29/12/2009

Santo Afonso de Ligório: o modernismo presente em sua Congregação

Na introdução ao livro de Santo Afonso, “A Prática de Amor a Jesus Cristo”, o Pe. Francisco Costa, que é Redentorista, depois de duas ou três páginas de comentários sobre o livro, acrescenta o seguinte: “Agora, é importante que quem lê esse (sic!) livro tenha bem presente que ele foi publicado pela primeira vez em 1768. Por isso certos conceitos expressos nele são daquele tempo.”

Esta frase faz acender uma luz vermelha em meu detector de modernista. Fico esperando o pior. E o pior aparece logo.

O livro de Santo Afonso está traduzido “em quase todas as línguas faladas no mundo” e foi considerado pelo santo como a “mais devota e útil” de suas obras, nos informa Pe. Francisco. Santo Afonso é também o criador da Congregatio Santissimi Redemptoris, ou seja, dos Redentoristas, Congregação a que pertence Pe. Francisco.

O autor da introdução continua: “Vamos perceber que certos conceitos cristológicos que nele aparecem não se ajustam com a cristologia de nosso tempo. Mas quem quiser estudar cristologia deverá buscar outros livros escritos nos tempos de hoje.” Quais seriam estes conceitos o padre não nos informa.

Pe. Francisco avança mais nos dizendo: “é bom alertarmos para a evolução de certos conceitos a respeito das virtudes da humildade, da obediência, do amor ao sofrimento. Tudo isso sofre o condicionamento do tempo.” A luz vermelha agora está piscando e uma sirene começa a tocar. Parece que identificamos um modernista em seu pleno vigor. Um modernista Redentorista impugnando parte da obra de Santo Afonso, criador de sua Congregação.

Vamos escutar Santo Afonso sobre a humildade. Cito alguns trechos da obra.

“Que ama a Deus é verdadeiramente humilde. Não se orgulha vendo em si algumas boas qualidades. Sabe que tudo quanto possui é dom de Deus; de seu, só tem o nada e o pecado. Por isso, conhecendo os dons concedidos por Deus, mais se humilha, sentindo-se indigno e tão favorecido por Deus.”

“Achando-se perto da morte, São João Ávila, que teve uma vida santa desde a juventude, veio assisti-lo um sacerdote que lhe dizia coisas muito sublimes, tratando-o como um grande servo de Deus e como um grande sábio, o que ele era de fato. Mas João lhe disse: ‘Padre, peço-lhe que recomende a minha alma como se faz a um malfeitor condenado à morte; porque eu sou isso’. É isto o que sentem os santos!”

“Para ser humilde não basta ter um baixo conceito de si e da própria fraqueza. Diz Tomás de Kempis que o verdadeiro humilde é aquele que reconhece seu nada e se alegra nas humilhações.”

“Causa admiração e escândalo uma pessoa que comunga com freqüência e depois se ressente com qualquer palavra de desprezo.”

Santo Afonso está desatualizado, nos garante Pe. Francisco. Ele diz que lendo o livro, “às vezes fica a impressão de que a humildade consiste numa negação de si mesmo e de seus valores; numa renúncia aos direitos e à dignidade da pessoa humana.” Padre Francisco contrapõe ao conceito de humildade do grande Santo Afonso os direitos e a dignidade da pessoa humana. Meu Deus! Será isso ignorância invencível? Quem dera fosse! Mas não, isso é um padre corroído de modernismo até a alma. Pe. Francisco! ouça apenas esta frase: o humilde “sabe que tudo quanto possui é dom de Deus; de seu, só tem o nada e o pecado.” Ninguém fica com a impressão de que humildade é negação de si mesmo e de seus valores. Humildade é isso e muito mais. Que direito ou dignidade temos diante de Deus, quando tudo que temos de bom foi ele que nos deu e tudo que temos de ruim nós construímos?

Pe. Francisco continua intrépido: “Também quando fala da obediência, o autor não foge ao pensamento da época: obediência cega. Não se pensava ainda numa obediência co-responsável, na necessidade do diálogo dentro da comunidade para se descobrir a vontade de Deus e assim obedecer conscientemente.” Segundo Pe. Francisco, para saber a vontade de Deus, temos de convocar uma assembléia e decidir numa votação. Será que vale a maioria simples ou qualificada? Vontade de Deus decidida no voto!

