08/12/2010

Sobre darwinismo e mistério

Gilbert Keith Chesterton
Illustrated London News, 22/08/1920

Nota do blog: Chesterton e Belloc mantiveram anos de polêmica sobre darwinismo e evolução com muitos intelectuais seus contemporâneos, principalmente com H.G. Wells. Pretendo traduzir alguns de seus textos de jornal a este respeito. Começo com o que se segue.

O Sr. Edward Clodd,[1] o distinto estudante de folclore, perguntou-me sobre uma passagem que apareceu neste jornal. Ele escrevia sobre a questão mais ampla do darwinismo, à qual talvez eu trate mais amplamente em outra oportunidade. Mas como a frase que ele citou desta coluna situa-se de alguma forma em separado, talvez seja mais apropriado tratá-la separadamente. As palavras sobre as quais ele deseja maiores explicações são: “Mesmo o evolucionista está agora tímido ao explicar a evolução. Hoje, o temperamento científico é ... dúvida científica da ciência, não dúvida científica da religião.” Ele deseja especialmente saber o que quero dizer com a frase “dúvida científica da ciência”.

Bem, considero que minha afirmação negativa é pelo menos evidente o suficiente; quero dizer que as mais recentes e revolucionárias sugestões científicas não são capazes de levantar nenhuma dúvida sobre qualquer religião. O Livro do Gênesis não diz que Deus formou a substância do mundo a partir de átomos, e assim um cientista não pode ser censurado como um destruidor da Bíblia se ele diz que o mundo é formado não de átomos, mas de elétrons. O Concílio da Igreja que decretou a Co-eternidade do Pai e do Filho não decretou nenhum dogma sobre a Conservação da Energia. Assim, Mme. Curie não poderia ser queimada como herege mesmo se, como alguns afirmam, sua descoberta desestabilizasse nossas idéias sobre a Conservação da Energia. O credo atanasiano não diz que linhas retas paralelas nunca se encontram, assim ele não seria afetado pelo dizer do Professor Einstein, se é que ele o diz, de que elas não são paralelas ou mesmo retas. Os profetas não profetizaram que o homem nunca iria voar e não são, assim, desacreditados quando ele voa. Os santos certamente nunca disseram que não havia uma coisa como a comunicação sem palavras, e assim eles não têm de retratar-se se há uma coisa como a telegrafia sem fio. De muitas formas seria muito mais fácil sustentar que as modernas invenções ratificaram os antigos milagres. Bem, nesses exemplos técnicos e utilitários é ainda verdadeiro dizer que, se eles não desestabilizam doutrinas religiosas, eles também não desestabilizam doutrinas científicas. São as doutrinas sobre gravidade e energia, sobre átomos e éter, sobre a própria estrutura do universo puramente científico que têm sido afetadas ou ameaçadas pela pesquisa puramente científica.

Assim, fui levado a dizer que os homens científicos estão despedaçando seu próprio universo científico. Foi algo relacionado a isto que eu disse ao afirmar que eles não estão agora preocupados prioritariamente com dúvidas sobre religião. A frase (num sentido positivo e não relativo) refere-se, é claro, a várias idéias escriturais e teológicas que supõem-se, corretamente ou não, foram desestabilizadas pela fase anterior da ciência. Alguns parecem imaginar que estou aqui argumentando a favor daquelas doutrinas; mas isso é um equívoco completo. Das doutrinas pré-darwinianas do popular protestantismo inglês, há algumas em que acredito e algumas de que descreio firmemente; mas em nenhuma delas fundamentei minhas observações sobre o darwinismo. Estas são baseadas nas inconsistências e ilogicidades dos próprios darwinistas. Muitos críticos sinceros parecem achar difícil acreditar nisso. Um deles me perguntou, muito incisivamente, porque a asa do morcego não tinha sido divinamente projetada com penas, como a asa da coruja – quase como se eu tivesse voluntariamente recusado a cobrir o animal com uma plumagem própria. Isto é não perceber meu propósito nesta discussão particular. Se eu pessoalmente acredito no design inteligente, é por razões algo mais profundas, que nada têm a ver com asas de morcego; e certamente nunca sonhei em demonstrá-las por meio de asas de morcego. Nunca professei saber as causas de tais coisas. Eu não escrevi um livro intitulado “A Origem das Espécies”. Não conduzi detalhadas pesquisas ou proclamei conclusões dogmáticas. Não sei a verdadeira razão de um morcego não ter penas; apenas sei que Darwin apresentou uma razão falsa para ele ter asas. E quanto mais os darwinistas explicam, mais convencido me torno de que o darwinismo estava errado. Todas as suas explicações ignoram o fato de que o darwinismo supõe que uma característica animal surge inicialmente, não simplesmente num estágio incompleto, mas num estágio quase imperceptível. O membro de um tipo de rato, destinado a fundar a família morcego, diferia de seus irmãos por algum minúsculo traço de membrana; e por que isto o capacitaria a escapar de um massacre de ratos? Ou mesmo admitindo que tal diferença sirva a algum outro propósito, tal só poderia ocorrer por coincidência; e isto significa imaginar um milhão de coincidências para dar conta de cada criatura. Uma providência especial supervisionando os morcegos seria uma noção muito mais racionalista que tal cadeia de acontecimentos fortuitos.

