Nota: Eis aqui uma das muitas situações em que o grande Chesterton nos ensina ser católicos em qualquer discussão, por mais idiota que pareça. Aqui ele comenta o que um jogador de tênis disse sobre o tênis como praticado na Inglaterra e, neste comentário, ele defende toda a metafísica medieval, que é, antes de tudo, católica. Este texto é um capítulo do livro A Coisa.
Gilbert Keith Chesterton
Quando digo que duvidamos do aprimoramento intelectual produzido pelo protestantismo, pelo racionalismo e pelo mundo moderno, isso geralmente causa uma confusa controvérsia, que é um tipo de emaranhado semântico. Mas, em geral, a diferença entre nós e nossos críticos é esta: eles entendem que crescimento é um aumento do emaranhado; enquanto nós entendemos que pensamento é desemaranhar o emaranhado. Mesmo um pequeno pedaço de fio reto vale mais do que toda uma floresta de mero emaranhamento. Que haja mais assuntos sendo discutidos, ou mais termos sendo usados, ou mais pessoas usando-os, ou mais livros e autoridades citadas – tudo isso não é nada para nós se as pessoas usam impropriamente os termos, entendem mal os assuntos, invocam autoridades à esmo e sem o uso da razão; e finalmente conseguem um resultado falso. Um camponês que diz simplesmente, “Tenho cinco porcos; se mato um, fico com quatro porcos,” está pensando de uma maneira simples e elementar; mas está pensando tão clara e corretamente quando Aristóteles e Euclides. Agora, suponha que ele leia ou passe os olhos nos jornais e livros populares de ciência. Suponha que ele comece a chamar um porco de Terra e outro de Capital e um terceiro de Exportação, e finalmente chega a um resultado de que quanto mais porcos ele mata, mais ele possui; ou que cada porca que pare faz decrescer o número de porcos no mundo. Ele aprendeu a terminologia da economia como um meio de simplesmente se emaranhar com a falácia econômica. Ela é uma falácia em que ele nunca cairia se tivesse firmemente imbuído do dogma divino de que porcos são porcos. Para tal tipo de instrução e avanço, não temos nenhum uso; e é verdade, neste sentido somente, que preferimos um camponês ignorante a um pedante instruído. Mas isso não é porque consideramos a ignorância melhor do que a instrução ou o barbarismo melhor do que a cultura. É simplesmente porque consideramos que uma clara cadeia lógica de pequena extensão é melhor que uma interminável extensão do que é interminavelmente emaranhado. É simplesmente porque preferimos um homem que faça uma simples soma certa do que uma longa divisão errada.
O que observamos sobre toda a cultura atual do jornalismo e das discussões gerais é que as pessoas não sabem como começar a pensar. Não somente que seu pensamento é de terceira ou quarta mão, mas que ele começa já na terça parte do processo. Os homens não sabem de onde vêm seus pensamentos. Eles não sabem quais as conseqüências de suas palavras. Eles chegam ao final de toda controvérsia e não sabem de onde ela começou ou de que se trata. Eles estão sempre supondo certos absolutos, que, se corretamente definidos, chocariam até eles próprios como sendo não absolutos mas absurdos. Pensar é assim estar num emaranhado; continuar a pensar é se aprofundar mais e mais no emaranhado. E por trás de tudo há sempre algo entendido; que é realmente mal-entendido.
Por exemplo, leio um artigo do admirável Sr. Tilden, o grande tenista, que estava debatendo o que está errado com o tênis inglês. “Nada pode salvar o tênis inglês,” disse ele, exceto certas reformas de um tipo fundamental, que ele explica a seguir. O inglês, parece, tem uma maneira estranha e artificial de considerar o tênis como um jogo, ou uma coisa divertida. Ele admitia que isso é parte de um tipo de espírito amador em tudo que é (como ele observou verdadeiramente) também uma parte do caráter nacional. Mas tudo isso se coloca no caminho do que ele chama da salvação do tênis inglês. Por salvação ele entende o que outros chamariam de tornar o tênis perfeito e outros de torná-lo profissional. Tomo isso como uma passagem muito típica, tirada de jornais ao acaso, e que contém a visão de uma pessoa perspicaz e arguta sobre um assunto que ele compreende totalmente. Mas o que ele não compreende é a coisa que ele supõe entender. Ele conhece totalmente seu assunto e ainda assim não sabe do que está falando; porque ele não conhece suas suposições básicas. Ele não percebe a relação de meios e fins, ou axiomas e inferências, em sua própria filosofia. E ninguém estaria provavelmente mais surpreso e mesmo legitimamente mais indignado que ele, se eu dissesse que os primeiros princípios de sua filosofia parecem ser estes: (1) Há na natureza das coisas um certo Ser absoluto e divino; (2) Todos os homens existem para o bem e a glória desse Sr. Tênis e são obrigados a se aproximar de sua perfeição e obedecer sua vontade; (3) A esta elevada obrigação eles submetem seus desejos naturais de divertimento nesta vida; e (4) Eles são obrigados a colocar esta lealdade em primeiro lugar, e amá-lo mais apaixonadamente que a tradição patriótica, que a preservação de seu próprio estilo nacional, que suas virtudes nacionais. Este é o credo ou esquema da doutrina que é aqui desenvolvida sem ser definida. A única maneira que temos de salvar o tênis é impedi-lo de ser um jogo. A única maneira de salvar o tênis inglês é impedi-lo de ser inglês. Não ocorre a esses pensadores que algumas pessoas podem gostar do tênis porque ele é inglês e apreciá-lo porque ele é divertido. Há algum padrão abstrato e divino na coisa, para quem todos devem se levantar, sacrificando todo o prazer e afeição. Quando os cristãos dizem a mesmo coisa sobre os sacrifícios feitos para Cristo, soa como uma coisa inaceitável. Mas quando jogadores de tênis dizem isso em relação aos sacrifícios exigidos pelo tênis, soa muito natural e casual na confusão dos pensamentos e expressões da atualidade. E ninguém nota que um tipo de sacrifício humano está sendo oferecido a um tipo novo e anônimo de deus.