Santo Afonso, graças a Deus, discorda de Pe. Francisco. Diz o santo: “Se queremos ser santos, todo o nosso esforço deve ser de nunca seguir nossa vontade, mas sempre a vontade de Deus; o resumo de todos os preceitos e conselhos divinos se reduz em fazer e sofrer aquilo que ele quer e como ele quer. Peçamos, portanto, ao Senhor que nos dê a santa liberdade de espírito.” O santo nos dá uma dica preciosíssima para descobrirmos a vontade de Deus: “Não se preocupa em fazer muitas coisas, mas procura realizar perfeitamente aquilo que acha ser a vontade de Deus. Por isso coloca as menores obrigações de seu estado antes das ações mais grandiosas e gloriosas, porque percebe que nestas pode haver lugar para o amor próprio, enquanto que naquelas se encontra certamente a vontade de Deus.” Comparem agora a assembléia do Pe. Francisco com os conselhos de Santo Afonso e escolham o que acharem melhor.

Há muitas outras coisas similares na introdução ao livro do santo de que pouparei os leitores. Há coisas piores. Padre Gervásio Fábri dos Anjos, também redentorista e tradutor do livro, achou por bem omitir um trecho do livro que traduziu. Isso acontece quanto Santo Afonso está discorrendo sobre como se comungar bem. Note que a preparação para a comunhão é, para nós católicos, de suma importância. Mas a palavra do santo é cortada e uma nota de rodapé nos informa: “Transcreve Santo Afonso neste parágrafo as normas práticas sobre a comunhão freqüente segundo a mentalidade da época. Por serem ultrapassadas, omitimos para não confundir os leitores menos avisados.” [Página 106, nota 68, Editora Santuário, 1982.] Vejam, Pe. Gervásio nos está protegendo contra as palavras de Santo Afonso.

Em primeiro lugar, isso é um absurdo em qualquer caso. Um tradutor tem, por obrigação ética, traduzir o texto do autor, mesmo que nele haja erros. No caso, o absurdo é ainda maior, pois está se cortando a palavra de um Santo e Doutor da Igreja, num assunto que é definido dogmaticamente pelo Concílio de Trento. Caso o padre-tradutor quisesse discordar do santo fundador de sua congregação, que ele o fizesse em nota de rodapé, depois de traduzir a passagem completa. Absurdo dos absurdos!

Fica o conselho que já dei aqui em outro post, quando comentei outros livros: leiam este livro, pois ele é muitíssimo importante, mas não leiam nem a introdução, nem as notas do tradutor.

10 comentários:

Anônimo disse...

Quando vi estes absurdos na introdução, simplesmente a ignorei. Meu exemplar do Tratado da Verdadeira Devoção à Ssma. Virgem conta com uma nota de rodapé que garante: S. Luís não queria dizer o que disse acerca dos hereges...

Unknown disse...

Bah,que loucura!

Me parece que as pessoas tem o pensamento de que a humanidade,com o passar do tempo,vai melhorando inexoravelmente,como se as pessoas de hoje fossem melhores que as pessoas do passado,como se o mundo hoje fosse melhor do que o mundo antigo,etc....

Não sei,mas me parece ser esta uma mentalidade revolucionária que já penetrou até na Igreja.

Será que não veio na cabeça deste padre uma simples pergunta: Peraí,como posso eu estar aqui corrigindo um grande Santo da Igreja? Essa simples pergunta teria que levá-lo a única resposta possivel: Santo Afonso está certo e eu errado.

Mas pelo jeito,não existiu essa reflexão na cabeça do padre.

Fiquem com Deus.

Flavio.

Cooper disse...

A melhor coisa a fazer seria tentar encontrar edições desses livros anteriores ao Vaticano II, afinal, certos "achismos" não costumavam fazer parte das introduções e notas de tradução.

Leandro disse...

Caro Professor

Eu já li textos do COCP do site Veritatis com as mesmas "advertências" em relação ao "contexto" da época de quem escreveu.

