VI – O novo “magistério” pastoral levou à dissolução da crença do povo cristão
28. É-nos possível, com trinta anos de distância,[1]
verificar até que ponto o movimento triunfou, uma vez que o povo cristão de
hoje crê nos artigos da fé segundo o modo disseminado por esses teólogos. Como
isso foi também mencionado em meu último ensaio (Zibaldone), enumerei uma série
de dogmas da fé que não são mais cridos pelo povo cristão, justamente porque são
rejeitados pela teologia moderna, o que faz com que não se creia mais hoje nos
dogmas de acordo com a fórmula de Nicéia. O que crê hoje o povo cristão a respeito
do inferno? Crê o que os teólogos debatem no Avvenire[2]
ou o que as imponentes emissões da Radio
Maria[3]
endossam calorosamente. Eles creem que o inferno não existe, ou que se existe,
é uma forma de punição que se atenua com o tempo e que, talvez, mesmo Judas não
esteja lá, pois no último momento de sua vida sua alma pôde se arrepender.
Assim, o inferno está provavelmente vazio – mas São Gregório Magno, numa de
suas homilias, dá por certo a danação de Herodes Agrippa (At. 12, 23). “Mas, no mesmo instante, o Anjo do Senhor o
atingiu, pois que ele não rendeu glória a Deus e, comido pelos vermes, expirou.”
29. O que creem hoje os cristãos sobre o Gênesis? Creem que
é um relato simbólico; hoje, todos os cristãos estão de acordo sobre este
ponto, destruindo assim um decreto da Pontifícia Comissão Bíblica de 1906, que
confirma com autoridade o caráter histórico do relato sagrado do Pentateuco. O
que pensam hoje os cristãos da Eucaristia? Que a Eucaristia não é a Presença
Real e individual do Corpo de Jesus Cristo, mas a presença real do povo
cristão, pois a nova teoria constrói o silogismo seguinte sobre essas
semelhanças: no sacramento da Eucaristia o Senhor está presente, mas o Senhor
que está presente é misticamente o povo cristão, então, o povo cristão está
presente na Eucaristia; a opinião comum hoje admite que a Eucaristia é o
sacramento da presença do Senhor, mas o Senhor que está presente é o próprio
povo cristão.
30. O que creem hoje os cristãos sobre a predestinação? Aqui
nos é necessário assinalar a deformação completa do conceito de predestinação,
pois que os teólogos modernos que falam ainda a compreendem como uma previsão
das coisas do homem, não como a determinação das coisas do homem por parte de
Deus. Esta é uma grave falsificação, pois a predestinação se ocupa de nosso fim
último e nosso fim último é a coisa mais importante que há. Se se falsifica o
fim último do homem, que resta do homem?
31. Acabamos, então, de ver que a prática que se iniciou
depois do Concílio se impôs, virando do avesso as opiniões gerais da cristandade.
Depois de trinta anos, podemos apenas constatar o sucesso desta tendência. A fé
católica despedaçou-se em mil opiniões sobre os Novissimi (as últimas coisas),[4]
em mil opiniões sobre a virgindade de Maria, em mil opiniões sobre a Presença
Real na Eucaristia, sobre os sacramentos, sobre a Igreja, sobre o primado de
Pedro e mesmo, sobre a Trindade. Não há nenhum artigo do Credo, o Símbolo da fé
que professamos a cada domingo na Missa, que não tenha sido despedaçado em uma
miríade de opiniões professadas, apesar de e contra a firmeza absoluta dos seus
artigos. Assim, o cristão perde a fé porque perde a unidade: não há fé se ela
não é UNA. Essa dispersão de opiniões significa a dissolução da fé.
[1]
Este ensaio de Romano Amerio foi escrito em 1996. (N. do T.)
[2] Jornal
diário fundado em 1968 para difundir as ideias do modernista do Concílio Vaticano
II. (N. do T.)
[3]
Conjunto internacional de rádios católicas, fundado em 1982. Também modernista
até a medula. (N. do T.)
Um comentário:
Ou, em outras palavras, os católicos, no que se refere à Fé, na sua maioria, se tornaram protestantes: cada um acredita naquilo que mais lhe "agrada".
Tristes tempos os nossos. :(
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