquele que me encontrava. Disse-me o Senhor que a sua salvação estivera muito arriscada e que tinha usado de misericórdia com ele por causa do obséquio feito a Sua Mãe dando aquela casa para o mosteiro de Sua Ordem, mas que não sairia do Purgatório enquanto não se celebrasse a primeira Missa nesse convento. De tal maneira tinha presente as graves penas desta alma que, apesar do grande desejo que tinha de fundar em Toledo, deixei isso por então e dei-me toda a pressa que pude para ir fundar em Valhadolid conforme pudesse. Estando um dia em oração em Medina del Campo, disse-me o Senhor que me apressasse porque aquela alma estava padecendo muito. Meti mãos à obra e, embora sem grandes preparativos, entrei em Valhadolid no dia de São Lourenço.”

Ela então continua a relatar que, quando recebeu a Comunhão na primeira Missa celebrada na casa, a alma de seu benfeitor lhe apareceu com toda a glória, e depois entrou no Céu. Ela não esperava por isso, pois observa: “Embora tivesse havido alusão à primeira missa, eu fiquei pensando que seria aquela em que se pusesse o Santíssimo Sacramento.”


Poderíamos multiplicar quase indefinidamente as revelações dos santos para provar o especial favor com que Nosso Senhor considera esta devoção, em que Seus interesses estão tão integral e amorosamente unidos. Mas é agora é o momento para termos uma clara visão de nosso assunto.

Mundo dos Sentidos, Mundo do Espírito

Há, como todos sabemos, dois mundos, o mundo dos sentidos e o mundo do espírito. Vivemos no mundo dos sentidos, circundados pelo mundo do espírito, e como cristãos temos a todo o tempo, e muito realmente, comunicações como este mundo. Ora, é um mero fragmento da Igreja que está no mundo dos sentidos. Hoje, a Igreja Triunfante no Céu, colecionando suas multidões sempre puras em toda época, e constantemente beatificando-se com novos santos, deve necessariamente exceder de muito a Igreja Militante, que não abarca sequer a maioria dos habitantes da terra. Tampouco é improvável, mas até bem provável, que a Igreja Padecente no Purgatório deva exceder muito a Igreja Militante, em extensão, pois ela a ultrapassa em beleza. 

Com aquelas incontáveis multidões que estão perdidas não temos responsabilidades: elas se deserdaram de nós. Dificilmente sabemos o nome de um daqueles que estão lá, pois muitos pensaram que Salomão estava salvo, alguns ousaram até considerar as palavras dos Atos dos Apóstolos sobre Judas como não sendo decisivamente infalíveis (Atos, 1:16 ss.), e não há um consenso sequer contra Saul. Estamos amputados deles; sobre eles, tudo é negrume e escuridão; não temos relações com eles. 


O Poder que Deus nos Deu sobre os Mortos

Mas pela doutrina da Comunhão dos Santos e da unidade do Corpo Místico de Cristo, temos as mais íntimas relações de dever e afeição com a Igreja Triunfante e Padecente, e a devoção católica nos oferece muitos meios, sugeridos e aprovados, de desempenharmo-nos desses deveres. Destes, falo mais adiante. Por ora, é suficiente dizer que Deus nos deu tal poder sobre os mortos que eles parecem, como disse antes, depender mais da terra do que do Céu; e certamente o fato de Ele nos ter dado tal poder, e os métodos sobrenaturais de o exercer, não é prova menos comovente de que Sua Majestade Santíssima dispõe tudo por amor. Poderemos nós conceber o contentamento dos Bem-aventurados no Céu, desviando seu olhar do seio de Deus e da calma do seu eterno repouso para essa cena de obscuridade, inquietude, dúvida e temor, e alegrando-se na plenitude de sua caridade, em seu vasto poder junto ao Sagrado Coração de Jesus de obter graças e bênçãos, dia e noite, para os infortunados habitantes da terra? Isso não os distrai de Deus, não interfere com a Visão, ou a faz desfalecer ou empanar; não conturba sua glória ou sua paz. Ao contrário, acontece com eles tal como com nossos Anjos da Guarda; o ministério amoroso de sua caridade só lhes aumenta sua glória acidental.