Isso somente demonstra que o alguns tentam relativizar a doutrina Católica em acordo com as diferentes épocas.

Parece que agora retiraram essas advertências do site.

Pax et bonum

Ricardo disse...

É repugnante a atitude esse padre evolucionista e ocultista de textos de Santo Afonso!! Estou lendo o livro desse mesmo Santo chamado "Glórias de Maria" reeditado pela Santuário. Até agora não encontrei nenhuma nota de rodapé modernistóide e a introdução pareceu-me sensata. Ainda bem!

No entanto o que dizes é a plena verdade,tenho uma biografia de Santa Terezinha que é uma lástima,por causa não só das notas de rodapé, mais das opiniões acerca da vida da santa nada católicas do tal Padre escritor.

E tantas outras biografias que li que estão mutiladas e distorcidas pelos intérpretes da nova teologia assombrada pelo espírito do concílio.

Antonio Emilio Angueth de Araujo disse...

Caro Rick,
Salve Maria!

"Glórias de Maria" não tem nenhuma das blasfêmias que tem "Prática de Amor a Jesus Cristo" porque a edição da Editora Santuário utiliza uma tradução de 1933, que foi publicada originalmente pela Editora Vozes, quando esta ainda era uma editora católica.

Em JMJ.

Antônio Emílio Angueth de Araújo.

Ricardo disse...

É, só fizeram alguns acréscimos do tipo colocando um "S" de santo em quem ainda não tinha sido canonizado na época. Mas é um bom livro para a meditação e oração.

Creio que os modernistas não encontraram grandes problemas para reedita-lo por ser um livro que fala abundantemente da misericórdia mediante a intercessão de Nossa Senhora.

Para eles só a misericórdia interessa, mas enquanto a justiça nada.

Anônimo disse...

Caríssimo Professor
Este livro é o mesmo que
"Tratado do Amor de Deus"?

Cordialmente
Leonardo

Antonio Emilio Angueth de Araujo disse...

Caro Leonardo,

"Tratado do Amor de Deus" é um livro de São Francisco de Sales (há uma publicação dele me português pela Quadrante) que é muito citado por Santo Afonso em seu "A Prática do Amor a Jesus Cristo".

Antônio Emílio Angueth de Araújo.

Anônimo disse...

Caro prof. Angueth, realmente é curiosa essa Apresentação, presente na tradução brasileira do escrito "A prática do amor a Jesus Cristo". Ela caiu em minhas mãos porque alguém conseguiu para mim esse livro que tanto desejo ler. Depois de alguns parágrafos interessantes de consideração a respeito do escrito do santo de Deus, Afonso, o sujeito autor da Apresentação como que se revela uma espécie de "Advogado do Diabo" com essas críticas gerais sob "conceitos expressos nele são daquele tempo" (sic) e etc. Só que o sujeito fala de um modo geral e não específico. Se o mesmo tinha a intensão de realizar alguma crítica deveria dar provas de que aqueles conceitos daqueles tempos não funcionavam e não funcionam, mas não há prova concreta alguma por parte do autor. No entanto ao ler isso provêm a contra pergunta do leitor inteligente: Mas e daí? E fica-se o silêncio. Há uma frase no final dessa Apresentação que parece-me como tom e postura da mentalidade dos postuladores da tal teologia da libertação, modernista, quando fala sobre 'um mundo que tanto sofre...'. Enfim, ao meu ver esse tipo de Apresentação acaba manchando a mente do leitor católico ingênuo e de algum modo a obra do santo de Deus, um homem verdadeiramente e profundamente humilde, honesto, justo e santo, Santo Doutor. Melhor benefício é que essa Apresentação seja amputada, e se as notas de rodapé também estão manchadas do verniz modernistas, o mesmo. Ao meu ver só vale esse tipo de coisa como memorial de um fermento para uma controvérsia, o que já é outra coisa, para outro ambiente, e não para aquele que procura o exercício da devoção e piedade católica. Trombei com essa sua postagem e obrigado pela sua postagem sobre esse assunto revelou-me que não sou tão ignorante, mas graças a Deus. Salve Maria! Carlos A. A. Santos