Nota: Seguem trechos da monumental biografia de Santo Tomás, de Chesterton (Ediouro, 3ª Ed., 2003). Comprem e leiam o livro. É um dos livros fundamentais para os católicos atuais.
Santo Tomás de Aquino, rogai por nós.
Entre os estudantes (de Santo Alberto Magno) que lotavam as salas de conferência, havia um aluno que se destacava por sua estatura gigantesca e sólida, um aluno que não conseguir sobressair por qualquer outra coisa ou se recusava a fazê-lo. Ele falava tão pouco nos debates que os colegas começaram a supor que, além de “calado” ele era também “embotado”. Seja como for, não demorou muito para que o deixassem de lado da forma mais horrível e assim mesmo sua estatura imponente começou a ser apenas motivo de escárnio. Apelidaram-no de Boi Mudo. Era objeto não só de zombaria, mas de piedade. Um estudante de bom coração ficou com tanta pena dele que tentou ajudá-lo a fazer as lições, repassando os elementos de lógica com se estivesse repassando o alfabeto numa cartilha. O tolo lhe agradeceu com uma patética polidez, e o filantropo continuou a lição até encontrar uma passagem sobre a qual ele mesmo tinha algumas dúvidas – e sua interpretação, para dizer a verdade, era errada. O tolo, diante disso, mostrando-se muito embaraçado e perturbado, indicou uma possível solução que mostrou se a correta. O estudante benevolente ficou olhando, como se estivesse diante de um monstro, para aquela combinação de ignorância e inteligência, e estranhos murmúrios começaram a percorrer as escolas.
(...)
Alberto Magno encarregava Tomás de realizar pequenas tarefas, de anotação ou de exposição, depois de convencê-lo a deixar de lado seu embaraço para poder participar ao menos de um debate. Alberto era um senhor bastante perspicaz que estudara os hábitos de animais que não o unicórnio e a salamandra. Ele estudara muitos espécimes da mais monstruosa monstruosidade, aquela que se chama homem. Conhecia os sinais e marcas do tipo de homem que Tomás era, o tipo de homem que é, sem o saber, uma espécie de monstro entre os homens. Alberto era um mestre bom demais para não perceber que o tolo nem sempre é um tolo. Ele soube, e se divertiu com isso, que aquele tolo recebera dos colegas o apelido de Boi Mudo. Tudo isso era muito natural, mas não retira o sabor de algo estranho e simbólico acerca da extraordinária ênfase com que Tomás falou quando finalmente o fez. Porque, na época, Tomás de Aquino ainda era conhecido apenas como um aluno obscuro e obstinadamente apático em meio a muitos alunos mais brilhantes e promissores, quando Alberto quebrou o silêncio com sua famosa profecia: “Vocês o chamam de Boi Mudo, e eu lhes digo que esse Boi Mudo vai mugir tão alto que seu mugido vai tomar conta do mundo.”
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Mas, sobre sua verdadeira sua verdadeira vida de santidade, ele mantinha um grande segredo. Esse segredo na verdade costuma acompanhar a santidade, porque o santo tem um horror abissal a fazer as vezes do fariseu. (...) Certamente o mundo conhece muito menos histórias semelhantes [de milagres] sobre Santo Tomás do que as de muitos santos igualmente sinceros e modestos.
A verdade é que, no que diz respeito a todas essas coisas, na vida e na morte, há uma espécie de enorme calma cercando Santo Tomás. Ele era uma daquelas coisas grandes que ocupam pouco espaço.
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Parece certo que Tomás teve de fato uma espécie de vida secundária e misteriosa, o duplo divino do que é chamado de vida dupla. Alguém parece ter surpreendido algo do tipo de milagre solitário que as pessoas modernas ligadas ao sobrenatural chamam de levitação. (...) Ninguém sabe, imagino eu, que tempestade espiritual de exaltação ou de agonia provoca essa convulsão na matéria ou no espaço, mas trata-se de algo que quase com certeza acontece. (...) Mas é provável que a revelação mais representativa desse lado de sua vida possa estar na celebrada história do milagre do crucifixo, quando, na imobilidade da igreja de São Domingos em Nápoles, uma voz falou a partir do Cristo esculpido e disse ao frade ajoelhado que ele escrevera coisas corretas, e lhe ofereceu a escolha de uma recompensa entre todas as coisas do mundo.
Creio que nem todos apreciam o sentido dessa história particular ao vê-lo aplicado a esse santo em particular. É uma velha história, na medida em que é simplesmente como se oferecessem a um devoto da solidão ou da simplicidade a oportunidade de escolher todos os prêmios da vida. (...) Tomás não era alguém que não queria nada, pois tinha um enorme interesse por tudo. Sua resposta à escolha em questão não seria tão inevitável nem simples como alguns poderiam supor. (...) Ninguém supõe que Tomás de Aquino, ao receber de Deus a oferta para escolher entre todas as dádivas de Deus, pudesse pedir mil libras, a coroa da Sicília ou um raro vinho grego. Mas ele poderia ter pedido coisas que de fato queria; e era um homem que podia querer coisas, tal como quis o manuscrito perdido de São Crisóstomo. Tomás poderia ter pedido a solução de uma antiga dificuldade, o segredo de uma nova ciência, o vislumbre da mente intuitiva inconcebível dos anjos ou qualquer outra coisa dentre as inúmeras que de fato teriam satisfeito seu amplo e viril apetite pela própria vastidão e variedade do universo. (...) Trata-se do flamejante pano de fundo do ser mutidimensional que confere a força particular, e mesmo uma espécie de surpresa, à resposta de Santo Tomás quando ele finalmente levantou a cabeça e falou com aquela ousadia quase próxima da blasfêmia, que é a irmã da humildade de sua religião: “Quero a ti mesmo”.
Ou, para acrescentar a ironia final e esmagadora da história, tão peculiarmente cristã para os que podem de fato compreendê-la, alguns amenizam um pouco a ousadia, ao insistir que ele disse: “Apenas a ti mesmo”.
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