14/08/2012

Purgatório: Segunda visão - Parte III (O ensinamento de Santa Catarina de Genova - I)


Pe. Faber

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Não antes que a alma, sem culpa de pecado mortal, mas ainda com o débito para com Deus da pena temporal, seja libertada deste mundo e julgada, ela pode perceber que está confirmada na graça e na caridade. É então incapaz de pecar e também acumular méritos; e está destinada, por um eterno e imutável decreto, a entrar um dia como rainha no reino dos Bem-Aventurados, a ver, amar e desfrutar de Deus, a Fonte perpétua de toda a felicidade.

Neste instante, todos os pecados da vida passada são apresentados à alma, sejam mortais ou veniais, mesmo que tenham sido remidos durante a vida por contrição e pelo Sacramento da Penitência. Mas depois dessa visão transitória e instantânea, a alma não mais se lembra deles. As palavras da Santa são: “A causa do Purgatório, que essas almas têm em si mesmas, elas veem uma vez por todas na passagem desta vida para outra, e em nenhum outro momento.” A razão dessa exibição dos pecados, ela nos ensina, é possibilitar à alma, naquele momento, por um ato – não mais realmente meritório, mas ainda assim um ato real da vontade – detestar todos os seus pecados uma vez mais, e especialmente aqueles pecados veniais pelos quais ela não teve nenhuma contrição durante a vida, ou por causa de fraqueza de coração, ou por causa de uma morte súbita. Isto porque é estritamente verdade que nenhum pecado é perdoado sem um ato formal de detestação dele.

Depois dessa visão momentânea dos pecados e de sua destestação, a alma percebe em si mesma suas (dos pecados) más consequências e “legados malignos”, que formam o que os santos chamam de “impedimentos para a visão de Deus”. “A ferrugem do pecado”, ela diz, “é o impedimento, e o fogo passa a consumir a ferrugem; e como uma coisa que está coberta não consegue corresponder à reverberação dos raios do sol, assim se a cobertura é consumida, a coisa é finalmente exposta ao sol.” É assim que o Purgatório esgota, na alma, o débito (reatus) do pecado venial, e também o débito da pena temporal pelos pecados mortais já remidos. Esta última afirmação, meus leitores perceberão, não está, como alguns pensaram, em desacordo com o ensinamento de Suarez e outros escolásticos, que mantêm que não há mancha deixada na alma pelo pecado que exija uma ação de limpeza daquele fogo. A santa fala em todo o tratado como se o Purgatório fosse não tanto um lugar de limpeza de manchas, mas de pagamento de débitos.

DESEJO DE PURIFICAÇÃO

Tão logo a alma se percebe aceita por Deus e constituída em herdeira do Paraíso, mas incapaz, por causa desse impedimento, de tomar imediata possessão de sua herança, ele desenvolve um intenso desejo de se livrar desse impedimento, dessa dupla obrigação de culpa e pena. Mas sabendo que apenas o Purgatório pode consumir essas obrigações, e que é exatamente com esse objetivo que Deus condena a alma a esse fogo, ela deseja suportar essa pena. “A alma separada do corpo (estas são as próprias palavras da santa), não encontrando em si mesma toda a pureza necessária, e vendo em si esse impedimento que não pode ser tirado exceto pelo Purgatório, imediatamente nele se joga com uma vontade firme. Ora, se a alma não considerasse o Purgatório uma instância apropriada para a remoção desse impedimento, surgiria imediatamente em seu interior um inferno muito pior que o Purgatório, visto que ela perceberia que esse impedimento não a permitiria aproximar-se de Deus, que é seu fim último. Por conseguinte, se a alma pudesse encontrar outro purgatório mais cruel, em que ela pudesse se livrar mais rapidamente desse impedimento, ela velozmente nele se precipitaria, por causa da impetuosidade do seu amor por Deus.”

Mas isso não é tudo. No capítulo seguinte a santa continua a ensinar que se a alma, trabalhando sob esse impedimento, fosse livre para escolher entre acender imediatamente da situação em que se encontra para o Paraíso, e descer para sofrer no Purgatório, ela escolheria sofrer, embora os sofrimentos sejam quase tão terríveis quanto aqueles do Inferno. Estas são suas palavras: “Acerca da enorme importância do Purgatório nenhuma língua pode dizer, nenhuma mente conceber. Pelo que vi, suas penas são quase como se fossem as do Inferno; e, mesmo assim, vejo também que a alma que percebe em si o mais tênue defeito ou partícula de imperfeição preferiria se lançar em milhares de infernos a se encontrar na presença de Divina Majestade com esse defeito à mostra; e portanto, percebendo que o Purgatório está ordenado a tirar essas imperfeições, ela de imediato se lança nele e parece, pelo que vejo de sua compostura, considerar que tal lugar é de grande misericórdia, pois permite que ela se livre desse impedimento.”

PENA DE DANO

Quando a alma justa chega ao Purgatório, perdendo de vista tudo o mais, vê diante dela apenas duas coisas: o extremo sofrimento e a extrema alegria. Uma dor tremenda é causada pelo conhecimento de que Deus a ama como um amor infinito, que Ele é o Principal Bem, que Ele considera a alma como Sua filha, e que Ele a predestinou a desfrutar d’Ele para sempre em companhia dos Bem-Aventurados; e, assim, a alma O ama com uma caridade pura e perfeita. Ao mesmo tempo, ela percebe que não pode vê-Lo ou desfrutá-Lo ainda, embora anseie isso tão intensamente; e sua aflição aumenta ainda mais com a incerteza de quando terminará seu exílio, longe de seu Senhor e do Paraíso. Essa é a pena de dano do Purgatório, da qual a santa diz que é “uma pena tão extrema que nenhuma língua pode descrevê-la, nenhuma inteligência conceber a menor porção dela. Embora Deus em Sua bondade me mostrasse uma pequena centelha dela, não consigo expressá-la com minha língua de modo algum.”

Ela compara a pena de dano ao anseio por um pedaço de pão. “Se em todo o mundo houvesse apenas um pedaço de pão que fosse capaz de satisfazer a fome de todas as criaturas, quem ficaria saciado apenas por contemplá-lo, quais seriam os sentimentos de um homem que possuísse, por natureza, o instinto de comer, quando saudável; quais, repito, seriam seus sentimentos se não fosse nem capaz de comer, nem estivesse doente ou a beira da morte? Sua fome seria sempre crescente e, sabendo que nada havia exceto aquele pedaço para satisfazê-lo e ainda assim não sendo capaz de consegui-lo, ele permaneceria em insuportável tortura.” Essa semelhança, contudo, nos mostra tão somente uma sombra do que a alma realmente sofre. Ela é continuamente arrastada por um imperceptível e violento amor por Deus, único que pode satisfazê-la. Essa violência cresce incessantemente enquanto a alma faminta fica privada de seu Divino Objeto, pelo qual ela se mostra indescritivelmente voraz; e sua tortura continuaria assim também aumentando, não fosse mitigada pela esperança – ou antes, pela certeza de que está cada vez mais perto da eterna felicidade. Nas palavras do profeta, o sofredor sabe que “verá o fruto do que sua alma trabalhou e ficará satisfeito.” (Is. 53:13).

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