E o mesmo contentamento pode, em alguma medida, ser nosso ainda neste mundo. Se deixarmo-nos possuir integralmente por esta devoção católica às Santas Almas, nunca nos abandonará a consciência agradecida pelos imensos poderes que Jesus nos deu a favor delas. Nunca seremos tão parecidos com Ele, ou nunca imitaremos tão amorosamente Sua terna ocupação como quando estamos devotamente exercendo esses poderes. Somos excessivamente humilhados quando nos tornamos benfeitores daquelas belas almas que nos são tão imensuravelmente superiores, tal como se diz de José, que aprendeu a humildade quando dava ordens a Jesus.

Enquanto estamos ajudando as Santas Almas, amamos Jesus com um amor além as palavras, um amor que quase nos amedronta; mas com que delicioso temor! Porque nessa devoção, são Suas mãos que movem, tal como moveríamos as mãos de uma criança inábil. Ó querido Senhor, que nos permite fazer tais coisas! Que nos permite fazer com Seus méritos o que desejamos, e salpicar gotas de seu Precioso Sangue como se fossem água do poço mais próximo! Que nos permite limitar a eficácia de Seu Sacrifício incruento, e indicar-Lhe almas, e esperar que Ele nos obedeça! Que, com efeito, assim o faz! Como é belo o desamparo de sua Sagrada Infância! Como é belo Seu desamparo no Santíssimo Sacramento! Como é belo o desamparo a que, por amor a nós, Ele desejou ardentemente se reduzir, em relação às suas queridas esposas do Purgatório, cuja entrada na glória Seu Coração tão impacientemente espera! Ó que pensamentos, que sentimentos, que amor não devemos ter quando, como um coro de anjos terrestres, posamos nossos olhos naquele vasto, silencioso e impecável reino de sofrimento e, então, com nosso próprio toque temerário, movemos a poderosa mão de Jesus por sobre aquelas vastas regiões, e as orvalhamos com o bálsamo se Seu Sangue salvador!

Duas Visões do Purgatório

Sempre houve duas visões sobre o Purgatório na Igreja, não contraditórias, mas que expressam as ideias e a devoção daqueles que as apoiam.

Uma delas é a visão presente na maior parte das vidas e revelações dos santos italianos e espanhóis, nas obras dos alemães da Idade Média nas crenças populares acerca do Purgatório na Bélgica, Portugal, Brasil, México, etc. A outra é a visão que é mais cara a São Francisco de Sales, embora ele a tenha desenvolvido originalmente a partir do tratado sobre o Purgatório de Santa Catarina de Gênova, que é também sustentada pelas revelações da Irmã Francisca de Pamplona, uma irmã do Carmelo de Santa Teresa, publicadas como uma longo e sábia crítica do Irmão Giuseppe Bonaventura Ponze, um professor dominicano de Saragossa. E cada uma dessas visões, embora nunca neguem uma a outra, tem seu próprio e peculiar espírito de devoção.

Um comentário:

Renato Pessanha disse...

Caro Angueth: Que felicidade rever o texto tão peculiar do Padre Faber. Tudo em sua escrita tem um sabor original, por ter sido um convertido. Quanta unção! E me tomou de surpresa. Geralmente, se somos católicos praticantes, estamos em estado de graça habitual, mas no momento em que pus meu olhar na primeira palavra dele, toda uma constelação de janelas se abriu no túnel da vida ordinária, e uma espécie de arrebatamento tomou conta de minha alma: foram graças atuais que me absorveram, inundando meu coração de celeste torrente. Poder ajudar as almas do Purgatório! É um dos nossos privilégios. Orvalhar aquele lugar sedento de alívio, sufragar (termo tão caro à Igreja) as santas almas, que imenso poder temos em mão. É só um desejo, é só uma jaculatória, e Jesus e Maria fazem o resto. Obrigado por me ter colocado em estado de fervor sensível, e por me ter feito viajar alguns momentos por aquelas avenidas do Reino da Igreja Padecente. Renato Pessanha