Nos velhos e bons tempos do racionalismo vitoriano, era convencional zombar de Santo Tomás de Aquino e os teólogos medievais; e especialmente repetir perpetuamente uma surrada piada sobre o homem que discutia quantos anjos poderiam dançar na ponta de uma agulha. Os confortáveis e comerciais vitorianos, com seu dinheiro e mercadorias, poderiam muito bem ter sentido uma ponta mais afiada da mesma agulha, mesmo que fosse seu outro lado. Teria sido bom para suas almas ter procurado pela agulha, não no palheiro da metafísica medieval, mas no elegante agulheiro de sua própria Bíblia de bolso. Teria lhes sido melhor meditar, não sobre como muitos anjos poderiam permanecer numa ponta de agulha, mas sobre como muitos camelos poderiam passar no buraco de uma. Mas há outro comentário sobre essa curiosa piada, que é mais relevante para nossos propósitos aqui. Se o místico medieval realmente discutiu sobre anjos permanecerem sobre uma agulha, pelo menos ele não discutiu como se o objetivo dos anjos fosse permanecer sobre uma agulha; como se Deus tivesse criados todos ao Anjos e Arcanjos, todos os Tronos, Virtudes, Potestades e Principados, somente a fim de que pudessem ser algo para vestir e decorar a inconveniente nudez da ponta de uma agulha. Mas essa é a maneira de raciocinar dos modernos racionalistas. O místico medieval não teria dito nem mesmo que uma agulha existe para ser suporte de anjos. O místico medieval teria dito, em primeiro lugar, que uma agulha existe para fazer roupas para os homens. Pois os místicos medievais, em sua maneira obscura e transcendental, estavam muito mais interessados nas razões reais das coisas e na distinção dos meios e dos fins. Eles desejavam conhecer a razão da existência de uma coisa, e como uma idéia dependia da outra. E eles poderiam até mesmo ter sugerido, o que tantos jornalistas parecem esquecer, a possibilidade paradoxal de que o tênis foi feito para o homem e não o homem para o tênis.
Os modernistas foram particularmente infelizes quando disseram que não se deve esperar que o mundo moderno tolere os antigos métodos silogísticos do escolástico. Eles estavam propondo que se desfizesse do único instrumento medieval que o mundo moderno exigirá mais urgentemente. Teria sido melhor ter dito que o renascimento da arquitetura gótica foi sentimental e fútil; que o movimento pré-rafaelano na arte foi somente um episódio excêntrico; que o uso da palavra “guilda” para todo tipo possível de instituição social foi artificial e fingido; que o feudalismo da jovem Inglaterra foi muito diferente do da antiga. Mas esse método elegante de dedução, com a definição de postulados e a real resposta da questão, é algo que a nossa sociedade midiática está em desesperada e urgente necessidade; como um envenenado está em necessidade do antídoto. Tomei aqui um único exemplo que atraiu meu olhar de centenas de milhares que acontecem a cada hora. E como o tênis, como qualquer outro jogo, tem de ser jogado tanto com a cabeça quanto com as mãos, penso que seja altamente desejável que ele seja discutido ocasionalmente pelo menos tão inteligentemente quanto ele é jogado.
Leiam, do livro "A Coisa": Por que sou católico, A Revolta contra as Idéias.
Um comentário:
Esse texto é sensacional; Chesterton em mais uma de suas pérolas da sabedoria simplíssima, do sensus communis posto de volta à luz.
Pena que ele não foi lido; as coisas só pioraram.
O que mais se vê por aí - não só nos jornais, como alertava o inglês - é o "palpitar livre" sem o menor senso de responsabilidade. E nem falo aqui da falta de conhecimento e erudição em determinado assunto, pois isso já é patente; falo da INCORRÊNCIA nas afirmações desses torpes, ditos categóricos cujas premissas e consequentes eles sequer consideram. Se tivessem um mínimo de responsabilidade para com a verdade, se fossem dotados de um mínimo de prudência, pensariam pelo menos duas vezes antes de expor leitores incautos a afirmações absurdas, incapazes de se conformar ao estrato mais banal da realidade.
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