Mas quanto a uma conclusão positiva a ser formulada, acato satisfeito a idéia do Sr. Clodd de “uma área ocupada pelo desconhecido” onde, segundo sua citação de George Eliot, “os homens tornam-se cegos, embora os anjos tudo conheçam”. Mas ainda penso que os darwinistas sendo homens, foram cegos liderando cegos. Deve ter havido uma grandeza real na ciência de Darwin, cuja acumulação detalhada não alego poder julgar. Havia certamente uma grandeza muito real na literatura de Huxley, que consigo julgar bem mais. Ninguém diz que eles não foram grandes homens, mas que cometeram um grande erro. E quanto ao que resta quando este erro é admitido, repito que me satisfaço com a frase do Sr. Clodd. Nem a minha teologia, nem a dos antigos puritanos, tampouco a biologia dos antigos darwinistas; o que resta é mistério – um mistério desconhecido e talvez insondável. O que resta depois de Darwin é exatamente o que existia antes de Darwin – uma escuridão que eu, por razões muito diferentes, acredito ser divina. Mas sendo ou não divina, ela é escura. O que é verdade real, o que realmente aconteceu na variação das criaturas, deve ter sido algo que ainda não se insinuou na imaginação do homem. Eu, por exemplo, ficaria muito mais surpreso se aquela verdade, quando descoberta, não contivesse um grande elemento de evolução. Mas mesmo esta surpresa é possível onde tudo é possível, exceto o que já foi provado ser impossível. E qualquer explicação por meio de uma completa evolução é no momento presente impossível.

Pela primeira vez, em resumo, os agnósticos se tornarão agnósticos. Esta é a minha resposta à questão do Sr. Clodd sobre a “dúvida científica da religião”. A dúvida hoje é uma dúvida real; antes ela era uma inferência de algum dogma, como o darwinismo. Os agnósticos vitorianos não eram realmente agnósticos. No fundo de suas mentes existia um universo materialista, ou pelo menos monista. Mas o universo monista está, por sua vez, se tornando místico, ou no mínimo misterioso. O próximo período de transição será provavelmente de um agnosticismo real, ou de uma ignorância mais ou menos empolgante. E o Sr. Clodd e eu podemos então concordar sobre a fronteira em que os homens são cegos e os anjos tudo conhecem, embora ele possa ficar mais satisfeito com a cegueira dos homens, e eu com o conhecimento dos anjos. Estou até agora do lado dos homens; da grande massa de reverentes e razoáveis seres humanos, que admitiriam mais facilmente estar cegos na escuridão do que nela sobrecarregados com antiquados óculos científicos, junto a um charlatão tentando convencê-los de que eles podem enxergar.



[1] Autor de vários livros sobre religiões, mitos, religião comparada, folclore e filosofia. Também escreveu diversos livros sobre ciência e evolução. (N. do T.)

3 comentários:

Gederson disse...

Prezado Prof. Angueth,
Salve Maria!

Confesso que ainda não li o texto, mas o título, me lembra de uma certa teologia que colocou um acento evolucionista no mistério da fé. Na verdade, entre a Nova Teologia e a Sã doutrina, faltam mais elos perdidos do que na teoria da evolução. Mas a nova teologia tem um espírito refinado, os chama de "mistérios".

Fique com Deus.

Abraço

Gederson

Anônimo disse...

Por quem os sinos dobram : o pau quebra em Goiás: http://t.co/XsHBhtz

Wendy A. Carvalho disse...

Angueth, amigo,

Tá muito bom, seu texto. Quando vou traduzir o Chesterton me inspiro em você. Você sabe sentir as palavras.

Deus te abençoe e te ilumine mais e mais.