Pe. Faber
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Purgatório: Segunda visão - O desejo das almas por purificação – Parte I
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Não antes que a alma, sem culpa de pecado mortal, mas ainda
com o débito para com Deus da pena temporal, seja libertada deste mundo e
julgada, ela pode perceber que está confirmada na graça e na caridade. É então
incapaz de pecar e também acumular méritos; e está destinada, por um eterno e
imutável decreto, a entrar um dia como rainha no reino dos Bem-Aventurados, a
ver, amar e desfrutar de Deus, a Fonte perpétua de toda a felicidade.
Neste instante, todos os pecados da vida passada são
apresentados à alma, sejam mortais ou veniais, mesmo que tenham sido remidos
durante a vida por contrição e pelo Sacramento da Penitência. Mas depois dessa
visão transitória e instantânea, a alma não mais se lembra deles. As palavras da
Santa são: “A causa do Purgatório, que essas almas têm em si mesmas, elas veem
uma vez por todas na passagem desta vida para outra, e em nenhum outro momento.”
A razão dessa exibição dos pecados, ela nos ensina, é possibilitar à alma,
naquele momento, por um ato – não mais realmente meritório, mas ainda assim um
ato real da vontade – detestar todos os seus pecados uma vez mais, e
especialmente aqueles pecados veniais pelos quais ela não teve nenhuma
contrição durante a vida, ou por causa de fraqueza de coração, ou por causa de
uma morte súbita. Isto porque é estritamente verdade que nenhum pecado é
perdoado sem um ato formal de detestação dele.
Depois dessa visão momentânea dos pecados e de sua
destestação, a alma percebe em si mesma suas (dos pecados) más consequências e “legados
malignos”, que formam o que os santos chamam de “impedimentos para a visão de
Deus”. “A ferrugem do pecado”, ela diz, “é o impedimento, e o fogo passa a
consumir a ferrugem; e como uma coisa que está coberta não consegue
corresponder à reverberação dos raios do sol, assim se a cobertura é consumida,
a coisa é finalmente exposta ao sol.” É assim que o Purgatório esgota, na alma,
o débito (reatus) do pecado venial, e
também o débito da pena temporal pelos pecados mortais já remidos. Esta última
afirmação, meus leitores perceberão, não está, como alguns pensaram, em
desacordo com o ensinamento de Suarez e outros escolásticos, que mantêm que não
há mancha deixada na alma pelo pecado
que exija uma ação de limpeza daquele fogo. A santa fala em todo o tratado como
se o Purgatório fosse não tanto um lugar de limpeza de manchas, mas de pagamento
de débitos.
DESEJO DE PURIFICAÇÃO
Tão logo a alma se percebe aceita por Deus e constituída em
herdeira do Paraíso, mas incapaz, por causa desse impedimento, de tomar
imediata possessão de sua herança, ele desenvolve um intenso desejo de se
livrar desse impedimento, dessa dupla obrigação de culpa e pena. Mas sabendo
que apenas o Purgatório pode consumir essas obrigações, e que é exatamente com
esse objetivo que Deus condena a alma a esse fogo, ela deseja suportar essa
pena. “A alma separada do corpo (estas são as próprias palavras da santa), não
encontrando em si mesma toda a pureza necessária, e vendo em si esse
impedimento que não pode ser tirado exceto pelo Purgatório, imediatamente nele
se joga com uma vontade firme. Ora, se a alma não considerasse o Purgatório uma
instância apropriada para a remoção desse impedimento, surgiria imediatamente em
seu interior um inferno muito pior que o Purgatório, visto que ela perceberia
que esse impedimento não a permitiria aproximar-se de Deus, que é seu fim
último. Por conseguinte, se a alma pudesse encontrar outro purgatório mais
cruel, em que ela pudesse se livrar mais rapidamente desse impedimento, ela
velozmente nele se precipitaria, por causa da impetuosidade do seu amor por
Deus.”
Mas isso não é tudo. No capítulo seguinte a santa continua a
ensinar que se a alma, trabalhando sob esse impedimento, fosse livre para
escolher entre acender imediatamente da situação em que se encontra para o
Paraíso, e descer para sofrer no Purgatório, ela escolheria sofrer, embora os
sofrimentos sejam quase tão terríveis quanto aqueles do Inferno. Estas são suas
palavras: “Acerca da enorme importância do Purgatório nenhuma língua pode
dizer, nenhuma mente conceber. Pelo que vi, suas penas são quase como se fossem
as do Inferno; e, mesmo assim, vejo também que a alma que percebe em si o mais
tênue defeito ou partícula de imperfeição preferiria se lançar em milhares de
infernos a se encontrar na presença de Divina Majestade com esse defeito à
mostra; e portanto, percebendo que o Purgatório está ordenado a tirar essas imperfeições,
ela de imediato se lança nele e parece, pelo que vejo de sua compostura,
considerar que tal lugar é de grande misericórdia, pois permite que ela se
livre desse impedimento.”
PENA DE DANO
Quando a alma justa chega ao Purgatório, perdendo de vista
tudo o mais, vê diante dela apenas duas coisas: o extremo sofrimento e a
extrema alegria. Uma dor tremenda é causada pelo conhecimento de que Deus a ama
como um amor infinito, que Ele é o Principal Bem, que Ele considera a alma como
Sua filha, e que Ele a predestinou a desfrutar d’Ele para sempre em companhia
dos Bem-Aventurados; e, assim, a alma O ama com uma caridade pura e perfeita.
Ao mesmo tempo, ela percebe que não pode vê-Lo ou desfrutá-Lo ainda, embora
anseie isso tão intensamente; e sua aflição aumenta ainda mais com a incerteza
de quando terminará seu exílio, longe de seu Senhor e do Paraíso. Essa é a pena
de dano do Purgatório, da qual a santa diz que é “uma pena tão extrema que
nenhuma língua pode descrevê-la, nenhuma inteligência conceber a menor porção
dela. Embora Deus em Sua bondade me mostrasse uma pequena centelha dela, não
consigo expressá-la com minha língua de modo algum.”
Ela compara a pena de dano ao anseio por um pedaço de pão. “Se
em todo o mundo houvesse apenas um pedaço de pão que fosse capaz de satisfazer
a fome de todas as criaturas, quem ficaria saciado apenas por contemplá-lo,
quais seriam os sentimentos de um homem que possuísse, por natureza, o instinto
de comer, quando saudável; quais, repito, seriam seus sentimentos se não fosse nem
capaz de comer, nem estivesse doente ou a beira da morte? Sua fome seria sempre
crescente e, sabendo que nada havia exceto aquele pedaço para satisfazê-lo e
ainda assim não sendo capaz de consegui-lo, ele permaneceria em insuportável
tortura.” Essa semelhança, contudo, nos mostra tão somente uma sombra do que a
alma realmente sofre. Ela é continuamente arrastada por um imperceptível e
violento amor por Deus, único que pode satisfazê-la. Essa violência cresce
incessantemente enquanto a alma faminta fica privada de seu Divino Objeto, pelo
qual ela se mostra indescritivelmente voraz; e sua tortura continuaria assim
também aumentando, não fosse mitigada pela esperança – ou antes, pela certeza
de que está cada vez mais perto da eterna felicidade. Nas palavras do profeta,
o sofredor sabe que “verá o fruto do que sua alma trabalhou e ficará
satisfeito.” (Is. 53:13).
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